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quarta-feira, 14 de julho de 2010

JURID - Direito civil. Impenhorabilidade do bem de família. [14/07/10] - Jurisprudência


Direito civil. Impenhorabilidade do bem de família. Interpretação extensiva.

Superior Tribunal de Justiça - STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 711.889 - PR (2004/0180105-0)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: NÍCIA RUSS BELLO

ADVOGADO: TEÓFILO LUIZ DOS SANTOS NETO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ARILENE GROSSKREUTZ PUPO

ADVOGADO: PAOLA DAMO COMEL GORMANNS E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI EXCEPCIONAL. ART. 3.º, INC. VI, DA LEI 8.009/90. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não há omissão no acórdão que decide a lide nos limites em que proposta.

2. A indenização, no caso, decorre de erro médico, sobrevindo condenação civil a reparação do dano material e moral, sem obrigação de prestar alimentos. Não incide, portanto, a exceção de impenhorabilidade de bem de família prevista no inciso III, do art. 3.º, da Lei 8.009/90.

3. De outra parte, não é possível ampliar o alcance da norma prevista no art. 3.º, inciso VI, do mesmo diploma legal, para afastar a impenhorabilidade de bem de família em caso de indenização por ilícito civil, desconsiderando a exigência legal expressa de que haja "sentença penal condenatória".

4.Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 22 de junho de 2010(data do julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Cuida-se de embargos à execução de título judicial constituído em ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de erro médico. A sentença condenou a ora recorrente ao pagamento do reembolso das despesas como dano material e o equivalente a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos de dano moral.

Sustentou a embargante, na inicial, o excesso de execução e a impenhorabilidade do bem de família.

A sentença julgou improcedentes os embargos à execução.

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná manteve a decisão, portando o julgado a seguinte ementa:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NÃO RECONHECIDA. HONORÁRIOS. EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE PARTE. POSSIBILIDADE. VINCULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. JUROS. MATÉRIA PRECLUSA. COISA JULGADA MATERIAL. INPC. POSSIBILIDADE. CÁLCULOS CORRETOS. 1. A execução de título judicial em ação de indenização, por ato ilícito, torna possível a penhora do imóvel residencial do devedor, mesmo no caso de inexistência de sentença penal condenatória. 2. O direito autônomo conferido ao advogado, para executar os honorários de sucumbência devidos pela parte contrária, não exclui a faculdade de promover a execução da verba em nome da parte vencedora. 3. Não questionada a questão dos juros e da vinculação da indenização ao salário mínimo estabelecidas na sentença que encerrou a fase de conhecimento, não pode o devedor tentar questionar, nos embargos à execução, matéria que já sofreu os efeitos da coisa julgada material. 4. Os cálculos apresentados não apresentam irregularidades e o Índice de correção pelo INPC não constituiu qualquer impedimento legal. RECURSO NÃO PROVIDO.

No recurso especial, a recorrente sustenta violação dos arts. 535, 584, I e II, e 591 do CPC, e art. 1.º e parágrafo único, e 3.º, caput, e inciso VI, da Lei 8.009/90. Afirma que além de ter-se omitido em relação a questões imprescindíveis à solução da causa, o acórdão considerou possível a penhora de bem de família, apesar de haver disposição legal garantindo a impenhorabilidade.

Apresentadas contra-razões (fls. 183-192), subiram os autos a esta Corte (fls. 194-196).

É o relatório.

EMENTA

DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI EXCEPCIONAL. ART. 3.º, INC. VI, DA LEI 8.009/90. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Não há omissão no acórdão que decide a lide nos limites em que proposta.

2. A indenização, no caso, decorre de erro médico, sobrevindo condenação civil a reparação do dano material e moral, sem obrigação de prestar alimentos. Não incide, portanto, a exceção de impenhorabilidade de bem de família prevista no inciso III, do art. 3.º, da Lei 8.009/90.

3. De outra parte, não é possível ampliar o alcance da norma prevista no art. 3.º, inciso VI, do mesmo diploma legal, para afastar a impenhorabilidade de bem de família em caso de indenização por ilícito civil, desconsiderando a exigência legal expressa de que haja "sentença penal condenatória".

4.Recurso especial parcialmente provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Primeiramente, não há omissão no acórdão, estando decidida a controvérsia nos limites em que proposta a demanda.

Não caracteriza omissão, contradição, erro material ou obscuridade quando o tribunal adota outro fundamento que não aquele defendido pela parte.

Destarte, não há que se falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, pois o tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

Nesse sentido, confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. FATO NOVO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7 DO STJ.

1. "Tendo o Acórdão recorrido decidido as questões debatidas no recurso especial, ainda que não tenham sido apontados expressamente os dispositivos nos quais se fundamentou o aresto, reconhece-se o prequestionamento implícito da matéria, conforme admitido pela jurisprudência desta Corte" (AgRg no REsp 1.039.457/RS, 3ª Turma, Min. Sindei Beneti, DJe de 23/09/2008).

2. O Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre o tema, entendendo, no entanto, não haver qualquer fato novo a ensejar a modificação do julgado. Não se deve confundir, portanto, omissão com decisão contrária aos interesses da parte.

3. Concluir contrariamente ao que ficou expressamente consignado no aresto recorrido, entendendo que ficou demonstrada a ocorrência de fato novo, ensejaria incursão à seara fático-probatória dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1047725/SP, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 10/11/2008)

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. VALORAÇÃO DA PROVA. INVIABILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ. VERBA HONORÁRIA. RETENÇÃO PELO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

I. Constatada a suficiente fundamentação do aresto estadual, não se vislumbra a violação ao art. 535 do CPC, alegada pela parte, que apenas teve seus interesses contrariados.

II. Não se tem, na espécie, a errônea valoração da prova, pois esta pressupõe apenas contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no campo probatório, que não é o caso sub judice, no qual se pretende, na realidade, que se colha das provas produzidas nova conclusão, incabível na via eleita incidindo, pois, a Súmula n. 7/STJ.

III. Os honorários do advogado poderão ser pagos diretamente a ele desde que junte aos autos o respectivo contrato celebrado com seu cliente e requeira o pagamento ao juiz, descontado o valor que aquele tem direito.

IV. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 960.848/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 28/10/2008)

3. Cinge-se a controvérsia em saber se, em execução de título judicial extraído de ação indenizatória decorrente da prática de ato ilícito (erro médico), é possível a penhora de bem imóvel considerado como bem de família.

Confira-se trecho do acórdão recorrido:

A ação de indenização originou-se em decorrência de ato ilícito praticado pela apelante no desempenho de sua atividade profissional. Saliente-se que a apelante causou lesões corporais na apelada, por erro médico.

Inobstante não se possa falar em execução de sentença penal condenatória, o princípio que orienta a exceção é o mesmo, pois embora civil a natureza da presente ação, decorre ela de um ilícito penal com nítida repercussão na esfera civil.

3.1. O acórdão recorrido, no que se refere à constrição do bem imóvel, confere tratamento à execução de título judicial, com natureza civil, igual àquela advinda de sentença penal condenatória, sob o argumento de que "embora civil a natureza da presente ação, decorre ela de um ilícito penal com nítida repercussão na esfera civil."

Vale transcrever o art. 3.º da Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, no ponto que interessa ao deslinde da causa:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

(...)

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

A lei estabelece, portanto, expressamente, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família.

3.2. Convém ressaltar, para logo, que a norma em testilha possui caráter excepcional, o que, em princípio, impediria sua aplicação mediante interpretação extensiva. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I. A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, é taxativa, não permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida pelo referenciado diploma legal.

II. Agravo improvido. AgRg no Ag 888313 / RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior - Quarta Turma, DJe 08/09/2008)

Conforme admitido pelo próprio acórdão recorrido, não há propriamente execução de sentença penal condenatória, mas título judicial de natureza civil.

É bem verdade que a jurisprudência desta Corte admite a penhora do bem de família em decorrência de ilícito civil. No entanto, tal solução é restrita aos casos em que a execução é movida pelo credor de pensão alimentícia. Confira-se:

"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILÍCITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ONOPONIBILIDADE DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.

O comando do artigo 3º, III, da Lei nº 8.009/90, excepcionando a regra geral da impenhorabilidade do bem de família, também se aplica aos casos de pensão alimentícia decorrente de ato ilícito - acidente de trânsito em que veio a falecer o esposo da autora -, e não apenas àquelas obrigações pautadas na solidariedade familiar, solução que mostra mais consentânea com o sentido teleológico da norma, por não se poder admitir a proteção do imóvel do devedor quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado for a própria vida da credora, em função da necessidade dos alimentos para a sua subsistência.

Recurso especial provido." (REsp 437.144/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.10.2003, DJ 10.11.2003, p. 186)

Todavia, no presente caso não há execução de pensão alimentícia, razão pela qual a impenhorabilidade não poderia ser afastada sob tal fundamento. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

RECURSO ESPECIAL - FALTA DE INDICAÇÃO PRECISA DOS DISPOSITIVOS TIDOS POR VIOLADOS RELATIVAMENTE À QUESTÃO DA SUPOSTA EXISTÊNCIA DE NULIDADE ABSOLUTA DO FEITO - SÚMULA Nº 284 DO STF - QUESTÃO DA CULPA PELO SINISTRO E O ART. 4º DA LEI N. 8.009/90 - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 211 DO STJ - IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - FLEXIBILIZAÇÃO PERANTE CRÉDITO DECORRENTE DE PENSÃO MENSAL FIXADA EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ILÍCITO CIVIL - ADMISSIBILIDADE - INCLUSÃO, NO ROL DE EXCEÇÕES À PROTEÇÃO LEGAL, DOS CRÉDITOS ORIUNDOS DA REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A pretensa nulidade absoluta do feito por ausência de intervenção do Parquet foi suscitada sem indicação precisa dos dispositivos infraconstitucionais entendidos por violados, fato esse que inviabiliza o exame da questão na via do recurso especial, consoante incidência, por analogia, da Súmula nº 284/STF.

2. Não é dado a esta Corte Superior pronunciar nulidades absolutas ex officio em sede de recurso especial desprovido dos necessários pressupostos de admissibilidade

3. Os temas atinentes à culpa pelo sinistro e ao art. 4º da Lei n. 8.009/90 não foram objeto de deliberação, sequer implícita, na Instância a quo, o que convoca o óbice da Súmula n. 211/STJ.

4. A pensão alimentícia está contemplada no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 como hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família, com apoio da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza a irrelevância da origem dessa prestação (se decorrente de relação familiar ou de ato ilícito).

5. Não infirma a blindagem do bem de família, todavia, à míngua de previsão legal expressa, o crédito decorrente de honorários advocatícios de sucumbência e de indenização por danos materiais e morais decorrentes de ilícito civil.

6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1036376 / MG, Relator Ministro MASSAMI UYEDA - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 10/11/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 23/11/2009) (grifo nosso)

"Ação de indenização. (...) Dano moral. Impenhorabilidade do bem arrestado. Lei n° 8.009/90.

(...)

2. Sendo o bem arrestado protegido pela Lei n° 8.009/90, não pode ser afastada a impenhorabilidade por circunstância não incluída nas exceções legais.

3. Recurso especial conhecido e provido."

(REsp 605.641/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 29/11/2004)

"CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. LEI 8.009/1990.

- As exceções aos benefícios da Lei 8.009/1990 são as previstas nos seus arts. 3º e 4º, nestes não constando a circunstância de a penhora ter sido efetuada para garantia de dívida originária de ação de indenização por ato ilícito, em razão de violação a normas de trânsito que gerou acidente de veículos.

- Recurso provido."

(REsp nº 64342/PR, 4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 09/03/1998)

IMPENHORABILIDADE - LEI 8.009/90. A CIRCUNSTANCIA DE O DEBITO ORIGINAR-SE DA PRATICA DE ILICITO CIVIL, ABSOLUTO OU RELATIVO, NÃO AFASTA A IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 1. DA LEI 8.009/90. (REsp 90145 / PR, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO - TERCEIRA TURMA, DJ 26/08/1996)

A indenização, no caso, advém de erro médico, em razão do qual houve condenação civil a indenização por danos morais e materiais, sem, contudo, determinar-se a obrigação de se prestar pensão alimentícia.

Afasta-se, assim, a incidência do inciso III, do dispositivo em questão, relativo a cobrança por credor de pensão alimentícia.

4.1. Por outro lado, as hipóteses estabelecidas pelo inciso VI, do art. 3.º, da Lei 8.009/90, fazem clara alusão aos denominados efeitos secundários extrapenais da sentença penal condenatória, previstos no art. 91 do Código Penal, verbis:

Art. 91 - São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Como visto, a sentença penal condenatória torna certo o dever de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inc. I, do Código Penal).

Cumpre observar que, também por esse diploma, faz-se necessária a existência de sentença condenatória proferida no juízo penal para que se abra ensejo às medidas constritivas e à indenização pelo dano.

4.2. Embora haja polêmica doutrinária sobre a conveniência da comunicabilidade entre as esferas cível e penal prevista na legislação brasileira, bem como sobre a prevalência do juízo penal sobre o cível - eficácia da sentença penal no juízo cível -, o caminho inverso parece inviável. Ou seja, emprestar à condenação no campo cível o efeito de condenação no âmbito criminal. "Mutatis mutandis", foi a consequência do julgado pelo Tribunal "a quo".

Sem adentrar profundamente em ramo do Direito que não constitui especialidade desta Turma, é possível dizer-se que no processo penal o réu goza de inúmeras garantias inexistentes no processo civil, e, a par disso, como se sabe, a culpa que conduz à condenação no juízo cível nem sempre é suficiente à condenação no juízo penal.

Não se afasta a possibilidade de o ilícito civil subsumir-se a algum tipo penal.

No entanto, parece temerário supor-se que determinado ato ilícito, assim reconhecido no juízo cível, daria ensejo a uma sentença condenatória, caso submetido a julgamento na justiça penal.

O mesmo se diga sobre equiparar-se a fato criminoso, o ilícito declarado por sentença proferida em ação civil indenizatória, mesmo para fins tão somente de penhorabilidade de imóvel.

Em comentários ao art. 1.525 do Código Civil de 1.916, Carvalho Santos (Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XX, 7.ª ed., Livraria Freitas Bastos, 1961, n.º, pág. 296) relembra os seguintes ensinamentos de Pontes de Miranda, que com sua acuidade costumeira, alerta para nuances decorrentes de peculiares diferenças entre os sistemas cível e penal:

O art. 1.525 estabelece a independência das responsabilidades civil e criminal: assim, se a decisão do juiz criminal reconhece a existência do fato, pode não negar que tenha sido praticado pelo réu absolvido (... omissis ...)

A absolvição versa sobre a imputabilidade criminal, que é diferente da civil.

A isenção de responsabilidade criminal, repitamos, não implica a de responsabilidade civil; para a última basta a simples culpa. Assim, a absolvição do réu, no crime, não deve nem pode utilmente, ser invocada para o furtar à aplicação da lei civil (... omissis ...)

No juízo criminal, nenhuma presunção, por mais veemente que seja, permite a aplicação da lei penal (Código Penal, art. 67). No cível, bastam presunções, indícios concordantes, para que se condene alguém à reparação dos danos causados.

Na mesma linha, a doutrina de Humberto Theodoro Jr. (Processo de Execução, editora Universitária de Direito, 18.ª ed., nº 3, pág. 139):

O sistema de nossa legislação, no tocante à responsabilidade civil frente à responsabilidade penal é o da autonomia (Código Civil, art. 1.525). Mas a autonomia é apenas relativa, e não absoluta, pois enquanto a responsabilidade civil pode existir sem a responsabilidade penal, esta, no entanto, sempre acarreta a primeira (Cód. Penal, art. 74).

Em voto proferido no Resp 171.682, seu relator, Min. César Asfor Rocha, asseverou o seguinte:

Sabe-se, no entanto, que a culpa pode ser escalonada em seus vários graus, variando de culpa levíssima a culpa grave, sendo mesmo de se diferenciar entre a culpa apta a ensejar uma condenação criminal daquela suficiente a possibilitar uma mera ação de responsabilidade, de cunho exclusivamente econômico.

No referido voto, o ilustre Ministro citou a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

... não produzirá efeitos no juízo cível, deixando abertas as portas deste, à vítima, a sentença criminal absolutória que se fundar em inexistência de culpa do réu, porque o juízo criminal é mais exigente em matéria de aferição da culpa para a condenação, enquanto no juízo cível a mais leve culpa obriga o agente a indenizar. Assim, embora o juiz criminal tenha entendido que a culpa criminal inexistiu, pode o juiz cível entender que o réu se houve com culpa levíssima (insuficiente para a condenção criminal) e condená-lo a reparar o dano. Porque, na conformidade do art. 66 do Código de Processo Penal, o juiz penal deixou em aberto a questão da existência do fato. E, ainda, porque se diversificam sensivelmente a culpa penal e a culpa civil.

Outra não é a lição de Rui Stoco, reportando-se ao pensamento de Mendes Pimentel:

"O injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cível; quando, reconhecido, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não delinqüente, por faltar ao seu ato alguma das circunstâncias que o qualificam criminalmente, o julgado criminal não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro direito os princípios determinantes da responsabilidade; no crime, a responsabilidade por culpa é exceção, e no cível é a regra" (Responsabilidade Civil e sua Interpretração Jurisprudencial, 2a ed., São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 97)

Por fim, o jurista Rainer Czajkowski alerta para o seguinte:

Convém considerar se seria possível aplicar, por extensão, a exceção do inc. VI ao caso em que, por qualquer motivo absolvido no âmbito criminal, o agente vem a ser condenado no Juízo civil pelo mesmo evento. É recomendável que não pois, estender-se-ia a penhorabilidade do imóvel residencial a uma gama indefinida de condenações em responsabilidade civil por ato ilícito, de casos que hipoteticamente também configurariam ilícitos penais. (A Impenhorabilidade do Bem de Família, 3.ª ed., Curitiba, ed. Juruá.1998, p. 183)

4.3. Não parece possível, portanto, ampliar-se a exceção prevista no art. 3.º, VI, da Lei 8.009/90, de modo a afastar a regra da impenhorabilidade do bem de família, quando não houver expressamente "sentença penal condenatória".

5. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para afastar a penhorabilidade do imóvel considerado bem de família, restando acolhidos, em parte, os embargos à execução.

Custas e honorários advocatícios, observado quanto a estes o percentual fixado na origem, na proporção em que vencidas as partes, compensando-se na forma da lei (art. 21 do CPC) e apurados em liquidação.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2004/0180105-0

REsp 711889 / PR

Número Origem: 01995682

PAUTA: 22/06/2010

JULGADO: 22/06/2010

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO


Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ANA MARIA GUERRERO GUIMARÃES

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: NÍCIA RUSS BELLO

ADVOGADO: TEÓFILO LUIZ DOS SANTOS NETO E OUTRO(S)

RECORRIDO: ARILENE GROSSKREUTZ PUPO

ADVOGADO: PAOLA DAMO COMEL GORMANNS E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 22 de junho de 2010

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 984754
Inteiro Teor do Acórdão
DJ: 01/07/2010




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