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quinta-feira, 15 de julho de 2010

JURID - Apelação. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. [15/07/10] - Jurisprudência


Apelação. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. Perseguição policial. Danos materiais e morais.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. PERSEGUIÇÃO POLICIAL. VEÍCULO DO AUTOR COLHIDO PELA CAMIONETA QUE TRANSPORTAVA OS FUGITIVOS E ATINGIDO POR TIROS DISPARADOS PELA POLÍCIA MILITAR. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

1.Danos materiais. É devido pelo Estado réu o reembolso do valor despendido pelo autor no pagamento da franquia de seu automóvel. Embora este tenha sido colhido pela camioneta que transportava os fugitivos da Polícia - fato de terceiro -, a prova dos autos evidencia que foi também atingido por tiros disparados pelos policiais militares.

Havendo nexo causal entre parcela dos danos materiais do veículo e ato dos servidores do Estado, impõe-se a responsabilização do ente público. Aplicação da teoria objetiva do art.37, §6º, da CF.

2.Danos morais não caracterizados. Os policiais militares agiram no estrito cumprimento de seu dever legal, ao perseguirem os criminosos, no intuito de resguardar a segurança pública. Excesso não verificado. A circunstância de que o autor se preocupou com sua integridade física e de suas passageiras não constitui necessariamente abalo moral de reflexo indenizável.

Apelo do autor parcialmente provido.

Apelação Cível

Décima Segunda Câmara Cível

Nº 70031008717

Comarca de Porto Alegre

JORGE LUIS TRINDADE MACHADO

APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Umberto Guaspari Sudbrack e Des.ª Judith dos Santos Mottecy.

Porto Alegre, 10 de junho de 2010.

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Orlando Heemann Júnior (RELATOR)

Adoto o relatório de fls.79/80:

"Jorge Luis Trindade Machado, brasileiro, viúvo, técnico em manutenção, residente na rua Portal dos Pinheiros, 123/001, Alvorada, propôs a presente ação de indenização de danos materiais e morais contra o Estado do Rio Grande do Sul. Diz que, em 18/05/07, teve seu veículo Fiesta abalroado por uma Ecosport que estava sendo conduzida por foragidos da Justiça e fugitivos da polícia, entre eles o capturado Luis Henrique da Silva, que furtara o veículo em conluio com os demais. Trafegava pela rua Nelson Lang, aguardando para efetuar a conversão à direita na Av. Bento Gonçalves, quando a caminhonete referida, em fuga, colidiu em seu automóvel, causando danos. Tal fato deu-se porque o condutor e os comparsas procuravam fugir de barreira policial instalada nas imediações. O Estado possui responsabilidade em razão do evento. Toda a família ficou traumatizada com a ocorrência. Estava acompanhado de sua companheira Sheila e de uma vizinha de nome Aline. A responsabilidade estatal não se confunde com a de seu funcionário. Deve ressarcir os prejuízos pelos danos causados. Refere a evolução da teoria da responsabilidade estatal. Os danos patrimoniais subsumem-se à franquia do seguro que teve que despender, no montante de R$1.352,00. Quanto ao dano moral deriva de ter sido envolvido em situação perigosa, sendo viúvo e responsável pelos filhos, todos menores de idade. Refere doutrina e disposição legais, postulando seja fixada a indenização por arbitramento judicial. Acosta documentos (fls. 12 a 26 e 32). Foi deferido o benefício da assistência judiciária gratuita (fl. 33). O Estado, em preliminar, alega ilegitimidade passiva, pois o fato ocorreu por ato de terceiro, não tendo a ele dado causa. O veículo perseguido pelos Policiais Militares estava em fuga. Aponta, ainda, prefacial de impossibilidade jurídica do pedido por ausência de causa de pedir. Não ocorreu qualquer ação ou omissão de agente público que ensejasse o evento. Não provocou os danos referidos. No mérito, afirma que foi meliante em fuga que colidiu com o veículo do demandante, sendo inafastável o fato de terceiro. Refere doutrina e jurisprudência sobre a questão. O Estado não é um segurador universal. Impugna a pretensão de danos materiais e morais pela mesma motivação. Junta documentos (fls. 51 a 54). Em réplica, o requerente rebate os argumentos contestacionais repisando os termos de sua inicial. Salienta que os prejuízos não podem ficar sem ressarcimento, pois é função do Estado zelar pela segurança do cidadão e guarda de apenados. Foi afastada em saneador a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, entendendo-se naquela decisão que a de ilegitimidade passiva está intimamente ligada ao mérito (fl. 68). Nesta data foram tomados o depoimento pessoal do autor e de cinco testemunhas arroladas pelas partes. Não havendo outras provas que pretendessem produzir, restou encerrada a instrução, ferindo-se os debates orais. O autor reportou-se à inicial, réplica e demais manifestações dos autos. O Estado igualmente reportou-se à contestação, salientando que não houve excesso de seus agentes, nem ficou demonstrado que tenha o veículo do requerente sido atingido por disparos efetuados pelo Estado. O Ministério Público, após breve relatório, afirmou que o autor foi envolvido em acidente de trânsito com caminhonete que estava sendo perseguida por viatura policial. Diz que a prova oral demonstra que a Brigada Militar não se excedeu na sua intervenção. Agiu em estrito cumprimento de dever legal não podendo haver responsabilização estatal pelos danos causados. Foi dado à causa o valor de R$ 1.352,00".

A sentença foi de improcedência dos pedidos, impondo ao demandante o pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa, assegurada a gratuidade judiciária.

Apela o autor salientando os prejuízos materiais e morais decorrentes da colisão a que os meliantes envolvidos na perseguição policial deram causa, bem como dos tiros que atingiram seu veículo. Faz menção às fotografias de fls.25/26, que evidenciam que o automóvel foi alvejado por trás, o que comprova que os tiros partiram das armas dos policiais. Sustenta que atirar no trânsito configura excesso dos policiais, uma vez caracterizada negligência à segurança dos cidadãos.

Aduz que a hipótese de que seu veículo tivesse sido atingido por tiros disparados pelos fugitivos não afastaria a responsabilidade do Estado, pois a segurança dos cidadãos não foi resguardada.

Reedita os pedidos formulados na inicial.

Contrarrazões pela manutenção da sentença.

O Ministério Público interveio no feito e, neste grau de jurisdição, opina pelo improvimento do apelo.

O Revisor teve prévia ciência do relatório pelo sistema informatizado.

VOTOS

Des. Orlando Heemann Júnior (RELATOR)

Dou parcial provimento ao apelo.

Cuida-se de pedidos indenizatórios de danos materiais e morais decorrentes de evento ocorrido em 18.05.2007, nesta Capital, ocasião em que o automóvel Ford Fiesta Sedan do autor foi atingido pela Ford Ecosport conduzida por fugitivo da polícia e posteriormente atingido por tiros disparados durante a perseguição policial.

O autor requereu o ressarcimento do valor despendido com a franquia do conserto do automóvel e reparação dos danos morais decorrentes do abalo que vivenciou, ao sentir sua integridade física e a de sua companheira comprometidas em meio a tiroteio entre policiais e fugitivos.

Consta que os ocupantes da camioneta fugiam de uma barreira policial em alta velocidade e acabaram colidindo rapidamente com o automóvel do autor. Os danos advindos desta colisão caracterizam fato de terceiro e, portanto, não são indenizáveis.

Contudo, o veículo do autor sofreu também avarias decorrentes dos projéteis que o atingiram (fotografias de fls.25/26). E, nesse sentido, a prova produzida permite concluir que esses disparos de arma de fogo foram efetuados pelos policiais.

Os danos no automóvel se situaram na lateral traseira direita e na parte traseira esquerda (fotografias mencionadas). E os veículos envolvidos na perseguição trafegavam no mesmo sentido do automóvel do autor, de sorte que os meliantes atiravam para trás e os policiais atiravam para a frente, de sorte que o veículo do autor foi de fato atingido pelos projéteis disparados pelos policiais militares.

Embora os PMs Rodrigo Neves Batista (fls.88/90) e Pedro Martins (fls.90/91) tenham afirmado que atiraram somente depois da viatura ter ultrapassado o automóvel Fiesta, tal alegação vai de encontro ao fato de que este automóvel foi atingido na parte traseira.

Destarte, está configurado o nexo causal entre parcela dos danos no veículo do autor e o ato dos servidores do Estado, o que impõe a responsabilização deste. Ao caso aplica-se a teoria objetiva do art.37, §6º, da CF, que prescreve:

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos causados aos seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Levando em conta que o pleito ressarcitório diz respeito ao valor da franquia do seguro, não cabe a individualização dos danos causados apenas pelos prepostos do ente público. A totalidade do valor despendido pelo demandante deve ser, portanto, reembolsada pela parte ré.

O valor de R$1.352,00 (registrado na nota fiscal de fl.15) deve ser corrigido monetariamente desde o desembolso (25.05.2007) e acrescido de juros de mora a contar da citação.

De outro lado, não está caracterizado o abalo moral indenizável decorrente de ato dos servidores estaduais.

Veja-se que a causa de pedir se funda no abalo sofrido em virtude da aflição decorrente de ameaça à integridade física do autor e de sua companheira, porque se encontravam em meio a tiroteio entre policiais e fugitivos.

Ocorre que os policiais militares agiram no estrito cumprimento de seu dever legal, ao perseguirem os criminosos, inclusive com o intuito de resguardar a segurança pública. Ao que se verifica, os disparos só foram por eles efetuados depois que os delinquentes assim também o fizeram.

Tal circunstância não caracteriza excesso no exercício de sua função. Os indicativos são de que os policiais agiram dentro dos limites do razoável.

Nesse sentido, adoto os fundamentos da sentença abaixo transcritos:

"(...) Os perseguidos eram perigosos, tanto que dispararam suas armas de fogo e não se intimidaram com a presença policial de mais de uma viatura. Além de terem sido perseguidos, como já referido, entraram em corredor de ônibus e foram literalmente de encontro a uma outra viatura que por ali já se aproximava, chamada pelo rádio. Esta foi quem teve que desviar, sob pena de chocar de frente com a caminhonete. Naquele ato também houve disparos contra o carro militar que estava no corredor de ônibus. Não se constata qualquer excesso dos militares. Pelo contrário, a perseguição, de início, foi sem qualquer disparo de armas de fogo por parte dos policiais. Apenas responderam, posteriormente, ao ataque que sofriam. E nem se poderia esperar que agissem de forma diferente. O próprio autor, em sua inicial, reclama da inércia e responsabilidade estatal por não manter presa uma pessoa que estaria no caso foragida. Pois aquela era exatamente a situação que acabaria por levar o meliante à prisão. Se deixa de agir é taxado de omisso. Quando busca prender, não pode ser responsabilizado se não age indevidamente. Aquela era a oportunidade e agiram os militares adequadamente. Estavam em claro cumprimento do dever legal, sem demonstração de excesso. (...)"

E o fato de o autor e suas acompanhantes terem se encontrado em meio à perseguição e ao tiroteio não pode ser imputado ao ente público, que não deu causa direta ao evento.

Resta evidente que o demandante se assustou com as circunstâncias do ocorrido, mas não foi de fato atingido em sua integridade física. Ademais, como referiu sua companheira, em juízo (fls.84/85), só foi constatado que o automóvel fora atingido pelos projéteis da arma de fogo no dia seguinte.

Portanto, cabe concluir que o autor e suas acompanhantes sofreram um grande susto, mas não abalo moral a refletir na rotina subsequente. A situação não caracterizou necessário abalo moral indenizável, mas dissabor pelo qual o ser humano tem capacidade de passar sem implicações na sua saúde psicológica.

No sentido do presente voto, o seguinte precedente:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE ESTATAL. DANOS MATERIAIS ACOLHIDOS. DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES AFASTADOS. TIROTEIO EM VIA PÚBLICA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO AGENTE PÚBLICO E O DANO OCASIONADO NO AUTOMÓVEL. AGRAVO RETIDO. Considerando que o Estado responde pelos atos de seus prepostos, bem como levando em consideração que a denunciação à lide ou o chamamento ao processo dos bandidos, no caso, não é obrigatória, importa desprover o recurso. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. Afastada, levando em consideração que a responsabilidade do Estado subsistirá quando o causador do prejuízo estiver vinculado ao Estado, independente da forma da vinculação MÉRITO. A prova dos autos dá conta que os policiais agiram no estrito cumprimento de seu dever, em nada excedendo em sua função, de modo que, a indenização devida deve limitar-se aos danos materiais sofridos. Rejeitados os pedidos de indenização por dano moral e lucros cessantes, pois a prova coligida não demonstra tal ocorrência. Os ônus da sucumbência devem ser suportados por ambas as partes, haja vista a procedência parcial da demanda movida pelo autor. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. NEGADO PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. PRELIMINAR AFASTADA. APELO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70007878838, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 28/04/2004)

Nesses termos, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, para condenar o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento do valor da franquia (R$1.352,00), corrigida monetariamente desde o desembolso (25.05.2007) e acrescida de juros de mora a contar da citação.

Por conseguinte, cada uma das partes arcará com metade das custas processuais. Pelo réu, o pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o montante da condenação; pelo autor, de R$300,00, assegurada a gratuidade judiciária e admitida a compensação dos honorários recíprocos, na forma do disposto na Súmula 306 do STJ.

Des. Umberto Guaspari Sudbrack (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des.ª Judith dos Santos Mottecy - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR - Presidente - Apelação Cível nº 70031008717, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO




JURID - Apelação. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. [15/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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