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quinta-feira, 2 de julho de 2009

JURID - Responsabilidade civil do Estado. Suicídio. Tentativa. [02/07/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil do Estado. Suicídio. Tentativa. Negligência. Possibilidade concreta. Dever de vigilância.

Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

RELATOR: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO LUIZ FUX

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO. TENTATIVA. NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA. DIREITO À PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS. NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ.

1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros.

2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo evoluir para quadro grave, como a tentativa de suicídio. Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006.

3. In casu, assentou o Tribunal a quo caber ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas.

4. A negligência decorrente dos fatos narrados pelo autor na exordial - em especial no que se refere à configuração da responsabilidade estatal - restou examinada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos, é insindicável nesta instância processual, à luz do óbice constante da Súmula 7/STJ.

5. O Estado é responsável pessoas presas cauterlamente ou em decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, torna-se guardião dessas pessoas (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 603).

6. A Fazenda do Estado responde pelo ato ilícito praticado por agentes da Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento hospitalar da Corporação, que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele encontrada no Batalhão onde servila" (TJSP - 4ª C. - Ap - Rel. Médice Filho - j. 24.8.72 - RT 445/84)" (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 604).

7. Precedentes: REsp 466969/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 05/05/2003; REsp 785.835/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 02/04/2007;REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007.

8. A definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela responsabilização exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira Tôrres, in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo", Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 - Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240)

9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencido o Sr. Ministro Relator, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Luiz Fux, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Luiz Fux (voto-vista) os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki (voto-vista), Denise Arruda (voto-vista) e Benedito Gonçalves (voto-vista).

Brasília (DF), 02 de junho de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX
Relator p/ Acórdão

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 03/06/2008

JULGADO: 03/06/2008

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Brasília, 03 de junho de 2008

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO: Trata-se de recurso especial interposto pela UNIÃO FEDERAL, com esteio no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O presente recurso decorre de ação declaratória movida pelo recorrido, assistido por sua mãe, visando unicamente à declaração de que havia sofrido acidente em serviço, em razão do incidente ocorrido nas dependências do exército que lesionou seriamente o autor.

Segundo o Tribunal a quo, o incidente referido, tiro de fuzil, ocorreu em face de negligência de preposto do Estado, que se encontrava bêbado deixando armamento à disposição do recorrente que se encontra em estado depressivo, caracterizando omissão do Estado.

O Tribunal manteve a sentença declarando a ocorrência de acidente em serviço. Não houve condenação em dinheiro.

A União opôs embargos declaratórios, os quais foram rejeitados.

No presente recurso especial alega violação aos artigos 535 do CPC, 945 do Código Civil e aos artigos 945 do Código Civil e 1º do Decreto 52.272/65.

Sustenta que houve culpa exclusiva da vítima, tendo esperado a ausência de outros militares do corpo da guarda, subtraído as chaves que trancavam as armas e, finalmente, se trancado no banheiro e disparado com o rifle em sua própria cabeça.

Pugna pela reforma do acórdão.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TENTATIVA DE SUICÍDIO. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE EM SERVIÇO.

I - A presente ação tem como objetivo caracterizar como acidente em serviço a tentativa de suicídio ocorrida no interior de estabelecimento do exército.

II - De forma geral, analisar a existência ou não de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido impõe a revisão do conjunto probatório. O que é insusceptível no âmbito do recurso especial. Não obstante, na hipótese dos autos, de todo o circunlóquio fático desenvolvido nas decisões das instâncias ordinárias, restou definida a inexistência de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido, sendo desnecessário revolver provas e fatos.

III - Restou definido que a vítima, tendo esperado a ausência de outros militares do corpo da guarda, subtraiu as chaves que trancavam as armas, e finalmente se trancado no banheiro e disparado com o rifle em sua própria cabeça.

IV - A ocorrência do evento danoso, por si só, não tem o condão de determinar a responsabilidade objetiva da administração se inexiste relação de causa e efeito entre as ações do próprio suicida e o evento que redundou em seu grave ferimento. Neste panorama, não há como caracterizar o evento como acidente em serviço.

V - Recurso especial provido.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (RELATOR): O recurso merece ser conhecido pois atendidos os pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade.

A presente ação tem como objetivo caracterizar como acidente em serviço a tentativa de suicídio ocorrida no interior de estabelecimento do exército.

O Tribunal a quo entendeu que o fato se caracteriza como acidente em serviço, em face dos critérios de responsabilidade objetiva determinados pelo artigo 37, §6º, da Constituição Federal.

O recorrente alega que, assim agindo, aquele Sodalício violou o artigo 945 do Código Civil Brasileiro, haja vista a responsabilidade da vítima sobre o evento.

Do circunlóquio fático desenvolvido no acórdão recorrido consta que a vítima, tendo esperado a ausência de outros militares do corpo da guarda, subtraiu as chaves que trancavam as armas, e finalmente se trancou no banheiro e dispou com o rifle em sua própria cabeça.

De forma geral, analisar a existência ou não de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido impõe a revisão do conjunto probatório - o que é insusceptível no âmbito do recurso especial.

Não obstante, na hipótese dos autos, de todo o circunlóquio fático desenvolvido nas decisões das instâncias ordinárias, restou definida a inexistência de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido.

A ocorrência do evento danoso, por si só, não tem o condão de determinar a responsabilidade objetiva da administração se inexiste relação de causa e efeito entre as ações do próprio suicida e o evento que redundou em seu grave ferimento. Neste panorama, não há como caracterizar o evento como acidente em serviço.

Tais as razões expendidas, dou provimento ao recurso especial da UNIÃO.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 03/06/2008

JULGADO: 05/06/2008

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Luiz Fux. Aguardam os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Denise Arruda.

Brasília, 05 de junho de 2008

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

VOTO-VISTA (VENCEDOR)

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO. TENTATIVA. NEGLIGÊNCIA. POSSIBILIDADE CONCRETA. DEVER DE VIGILÂNCIA. DIREITO À PROTEÇÃO DA VIDA PRÓPRIA E DE TERCEIROS. NEXO CAUSAL. SÚMULA 7/STJ.

1. O nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros.

2. Ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo evoluir para quadro grave, como a tentativa de suicídio. Precedente: RMS 18.017/SP, DJ 02/05/2006.

3. In casu, assentou o Tribunal a quo caber ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas.

4. A negligência decorrente dos fatos narrados pelo autor na exordial - em especial no que se refere à configuração da responsabilidade estatal - restou examinada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos, é insindicável nesta instância processual, à luz do óbice constante da Súmula 7/STJ.

5. O Estado é responsável pessoas presas cauterlamente ou em decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, torna-se guardião dessas pessoas (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 603).

6. A Fazenda do Estado responde pelo ato ilícito praticado por agentes da Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento hospitalar da Corporação, que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele encontrada no Batalhão onde servila" (TJSP - 4ª C. - Ap - Rel. Médice Filho - j. 24.8.72 - RT 445/84)" (Rui Stocco - in "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- página 604).

7. Precedentes: REsp 466969/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 05/05/2003; REsp 785.835/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 02/04/2007;REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007.

8. A definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela responsabilização exclusiva do Estado." (grifou-se) (Heleno Taveira Tôrres, in "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo", Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 - Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240)

9. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

10. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido, divergindo do Relator, para manter incólume o acórdão objurgado.

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX: Trata-se de Recurso Especial interposto pela União Federal, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado, verbis:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA. MILITAR. LESÕES CORPORAIS EM TENTATIVA DE SUICÍDIO: ACIDENTE DE SERVIÇO.

1. Se o militar temporário comete atentado contra a sua vida, fazendo uso, ademais, de arma (fuzil) da corporação, cujo acesso lhe foi viabilizado por culpa da Administração Pública, há responsabilidade objetiva hábil a caracterizar o acidente de serviço.

2 - As condições em que o serviço militar obrigatório se processa, semelhantes, mutatis mutantis, ao que ocorre nas penitenciárias, favorável a desordens emocionais diversas, implica imputar ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão.

3. Não é razoável, para descaracterizar o acidente de serviço, alegar-se voluntariedade no suicídio. A pedra de toque é: o autor estava depressivo e o Estado, podendo e devendo, tal não percebeu; e a arma do crime foi viabilizada pelo agente por culpa da Administração Pública. Há, além da relação de causalidade entre o ato da Administração e o resultado, exigidos pela teoria da responsabilidade objetiva, culpa do Exército, tanto "in vigilando" quanto "in custodiendo".

4. Apelação e remessa oficial improvida. (fls. 184)

Consta dos autos que SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA, assistido por sua genitora, Joana de Oliveira do Amaral, propôs Ação Declaratória de acidente em serviço em face da União, objetivando o reconhecimento do incidente ocorrido nas dependências do Exército que lesionou seriamente o autor.

O Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal julgou procedente o pedido, assentando que:

"Com efeito, o Autor se escusou de delinear na inicial as circunstâncias do acidente. Limitou-se a dizer que sofreu ferimentos ocasionados pelo disparo de um fuzil 7.62.

A suplicada diz tratar-se de tentativa de auto-extermínio. O laudo de fls. 19/20 descreve a lesão. Impede observar que, ainda que assim o seja, o acidente em serviço seja caracterizado. A responsabilidade do Exército Brasileiro é objetiva (CF, art. 37, § 6º), inclusive no que concerne às cautelas necessárias para evitar acidentes em suas próprias instalações.

Cabia aos responsáveis pela guarda do armamento diligenciar o máximo de cautela para que militar não autorizado naquele dia a portar armas, delas não dispusesse.

É no âmbito do próprio Inquérito Policial Militar que se conclui que o responsável pelas chaves que davam acesso à arma do infortúnio deixou-as inadvertidamente sobre a mesa do corpo de guarda, permitindo, assim, a utilização do armamento por quem estava, inclusive, com o aspecto de quem ingerira bebida alcoólica (fls. 37 e 75/78). Deixa de ter importância o fato de que o Autor tenha concorrido para o ato, agindo espontaneamente. Arma na caserna e para quem está de serviço e em condições de portá-la.

Está suficientemente demonstrado o dano. O Autor padece de grave quadro clínico (fls. 8/16).

Assim, faz-se presente o nexo de causalidade entre o ato-resultante da falta de zelo e segurança com armamento pesado por parte de agente público responsável por sua guarda - e o dano." (fls. 149/150).

A União apelou, alegando ser inaceitável a responsabilidade civil do Estado por lesões advindas de tentativa de suicídio, ato voluntário do apelado que se aproveitou de um descuido do Cabo da Guarda para ter acesso à arma, acesso, ademais, não contemporâneo aos fatos.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao apelo e à remessa oficial, mantendo incólume a sentença, que firmou a responsabilidade objetiva do Estado, por entender que houve falta de cuidado por parte do agente de Poder Público, que deixou as chaves que davam ingresso às armas em cima da mesa, permitindo, com sua omissão, que o autor facilmente tivesse acesso ao fuzil e tivesse oportunidade de dispará-lo contra si, resultando nas graves e talvez irremediáveis seqüelas à saúde do autor, que, à época, prestava o serviço militar, e estava depressivo, situação que deveria ter sido percebida em tempo hábil. Por sua vez, consignou o Tribunal a quo que arma do crime foi viabilizada pelo agente por culpa da Administração Pública.

Extrai-se ainda das razões do acórdão recorrido, verbis:

"A separação de pessoa da convivência social e sua submissão a treinamento militar, seja pela disciplina, seja pela convivência diuturna com armamentos e seu potencial destrutivo, seja pelo relacionamento estreitado com desconhecidos das mais diversas formações, com seus vícios e virtudes, seja pelo tratamento massificado que dificulta a manutenção do senso de individualidade, seja pelo autoritarismo que há em tais locais, implica vislumbrar, sem qualquer dificuldade, que o ambiente castrense é propício ao surgimento de desordens emocionais e conflitos. E qualquer da forças militares sabe disso.

Em tais condições, como, mutatis mutandis, em penintenciárias, cabe ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas."

Em face dessas circunstâncias, o TRF 1ª Região entendeu caracterizado o acidente de serviço, porquanto configurados os pressupostos da responsabilidade objetiva da Administração Pública (CF, art. 37, §6º).

A União opôs embargos de declaração, os quais restaram rejeitados, uma vez que o acórdão recorrido restara calcado na premissa de inexistência de culpa exclusiva da vítima, e que a suposta embriaguez da vítima não foi considerada questão essencial para o deslinde da questão posta (fls. 193/194).

A ora recorrente, em sede de recurso especial, apontou violação aos artigos 535 do CPC, 945 do CCB e 1º do Decreto 52.272/65, sustentando, em síntese, a existência de culpa exclusiva da vítima, que esperou a ausência de outros militares do corpo da guarda para subtrair as chaves que trancavam armas, apoderando-se de um rifle, com intuito de trancar-se no banheiro e disparar contra sua própria cabeça.

A União aviou recurso extraordinário (fls. 210/219).

Realizado o juízo positivo de admissibilidade do apelo, ascenderam os autos a esta Corte, que restaram distribuídos, aleatoriamente, ao Ministro Francisco Falcão, que entendeu pelo provimento do recurso especial, nos termos da ementa que se transcreve, verbis:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TENTATIVA DE SUICÍDIO. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE EM SERVIÇO.

I - A presente ação tem como objetivo caracterizar como acidente sem serviço a tentativa de suicídio ocorrida no interior de estabelecimento do exército.

II - De forma geral, analisar a existência ou não de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido impõe a revisão do conjunto probatório. O que é insusceptível no âmbito do recurso especial. Não obstante na hipótese dos autos de todo o circunlóquio fático desenvolvido nas decisões das instâncias ordinárias, restou definido a inexistência de nexo causal entre o ato administrativo e o dano sofrido, sendo desnecessário revolver provas e fatos.

III - Restou definido que a vítima, tendo esperado a ausência de outros militares do corpo da guarda, subtraiu as chaves que trancavam as armas, e finalmente se trancado no banheiro e disparado com o rifle em sua própria cabeça.

IV - A ocorrência do evento danoso, por si só, não tem o condão de determinar a responsabilidade objetiva da administração se inexiste relação de causa e efeito entre as ações do próprio suicida e o evento que redundou em seu grave ferimento. Neste panorama, não há como caracterizar o evento como acidente em serviço.

V - Recurso especial provido."

Pedi vista dos autos para melhor exame.

Prima facie, divirjo do Relator por entender que o nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros.

Muito embora desimportante para o deslinde da questio iuris a questão da suposta embriaguez do servidor ressalto que, ao contrário do alegado pela União, mesmo que demonstrada tal situação, impor-se-ia sobremaneira a responsabilidade do Estado.

Isto porque, ad argumentandum tantum, ainda que se admitisse a embriaguez afirmada pelo recorrente, incumbe ao Estado o tratamento do alcoolismo, reconhecida patologia que acarreta distúrbios psicológicos e mentais, podendo evoluir para quadro grave, como o ora em exame.

Neste sentido, cite-se aresto desta Corte:

RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - EMBRIAGUEZ HABITUAL NO SERVIÇO - COAÇÃO DO SERVIDOR DE PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO, MEDIANTE A COLETA DE SANGUE, NA COMPANHIA DE POLICIAIS MILITARES - PRINCÍPIO DO "NEMO TENETUR SE DETEGERE" - VÍCIO FORMAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - CERCEAMENTO DE DEFESA - DIREITO DO SERVIDOR À LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE E, INCLUSIVE, À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - RECURSO PROVIDO.

1. É inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio nemo tenetur se detegere, o que decorre da inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição da República e art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa Rica. Precedentes.

2. Ocorre vício formal no processo administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de mandado de segurança.

3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor.

4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vitima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado.

5. Recurso provido.(RMS 18.017/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 09/02/2006, DJ 02/05/2006 p. 390)

Por sua vez, restou assentado na instância ordinária que o autor estava depressivo, razão suficiente para que o Estado exercesse maior vigilância quanto à atuação do militar, limitando o acesso às armas da corporação, por ensejar risco social desarrazoado.

Como bem esclarecido pelo Tribunal a quo "cabe ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão. Formar soldados não significa querê-los - a qualquer preço - bons atiradores, bem preparados fisicamente e cumpridores de ordens. Eventuais desequilíbrios emocionais ou psicológicos podem e devem ser detectados pelo Administrador Público em suas rotineiras rondas."

Mutatis Mutandis, já tive oportunidade de decidir questões análogas, ocorridas em estabelecimentos prisionais, como se afere dos seguintes arestos:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PENSÃO.

1. Morte de suspeito de ação penal por enforcamento no interior do estabelecimento prisional. Responsabilidade do Poder Público.Semelhança com o emblemático "Caso Herzog". Recurso limitado ao quantum do pensionamento. Proporcionalidade da indenização. 2. A verba devida por morte, ainda que a responsabilidade seja objetiva, calca-se no cânone do art. 1.537 do CC, de 1916. Em conseqüência, o autor do dano deve pagar os alimentos a quem o falecido os devia. Nessa fixação é imperioso conceder o quantum que percebia o de cujus pelas sua atividade laborativa com cujo produto subvencionava, necessarium vitae, sua família. 2. A condenação no valor de 10 salários-mínimos mensais supera os lindes da razoabilidade, haja vista mostrar-se excessivo para os padrões sociais da família do de cujus, que percebia como verba remuneratória, na empresa em que era empregado, o equivalente a menos de 02 (dois) salários-mínimos 3. Revelando-se o quantum fixado a título de indenização irrisório ou exorbitante, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça aumentar ou reduzir o seu valor, não implicando em exame de matéria fática. (Precedentes da Corte.) 4. Recurso provido para reduzir o valor da indenização mensal.(REsp 466969/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/04/2003, DJ 05/05/2003 p. 233)

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REFORMATIO IN PEJUS AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.º 282 E 356 DO STF.DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DO DISSÍDIO. CEGUEIRA E IRREVERSÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALTERAÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO PELAS INSTÂNCIAS DE COGNIÇÃO PLENA. IMPOSSIBILIDADE IN CASU. EXCESSO OU ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NÃO CONFIGURADOS. HONORÁRIOS. ACÓRDÃO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.

1. O quantum indenizatório devido a título de danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica do réu.

2. A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que este quantum deve ser arbitrado pelo juiz de forma a que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade.

3. O dano imaterial, implica destacar que a indenização não visa reparar a dor, a tristeza ou a humilhação sofridas pela vítima, haja vista serem valores inapreciáveis, o que não impede que se fixe um valor compensatório, com o intuito de suavizar o respectivo dano.

4. A Súmula nº 45, desta Corte, preceitua que "no reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".

5. Isto por que resta cediço na doutrina que: "... a remessa obrigatória assemelha-se ao recurso quanto à possibilidade de alteração da decisão em "detrimento" da parte beneficiada pelo reexame oficial. Assim é que, em duplo grau obrigatório, não se admite que o tribunal, revendo a decisão prejudique, por exemplo, a Fazenda Pública, piorando-lhe a situação contida na sentença remetida de ofício, mas que não sofreu impugnação voluntária da parte adversa. Trata-se de "vedação da reformatio in pejus", instituto intimamente ligado à idéia de recurso voluntário. Esse fenômeno ocorre, justamente, quando a decisão "para pior" é proferida pelo órgão revisor contra o único recorrente." (Luiz Fux, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2001).

6. In casu, considerando a responsabilidade objetiva do Estado, ora recorrente, por culpa inescusável acarretou a perda da visão esquerda do ora recorrido, o Tribunal a quo alterou o valor arbitrado a título de dano moral pelo juízo de primeiro grau, de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para R$80.000,00 (oitenta mil reais), fixando o pensionamento até a morte do autor e não até os 65 anos de idade, como outrora determinado na primeira instância.

7. A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais somente é admitida, em sede de recurso especial, na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo, o que, no caso sub judice, não restou configurado (Precedentes: REsp n.º 681.482/MG, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJU de 30/05/2005; AgRg no AG n.º 605.927/BA, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 04/04/2005; AgRg no AG n.º 641.166/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 07/03/2005; AgRg no AG n.º 624.351/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 28/02/2005; e REsp n.º 604.801/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 07/03/2005.

8. Os critérios de aferimento da Justa Indenização para fixação do quantum indenizatório estão adstritos às instâncias ordinárias, ante a necessária análise do conjunto fático-probatório atraindo a incidência da Súmula 07/STJ.

9. O arbitramento a título de indenização por dano moral em montante inferior ao pretendido pelo autor não enseja a aplicação do Art. 21 do CPC, posto ostentar caráter estimativo. Precedente: AgRg no Ag 482422 / SC, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJ 13.06.2005.

10. É defeso a esta Corte o exame de questão sobre a qual o acórdão recorrido decidiu com fundamento em interpretação de matéria eminentemente constitucional, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais.

11. É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" (Súmula 282/STF), e "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento" (Súmula N.º 356/STJ).

12. A admissão do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional exige a demonstração do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração analítica das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, bem como pela juntada de certidão ou de cópia integral do acórdão paradigma, ou, ainda, a citação do repertório oficial de jurisprudência que o publicou, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.

13. Recuso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, parcialmente provido, para determinar a manutenção da sentença de primeiro grau.(REsp 785.835/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2007, DJ 02/04/2007 p. 241)

No mesmo sentido, cite-se ainda:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DETENTO MORTO APÓS SER RECOLHIDO AO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO.SOBREVIDA PROVÁVEL (65 ANOS). PRECEDENTES.

1. Tratam os autos de ação reparatória de danos advindos de delito ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás contra o Estado de Goiás pleiteando indenização por danos morais e materiais bem como indenização mensal a título de pensão aos dependentes de vítima de morte em estabelecimento prisional. O juízo singular julgou improcedente o pedido por ausência de nexo causal e evidente culpa exclusiva da vítima, e declarou extinto o feito. Inconformado, o Ministério Público interpôs apelação, que foi parcialmente provida pelo Tribunal, condenando o Estado a pagar: a) o valor despendido com o funeral da vítima, b) pensão mensal de 1 (um) salário mínimo a ser dividido entre a companheira da vítima e seus filhos, retroagindo a condenação à data do fato danoso, e c) indenização, a título de danos morais, à mãe da vítima e aos referidos beneficiários no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Interpostos embargos declaratórios, foram rejeitados à unanimidade. O estado de Goiás manejou recurso especial defendendo que: a) deve ser afastado o nexo causal; b) o Tribunal proferiu decisão extra petita ao declarar o direito de acrescer o valor da pensão mensal dos beneficiários; c) o limite temporal de sessenta e sete anos para o pagamento da pensão mensal a ser paga à companheira está em dissonância com a interpretação do Superior Tribunal de Justiça.

Contra-razões ao recurso especial, alegando, em síntese, que: a) não merece ser conhecido, pois nem sequer foi indicada a alínea do permissivo constitucional autorizador do recurso; b) o aresto atacado assentou-se em fundamento constitucional; c) o provimento do recurso depende de revolvimento do arcabouço fático-probatório, vedado em sede de recurso especial. Parecer Ministerial opinando pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.

2. No que se refere à morte de preso sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva.

3. A orientação desta Corte fixa em sessenta e cinco anos o limite temporal para pagamento da pensão mensal estabelecida.

4. Precedentes jurisprudenciais do STF, do STJ e de Tribunais Estaduais prestigiando a fixação da responsabilidade civil quando presente o panorama fático e jurídico acima descrito.

5. Doutrina de Rui Stoco, Yussef Cahali, Cretela Júnior e Celso Antônio Bandeira de Melo no mesmo sentido do acima exposto (ver "Tratado de Responsabilidade Civil", de Rui Stoco, 6ª Ed. RT, 2004, pp. 1.124/1.125) 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para fixar em sessenta e cinco anos o limite temporal para pagamento da pensão mensal estabelecida. (REsp 847.687/GO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 25/06/2007 p. 221)

Outrossim, consigne-se acertada posição doutrinária, destacada por Rui Stocco, confirmatória da posição jurisprudencial supramencionada, in litteris:

"Quando o Estado tem sob a sua responsabilidade pessoas presas cauterlamente ou em decorrência de sentença definitiva; menores carentes ou infratores internados em estabelecimentos de triagem ou recuperação; alunos de qualquer nível (básico, profissionalizante, nível superior etc); doentes internados em hospitais públicos, e outras situações assemelhadas, torna-se guardião dessas pessoas.

Sua responsabilidade por danos que essas pessoas sofram em tais estabelecimentos ou veículos decorre da obrigação da guarda do Estado.

Se se omite ou se descura desse dever de guarda, responderá pelas conseqüências danosas, quer por ele diretamente causadas, quer por terceiros.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello essa responsabilidade decorre de comportamento omissivo do Estado, sendo necessário que ele haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível. E, mais, se o Estado, devendo agir, poro imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência que traduzem um ilícito ensejador de dano não evitado, quando, de direito, devia sê-lo. Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com as possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia (op. cit. p. 144-146).

E exemplifica: "Se o Poder Público despoja os internos em certo presídio de quaisquer recursos que lhes permitam atentar contra a própria vida, não pode eximir-se de responsabilidade contra a própria vida, não pode eximir-se de responsabilidade em relação ao suicídio de algum ou alguns detentos a respeito dos quais omitiu-se na adoção de igual cautela" (idem, p. 146)

Responde a Fazenda do Estado pelo ato ilícito praticado por agentes da Administração, decorrente da deficiência de vigilância exercida sobre oficial da Polícia Militar, portador de esquizofrenia, internado estabelecimento hospitalar da Corporação, que, evadindo-se, suicidou-se com arma por ele encontrada no Batalhão onde servila" (TJSP - 4ª C. - Ap - Rel. Médice Filho - j. 24.8.72 - RT 445/84)" (In "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial - Doutrina e Jurisprudência", 4ª Edição, Revista dos Tribunais- páginas 603/604)

Saliente-se oportuna lição de Heleno Taveira Tôrres, acerca da excludente de responsabilização do Estado, por culpa exclusiva da vítima, que deve ser apreciada cum granis salis, verbis:

"6.5.1 - Culpa do lesado

O fato do Estado não questionar sobre a existência de dolo ou culpa nas suas ações para fins indenizatórios, nos termos de responsabilidade objetiva, não implica na eliminação do dever funcional que a Administração possui, em decorrência do múnus público que lhe é inerente, de realizar um procedimento para apurar o fato gerador do dano. Tampouco, na desnecessidade de verificação de existência de dolo ou culpa do administrado.

Comprovado que o administrado concorreu para o fato por dolo ou culpa, exime-se a responsabilização da Fazenda Pública, total ou parcialmente, a depender da participação da conduta estatal no evento.

O que se faz importante observar é a relação causal, pela qual se analisa a conduta estatal como suficiente e necessária para provocar o dano tal como ocorreu, mesmo que parcialmente. O que vai definir a proporção participativa e o grau de vinculação do Estado com o evento danoso é o próprio caso concreto, que varia deveras, principalmente quanto ao momento da conduta estatal, se é o fundamento e encontra-se na gênese do fato ou se contribui apenas para o agravamento do dano.

Mas se tenha presente que a definição dos níveis de participação da vítima nem sempre é muito clara, de modos que, na prática, têm-se admitido a mesma como excludente apenas nos casos de completa eliminação de conduta estatal. Nos casos em que existam dúvidas sobre tal inexistência, resolve-se pela responsabilização exclusiva do Estado." (grifou-se) (In "O Princípio da Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo" - Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 32 - nº 126 - Senado Federal - abril/junho - 1995, páginas 239/240)

Ademais, a esta Corte é insindicável revolver o contexto fático-probatório admitido perante o Tribunal a quo, motivo pelo qual divirjo do i. Relator, para reconhecer o nexo causal entre a conduta negligente do Estado e o eventum damni, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

Por fim, não houve violação ao artigo 535 do CPC, porque o Tribunal a quo elucidou a litiscontestatio, verbis:

"(...) Verifica-se, de pronto, que não houve a omissão apontada, havendo, na realidade, expressa intenção da UNIÃO no prequestionamento de lei e reforma do julgado.

O acórdão reconheceu que não houve culpa exclusiva da vítima a afastar a responsabilidade civil do Estado, conforme trecho que transcrevo: "(...)

Tais elementos são suficientes por demonstrar a responsabilidade objetiva do Estado pelo dano causado, não havendo falar em culpa exclusiva da vítima, que, constrita, estava (ou deveria estar), não o bastante, em permanente avaliação física e psicológica: todos sabemos dos rigores para prestar o serviço militar obrigatório". (fls. 179, 3º §)

Quanto à indicação de erro material relativo ao fato da embriaguez indicada, verifico que tal circunstância não foi considerada essencial para o deslinde da questão posta. Desse modo, não há vício a ser sanado, tratando-se de circunstância secundária para formação do convencimento do MM. Juiz Relator do acórdão embargado, quanto aos fatos apurados durante a instrução processual.

E, no que diz respeito à aplicação do Decreto nº 57.272/65, verifico que este foi expressamente analisado na r. sentença recorrida, sendo que, ao confirmar integralmente o decisum de 1º Grau, o acórdão endossou a fundamentação relativa à inaplicabilidade do referido Decreto.

Na realidade verifica-se que a parte embargante, a pretexto de prequestionamento da matéria, objetiva nova discussão sobre o mérito, não sendo os embargos declaratórios via adequada para esse fim."

Ex positis, CONHEÇO PARCIALMENTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA PARTE, NEGO-LHE PROVIMENTO, divergindo do Relator, para manter incólume o acórdão objurgado.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 18/11/2008

JULGADO: 18/11/2008

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luiz Fux divergindo do voto do Sr. Ministro Relator para negar provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Aguarda a Sra. Ministra Denise Arruda.

Brasília, 18 de novembro de 2008

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

VOTO-VISTA

PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. AÇÃO DECLARATÓRIA. ACIDENTE EM SERVIÇO. DEMANDA QUE, EXPRESSAMENTE, AFASTA QUALQUER PRETENSÃO DE NATUREZA INDENIZATÓRIA. IMPERTINÊNCIA, PORTANTO, DA DISCUSSÃO A RESPEITO DA EXISTÊNCIA OU NÃO DE NEXO CAUSAL, MATÉRIA TÍPICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL, ESTRANHA À DEMANDA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC: INEXISTÊNCIA. OFENSA AOS ARTS. 945 DO CC E 1º DO DECRETO 52.272/65: DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, IMPROVIDO.

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:

1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em demanda ajuizada em face do Exército Brasileiro (União) objetivando que "seja declarada que as lesões sofridas pelo requerente, na noite de 21 de maio de 1991, no interior do quartel do Tribunal de origem 11-012, decorreram de ACIDENTE EM SERVIÇO" (fl. 04), negou provimento à apelação interposta pela recorrente, mantendo a sentença que declarara "a existência de relação jurídica decorrente do reconhecimento de que o episódio discutido nestes autos caracteriza acidente em serviço" (fls. 150-151). O acórdão recorrido foi assim ementado:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA. MILITAR. LESÕES CORPORAIS EM TENTATIVA DE SUICÍDIO: ACIDENTE DE SERVIÇO.

1. Se o militar temporário comete atentado contra a sua vida, fazendo uso, ademais, de arma (fuzil) da corporação, cujo acesso lhe foi viabilizado por culpa da Administração Pública, há responsabilidade objetiva hábil a caracterizar o acidente de serviço.

2. As condições em que o serviço militar obrigatório se processa, semelhantes, mutatis mutantis, ao que ocorre nas penitenciárias, favorável a desordens emocionais diversas, implica imputar ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão.

3. Não é razoável, para descaracterizar o acidente de serviço, alegar-se voluntariedade no suicídio. A pedra de toque é: o autor estava depressivo e o Estado, podendo e devendo, tal não percebeu; e a arma do crime foi viabilizada pelo agente por culpa da Administração Pública. Há, além da relação de causalidade entre o ato da Administração e o resultado, exigidos pela teoria da responsabilidade objetiva, culpa do Exército, tanto "in vigilando" quanto "in custodiendo".

4. Apelação e remessa oficial improvida. (fls. 184)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados. Nas razões do recurso especial, a recorrente aponta violação aos arts. 945 do CC e 1º do Decreto 52.272/65, defendendo, em síntese, a culpa exclusiva da vítima no incidente. Quanto ao art. 535 do CPC, defende que há erro material no acórdão recorrido "no que tange a afirmação do douto relator que o Cabo da Guarda estava bêbado, quando na verdade tal alegação era quanto ao recorrente, o que viabiliza o pedido de cassação do v. acórdão" (fl. 201).

O relator, inicialmente, negou seguimento ao recurso especial (fl. 256), tendo reconsiderado a decisão em sede de agravo regimental (fl. 270). Na sessão do dia 05.06.2008, o Min. Francisco Falcão, deu provimento ao recurso ante a inexistência de "relação de causa e efeito entre as ações do próprio suicida e o evento que redundou em seu grave ferimento". O Min. Luiz Fux, em divergência, manifestou-se no sentido de que "o nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros".

Pedi vista.

2. Acompanho o voto do Min. Luiz Fux quanto à negativa de provimento ao recurso em relação à alegada violação ao art. 535 do CPC, já que o Tribunal de origem foi expresso ao consignar que:

"Quanto à indicação de erro material relativo ao fato da embriaguez indicada, verifico que tal circunstância não foi considerada essencial para o deslinde da questão posta. Desse modo, não há vício a ser sanado, tratando-se de circunstância secundária para formação do convencimento do MM. Juiz Relator do acórdão embargado, quanto aos fatos apurados durante a instrução processual." (fl. 193)

3. Quanto à matéria remanescente, cumpre destacar que a parte autora deixa claro, na inicial, que "a presente ação se destina a obtenção de uma sentença, desprovida de Execução Compulsória, na qual apenas declare a existência de um direito. Assim, requer a V. Exa. seja declarada que as lesões sofridas pelo requerente, na noite de 21 de maio de 1991, no interior do quartel do Tribunal de origem 11-012, decorreram de ACIDENTE EM SERVIÇO" (fl. 04). Não havendo pedido condenatório de qualquer espécie, especialmente o de indenização, mostra-se inteiramente impertinente a respeito da existência ou não de nexo causal, matéria típica de responsabilidade civil, que, repita-se, está fora dos limites postos na demanda. Essa circunstância, por si só, já afasta a similitude fática de todos os julgados colacionados no recurso.

Nesse contexto, o recurso especial não reúne condições de admissibilidade em relação ao art. 945 do CC, seja porque (a) o dispositivo articulado não guarda qualquer relação com a controvérsia posta nos autos, seja porque (b) não há, em sua fundamentação, a indicação adequada da questão federal controvertida, tendo deixado a recorrente de informar de que modo a legislação federal foi violada ou teve negada sua aplicação, incindindo, na espécie, o óbice da Súmula 284 do STF (É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia).

Esse mesmo impedimento (item b acima) inviabiliza o conhecimento do apelo relativamente ao art. 1º do Decreto 52.272/65.

4. Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso especial para, nessa parte, negar-lhe provimento. É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 17/02/2009

JULGADO: 17/02/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki conhecendo parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negando-lhe provimento, pediu vista a Sra. Ministra Denise Arruda.

Brasília, 17 de fevereiro de 2009

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 24/03/2009

JULGADO: 24/03/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Denise Arruda acompanhando o voto do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

Brasília, 24 de março de 2009

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

VOTO-VISTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ACIDENTE EM SERVIÇO. TENTATIVA DE SUICÍDIO. SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULAS 13/STJ E 284/STF. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.

2. Na interposição do recurso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, não basta a simples menção da norma federal tida por violada, é necessária a demonstração clara e precisa da ofensa em que teria incorrido o acórdão recorrido, sob pena de não-conhecimento do recurso, por deficiência na fundamentação (Súmula 284/STF).

3. É certo que, nos fundamentos da petição de recurso especial, a União afirmou que o acórdão recorrido havia incorrido em divergência jurisprudencial e, para tanto, apresentou diversas ementas de julgados proferidos pelo próprio TRF da 1ª Região e de um julgado do Supremo Tribunal Federal. No entanto, ainda que se entendesse pela interposição do especial também pela alínea c do permissivo constitucional, o recurso não prosperaria. Isso, porque: (a) "a divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial" (Súmula 13/STJ); (b) é inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano por meio do cotejo analítico, com a transcrição dos trechos dos acórdãos em que se funda a divergência, além da demonstração das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.

4. Por derradeiro, é importante ressaltar que, efetivamente, o pedido formulado na petição inicial é no sentido da declaração da ocorrência de acidente em serviço, e não da responsabilidade civil do Estado. Todavia, considerando o conhecimento do recurso especial apenas quanto à suposta ofensa ao art. 535 do CPC e a impossibilidade de seu conhecimento em relação aos demais temas, conforme acima delineado, a questão torna-se irrelevante, porquanto somente influenciaria no julgamento do mérito da demanda.

5. Peço vênia aos Ministros Francisco Falcão, Relator, e Luiz Fux, para, acompanhando o voto do Ministro Teori Albino Zavascki, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.

A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA:

1. Trata-se de recurso especial interposto pela UNIÃO com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA. MILITAR. LESÕES CORPORAIS EM TENTATIVA DE SUICÍDIO: ACIDENTE DE SERVIÇO.

1. Se o militar temporário comete atentado contra a sua vida, fazendo uso, ademais, de arma (fuzil) da corporação, cujo acesso lhe foi viabilizado por culpa da Administração Pública, há responsabilidade objetiva hábil a caracterizar o acidente de serviço.

2 - As condições em que o serviço militar obrigatório se processa, semelhantes, mutatis mutantis, ao que ocorre nas penitenciárias, favorável a desordens emocionais diversas, implica imputar ao Estado vigiar o comportamento e o estado psicológico daqueles que sob sua imediata fiscalização e autoridade estão.

3. Não é razoável, para descaracterizar o acidente de serviço, alegar-se voluntariedade no suicídio. A pedra de toque é: o autor estava depressivo e o Estado, podendo e devendo, tal não percebeu; e a arma do crime foi viabilizada pelo agente por culpa da Administração Pública. Há, além da relação de causalidade entre o ato da Administração e o resultado, exigidos pela teoria da responsabilidade objetiva, culpa do Exército, tanto 'in vigilando' quanto 'in custodiendo'.

4. Apelação e remessa oficial improvida." (fl. 184)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Nas razões de recurso especial, a entidade estatal alega, em síntese, que o acórdão recorrido incorreu em violação dos arts. 945, do Código Civil, e 1º, § 2º, do Decreto 57.272/65, e em divergência jurisprudencial, na medida em que o Tribunal de origem utilizou como acórdão paradigma hipótese em que "a Administração Militar tinha entregue armamento a um militar que não tinha condições de portá-la. Aqui o caso é outro. O autor, ora recorrido, por sua própria vontade fez uso de chaves, que não lhe foram confiadas e de forma clandestina, para pegar armamento que estava trancado no seu devido local" (fl. 202). Sustenta, ademais, ofensa ao art. 535, II, do CPC, por entender que houve erro material, "no que tange à afirmação do douto Relator que o Cabo da Guarda estava bêbado, quando na verdade tal alegação era quanto ao recorrente, o que viabiliza o pedido de cassação do v. acórdão" (fl. 201).

Contra-razões apresentadas às fls. 230/239.

Não tendo sido admitido o recurso na origem, subiram os autos por força do provimento de agravo de instrumento.

Levado o feito à apreciação da Primeira Turma, o Relator, Ministro Francisco Falcão, deu provimento ao recurso especial da União, sob o fundamento de que não se caracterizou o nexo causal entre a omissão estatal e o dano sofrido pelo recorrido, de maneira que "não há como caracterizar o evento como acidente em serviço".

O Ministro Luiz Fux pediu vista dos autos. Na sessão de 18 de novembro de 2008, proferiu voto no sentido do desprovimento do recurso especial, considerando que não houve ofensa ao art. 535 do CPC e que "o nexo causal ressoa inequívoco quando a tentativa de suicídio respalda-se na negligência do Estado quanto à possibilidade de militar deprimido ter acesso a armas, colocando em risco não apenas a sua própria existência, mas a vida de terceiros". Quanto às demais premissas fáticas aferidas nas instâncias ordinárias, concluiu pela incidência da Súmula 7/STJ.

Na sessão de 17 de fevereiro de 2009, o Ministro Teori Albino Zavascki, após pedido de vista, levou o feito a julgamento. Na ocasião, entendeu que: (a) não se configurava a alegada violação do art. 535 do CPC; (b) "quanto à matéria remanescente, cumpre destacar que a parte autora deixa claro, na inicial, que 'a presente ação se destina a obtenção de uma sentença, desprovida de Execução Compulsória, na qual apenas declare a existência de um direito. Assim, requer a V. Exa. seja declarada que as lesões sofridas pelo requerente, na noite de 21 de maio de 1991, no interior do quartel do Tribunal de origem 11-012, decorreram de ACIDENTE EM SERVIÇO' (fl. 04). Não havendo pedido condenatório de qualquer espécie, especialmente o de indenização, mostra-se inteiramente impertinente a respeito da existência ou não de nexo causal, matéria típica de responsabilidade civil, que, repita-se, está fora dos limites postos na demanda. Essa circunstância, por si só, já afasta a similitude fática de todos os julgados colacionados no recurso"; (c) incidia a Súmula 284/STF.

Após, pedi vista dos autos.

É o relatório.

2. Peço vênia aos Ministros Francisco Falcão, Relator, e Luiz Fux, para conhecer, parcialmente, do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.

(a) Inicialmente, não viola o art. 535 do Código de Processo Civil, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no acórdão em exame, não se podendo cogitar de sua nulidade. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no Ag 571.533/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.6.2004; AgRg no Ag 552.513/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 17.5.2004; EDcl no AgRg no REsp 504.348/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 8.3.2004; REsp 469.334/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 5.5.2003; AgRg no Ag 420.383/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 29.4.2002.

De fato, ainda que por fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide. Não há confundir, portanto, omissão com decisão contrária aos interesses da parte. Nesse sentido: EDcl no AgRg no Ag 605.832/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 21.11.2005; REsp 588.941/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15.8.2005; REsp 771.993/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 23.10.2006.

Ressalte-se que o TRF da 1ª Região efetivamente se manifestou sobre o tema no julgamento da controvérsia, nos termos seguintes:

"Verifica-se, de pronto, que não houve a omissão apontada, havendo, na realidade, expressa intenção da UNIÃO no prequestionamento de lei e reforma do julgado.

O acórdão reconheceu que não houve culpa exclusiva da vítima a afastar a responsabilidade civil do Estado, conforme trecho que transcrevo:

'(...)

Tais elementos são suficientes por demonstrar a responsabilidade objetiva do Estado pelo dano causado, não havendo falar em culpa exclusiva da vítima, que, constrita, estava (ou deveria estar), não o bastante, em permanente avaliação física e psicológica: todos sabemos dos rigores para prestar o serviço militar obrigatório'. (fls. 179, 3º §)

Quanto à indicação de erro material relativo ao fato da embriaguez indicada, verifico que tal circunstância não foi considerada essencial para o deslinde da questão posta. Desse modo, não há vício a ser sanado, tratando-se de circunstância secundária para formação do convencimento do MM. Juiz Relator do acórdão embargado, quanto aos fatos apurados durante a instrução processual.

E, no que diz respeito à aplicação do Decreto nº 57.272/65, verifico que este foi expressamente analisado na r. sentença recorrida, sendo que, ao confirmar integralmente o decisum de 1º Grau, o acórdão endossou a fundamentação relativa à inaplicabilidade do referido Decreto.

Na realidade verifica-se que a parte embargante, a pretexto de prequestionamento da matéria, objetiva nova discussão sobre o mérito, não sendo os embargos declaratórios via adequada para esse fim.

(...)

Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração." (fls. 193/194)

(b) No mais, da análise da petição recursal, verifica-se que o apelo especial foi interposto apenas com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. No entanto, a ora recorrente não demonstrou em que teria consistido a alegada violação dos arts. 945, do Código Civil, e 1º, § 2º, do Decreto 57.272/65, apresentando uma fundamentação deficiente que impede a exata compreensão da controvérsia.

Saliente-se que a exposição de uma fundamentação razoável é necessária e indispensável para viabilizar o acesso a instância superior, tendo em vista que é obrigatória uma adequada apresentação dos fatos e fundamentos jurídicos para que seja possível aferir a suposta ofensa à legislação infraconstitucional.

Desse modo, estando ausentes, no caso, argumentos por parte da recorrente que permitam a compreensão do ponto em que o acórdão recorrido violou os mencionados dispositivos legais, aplica-se, na hipótese, o enunciado sumular 284 da Suprema Corte: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."

A respeito do tema, o doutrinador Luiz Orione Neto, em sua obra Recursos Cíveis, aduz: "Outra exigência para o cabimento do recurso especial, evidenciada pelo texto do art. 105, III, a, da Constituição Federal, consiste na necessidade de o recorrente indicar precisamente o preceito da lei federal entendido como violado. (...) Acresça-se a isso o fato de que somente será apreciada a violação especificamente apontada pelo recorrente. Assim, a fundamentação respectiva é vinculada, ou seja, apenas será apreciada à medida que invocado com precisão pelo recorrente o maltrato às normas constitucionais em que incorreu o decisum." (São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 564/565).

A propósito:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. SÚMULAS N.ºS 282, E 284,DO STF. ASTREINTES. OBRIGAÇÃO DE FAZER DE NATUREZA PERMANENTE; VALE DIZER, PASSÍVEL DE SER DESFEITA. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA.

(...)

3. A ausência de indicação do fundamento da violação do artigo de lei federal apontado como malferido revela a deficiência das razões do Recurso Especial, fazendo incidir a Súmula 284 do STF 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.' (...)

9. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, desprovido." (REsp 638.806/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.12.2004)

"PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA - OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS - CPC, ARTS. 677 E 678 - SÚMULA 83/STJ - INDICAÇÃO DE OUTROS BENS À PENHORA - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 07/STJ - TEMAS NÃO DECIDIDOS NO TRIBUNAL 'A QUO' - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - SÚMULAS 282 E 356 DO STF - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL - FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE - SÚMULA 284 STF - INADMISSIBILIDADE. -

(...)

- A simples indicação do preceito de lei federal que teria sido violado, sem a demonstração clara e precisa da ofensa em que teria incorrido o aresto hostilizado, viabilizando o melhor entendimento da controvérsia pelo julgador, não autoriza o conhecimento do recurso especial pela letra 'a', por deficiência na fundamentação recursal (Súmula 284/STF).

- Recursos especiais não conhecidos." (REsp 299.703/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 11.10.2004)

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ALÍNEA 'A'. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 211/STJ, 282 E 356/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA EXATA COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 284/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(...)

II - A mera alusão ao malferimento de legislação federal, sem particularizar o gravame ou descompasso na sua aplicação, não enseja a abertura da via Especial. Desta forma, inviável a admissão do apelo com base na alínea 'a'. Aplicável, à espécie, o verbete Sumular 284/STF, verbis: 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.'

III - Agravo interno desprovido." (AgRg no Ag 619.454/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 13.12.2004)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284 DO STF.

Inadmissível o recurso, se a fundamentação das razões recursais encontra-se deficiente, pois não fundamentado de que forma teria o acórdão recorrido violado os dispositivos legais tidos como malferidos, dificultando a compreensão da controvérsia. Incidência da Súmula 284 do STF. Agravo regimental improvido. Decisão unânime." (AgRg no Ag 227.261/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 29.11.1999)

É certo que, nos fundamentos da petição de recurso especial, a União afirmou que o acórdão recorrido havia incorrido em divergência jurisprudencial e, para tanto, apresentou diversas ementas de julgados proferidos pelo próprio TRF da 1ª Região e de um julgado do Supremo Tribunal Federal. No entanto, ainda que se entendesse pela interposição do especial também pela alínea c do permissivo constitucional, o recurso não prosperaria.

Com efeito, não há falar em dissenso pretoriano quando os arestos paradigmas foram proferidos pelo mesmo tribunal que julgou o acórdão recorrido, ante o óbice contido na Súmula 13 do STJ ("A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial"). Ademais, quanto ao paradigma do Supremo Tribunal Federal, a recorrente deixou de efetuar o devido cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o divergente. Isso, porque a mera transcrição de ementas e voto não é suficiente para a exata compreensão do dissídio apontado, restando ausente o confronto analítico da divergência, com a demonstração das circunstâncias que evidenciam a similitude fática e jurídica em discussão (AgRg no Ag 459.531/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 15.12.2003; AgRg no Ag 519.661/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 1º.12.2003; AgRg no Ag 519.217/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 24.11.2003; AgRg no Ag 502.029/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 20.10.2003; AgRg no Ag 466.820/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 19.5.2003).

(c) Por derradeiro, é importante ressaltar que, efetivamente, o pedido formulado na petição inicial é no sentido da declaração da ocorrência de acidente em serviço, e não da responsabilidade civil do Estado. Todavia, considerando o conhecimento do recurso especial apenas quanto à suposta ofensa ao art. 535 do CPC e a impossibilidade de seu conhecimento em relação aos demais temas, conforme acima delineado, a questão torna-se irrelevante, porquanto somente influenciaria no julgamento do mérito da demanda.

3. Diante do exposto, peço vênia aos Ministros Francisco Falcão, Relator, e Luiz Fux, para, acompanhando o voto do Ministro Teori Albino Zavascki, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.014.520 - DF (2007/0291389-1)

RELATOR: MINISTRO FRANCISCO FALCÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TENTATIVA DE SUICÍDIO NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO DO EXÉRCITO. ACIDENTE DE SERVIÇO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ARTIGOS 945 DO CC E 1º DO DECRETO 52.272/65. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. FALTA DE CUIDADO DO AGENTE ESTATAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, NÃO PROVIDO.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Trata-se de recurso especial interposto pela União Federal, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que negou provimento ao apelo da União e à remessa necessária, mantendo hígida a sentença, que entendeu caracterizado o acidente de serviço, porquanto configurados os pressupostos da responsabilidade objetiva da Administração Pública.

Opostos embargos declaratórios pela União, foram rejeitados (fls. 196).

Em suas razões do especial, aponta a recorrente, além de divergência jurisprudencial, violação aos artigos 535 do CPC, 945 do CC e 1º do Decreto 52.272/65. Sustenta, em suma, que o agente público não teve participação no evento danoso, que se deu por ato exclusivo da vítima, e que, portanto, não tem obrigação de indenizar.

Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso especial, proferiu voto-vista divergente o Sr. Ministro Luiz Fux, para negar provimento ao recurso especial. O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki entendeu por bem conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, o que foi acompanhado pela Sra. Ministra Denise Arruda.

Pedi vista para melhor exame do caso.

Inicialmente, é de ser afastada a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, por não se vislumbrar a ocorrência de nenhum dos vícios elencados no referido dispositivo legal a reclamar a anulação do julgado, mormente quando o Tribunal a quo assevera expressamente que o possível erro material relativo ao fato da embriaguez não foi essencial para o deslinde da questão.

Vê-se que o acórdão impugnado guardou observância ao princípio da motivação obrigatória das decisões judiciais na medida em que analisou suficientemente a controvérsia dos autos, de forma motivada e fundamentada, apenas não adotando a tese defendida pelo recorrente e, consoante entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes.

No que tange aos arts. 945 do Código Civil e 1º do Decreto 52.272/65, incide a Súmula 284 do STF, tendo em vista que a recorrente, em seu recurso especial, limita-se a indicar genericamente tais dispositivos, sem, contudo, demonstrar de que forma eles teriam sido violados pelo Tribunal de origem, o que configura deficiência na fundamentação recursal.

Outrossim, ainda que se considere tenha o recurso especial sido interposto também pela alínea "c", constata-se que os recorrentes deixaram de apresentar claramente os termos do dissídio, não realizaram o cotejo analítico, indicando as circunstâncias de fato que assemelham um caso ao outro, e tampouco apresentaram cópia ou certidão dos acórdãos apontados como divergentes. Por isso, o conhecimento do especial encontra-se obstado por força do art. 255, § 2º, RISTJ, e art. 541, parágrafo único, CPC.

Por fim, é de se notar que toda a discussão pende para a perquirição da existência ou não de nexo de causalidade, de culpa exclusiva da vítima e de negligência do agente estatal, o que naturalmente esbarra na previsão do enunciado 7 desta Corte.

Feitas tais considerações, voto pelo parcial conhecimento do recurso especial e, quanto ao ponto, nego-lhe provimento.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0291389-1

REsp 1014520 / DF

Números Origem: 199901001192027 200701000144230 200701403141 9400029578

PAUTA: 02/06/2009

JULGADO: 02/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. IVALDO OLÍMPIO DE LIMA

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: UNIÃO

RECORRIDO: SANDRO OLIVEIRA DE ALMEIDA

ADVOGADO: JORGE PEREIRA CORTES

ASSUNTO: Administrativo - Responsabilidade Civil do Estado - Indenização - Acidente em Serviço

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, a Turma, por maioria, vencido o Sr. Ministro Relator, conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Luiz Fux, que lavrará o acórdão.

Votaram com o Sr. Ministro Luiz Fux (voto-vista) os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki (voto-vista), Denise Arruda (voto-vista) e Benedito Gonçalves (voto-vista).

Brasília, 02 de junho de 2009

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

Documento: 790053

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 01/07/2009




JURID - Responsabilidade civil do Estado. Suicídio. Tentativa. [02/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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