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quinta-feira, 8 de julho de 2010

JURID - Recurso em sentido estrito. Crime de trânsito. Embriaguez. [08/07/10] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Crime de trânsito. Embriaguez ao volante (artigo 306 do código de trânsito brasileiro).

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Recurso Criminal n. 2009.022814-8, de São José

Relator: Des. Newton Varella Júnior

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE ALCOOLEMIA. RECUSA À REALIZAÇÃO DO EXAME PELO CONDUZIDO. PROVA TESTEMUNHAL QUE APONTA INDÍCIOS DE VISÍVEL ESTADO DE EMBRIAGUEZ. EXAME PERICIAL QUE PODE SER SUPRIDO POR OUTROS MEIOS DE PROVAS. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CASSAÇÃO DA DECISÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2009.022814-8, da comarca de São José (Juizado Especial Criminal), em que é recorrente A Justiça, por seu Promotor, e recorrido Daniel da Cunha:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a decisão e determinar o prosseguimento do processo criminal com a reapreciação da denúncia sob os seus demais aspectos de legalidade (art. 41 do CPP). Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo representante do Ministério Público da Comarca de São José, contra decisão prolatada pelo Juízo de Direito da Juizado Especial Criminal da referida comarca, que rejeitou a denúncia sob o argumento de ausência de justa causa da suposta prática do crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Irresignada, a Justiça, por seu Promotor, interpôs o presente recurso, no qual pugna, em síntese, pela reforma da decisão, a fim de que a denúncia seja recebida, sustentando que as declarações dos policiais que atenderam a ocorrência revelaram fortes indícios do estado de embriaguez do denunciado.

Contra-arrazoado o reclamo, mantida a decisão (fl. 40), os autos ascenderam a esta superior instância e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Exmo. Sr. Dr. Odil José Cota, opinou no sentido pelo conhecimento e não provimento do recurso.

VOTO

O Ministério Público, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra Daniel da Cunha, por infração ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, pois, conforme consta na exordial, no dia 21.06.2008, aproximadamente às 00h30min, o denunciado conduzia seu veículo pela rodovida BR-282, quando policiais militares perceberam que no interior desse, alguém que gritava por socorro saiu do veículo que ainda estava em movimento. Realizada a abordagem, os policiais constataram que o denunciado se encontrava em visível estado de embriaguez, no entanto, negou-se a realizar o teste de bafômetro.

A denúncia foi rejeitada pelo juízo de origem, sob o argumento de falta de justa causa, diante da inexistência de provas da materialidade delitiva.

A princípio, destaca-se que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi alterado pela Lei n. 11.705/2008 de 19 de junho de 2008, a qual trouxe um agravamento na conduta, pois passou a considerar crime apenas o fato de dirigir embriagado, dispensando-se a elementar de expor dano potencial a incolumidade de outrem. Porém, a nova redação incluiu no tipo um exame específico, sem o qual a conduta fica descaracterizada:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Embora a nova redação do dispositivo em comento tenha condicionado a caracterização do delito com a comprovação do estado etílico por meio de exame específico, tem-se que a sua não realização, por si só, não o desconstitui, porquanto a embriaguez no patamar previsto (igual ou superior a 6 decigramas por litro de sangue) pode ser comprovada por outros meios de prova.

No caso, a prova testemunhal coligida na fase extra-judicial traz fortes indícios de que o denunciado incidiu na conduta prevista no artigo 306 da Código de Trânsito Brasileiro, pois os policiais que atenderam a ocorrência afirmam de forma coerente e harmônica que o condutor do veículo abordado apresentava visível estado de embriaguez. E sendo solicitado que realizasse o teste de alcoolemia (bafômetro), o condutor recusou-se a submeter-se ao mesmo (fls. 11-12).

Ainda, os agentes de trânsito documentaram os sinais de ebriedade do conduzido, como dificuldade no equilíbrio, dispersão, olhos vermelhos e face ruborizada, conforme auto de constatação de embriaguês (fl.08).

Como cediço, no sistema processual penal brasileiro, vige o sistema da livre persuasão racional do juiz, admitindo-se todos os meios lícitos de provas para comprovar determinado fato.

A propósito é a lição de Fernando Capez:

[...] o juiz tem liberdade para formar a sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios. Trata-se, na realidade, de sistema que conduz ao princípio da sociabilidade do convencimento, pois a convicção do juiz em relação aos fatos e às provas não pode ser diferente de qualquer pessoa que, desinteressadamente, examine e analise tais elementos. Vale dizer, o convencimento do juiz deve ser tal que produza o mesmo resultado na maior parte das pessoas que, porventura examinem o conteúdo probatório. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 1999, p. 248)

Nessa premissa, ainda que o tipo penal exija a quantificação das decigramas de álcool por litro de sangue, não deve o Magistrado ater-se exclusivamente a uma única prova, no caso, o teste de alcoolemia, principalmente, quando esta não foi produzida por negativa do próprio conduzido.

Assim, a prova pericial de embriaguez ao volante pode ser suprida, quando impossível de ser realizada ou diante da recusa do cidadão, por outro meio de prova admitida em direito, como o exame clínico e a prova testemunhal, mormente quando o estado etílico é evidente.

Nesse sentido, a Resolução n. 206/2006 do CONTRAN, que regulamenta o procedimento adotado em casos de embriaguez ao volante pela autoridade de trânsito e seus agentes. O citado normativo prevê em seu artigo 2º, no caso de recusa do condutor à realização do teste, dos exames e da perícia, que a infração em comento caracteriza-se mediante a obtenção de outras provas admitidas em direito acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou outra substância entorpecente.

Ainda, o Código Brasileiro de Trânsito dispõe em seu artigo 277, §2º, que a infração de dirigir sob influência de álcool, prevista no artigo 165 deste Código, poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante outros meios de provas em direito admitidas acerca dos sinais de embriaguez.

Portanto, não prospera o argumento de ausência de justa causa para o recebimento da denúncia por inexistência de exame de alcoolemia específico, pois, no caso em tela, aquela está configurada pelos depoimentos dos policiais na delegacia, que apontam por fortes indícios do visível estado de ebriedade do conduzido.

Desse modo, havendo indícios e provas da tipicidade delitiva a fundamentar a denúncia, não há como reconhecer a falta de justa causa.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça ultimamente vem majoritariamente se manifestando pela admissão da comprovação de materialidade do crime em epígrafe por outros meios de provas para aferição do estado de embriaguez, conforme se extrai dos seguintes precedentes:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TIPICIDADE. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI 9.507/97. RECUSA AO EXAME DE ALCOOLEMIA. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE PREENCHIDO ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO - CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL DO SANGUE. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME ESPECÍFICO PARA AFERIÇÃO DO TEOR DE ÁLCOOL NO SANGUE SE DE OUTRA FORMA SE PUDER COMPROVAR A EMBRIAGUEZ. ESTADO ETÍLICO EVIDENTE. PARECER MINISTERIAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO DESPROVIDO.

1. O trancamento de Ação Penal por meio de Habeas Corpus, conquanto possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.

2. A ausência de realização de exame de alcoolemia não induz à atipicidade do fato pelo não preenchimento de elemento objetivo do tipo (art. 306 da Lei 9.503/97), se de outra forma se puder comprovar a embriaguez do condutor de veículo automotor. Precedentes.

3. A prova da embriaguez ao volante deve ser feita, preferencialmente, por meio de perícia (teste de alcoolemia ou de sangue), mas esta pode ser suprida (se impossível de ser realizada no momento ou em vista da recusa do cidadão), pelo exame clínico e, mesmo, pela prova testemunhal, esta, em casos excepcionais, por exemplo, quando o estado etílico é evidente e a própria conduta na direção do veículo demonstra o perigo potencial a incolumidade pública, como ocorreu no caso concreto.

4. Recurso desprovido, em consonância com o parecer ministerial. (RHC 26.432/MT, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 22/02/2010)

Ou então:

CRIMINAL. RHC. CRIME DE TRÂNSITO. DIREÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 277, § 2º DO CTB. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. POLÍCIA MILITAR QUE NÃO POSSUI TAL INCUMBÊNCIA. AUTO DE CONSTATAÇÃO DE EMBRIAGUEZ LAVRADO PELOS AGENTES DE TRÂNSITO. POSSIBILIDADE. ATO QUE NÃO CONSTITUI APURAÇÃO DE CRIME. PROVA A SER UTILIZADA PELOS POLICIAIS CIVIS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. RECURSO DESPROVIDO.

Hipótese na qual é atribuída ao paciente a prática, em tese, de crime de trânsito, consistente em direção sob a influência de álcool, sendo que, diante da recusa do réu de ser submetido a teste de alcoolemia, os policiais militares lavraram Auto de Constatação de Embriaguez.

Compete às polícias civis a função de apuração de infrações penais e às polícias militares a preservação da ordem pública.

Caso o condutor do veículo supostamente embriagado se recuse a ser submetido ao teste de alcoolemia, os agentes de trânsito poderão obter outros tipos de provas em direito admitidas, tais como a documentação dos seus sinais de embriaguez, excitação e torpor resultantes do consumo de álcool.(...)

A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade. Precedentes.

Verificada a constitucionalidade do § 2º do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, não há que se falar em falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, pois a produção de prova da embriaguez do réu pelos agentes de trânsito não caracteriza ofensa à competência da polícia civil, tornando prematuro o trancamento da ação penal. Recurso desprovido. (RHC 20.190/MS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ 04/06/2007 p. 377

Não distoa o nosso Eg. Tribunal de Justiça:

AÇÃO PENAL. APELAÇÃO INTENTADA PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA CONTRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AUSÊNCIA DO TESTE DE ALCOOLEMIA. ESTADO ETÍLICO QUE PODE SER DEMONSTRADO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. CONFISSÃO DO ACUSADO AMPARADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. CONDUTA DELITUOSA PERFEITAMENTE EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.

RECURSO PROVIDO.

"O art. 158 do CPP assevera que quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. No caso, porém, como o condutor recusou-se a fazer o teste de alcoolemia, perfeitamente possível a aplicação do disposto no art. 167 do CPP, analogicamente, podendo a prova testemunhal suprir a falta da perícia. Ademais, se outros meios de prova podem ser usados para atestar a infração administrativa de embriaguez ao volante (art. 277, § 2º, do CTB), por qual razão não podem ser utilizados para o prova da mesma conduta na esfera criminal?

Temos, pois, que apesar de o tipo penal prever o limite matemático de concentração alcoólica, a prova deste fato não pode cingir-se aos testes de alcoolemia apenas. Se através de exames clínicos, da prova testemunhal ou de qualquer outro meio probatório lícito for possível concluir, com certeza, que a concentração alcoólica do condutor foi em muito superior ao limite mínimo, diante da sua recusa em submeter-se aos testes de alcoolemia, não vislumbramos óbice ao uso de outros instrumentos probatórios. O que importa é ter a certeza de que o condutor dirigiu o seu automóvel com uma concentração superior ao limite mínimo. E, no caso de embriaguez patente, escancarada, é perfeitamente possível aferir-se tal conclusão de outra forma, longe dos testes de alcoolemia" (Parecer n. 005/2008/CCR do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, disponível em acesso em 22 set. 2009). (AC n. 2009.029330-3, de Canoinhas, Relator: Des. Sérgio Paladino, j. 22.09.2009)

Em sendo assim, apesar de o tipo penal prever exame próprio para atestar os limites de álcool por litro de sangue tolerados para a direção de veículo automotor, a prova da materialidade da espécie não pode restringir-se ao exame de alcoolemia, porquanto, quando a concentração alcoólica do condutor for superior ao limite mínimo legal, esta pode ser atestada por prova testemunhal, mormente quando o exame não for realizado por recusa do conduzido.

Destarte, é de se conhecer e dar provimento ao recurso para cassar a decisão e determinar o prosseguimento do processo criminal com a reapreciação da denúncia sob os demais aspectos de legalidade (art. 41 do CPP).

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara conhece e dá provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 27 de abril de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Rui Fortes, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desa. Marli Mosimann Vargas. Funcionou, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 04 de maio de 2010.

Newton Varella Júnior
Relator




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