Anúncios


terça-feira, 20 de julho de 2010

JURID - Condenação. Agressão verbal [20/07/10] - Jurisprudência


Instituição de ensino é condenada por agressão verbal de professor contra aluno.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT

Circunscrição: BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.054122-8
Vara: SEXTA VARA CÍVEL

Processo: 2008.01.1.054122-8
Ação: INDENIZAÇÃO
Autor: RICARDO DE OLIVEIRA BARBOSA
Ré: FORTIUM EDITORA E TREINAMENTO LTDA.



SENTENÇA

Trata-se de ação de reparação de danos morais, sob o rito ordinário, proposta por RICARDO DE OLIVEIRA BARBOSA em desfavor de FORTIUM EDITORA E TREINAMENTO LTDA.

Relata o autor que, tendo se matriculado em curso preparatório para o concurso do TST, pagando R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) para um período de dois meses de curso, verificou, já na primeira aula, que a sala não tinha capacidade para abrigar adequadamente os cerca de 180 alunos. Afirma que, no dia seguinte, foi elaborado um abaixo-assinado com pedido de providências sobre o fato da superlotação da sala e sugestão de divisão da turma, ao qual ele aderiu. Informa que, após receber o documento, o sócio da requerida, professor Claudio Farág, interrompeu a aula de um professor, "de forma desrespeitosa e abrupta", para tratar do assunto. Segundo o autor, o professor Farág disse aos alunos, basicamente, o seguinte: que rasgara o abaixo-assinado; que reconhecia que a turma estava cheia; que o "espírito belicoso" dos signatários desse documento estaria contaminando os alunos que desejavam realmente aprender; que não havia possibilidade de divisão da turma, em virtude da falta de professores suficientes para dar aula em horários distintos; que até gostaria de ganhar mais dinheiro, abrindo outra turma, mas que isso não seria possível.

Aduz que, durante a intervenção do professor Farág, o autor disse-lhe que seu interesse era apenas o lucro, momento em que foi vítima de agressões verbais por parte daquele, em termos como:

"Está ofendido? Vai embora!"
"Moleque"
"Eu não vou dar aula nessa turma. O senhor é um moleque! Vem aqui fora! Vem aqui para conversarmos de homem pra homem!"

Prossegue o autor dizendo que foi chamado de "moleque" várias vezes; que o professor quase o obrigou a desculpar-se na frente dos outros alunos, tendo falado para ele pedir desculpa dez vezes.

Acrescenta que o professor falou que aquela era "a sua casa" e que o autor não tinha moral. Afirma que chegou a pedir desculpas para o professor e que parte da turma riu do constrangimento pelo qual ele passara. Diz que, se não fosse a intervenção de uma aluna e do professor que ministrava a aula, o professor Farág tê-lo-ia agredido fisicamente. Informa que, depois do ocorrido, não tendo mais condições psicológicas de assistir à aula, dirigiu-se à delegacia, onde registrou boletim de ocorrência policial.

Afirma que, após, foi informado de sua exclusão do curso por uma funcionária da requerida, que deixou claro que ele não poderia mais entrar na sala de aula.

Alega o autor, ainda, que o fato deixou-o sem "vontade de estudar" e que perdeu não apenas o dinheiro e o tempo investidos no curso, como também a chance de ser aprovado no concurso para o qual vinha se preparando. Por fim, afirma que, desde o fato, vem fazendo acompanhamento médico e psicológico, especialmente em virtude do vexame que sofreu diante de colegas do seu ramo profissional. Pede que a requerida seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Acompanham a petição inicial o instrumento do contrato; solicitação de cancelamento; panfletos publicitários; cd com gravação de áudio, acompanhado de transcrição; boletim de ocorrência policial e relatórios médicos (fls. 13/26).

Na contestação (fls. 32/46), a ré invoca como prejudicial de mérito o fato de estar em trâmite ação penal a respeito dos fatos, requerendo a suspensão do feito até o trânsito em julgado da sentença penal. No mérito, sustenta, em síntese, que o autor não chegou a pagar o valor do curso; que, diante de 150 alunos, o autor chamou o professor Farág de "mercenário que só pensa em dinheiro" e disse que ele "não servia para ensinar"; que este, na qualidade de coordenador do curso, compareceu ao auditório onde era ministrada a aula para sanar dúvidas relacionadas ao abaixo-assinado; que o autor manifestou-se com o objetivo de macular a imagem do Grupo Fortium; que não há qualquer irregularidade na postura do professor Farág, eis que apenas exerceu o direito de afastar ingerência de terceiros no comando da instituição de que é sócio; que o professor Farág, diante das ofensas proferidas pelo autor na presença de seus alunos e amigos, limitou-se a pedir que ele se desculpasse. Ressalta, por outro lado, que a Fortium tinha "plenas condições estruturais/físicas de oferecer o curso preparatório"; que o autor teve sua matrícula cancelada em virtude dos transtornos que causara ao professor Farág, na condição de representante legal da requerida, e aos demais alunos; que o fato de o episódio ter sido documentado em gravação de áudio demonstra que o requerente agiu de forma premeditada, com o nítido escopo de atingir a imagem da instituição e de seu representante e que não houve, no caso, dano moral. Alternativamente, diz que o valor da indenização pleiteada é desproporcional e "demasiadamente alto". Junta cópia dos depoimentos prestados pelo autor e pelo professor Farág na 1ª Delegacia de Polícia. (fls. 60/64).

Às fls. 65/75, a requerida apresenta reconvenção, emendada às fls. 98/99, onde pede que o autor seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em razão de sua credibilidade e nome terem sido atingidos pelas expressões difamatórias de que foi vítima seu representante legal.

Em réplica (fls. 104/119), o autor alega que a requerida não impugnou os documentos anexos à petição inicial, razão pela qual entende que os fatos que eles comprovam devem ser tidos por incontroversos; que nunca chamou o representante legal da requerida de mercenário, tendo se limitado a falar, uma única vez, sobre a intenção de lucro, o que não seria ofensivo, já que a instituição requerida realmente tem fins lucrativos e que seu representante legal falava de forma agressiva aos alunos antes de sua intervenção. Destaca o autor, também, que seu pedido de desculpas foi uma tentativa de finalizar a discussão e evitar agressões físicas e que a gravação da conversa não foi feita por ele, e sim por outro aluno, que, na verdade, tinha a intenção de apenas registrar o conteúdo da aula a que assistiam. Requer, ao final, a rejeição do requerimento de suspensão do feito e a condenação da requerida por litigância de má-fé, por alterar dolosamente a verdade dos fatos e oferecer reconvenção manifestamente infundada.

Na contestação à reconvenção (fls. 111/119), o autor reitera os termos da peça vestibular e da réplica.

À fl. 123, a requerida informa que seu representante legal e o autor desistiram das respectivas ações penais relacionadas ao objeto da presente demanda. Junta sentença homologatória (fl. 124).

Realizada audiência de conciliação, não houve acordo (fl. 133). Na oportunidade, o autor requereu a produção de prova testemunhal e a demandada requereu, também, que a gravação do áudio juntada pelo autor fosse submetida a prova pericial.

À fls. 145/151, o autor junta a degravação realizada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do DF. Intimada para se manifestar a respeito, a requerida afirma, basicamente, que não consta do laudo a informação de que o autor foi quem participou da discussão com o professor Farág e que há trechos de fala ininteligível, o que suscitaria dúvidas quanto à ofensividade das palavras de Farág.

Diz que a degravação do áudio é "imprestável", já que não faz prova em favor das alegações do autor.

Nas audiências de instrução e julgamento, foram colhidos os depoimentos das testemunhas arroladas pela partes (fls. 227/229).

Nas alegações finais, o autor requer providências quanto à apuração do crime de falso testemunho atribuído a Mariano Borges de Faria e que seu depoimento seja desconsiderado (fls. 236/238). A ré, de seu turno, alega que a desistência da ação penal implica a perda do interesse de agir do autor na presente ação e que a transcrição do áudio e a prova testemunhal não confirmam os danos morais que o autor alega ter sofrido (fls. 244/245).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Considerando a sentença homologatória das ações penais relativas aos fatos ora analisados (fls. 123/124), deixo de apreciar a prejudicial de mérito levantada pela requerida, em razão da evidente perda de seu objeto.

Frise-se que a desistência da ação penal não interfere no julgamento do presente feito uma vez que são diferentes a "responsabilidade civil" e "responsabilidade penal".

Nas palavras de Carlos Alberto Bittar, "a reparação representa meio indireto de devolver-se o equilíbrio às relações privadas, obrigando-se o responsável a agir, ou a dispor de seu patrimônio para a satisfação dos direitos do prejudicado. Já a pena corresponde à submissão pessoal e física do agente, para restauração da normalidade social violada com o delito", pois o "princípio que governa toda essa matéria é o do neminem laedere- um dos princípios gerais do direito - consoante o qual a ninguém se deve lesar, cujos efeitos em concreto se espraiam pelos dois citados planos, em função do interesse maior violado (de pessoa, ou de pessoas, de um lado; da sociedade ou da coletividade, de outro) e conforme a técnica própria dos ramos do Direito que a regem, a saber: a) Direito Civil (para as violações privadas) e b) o Direito Penal (para a repressão pública)."

É preciso, contudo, que fique claro que ambos os casos (responsabilidade civil e responsabilidade criminal) decorrem de um fato juridicamente qualificado como ilícito, pois praticado em ofensa à ordem jurídica, violando direito subjetivo individual.

No mérito, verifico que a controvérsia cinge-se às agressões verbais que supostamente deflagraram autor e/ou Professor Farág motivada por uma discussão acerca da superlotação da sala de aula onde seriam ministradas as aulas do curso preparatório para o TST oferecido pela "Fortium".

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à espécie dos autos, pois o autor é consumidor e o réu é fornecedor de bens e serviços, na forma do § 2º do art. 3º, Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor surgiu da necessidade de concretização do princípio constitucional da proteção ao consumidor (art. 5º, inciso XXXII e 170, inciso V da CF), como uma forma de estabelecer relações jurídicas mais equilibradas, e, portanto, mais justas.

A empresa prestadora de serviços educacionais responde de forma objetiva pela incolumidade física e moral dos alunos, só se exonerando nas hipóteses de inexistência do defeito na prestação do serviço, culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro e caso fortuito e a força maior, eis que estes rompem o nexo causal, sem o qual não há se falar em responsabilidade.

Por outro lado, nos termos do CDC, art. 34 "O fornecedor de produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos."

Outrossim, a sociedade personalizada responde pelos atos praticados por seu presentante relacionados com o objeto social porquanto este torna presente a vontade da sociedade.

O contrato social da Fortium - Editora e Treinamento Ltda tem por objeto social da Matriz:

a) Prestação de serviços de organizar, manter e desenvolver, direta ou indiretamente a Educação Infantil; Ensino Fundamental e Médio diurno e noturno; Educação de Jovens e Adultos, modalidade Supletivo em nível fundamental e Médio, diurno e noturno, Pré-Vestibular, Graduação e Pós-Graduação, Lato Sensu e Stricto Sensu, inclusive envolvendo o ensino, a pesquisa e a extensão; à distância.

f) concorrer para o desenvolvimento da solidariedade humana através da preservação e do aperfeiçoamento do homem inspirada nos princípios cívicos, cristãos e democráticos.

Dela são sócios os professores Anamaria Prates Barroso, Cláudio Renato do Canto Farág e administradora Ruth Prates Barroso.

A Lei brasileira não o explicita, mas a doutrina sustenta que o sócio tem, perante os demais e a própria sociedade, um dever de lealdade traduzido na noção geral de colaboração para o sucesso do empreendimento. Assim sendo, deve abster-se de praticar atos que possam prejudicar a empresa.

Para cumprir o dever de diligência, o coordenador do curso deve observar na condução dos negócios sociais, os preceitos da tecnologia da administração de empresas, fazendo o que esse conhecimento recomenda, e deixando de fazer o que desaconselha.

Analisando o conjunto probatório que abrange os depoimentos testemunhais e o teor da gravação de áudio trazida pelo autor, a partir do laudo elaborado pelos peritos da Polícia Civil, vejo que o fato causador do dano moral foi deflagrado no momento em que o sócio da requerida, professor Farág, pretendia justificar-se diante da manifestação de insatisfação dos alunos quanto à falta de capacidade da sala de aula para abrigar confortavelmente a totalidade da turma.

Embora a requerida diga, na contestação, que tinha estrutura suficiente para atender seus alunos, a transcrição do áudio evidencia que o professor Farág, em seu discurso, deixou claro que a turma estava "cheia", "lotada", ainda que tenha afirmado que "deixou um limite de 20% da quantidade de cadeiras da sala".

As testemunhas foram unânimes em reconhecer que a turma estava muito cheia e que isso trazia incômodo aos alunos: Maurílio Coelho Lima disse que a sala era "muito estreita e longa" e que "os alunos que sentavam do meio para o fim da sala conseguiam ouvir bem em razão das caixas de som dispostas no local, entretanto era impossível enxergar qualquer coisa" (fls. 196/197); Tairone Aires Cavalcante afirmou que "a turma estava lotada" e que "como o quadro negro era muito longe, quem sentava ao fundo tinha dificuldade de enxergar" (fl. 198); Gisele Magalhães Leles confirmou que a sala estava "muito cheia" e que "quem se sentasse muito ao fundo da sala não tinha uma visão muito boa do quadro" (fl. 228) e Mariano Borges de Faria disse que "a sala estava intransitável e lotada" (fl. 229).

Não fossem tais elementos, o incontroverso fato de ter havido um abaixo-assinado para que a turma fosse dividida torna verossímil a alegação do autor, já que não parece crível que alunos de um curso preparatório para concurso quisessem perder seu tempo apenas para "bagunçar" ou interferir na direção do curso, como afirma a requerida.

Quanto à alegação de que o sócio da requerida teria agredido verbalmente o autor e vice-versa, verifico, primeiramente, que restou provada a existência de uma discussão entre eles, e toda e qualquer divergência quanto ao teor das falas constantes nos depoimentos das testemunhas são esclarecidas quando cotejadas com a clara gravação em áudio do evento, a qual foi transcrita em laudo do IML.

Contextualizando a discussão, vê-se que no início da explanação o professor Farág dá ênfase a inviabilidade de se dividir a sala de aula em virtude da indisp

onibilidade dos professores (fls. 146/147) com alto grau de capacitação para atender a todos os alunos em diferentes horários.

Nítido que, às vésperas do episódio descrito na inicial, o professor Farág revela ter sido desrespeitado por alunos que, tentando resolver o problema da lotação da sala de aula mandaram-no tomar 'coca-cola', o que o fez sentir-se desrespeitado e desconsiderado em seu esforço de dar aula de domingo a domingo nos cursos oferecidos pela "Fortium".

Não se olvida também que a intenção do coordenador ao comparecer na sala de aula no dia dos fatos descritos na petição inicial tenha sido de explicar a dificuldade de divisão da turma pela proximidade temporal do concurso, além dos elementos tecnológicos e humanos necessários e não disponíveis ao desempenho e resultados desejados no curso e que tenha buscado dar uma solução ao problema convidando os alunos desgostosos a cancelarem suas matrículas. Mas, ao invés de conduzir os alunos a esse entendimento e restabelecer o equilíbrio, despreocupando-os acerca da excelência da aprendizagem que não seria comprometida, apesar do contexto da sala de aula, o Professor Farág utilizou de meio que antes de ser um facilitador para solução tornou-se um dificultador - eis que iniciou sua fala apontando para um gesto de desrespeito à reivindição dos alunos qual seja, o de ter dito que havia rasgado o abaixo-assinado que fizeram, afirmando, em seguida, que a "Fortium" não trabalha com abaixo-assinado. Ainda, trouxe um complicador à conversação ao não conseguir se fazer entender ao dizer que 'se vc vem com essa de espírito belicoso, você vai contaminar, por eu sou um cara 'sensitivo'..., o que desencadeou a reação do autor de querer justificar os alunos de que não havia pessoas na turma 'querendo contaminar'.

Daí em diante o professor Farág rompeu a possibilidade de diálogo com o aluno e ao ouvi-lo dizer que estava no direito de reclamar, sentiu-se ofendido dizendo para o aluno que não fosse lhe dar 'esporro' quando, na qualidade de coordenador, era possível que ponderasse que sua fala não produziu no aluno o significado desejado.

Ao contrário, antes de ouvi-lo e acalmá-lo o professou Farág possibilitou que a incompreensão se instaurasse e entre falas de que 'está acabada a discussão' o professor Farág passou a deslocar a discussão do foco administrativo para o lado pessoal perguntando ao aluno se ele era mais macho que ele e, convidando-o repetidas vezes a sair do curso. Ainda continuou a discussão incitando o aluno cada vez mais com perguntas do tipo "o senhor está alterado"? "o senhor está ofendido"? "o senhor está vindo aqui contaminar?".

Em resposta o aluno disse que havia ido ali para estudar e ante a postura inflexível e desrespeitosa do professor Farág em resolver o problema da superlotação da sala de aula manifestou-se, dizendo que seu comportamento só poderia ser atribuído ao fato do professor Farág só pensar em lucro, o que mais uma vez o ofendeu, desta vez, a tal ponto que passou a se descontrolar emocionalmente, passando a chamar o aluno de "moleque" e a ordenar "sai do meu curso".

E mesmo quando o aluno se desculpou o Professor Farág assumiu uma postura de humilhá-lo perante os demais alunos mandando-o inúmeras vezes pedir desculpas, até o ápice de chamá-lo para conversarem de homem para homem fora da sala de aula.

A transcrição do áudio mostra que o representante da requerida, Farág, excedeu-se na sua fala, expondo o autor, que corresponde ao falante "H4", a uma situação de inequívoco constrangimento, conforme os trechos a seguir reproduzidos:

"Então sai do curso! Eu dei esporro no senhor!
Tá ofendido, dá o fora!
Não, eu to falando que tem gente que tá vindo aqui pra poder fazer como o senhor fez, jogando baixo.
O senhor não é mais do que eu não!
O senhor sai do meu curso.
Sai agora...sai agora. Eu vou cancelar sua matrícula.
Então o senhor não sabe o que ta falando. O senhor é um moleque!
Pede desculpa, mesmo!
Pede desculpa.
Pede desculpa.
Dez vezes."

Tal a temperatura da discussão que vozes no áudio indicam que o incidente estava em vias de chegar às vias de fato, pois alunos começaram a anunciar " porrada!!" e, na confusão, é clara a fala de alguém chamando por Fárag, Fárag, o que dá verossimilhança a alegação do autor de que, se não fosse a intervenção de uma aluna e do professor que ministrava a aula, o professor Farág tê-lo-ia agredido fisicamente.

É o que se infere também do depoimento de Maurílio Coelho Lima:

'que estávamos tendo aula de informática, quando o professor Farag interrompeu a aula, em virtude de um abaixo-assinado apresentado pelos alunos; a reivindicação dos alunos era para que a turma fosse dividida em duas, pois estava muito cheia; que o prof. Farag parecia estar nervoso e disse que a Fortium não aceita abaixo-assino e que ele iria anexar o abaixo-assinado a uma declaração de doação de bens; que o autor levantou a mão e que inicialmente foi ignorado; que o autor insistiu com a mão levantada e o professor então lhe disse que não admitiria intervenções, mesmo assim o autor insistiu em defender a reclamação sobre a lotação da sala; que o professor nervoso passou a perguntar ao autor se ele era melhor que alguém para ser dada a palavra a ele; que também perguntou ao autor se o mesmo era mais homem que ele; que o autor não respondeu às provocações e tentava falar sobre o problema do número de alunos na sala; que o Farag ficou muito nervoso e vermelho; que pela primeira vez o autor mencionou que Farag só pensava no lucro do curso; que, em razão dessa afirmação, Farag ficou ainda mais nervoso e expulsou o autor da sala de aula; que não sabe dizer se as exclamações de Farag expulsando o autor do curso se deram antes ou depois em que este registrou seu interesse por lucros; que, entretanto, Farag perguntou várias vezes à turma: "Eu só penso em lucro? Eu só penso em lucro?"; que algumas alunas sentadas á frente, amigas de Farag, começaram a dizer que não; que Farag pediu ao autor que este pedisse desculpas, que constrangido pela manifestação das alunas o autor pediu desculpas; que Farag reclamou que pedisse desculpas dez vezes; que o autor que estava sentado atrás do depoente disse então: "Desculpa, desculpa, desculpa"; que a turma começou a rir; que Farag chegou a explicar a turma que não tinha condições de dividi-la porque o número de professores bem qualificados para aquele curso preparatório só tinha disponibilidade para aquele horário; que, quando da inscrição no cursinho nada foi dito a respeito de limitação de alunos em sala de aula; que o depoente por si mesmo não começou a conhecer as instalações antes do início das aulas; que a sala onde eram ministradas as aulas era muito estreita e longa; que realmente a sala estava lotada; que o depoente também gravou o incidente, assim como vários alunos que costumam gravar aulas; que confirma que os acontecimentos se deram conforme descrição da degravação de fls. 19/21; que tem a acrescentar o aspecto visual do episódio; que após a discussão e Farag dizer que não iria dar mais aulas àquela turma, saiu em direção à porta e parou em frente de Ricardo, onde continuou batendo boca; que Áquila foi ao encontro de Farag e quando disse: "Oh Farag, oh Farag", abraçou-o tirando-o para fora; que acreditava que, se não fosse a intervenção de Áquila, Farag teria partido para agressão física; que em todo tempo quem chamava o aluno para resolver o aluno fora de aula era o Farag;

Urge destacar que a toda evidência o aluno não chamou o professor de mercenário e a crítica que fez ao professor de só pensar em lucro no contexto apresentado, sem adentrar no mérito de ser ou não pertinente, surgiu como uma reação defensiva do aluno às incitações do professor, sendo um comentário previsível e absolutamente passível de ser administrado friamente pelo professor Farág já que ele próprio já havia explicado antes aos alunos que não abriria outra turma porque não poderia oferecer aos alunos bons professores, o que indica critério com a qualidade do curso e desinteresse pelo lucro.

De toda esta explanação vê-se que ao não deixar o aluno expressar suas idéias e justificar que a intenção dos alunos não era de "contaminar" o professor Farág não teve uma escuta ativa nem uma postura reflexiva acerca das legítimas reivindicações dos alunos e das dificuldades da lotação da sala para o nível de qualidade do aprendizado para os resultados pretendidos pelo aluno e, acredita-se, pela instituição.

Ao contrário, ao iniciar sua explanação dizendo que rasgara o abaixo-assinado, o professor Farág demonstrou descaso pela reclamação dos alunos e deixou de demonstrar espírito de flexibilidade e disposição de negociação inviabilizando a administração do conflito de forma harmoniosa, dando aos alunos a única opção de se desligarem do curso, levando consigo como brinde pelo 'desgaste emocional' os livros do curso.

A toda evidência, o professor Farág demonstrou inabilidade no gerenciamento do conflito com os alunos pois retirou a palavra do aluno que no início de sua fala não o estava confrontando. Além disso, fechou o canal de comunicação na busca de soluções cooperativas, que de algum modo atendessem o interesse dos envolvidos, de forma serena e comprometida com a satisfação dos consumidores-alunos. Assim não conseguiu trazer benefícios tanto para que o autor diretamente envolvido com a conversação quanto para o ambiente do curso.

Ademais, o professor Farág na discussão que passou a travar com o autor não soube separar as pessoas do problema; focalizar os interesses e não as posições; criar opções para o benefício mútuo e insistir no uso de critérios objetivos.

Não se olvida que dado o perfil do coordenador e o seu comprometimento com o curso, no qual dá aula de domingo a domingo pudesse o professor Fárag, enquanto indivíduo, se sentir ofendido com a crítica do aluno. Todavia, como entrou na sala de aula na condição de coordenador do curso era-lhe exigido comportamento profissional diverso, pois no meio educacional é imprescindível que, no exercício da função, construa, amplie e mantenha relacionamentos de forma equilibrada com os alunos, pais/responsáveis, colegas de trabalho, demonstrando, em especial, capacidade para respeitar e lidar com as diferenças que envolve o trabalho em equipe, inclusive nos momentos adversos.

Ora é preciso ter claro que um curso preparatório que inadvertidamente admite número excessivo de alunos numa sala de aula se expõe à reclamação de alunos e pode comprometer a qualidade do ensino desejado. Ademais, em quaisquer cursinhos é comum existir problema com os alunos, os quais, de regra, reivindicam melhorias através de abaixo assinado. A conseqüência natural desta situação é o surgimento de barreiras de resistência que precisam ser identificadas corretamente, de forma sensata e racional, caso contrário, o desgaste interpessoal e insucesso do projeto é inevitável - senão o for para a qualidade do ensino o será para a imagem da instituição.

Por outro lado, não se pode esquecer que um curso preparatório é formador de pensadores e como tal deve estar aberto às críticas, reagindo de forma positiva e demonstrado capacidade de adaptação. Além disso, pelo fim educacional o professor Farág é um orientador de pessoas e deve estar preparado para reclamações e críticas as quais devem ser objeto de avaliação que permita, se o caso, a re-organização do curso, padrões operações de trabalho, de forma a sempre contribuir para o desenvolvimento das pessoas e dos negócios.

Lembre-se que a comunicação dialógica envolve a troca ou a discussão de diferentes idéias e opiniões; leva em conta diferentes pontos de vista com a finalidade de resolver os problemas; possibilita a busca do entendimento; inclui a possibilidade de duas posições; é coerente com a lógica da negociação; permite ouvir a lógica do outro buscando compreendê-la.

Ante a postura intransigente de conversar sobre a superlotação da sala o professor Farág não 'enxergou' o indivíduo-autor - sua razão e sentimento, os alunos enquanto consumidores e o processo de trabalho, nas condições do ambiente - elementos indispensáveis para a busca do gerenciamento do conflito. E ao convidar o autor a sair do curso, o professor Farág reagiu de forma desproporcional à colocação do aluno quando este lhe disse que sua postura radical de não dividir a turma somente poderia ser atribuída ao interesse pelo lucro. Ou seja, o professor Farág não administrou a crítica que lhe foi dirigida pelo aluno. Antes, a compreendeu o comentário como uma ofensa e exasperou-se tornando a discussão pessoal, levando o conflito ao ápice da tensão, às beiras da desavença.

Como conclusão, tem-se que o professor Farág não agiu com a diligência que era esperada e atuou de forma abusiva ao não favorecer o entendimento com o aluno e aproveitar o momento do conflito para buscar melhorias em favor do ambiente onde seriam ministradas as aulas no curso.

Sua conduta abusiva foi ainda agravada por ter chamado o aluno de "moleque" e, depois de todo incidente, ter determinado de forma arbitrária o cancelamento da matrícula do autor no curso preparatório, provocando a interrupção de seus estudos.

Mais do que constranger o autor perante um grupo extenso de colegas, é certo que o sócio da requerida agiu em total dissonância com a Política Nacional das Relações de Consumo, que tem como princípios a garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade e o respeito à dignidade do consumidor (art. 4º, caput e II, "d", CDC) e até mesmo com o objeto social da sociedade que busca concorrer para o desenvolvimento da solidariedade humana através da preservação e do aperfeiçoamento do homem inspirada nos princípios cívicos, cristãos e democráticos. E um padrão adequado de qualidade do serviço implica um tratamento respeitoso e profissional do consumidor. In casu, a requerida, além de não ter assegurado um ambiente apropriado para os alunos assistirem às aulas do curso, negou-lhes o direito de demonstrar sua insatisfação, reprimindo de forma inaceitável a manifestação do aluno.

Ademais, a expulsão do autor do curso, sem justo motivo e de maneira indiscutivelmente inapropriada, e de ter sido chamado de "moleque", diante de pelo menos de 150 pessoas, causou-lhe vergonha e considerável abalo emocional. Igualmente, o modo exasperado como o professor exigiu desculpas, que suscitou risos por parte da turma (fl. 150), evidencia que o autor teve sua honra atingida negativamente.

Outrossim, vejo que o representante da requerida valeu-se de sua superioridade, na condição de "dono do curso", para ridicularizar a parte mais frágil, o aluno, na frente de seus colegas. Devo ressaltar, neste ponto, que os elementos constantes dos autos demonstram que o professor referiu-se à empresa da qual é sócio como um bem que pode ser conduzido exclusivamente ao seu alvedrio, dentro da mais ampla liberdade, como se não existissem normas jurídicas de observância obrigatória pelos fornecedores.

Por outro lado, não há dúvida de que a intervenção do autor é oriunda de sua legítima indignação com as condições da sala de aula.

De outra parte, é importante salientar a contradição que exsurge da peça contestatória, onde é dito que o professor rasgara o abaixo-assinado e se irritara com sua feitura pelo fato de ele sempre estar acessível aos alunos. Porém, conforme se vê nos depoimentos testemunhais e na transcrição da gravação, o professor após indagar se havia perguntas irritou-se, inicialmente, com o simples fato de o autor manifestar sua opinião, afirmando posteriormente que não lhe tinha concedido o uso da palavra e que não discutiria o assunto com ele.

Portanto, reconheço que o autor foi vítima de conduta ilícita da requerida, por ter sido constrangido de forma ilegítima, com violação de sua honra e de terem sido violados seus direitos enquanto consumidor.

Restando comprovada a ocorrência de abuso, deve a instituição de ensino responder objetivamente, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos danos morais causados ao consumidor. A prestação de um serviço educacional respeitoso é inerente à atividade comercial desenvolvida pelo estabelecimento de ensino.

O nexo causal, por sua vez, resta evidenciado, uma vez que, se não fosse o ato abusivo do professor Fárag o dano moral não teria ocorrido.

Diante desse quadro, entendo que resta configurado o dever de indenizar os danos morais sofridos pelo aluno.

No que toca especificamente à alegação de prejuízo por ter perdido as chances de aprovação é evidente que o transtorno causado ao autor, justamente no ambiente que mais deveria contribuir para seu preparo para as provas do concurso, implicou em reorganização forçada dos planos inicialmente traçados no momento em que decidiu matricular-se em um "cursinho" na "Fortium", o que deve ser levado em conta na fixação do valor da indenização.

Porém, para que a pretensão indenizatória pela perda de uma chance seja eficaz é necessário que a oportunidade perdida seja estimável não meramente casual. Entre o dano certo que é sempre indenizável e o dano eventual não ressarcível esta a perda de uma chance. A pretensão indenizatória pela perda de uma chance nasce da probabilidade de ganho na hipótese diversa da conduta do terceiro, não bastando a mera possibilidade. É esse plus, que constitui o valor patrimonial da chance perdida, admitindo, assim, a aplicação da citada teoria. Neste sentido, Alvim Agostinho apud Savi, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 38.

Nesse ponto, vale citar também o comentário feito por Judith Martins-Costa sobre o artigo 403 do Novo Código Civil à luz da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance (apud SAVI, 2006, p. 41):

"Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 do Novo Código Civil afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar."

No caso, não ter sido aprovado no concurso para o qual se prepararia o autor trata-se de um dano hipotético, uma vez que não se pode afirmar, com segurança, que o autor lograria êxito em seu intento.

Com essas considerações, passo a fixar a indenização por dano moral.

É certo que o arbitramento sujeita-se a decisão judicial, informada pelos critérios apontados pela doutrina e jurisprudência e condensados pelos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Assim, procedida a compatibilização da teoria do valor do desestímulo com o princípio que veda o enriquecimento sem causa e consideradas as condições econômicas das partes e o grau de responsabilidade, arbitro a indenização no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais).

No que diz respeito à reconvenção, verifico que a ré não conseguiu demonstrar que o autor proferiu palavras desrespeitosas ao seu representante (professor Farág). O depoimento deste à Policia Civil (fls. 91/93), cotejado com os outros elementos que compõem os autos, não é suficiente para provar que o autor chamou o professor de "mercenário" e de "estelionatário". Por outro lado, dentre as quatro testemunhas que depuseram, apenas uma, arrolada pela requerida, diz ter ouvido o xingamento de estelionatário (fl. 229). Porém, considerando que o referido testemunho, tanto no seu conjunto quanto em questões específicas, destoa completamente dos demais e da transcrição do áudio, deixo de acolhê-lo como prova, pelo fato de as afirmações da testemunha carecerem de verossimilhança. Nesses termos, deixo de acolher o pedido objeto da reconvenção.

Por último, não verifico estarem presentes os requisitos para imposição de penalidade ao réu-reconvinte por litigância de má-fé, tendo em vista que não restou demonstrada qualquer hipótese do art. 17 do CPC. Desta feita, há que se reconhecer que a demanda reconvencional fora interposta como meio legítimo à defesa de seus interesses, não se vislumbrando o manifesto propósito do réu-reconvinte em alterar dolosamente a verdade dos fatos.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido principal para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 12.000,00 (doze mil reais), acrescidos de correção monetária a partir de sua fixação (Súmula 362/STJ), com a incidência de juros de mora de 1% ao mês (art. 406 do Código Civil), a partir da citação.

Por conseguinte, resolvo o processo, com apreciação do mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Condeno o réu ao pagamento das custas e de honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação, com base no artigo 20, § 3º, do CPC.

Ainda, JULGO IMPROCEDENTE o pedido reconvencional.

Condeno o reconvinte ao pagamento das custas e honorários advocatícios os quais arbitro em R$ 1.200,00 nos termos do art. 20, § 4º do CPC.

Extraiam-se cópias dos depoimentos prestados em juízo, da transcrição da gravação de áudio, boletim de ocorrência policial e da presente sentença e encaminhem-se ao Ministério Público para as providências cabíveis em face de Mariano Borges de Farias.

Publique-se. Registre-se. Além disso, INTIME-SE a ré da presente sentença, na forma do disposto no artigo 475-J do CPC, para dar cumprimento à condenação no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado, sob pena de acréscimo da multa de 10% (dez por cento) sob o montante do débito, este corrigido da data do requerimento de cumprimento de sentença ou "pedido executório" (art. 614, II, do CPC).

Brasília - DF, 1 de julho de 2010.


Grace Correa Pereira
Juíza de Direito Substituta




JURID - Condenação. Agressão verbal [20/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário