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sexta-feira, 30 de julho de 2010

JURID - Habeas Corpus. Pedido liminar. Constrangimento ilegal. [30/07/10] - Jurisprudência


Habeas Corpus. Pedido liminar. Constrangimento ilegal.
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Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 990.09.334024-0, da Comarca de Sorocaba, em que é impetrante OCTÁVIO GINEZ DE ALMEIDA BUENO e Paciente MARCELO DE SOUZA FERNANDES.

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DENEGARAM A ORDEM. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO TUCUNDUVA (Presidente), ERICSON MARANHO E MACHADO DE ANDRADE.

São Paulo, 29 de abril de 2010

RICARDO TUCUNDUVA

PRESIDENTE E RELATOR

HABEAS CORPUS Nº 990.09.334024-0

COMARCA DE SOROCABA - VARA DO JÚRI E EXECUÇÕES CRIMINAIS

IMPETRANTE: DR. OCTÁVIO GINEZ DE ALMEIDA BUENO

PACIENTE: MARCELO DE SOUZA FERNANDES

VOTO Nº 18.006

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício do paciente acima nomeado, que estaria sofrendo constrangimento ilegal derivado ter sido indeferido pelo Juiz das Execuções Criminais o seu pedido de extinção da pena relativa à condenação por atentado violento ao pudor, que lhe foi aplicada nos autos do Processo nº 402/01, da 2ª Vara da Comarca de Carapicuíba.

Diz o impetrante, em resumo, que a Lei nº 12.015/09, que alterou substancialmente o Título VI do Código Penal, que trata dos agora denominados Crimes Contra a Dignidade Sexual, ao englobar no artigo 213 os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, teria criado o que a Doutrina chama de tipo penal conjunto alternativo, com dois núcleos, de maneira que a prática da conduta descrita em um dos núcleos absorveria a descrita no outro. Por isso, pede que esta Câmara, aplicando retroativamente a Lei nova, extinga a pena imposta pelo atentado violento ao pudor, ou, ao menos, reconheça que entre as condutas houve continuidade delitiva.

Denegada à liminar, o feito foi regularmente processado.

É o relatório.

O presente pedido, a rigor, não poderia ser conhecido. Discute-se, na verdade, sobre assunto de exclusiva competência do Juiz da Execução (artigo 66, inciso II, da Lei de Execução Penal), de sorte que, uma vez desatendida à pretensão por aquele Magistrado, caberia ao postulante lançar mão do agravo previsto no artigo 197 daquele mesmo diploma legal, não do Habeas Corpus, que, sabidamente, não se presta ao papel de mero substituto do recurso adequado.

Todavia, excepcionalmente, conheço do pedido, com o escopo de resolver a questão de vez.

Dizer-se que, com a Lei nº 12.015/09, o legislador pretendeu abrandar a necessária resposta penal àqueles que cometem crimes contra a dignidade sexual é um absurdo e, realmente, aqui precisam ser lembradas as considerações que RAUL RENATO CARDOZO DE MELLO TUCUNDUVA fez à Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no já longínquo mês de março de 1935, na defesa de sua tese intitulada "Dos Juízes e da Hereditariedade", quando ali disputou a cátedra de Direito Judiciário Civil:

"Para que um juiz aplique a lei a um facto, precisa ele de conhecê-la, bem como a ocorrência.

Para saber a lei, necessita o juiz de não lhe ignorar a letra, bem como de sondar-lhe o espírito.

Não lhe ignorar a letra é fácil; sondar-lhe o espírito, entretanto, é tarefa assás difficil.

Si não é simples saber-se, as mais das vezes, o que uma lei disse, avalie-se, então, o que não será o indagar-se o que ela pretendeu dizer...".

Então, diante de tal advertência, registro que, historicamente, de 1940 para cá, a Lei, paulatinamente, vem refletindo o crescente repúdio social que merece esse gênero de crime, as espécies estupro e atentado violento ao pudor, em particular.

Com efeito, há 70 anos atrás, época em que entrou em vigor o Código Penal, quando a virgindade era vista como sinônimo da honestidade da mulher, e a sua ausência coisa até capaz de causar a anulação de um casamento, por erro essencial sobre pessoa, a pena do estupro era, em abstrato, de 3 a 8 anos de reclusão, e a do atentado violento ao pudor, também em abstrato, de 2 a 7 anos de reclusão.

Depois, verificou-se que este desequilíbrio não tinha razão de ser, posto que submeter alguém, homem ou mulher, contra a sua vontade, mediante violência ou grave ameaça, a práticas sexuais diferentes da conjunção carnal, deveria ser encarado como delito de igual gravidade ao estupro. Foi o que restou estabelecido em 1990, pela chamada Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90), que aumentou e equiparou as reprimendas do estupro e do atentado violento ao pudor, fixando-as, em abstrato, entre 6 e 10 anos de reclusão.

Daquele tempo a esta parte, a ousadia e a desfaçatez dos criminosos só cresceu, infelizmente, e ninguém, em sã consciência, pode negar isto.

Portanto, é um despropósito imaginar e, o que é pior, afirmar, que a Lei nº 12.015/09 é mais favorável àqueles que cometem crimes contra a dignidade sexual, faceta importantíssima da própria dignidade humana, princípio protegido constitucionalmente no nosso país e pilar do Estado de Direito.

Na verdade, ao fundir, no atual artigo 213 do Código Penal, os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, a nova legislação criou o que a Doutina chama não de um tipo misto de conteúdo alternativo, mas de um tipo misto de conteúdo cumulativo.

Nesse passo, convém descer à hipótese dos autos principais: o paciente, pouco depois das 5 horas da manhã, abordou a vítima - uma moça que se dirigia ao trabalho - e, ameaçando-a com um simulacro de arma de fogo, obrigou-a a entrar no seu carro. Então, dirigiu-se a um local ermo, estacionou o veículo, e ordenou à vítima que fizesse felatio in ore. Diante da negativa da moça, estapeou o seu rosto e, ameaçando-a de morte, obrigou-a a prática ignóbil. Depois, resolveu manter com ela conjunção carnal e, diante de nova negativa, repetiu a humilhante agressão e, outra vez ameaçando-a de morte, consumou o seu intento abjeto, chegando a ejacular in vaginam, o que chegou, depois, a ser demonstrado pericialmente.

Diante de tal quadro, não há como negar que houve dois crimes, resultantes de desígnios diversos, quais sejam, o primeiro, submeter à vítima à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, por impudicícia, por lascívia, por luxúria, e, em seguida, o segundo, obrigar a vítima a pratica de conjunção carnal, para, enfim, realmente satisfazer as suas necessidades sexuais.

Esses crimes, no meu sentir, foram praticados em concurso material homogêneo, não em continuidade delitiva, porque falta à hipótese um dos requisitos para que se pudesse reconhecer a existência da continuidade delitiva, qual seja, a unidade de desígnios, embora os três outros requisitos pudessem, até, ter sido preenchido (pluralidade de condutas, pluralidade de crimes da mesma espécie e continuação, tendo em vista as circunstâncias objetivas).

Nestas condições, não há como atender ao pedido principal (reconhecer-se a absorção do atentado violento ao pudor pelo estupro) e nem, tampouco, o secundário (considerar-se que o estupro e o atentado violento ao pudor teriam sido praticados em caráter continuado).

Por isso, conhecendo, excepcionalmente, do pedido, DENEGO a ordem.

RICARDO CARDOZO DE MELLO TUCUNDUVA
Desembargador Relator




JURID - Habeas Corpus. Pedido liminar. Constrangimento ilegal. [30/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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