Anúncios


quarta-feira, 7 de julho de 2010

JURID - Recurso em sentido estrito. Crimes contra a ordem tributária [07/07/10] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Crimes (6) contra a ordem tributária, em continuidade delitiva.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal de Justiça de santa Catarina - TJSC

Recurso Criminal n. 2010.008304-3, de Joinville

Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES (6) CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, EM CONTINUIDADE DELITIVA.

PRELIMINAR DA RECORRIDA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO DÉBITO FISCAL. DOCUMENTOS JUNTADOS QUE NÃO DÃO A CERTEZA NECESSÁRIA À COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO. PREFACIAL AFASTADA.

MÉRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA DECORRENTE DO RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA INCONSTITUCIONALIDADE DO INC. II DO ART. 2º DA LEI N. 8.137/1990. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. DISPOSITIVO LEGAL QUE PROTEGE A ORDEM TRIBUTÁRIA, BEM JURÍDICO QUE VISA GARANTIR A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO ESTADO, QUE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM A VEDADA PRISÃO POR DÍVIDA. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. TIPICIDADE DA CONDUTA NARRADA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO CASSADA. DENÚNCIA RECEBIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2010.008304-3, da comarca de Joinville (2ª Vara Criminal), em que são recorrente e recorrida, respectivamente, A Justiça, por seu Promotor, e Luciana Pereira Perini:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, afastar a preliminar arguida pela recorrida e dar provimento ao recurso para cassar a decisão e receber a denúncia. Custas legais.

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Luciana Pereira Perini, dando-a como incursa nas sanções do art. 2.º, inc. II, da Lei n. 8.137/1990, por seis vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça inicial:

I - A denunciada, na condição de titular da firma individual LUCIANA PEREIRA PERINI (Matriz), CNPJ/MF nº 01.233.799/0001-29 e Inscrição Estadual nº 253.283.701, estabelecida na rua Almirante Jaceguay, nº 161, Bairro Santo Antônio, Joinville/SC, deixou de efetuar o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, conforme valores apurados e declarados na DIME (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico), pela própria denunciada, referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2008 e Fevereiro de 2009, conforme espelhos da DIME (fls. 05-10), parte integrante da notificação fiscal nº 960.300.073-69 de 11/03/09;

II - E na condição de titular da firma individual LUCIANA PEREIRA PERINI (Filial), CNPJ/MF nº 01.233.799/0002-00 e Inscrição Estadual nº 253.283.710, estabelecida na rua dos Ginásticos, nº 188, Centro, Joinville/SC, deixou de efetuar o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, conforme valores apurados e declarados na DIME (Declaração do ICMS e do Movimento Econômico), pela própria denunciada, referente aos meses de Outubro e Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, conforme espelhos da DIME (fls. 16; 21-22), parte integrante das notificações fiscais nº 960.300.277-85 de 16/04/09 960.300.364-23 de 13/05/09, totalizando o montante de R$ 49.856,29 (Quarenta e nove mil, Oitocentos e cinquenta e seis reais e vinte e nove centavos), locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores efetivamente cobrados dos consumidores finais, em prejuízo do Estado de Santa Catarina.

A togada singular, às fls. 31-36, ao analisar a exordial acusatória, considerou-a formalmente correta, ou seja, entendeu que ela atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, porém, rejeitou-a, entendendo que não há justa causa para o exercício da ação penal pela atipicidade da conduta decorrente da inconstitucionalidade do art. 2.º, inc. II, da Lei n. 8.137/1990, incidentalmente reconhecida na mesma oportunidade.

Inconformado, o órgão ministerial interpôs recurso em sentido estrito (fl. 41) e, em suas razões (fls. 42-47), requereu a reforma da decisão com a consequente continuidade do feito, para tanto ponderando: a) que o bem jurídico protegido pelo inc. II do art. 2.º da Lei n. 8.137/1990 não se resume à dívida do réu com o Estado, abrangendo a ordem tributária; b) que a ação penal intentada não se presta apenas para exigir o pagamento do débito fiscal; c) que não há inconstitucionalidade no referido dispositivo legal porque o ilícito penal cujo bem jurídico protegido seja mensurável em termos patrimoniais não se confunde com a dívida decorrente de ato negocial livremente celebrado entre as partes; e d) que os precedentes jurisprudenciais citados na decisão recorrida já estão superados.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 50-59) e mantida a decisão recorrida (fl. 80), a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Sérgio Rizelo (fls. 85-100), opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido, porém há de se analisar, antes do mérito, a preliminar de extinção da punibilidade pelo pagamento do débito fiscal, arguida pela recorrida, em suas contrarrazões recursais.

O assunto, como bem anotou a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, "não comporta análise, na atual fase processual, por essa Egrégia Corte de Justiça" (fl. 86), porque não foi apreciado no primeiro grau e, embora a extinção da punibilidade seja questão de ordem pública, envolve a valoração de provas, que poderá ser melhor efetuada pelo juízo a quo.

Ademais, embora a recorrida tenha juntado Documentos de Arrecadação de Receitas Estaduais - DARE autenticados mecanicamente, não há nos autos nenhuma certidão da Receita Estadual dando conta da efetiva quitação dos débitos.

É que, a meu sentir, como os valores contidos nos documentos juntados não correspondem exatamente aos contidos naqueles em que foram constituídos os débitos tributários, não há como ter certeza que os pagamentos efetuados dizem respeito aos débitos ora objeto deste processo, o que deverá ser feito, com melhor propriedade, pelo juízo a quo.

Afasto, portanto, a preliminar de extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário.

A razão está com o recorrente.

Não há inconstitucionalidade no texto do art. 2.º, inc. II, da Lei n. 8.137/1990 e, via de consequência, a conduta descrita na denúncia não é atípica, motivo pelo qual essa última não merece ser rejeitada.

Explico.

O bem jurídico protegido pelo dispositivo legal em comento, ao contrário do que entendeu a togada singular, não é mera dívida da acusada com o Fisco e sim ofensa à ordem tributária, que é muito mais ampla do que o débito fiscal em si e envolve a garantia de subsistência do próprio Estado.

A ordem tributária precisa estar revestida de todas as garantias possíveis, inclusive na esfera penal, a fim de que se sustente a existência do Estado e, assim, este continue proporcionando as garantias constitucionais aos cidadãos.

Ao deixar de recolher impostos devidos, a agente não está apenas ferindo o direito de seu credor, o Estado. Ela está, também e acima de tudo, causando gravame à sociedade, na medida em que enfraquece a capacidade do Estado de implementar políticas públicas e de garantir, por meio de suas atribuições típicas, a ordem e a paz social.

Criminalizar a conduta de deixar de recolher imposto devido não se trata de admitir a prisão por dívida e sim de proteger a ordem tributária e, em última análise, a existência do próprio Estado.

Nesse aspecto, como nos demais, diga-se de passagem, brilhante a exposição do recorrente:

Portanto, o tipo penal do art. 2.º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, não se resume à censura de débito fiscal, mas se criminaliza conduta que, se tolerada, irá comprometer a existência do próprio Estado e das garantias que prometeu proporcionar aos seus cidadãos. Por ter sido originado de regular processo legislativo, sua legitimidade e razoabilidade vem alicerçados nos mais caros princípios caracterizadores de um Estado Democrático de Direito (fl. 44).

Afastada a tese de que o tipo penal pelo qual a acusada foi denunciada equivaleria à prisão por dívida, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, também não há se falar que a ação penal, no caso em comento, presta-se a ser mero instrumento arrecadatório, com o fim último de coagir a ré ao pagamento do débito fiscal.

Ora, é claro que a ação penal deflagrada para apurar a prática do tipo insculpido no inc. II do art. 2.º da Lei n. 8.137/1990 não tem caráter meramente arrecadatório, pois a criminalização da conduta nele prevista tem, acima de tudo, caráter retributivo e preventivo.

Caráter retributivo porque visa apurar a prática de crime que fere a ordem tributária com o fim de dar a necessária resposta do Estado à ofensa engendrada contra a ordem jurídica instituída. E também preventivo, pois gera no ânimo da agente o receio de praticar novos delitos da mesma natureza (prevenção específica) e, muito além disso, causa o mesmo receio no ânimo geral (prevenção geral).

Diante de ofensa à ordem jurídica de tal grau que possa pôr em risco a própria existência do Estado, é preciso dar resposta à altura, que só o Direito Penal pode oferecer, de modo que, além da justa retribuição, ainda tenha o condão de frear eventual impulso delitivo da própria agente (reincidência) e de todos os demais membros da sociedade.

Seguindo essa linha de raciocínio, não é só porque o pagamento do débito fiscal gera a extinção da punibilidade da agente que se pode afirmar que a ação penal, nos casos como o dos autos, seja mero instrumento arrecadatório.

É claro que, uma vez que o pagamento do débito fiscal extingue a punibilidade da agente, a ação penal ganha um viés de incentivo à quitação da dívida, porém ela não tem essa única intenção, pois, como visto acima, há também o caráter de prevenção geral e específica, bem como o de retribuição da sociedade em face do ilícito perpetrado.

O que o Direito Penal, em última instância, pretende com o tipo penal do inc. II do art. 2.º da Lei n. 8.137/1990 é que a agente não volte mais a delinquir e, além disso, que os demais cidadãos, diante da justa retribuição dada àquela que atentou contra a ordem tributária, evitem a mesma prática delitiva com receio das consequências penais dela advindas.

A ação penal, neste caso, não é, ao contrário do que entendeu a togada singular, mero instrumento arrecadatório.

Além disso, a decisão recorrida ainda equiparou a dívida fiscal, prevista como crime pelo art. 2.º, inc. II, da Lei n. 8.137/1990, à dívida civil.

Essa equiparação, todavia, não é possível, pois o tipo penal decorrente do não recolhimento de imposto devido protege a ordem tributária, de natureza pública e fiscal, e a dívida civil é de natureza eminentemente privada, geralmente restrita à seara dos negócios jurídicos.

Sobre esse tema, cito excerto das razões ministeriais, materialmente irretocáveis:

"Embora não seja rara a confusão, não se deve confundir o objeto do crime, mensurável em valores monetários, com ato negocial livremente celebrado entre as partes, buscando vantagens recíprocas [...]" (fl. 45).

Ora, a dívida cível decorre, como bem salientou o órgão ministerial, de um ato negocial, celebrado entre particulares ou entre um particular e o Estado (no caso de licitações ou contratos públicos), com direitos e obrigações recíprocas; o débito fiscal, ao contrário, decorre de uma obrigação legal e não de um contrato, seja público ou privado.

Nessa linha, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação legal de recolher o imposto ao fisco, nas condições previstas em lei. Não há margem para negociar, senão quando garantida por lei.

Nota-se, então, com bastante clareza, a evidente diferença entre o débito fiscal, do qual nasce o jus puniendi estatal, e a dívida civil, da qual nasce o direito do credor de executá-la.

Não se pode comparar, portanto, o cometimento do delito previsto no art. 2.º, inc. II, da Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, com a dívida civil e, por isso, punir com prisão a conduta do referido dispositivo legal não equivale à prisão por dívida civil.

No próprio Supremo Tribunal Federal, embora incidental e liminarmente, já houve manifestação contrária à inconstitucionalidade do inc. II do art. 2.º da Lei n. 8.137/1990:

[...] Os ilustres impetrantes, sustentando que se reveste de dupla inconstitucionalidade "a (...) prisão por mero inadimplemento de obrigação tributária (prisão por dívida), de que trata o art. 2º, II, da Lei 8.137/90" (fls. 44), argumentam que essa norma penal violaria a Carta da República nos pontos em que esta veda a prisão por dívida (CF, art. 5º, LXVII) e em que assegura a imediata aplicação de direitos e garantias individuais decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil faça parte (CF, art. 5º, §§ 1º e 2º). Postulam a concessão do writ, com a conseqüente declaração de inconstitucionalidade da regra inscrita no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90. [...] É certo que o ordenamento constitucional brasileiro, em preceito destinado especificamente ao legislador comum, proíbe a instituição de prisão civil por dívida, ressalvadas as hipóteses de infidelidade depositária e de inadimplemento de obrigação alimentar (CF, art. 5º, LXVII). Observo, no entanto, que a prisão de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, longe de reduzir-se ao perfil jurídico e à noção conceitual de prisão meramente civil, qualifica-se como sanção de caráter penal resultante, quanto à sua imponibilidade, da prática de comportamento juridicamente definido como ato delituoso. A norma legal em questão encerra, na realidade, uma típica hipótese de prisão penal, cujos elementos essenciais permitem distingui-la, especialmente em função de sua finalidade e de sua natureza mesma, do instituto da prisão civil, circunstância esta que, ao menos em caráter delibatório, parece tornar impertinente a alegação de que o Estado, ao editar o art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 (que define pena criminal, em decorrência da prática de delito contra a ordem tributária), teria transgredido, segundo sustentam os impetrantes, a cláusula vedatória inscrita no art. 5º, LXVII, da Carta Política, que proíbe - ressalvadas as hipóteses previstas no preceito constitucional em referência - a prisão civil por dívida. Não custa enfatizar que a prisão civil, embora medida privativa da liberdade de locomoção física do depositário infiel e do inadimplente de obrigação alimentar, não tem conotação penal, pois a sua única finalidade consiste em compelir o devedor a satisfazer obrigação que somente a ele compete executar. Trata-se, na realidade, como assevera PONTES DE MIRANDA, "de efeito de pretensão civil e não criminal". Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a prisão civil, nela destacou o "caráter constritivo" que lhe identifica - como elemento primordial que é - a sua própria configuração jurídica (RHC 66.627-SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI). Embora de utilização excepcional, o instituto da prisão civil qualifica-se - sempre despojado de qualquer conteúdo penal - como "meio coercitivo para obter-se a restituição do depósito" (CLÓVIS BEVILAQUA, "Código Civil", vol. V, comentários ao art. 1287) ou, na observação feita pelo eminente Ministro MOREIRA ALVES, em artigo de doutrina sobre a matéria, como instrumento "de coerção processual destinado a compelir o devedor a cumprir a obrigação não satisfeita" ("A Ação de Depósito e o Pedido de Prisão", in "Revista de Processo", vol. 36/12). A prisão civil - por revestir-se de finalidade jurídica específica - não ostenta o caráter de pena, eis que a sua imposição não pressupõe, necessariamente, a prática de ilícito penal (HC 71.038-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Foi por tal específica razão que o Supremo Tribunal Federal - ao ressaltar que pessoas sujeitas à prisão civil não podem ser recolhidas a celas comuns, em companhia de criminosos comuns - fundamentou esse reconhecimento na relevante circunstância de que esse instituto não se confunde "com a custódia decorrente de condenação criminal" (Lex/Jurisprudência do STF, vol. 181/312, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA). Nesse sentido, inclusive, orienta-se a jurisprudência firmada por esta Suprema Corte: "(...) A prisão civil, prevista e ressalvada na própria Constituição Federal (...), por sua natureza e finalidade, não se confunde com prisão decorrente da condenação criminal. Inaplicabilidade do regime de prisão albergue às prisões civis, sob pena de tirar-lhes o caráter constritivo que as justifica e lhes é próprio. HC indeferido." (RTJ 98/684, Rel. Min. CORDEIRO GUERRA - grifei) [...]. Assim sendo, tendo presente a relevante circunstância de que a norma legal, cuja constitucionalidade está sendo questionada incidenter tantum, definiu hipótese de sanção penal (pena criminal), por delito contra a ordem tributária, e considerando que o art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, por isso mesmo, nenhuma prescrição veicula sobre o instituto da prisão civil por dívida, indefiro o pedido de medida liminar. 2. Requisitem-se informações ao E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão (Habeas Corpus n. 77.631, de Minas Gerais, rel. Min. CELSO DE MELLO, j. em 3-8-1998).

Este Tribunal já decidiu pela constitucionalidade do dispositivo legal supramencionado:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA [...].

[...]

SONEGAÇÃO FISCAL - FATOS REMANESCENTES - AGENTE QUE, NA QUALIDADE DE ADMINISTRADOR (CONTRIBUINTE DE DIREITO), DEIXA DE RECOLHER AOS COFRES PÚBLICOS, NO PRAZO LEGAL, TRIBUTO (ICMS) COBRADO E EFETIVAMENTE PAGO PELOS CONTRIBUINTES DE FATO - ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 - CONDUTA TÍPICA - DOLO CONFIGURADO - CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL IMPUGNADO - SUPOSTO ESTADO DE NECESSIDADE ORIUNDO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS - INADMISSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA.

1 "O contribuinte efetivamente repassou ao adquirente da mercadoria tributada o ônus representado pelo ICMS. Cobrou-se, portanto, a terceiro, devendo recolher aos cofres públicos o montante assim apurado. Se não o faz, comete crime examinado" (Pedro Roberto Decomain).

2 "Nos impostos indiretos, como o ICMS, o comerciante é mero repassador dos valores, pois o imposto é pago pelo consumidor quando adquire os produtos tributados. Assim, as dificuldades financeiras excluem a culpabilidade apenas quando cabalmente justificadas" (Des. Genésio Nolli).

BEM JURÍDICO TUTELADO QUE VISA À SALVAGUARDA DO ERÁRIO E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, A GARANTIR A PRESTAÇÃO ESTATAL DOS DIREITOS SOCIAIS, CONSUBSTANCIADOS NA REDISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS EXISTENTES PARA ASSEGURAR EDUCAÇÃO, SAÚDE, MORADIA, SEGURANÇA, LAZER, E DEMAIS NECESSIDADES BÁSICAS DA POPULAÇÃO.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação Criminal n. 2009.020479-1/000000, de Joaçaba, rel. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. em 16-6-2009). [grifado]

E mais:

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 - NÃO RECOLHIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS DE ICMS DECLARADO ATRAVÉS GIA E QUE INTEGROU O PREÇO DA MERCADORIA VENDIDA - CONDUTA CRIME EM TESE TIPIFICADA - DENÚNCIA LIMINARMENTE REJEITADA - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO

"Infringe a lei tributária quem, sujeito ao pagamento do tributo, não o faz no tempo, forma e lugar determinado. O não recolhimento de ICM declarado, que integrou o preço da mercadoria vendida, se não recolhido aos cofres públicos, tipifica figura penal" (REsp. n. 8.584/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. em 17.04.91) (Recurso Criminal n. 2002.009766-2, de Chapecó, rel. Gaspar Rubik, Primeira Câmara Criminal, j. em 25-6-2002).

Por fim:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - DENÚNCIA REJEITADA - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL (CPP, ART. 395, III) - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI N. 8.137/90 - INOCORRÊNCIA DE AFRONTA À PROIBIÇÃO DE PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE DÍVIDA (CF/88, ART, 5º, LXVII) - EIVA NÃO CONFIGURADA - REMESSA À ORIGEM PARA RECEBIMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA.

[...]

II - A Constituição Federal de 1988 consagrou em solo pátrio as concepções garantistas há muito desejadas, relevando o papel do Poder Público como concretizador dos direitos fundamentais sociais e individuais, a fim de que se atinjam os objetivos irrogados para a República Federativa do Brasil no art. 3º da Carta Magna (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação).

Tal desiderato só pode ser alcançado mediante o equilíbrio financeiro do governo, o qual retira dos impostos a sua arrecadação, a ponto de tornar a sonegação fiscal ofensa a um bem jurídico relevantíssimo, de modo a justificar a incidência de normas penais no combate desta prática.

III - Não há falar-se em comparações entre o direito privado, submetido às normas de coordenação e, por outro lado, o direito público, direcionado por normas de subordinação e no qual se encontram o direito tributário e o penal. Assim, a imposição de tributos em nada se relaciona com relações negociais entre particulares, derivando do jus imperium e visando a possibilidade de realização pelo Estado das ações governamentais necessárias ao aprimoramento da sociedade.

Nesta toada, inviável a equiparação da proibição da prisão civil por dívida, restrita às hipóteses previstas na Constituição Federal e expurgada como possibilidade de sanção por inadimplemento contratual em negócio jurídico firmado entre particulares, com a segregação decorrente da conduta fraudulenta do não repasse ao estado daquilo que lhe é de direito por força de lei, e que, ademais, nos casos de tributos indiretos, é suportado pelo consumidor final, figurando o sujeito passivo da obrigação como mero repassador.

IV - Resta claro que a conduta descrita no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 não fere os preceitos constitucionais, pontualmente o da proibição de prisão civil por dívida, garantido aos jurisdicionados no art. 5º, LXVIII, da CF/88, em virtude da importância sobrelevada do bem jurídico tutelado e das diferenças substanciais entre as relações negociais de particulares e as relações tributárias.

V - Atendidos os requistos do art. 41 e não verificadas as hipóteses de rejeição elencadas no art. 395, ambos do CPP, viável o acolhimento da peça acusatória para que a persecução penal se desenvolva até seus ulteriores termos (Recurso Criminal n. 2009.038502-2/000000, de Joinville, rel. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. em 1.º/9/2009)

Diante de toda essa argumentação, a evidente conclusão a que se chega é a de que não há, no inc. II do art. 2.º da Lei 8.137/1990, nenhuma inconstitucionalidade.

Não é demasiado lembrar que toda lei ou dispositivo legal deve ser tido por constitucional até que pelo Supremo Tribunal Federal seja decidido o contrário, ou seja, a norma legal presume-se constitucional.

Sendo assim, considerado constitucional o tipo penal imputado à recorrida, não há se falar em atipicidade da conduta narrada na exordial acusatória nem em falta de justa causa para deflagrar a ação penal.

Uma vez que a togada singular já analisou os requisitos formais da denúncia, sou pelo conhecimento e provimento do recurso para cassar a decisão recorrida e receber a exordial acusatória oferecida contra Luciana Pereira Perini, nos autos n. 038.09.053261-6.

Observa-se que a comarca de origem deverá promover a(s) devida(s) comunicação(ões), conforme dispõe o § 2.º do art. 201 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n. 11.690/2008.

DECISÃO

Ante o exposto, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, afastar a preliminar da recorrida e dar provimento ao recurso para cassar a decisão hostilizada, recebendo a denúncia oferecida contra Luciana Pereira Perini.

O julgamento, realizado no dia 27 de abril de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, sem voto, e dele participaram, com voto, os Exmos. Srs. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho e Des. Subst. Roberto Lucas Pacheco. Funcionou, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, tendo lavrado parecer o Exmo. Sr. Dr. Sérgio Antônio Rizelo.

Florianópolis, 28 de abril de 2010.

Alexandre d'Ivanenko
Relator




JURID - Recurso em sentido estrito. Crimes contra a ordem tributária [07/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário