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quinta-feira, 15 de julho de 2010

JURID - Ação de indenização. Afogamento de filha em piscina de clube [15/07/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação de indenização. Afogamento de filha em piscina de clube. Morte de criança de 4 (quatro) anos.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Cível n. 2006.029964-3, de Canoinhas

Relator: Des. Substituto Ronaldo Moritz Martins da Silva

Apelação cível. Ação de indenização. Afogamento de filha em piscina de clube. Morte de criança de apenas 4 (quatro) anos. Reconhecimento da imprudência dos pais da vítima quanto ao dever de vigilância. Ausência de salva-vidas e, sobretudo, de fiscalização por funcionários do estabelecimento relativamente ao acesso de menores. Responsabilidade do requerido igualmente caracterizada. Culpa concorrente. Ressarcimento devido, porém com o valor reduzido pela metade. Despesas com o funeral. Quantia, a este título, não indicada. Ausência, ademais, de documentos comprobatórios. Liquidez não verificada. Pensão mensal estipulada em 2/3 do salário mínimo, a contar da data em que a vítima teria 14 (quatorze) anos até o dia em que completaria 25 (vinte e cinco) anos. Constituição de capital pelo réu. Imprescindibilidade da medida, que visa assegurar o fiel pagamento do valor mensal da pensão. Artigo 475-Q do Código de Processo Civil e Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça. Dano moral configurado. Critérios de fixação. Razoabilidade e proporcionalidade. Incidência dos juros moratórios a partir do evento danoso e de correção monetária a contar da data do arbitramento da verba (Súmulas 54 e 362, STJ). Sucumbência recíproca. Despesas processuais e honorários advocatícios distribuídos proporcionalmente. Artigos 20, §§ 3º e 4º, e 21, caput, do Código de Processo Civil. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido, em parte.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.029964-3, da comarca de Canoinhas (1ª Vara), em que são apelantes Guido Gonchoroski e Simone de Fátima Auerbach Gonchoroski, e apelado Canoinhas Tênis Clube:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, à unanimidade, conhecer e dar provimento, em parte, ao recurso, nos termos do voto do relator. Custas legais.

RELATÓRIO

Perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Canoinhas, Guido Gonchoroski e Simone de Fátima Auerbach Gonchoroski propuseram "ação de indenização decorrente de responsabilidade civil" (processo n. 015.02.000379-4) em face de Canoinhas Tênis Clube, visando obter ressarcimento pelas despesas com o funeral e a título de danos morais, bem como o recebimento de pensão mensal, em razão do falecimento de sua filha por afogamento, ocorrido na piscina do estabelecimento demandado (fls. 02/10).

Citado (fl. 57v.), o réu contestou (fls. 58/66), opondo resistência à pretensão dos demandantes, e ofereceu impugnação ao valor da causa, a qual restou acolhida, para fixá-lo em R$ 102.400,00 (fls. 104/106).

A gratuidade da justiça pleiteada à fl. 109 foi deferida (fl. 111v.).

Realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 136), foram tomados os depoimentos pessoais do requerente (fl. 137) e do representante do réu (fl. 138), bem como inquiridas três testemunhas arroladas pelos autores (fls. 139/143) e duas pelo requerido (fls. 144/145).

A MMa. Juíza de Direito, Dra. Dayse Herget Oliveira Marinho, prolatou sentença de fls. 147/154, cujo dispositivo foi assim redigido:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente indenizatória, ajuizada por Guido Gonchoroski e outro em face do Canoinhas Tênis Clube, declarando extinto o feito, na forma do art. 269, I, do CPC.

Condeno os autores, ainda, nas custas do processo e em honorários advocatícios, os quais fixo, consoante aponta o § 4° do art. 20 do CPC, em R$ 3.000,00 (três mil reais), suspensa a sua cobrança, contudo, em virtude do deferimento da justiça gratuita a seu favor (art. 12 da Lei n. 1.060/50), conforme despacho de fl. 111v.

Inconformados, os vencidos apelaram (fls. 158/162), acrescentando, aos fatos narrados na exordial, que "o clube adverso nunca manteve qualquer vigilância com os banhistas da piscina, e por esta conduta deve ser responsabilizado" (fl. 160).

Requereram o provimento do apelo, "[...] a fim de ser o clube apelado condenado aos pedidos constantes da peça inicial, invertendo-se os ônus da sucumbência, contudo, devendo esta verba ser na proporção de 20% do valor da condenação" (fl. 162).

Intimado (fl. 166), o recorrido apresentou contrarrazões (fls. 168/175).

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 157/158), anotando-se que os ora recorrentes são beneficiários da justiça gratuita (fl. 111v.)

Na inicial (fls. 02/10), sustentaram os autores que 1) são pais de A. C. G., nascida em 19.3.1994, e sócios do clube acionado; 2) a menor "[...] veio a falecer no dia 04 de janeiro de 1998, vítima de afogamento, na piscina de propriedade do clube requerido e que está instalada na sua sede campestre, no bairro Aparecida, na cidade de Canoinhas/SC" (fl. 03); 3) na ocasião, a menor estava acompanhada de seus genitores e irmãos; 4) A. C. G. tomava banho na piscina de crianças e, provavelmente, acabou caindo na de adultos, distante 8,40 m; 5) "[...] não existe no local nenhuma cerca ou obstáculo que impeça o trânsito e o acesso de crianças até a piscina mais profunda que é destinada a adultos" (fl. 03); 6) há culpa in vigilando e negligência do clube demandado, porquanto "[...] não possui salva-vidas, piscinistas ou qualquer pessoa que preste assistência permanente nas dependências das referidas piscinas [...]" (fl. 03); 7) "obviamente que a perda da filha, nas condições que ocorreram os fatos, acarretou sofrimento a todos os entes familiares, em especial aos demandantes que, de modo abrupto e por falta de vigilância e cuidados rigorosos do clube requerido, culminou na morte da pequena A. C." (fl. 04); 8) o réu "[...] se descurou do seu dever, dando incumbência a um jardineiro (que não possui qualquer treinamento, nem mesmo de primeiro socorros) para 'cuidar' da piscina frequentada por crianças e adultos" (fl. 04); 9) "[...] o fato ocorreu no início do mês de janeiro, em plena temporada de verão e quando os índices de frequência de piscinas em clubes e parques aumenta, sendo incumbência do clube - que cobra mensalmente dos sócios a sua manutenção - velar pela tranquilidade e segurança daqueles que usam as suas dependências" (fl. 04).

Pleitearam a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos materiais, referentes às despesas do funeral, e danos morais, bem como de pensão mensal, desde a data do fato lesivo (4.1.1998) até a sobrevida provável da vítima, quando completaria 70 (setenta) anos de idade ou, alternativamente, 68,4 anos, em quantia equivalente a 01 (um) salário mínimo, incluídos 13° salário, férias acrescidas de 1/3 e FGTS.

Em defesa (fls. 58/66), alegou o demandado, em síntese, que 1) o clube, por ser de pequeno porte e com parcos recursos, não tem condições de manter alguém disponível para salva-vidas nas piscinas, as quais são cercadas por alambrado; 2) "[...] em vários lugares do clube, especialmente nos vestiários próximos às piscinas, bem como em frente ao seu portão de entrada, sempre estiveram afixadas recomendações para os associados pais de menores freqüentadores [...]" (fl. 59), no sentido de que estes devem estar acompanhados de responsável; 3) os pais de A. C. "[...] permitiram a sua entrada no cercado da piscina, juntamente com os irmãos de 15 (quinze) e 07 (sete) anos de idade, ficando o casal à distância, dentro do seu automóvel, donde não tinham perfeita visão do local onde estavam seus filhos [...]" (fl. 60); 4) os irmãos se dirigiram à quadra de tênis e a menor ficou desacompanhada na piscina para adultos; 5) os autores somente tomaram ciência do fato porque alertados por gritos de outras pessoas, "[...] quando Guilherme Roeder e o diretor do clube, Osmar H. Scholze [...], tentavam prestar socorro através de massagens e respiração artificial [...]" (fl. 60), mas a menina já estava sem vida; 6) houve falta de cuidados e negligência dos próprios pais da menor, que são os "[...] únicos e verdadeiros responsáveis pela prematura perda da pequena A. C." (fl. 61).

É incontroverso que o falecimento de A. C., filha dos requerentes (fl. 13), ocorreu na piscina do estabelecimento demandado.

O clube não diverge no tocante à ocorrência do infortúnio e suas conseqüências.

A certidão de óbito de fl. 12 indica como causa mortis da menor "insuficiência respiratória aguda, asfixia mecânica, afogamento em meio líquido", como declarado no auto de exame cadavérico (fl. 20).

Conforme apontamentos do "auto de verificação e constatação do local" (fl. 22), a área é cercada com alambrado (tela) de 1,20 m de altura, havendo apenas 01 (um) portão de acesso, e em seu interior encontram-se 02 (duas) piscinas, uma destinada ao público adulto e a outra ao infantil, com profundidades cobertas de água, à época dos fatos, de 1,07 m e 0,32 m, respectivamente, separadas por 8,40 m, nada existindo para separá-las (cerca ou muro), como descrito no croqui de fl. 23.

Na fase de inquérito policial, o pai de A. C. declarou que:

[...] ficaram dentro do carro, enquanto seus filhos de 15 anos, 07 anos e a vítima A. C. de 03 anos de idade banhavam-se na piscina de crianças; [...] não tinham uma perfeita visão do local onde se encontravam seus filhos, pois havia um arbusto entre a piscina e o local onde estava estacionado seu veículo. (fl. 27) (grifou-se)

Em depoimento ainda afirmou:

que havia chegado a poucos instantes no clube demandado, tendo deixado sua filha brincando na piscina pequena, enquanto ficou no carro, a poucos metros da piscina, ouvindo música; [...] que não havia deixado ninguém responsável por Ana enquanto brincava na piscina; [...] que desconhece haver no tempo dos fatos uma placa dizendo que as crianças devem frequentar a piscina somente acompanhadas dos pais ou responsáveis; [...] que a cerca era formada por tela de arame e umas folhagens que muitas vezes ocultavam a visão da piscina; que de onde se encontrava estacionado, as folhagens lhe tapavam apenas parcialmente a visão da piscina; [...] que exercendo cargo no clube, sabe informar que o mesmo não contratava salva-vidas, apenas mantendo um zelador que zelava pela ordem nas piscinas; que o zelador era Mário, sendo que o mesmo não tinha a função específica de permanecer junto à piscina, mas apenas eventualmente quando havia muito movimento. (fl. 137)

A mãe da menor, por sua vez, informou que "[...] momentos depois os meninos foram para a quadra de tênis [...]" (fl. 28).

Osmar Henrique Scholze, testemunha arrolada pelos demandantes, presidente do clube quando do acontecimento, declarou que "[...] fez respiração boca a boca na menina e os pais da mesma ainda não haviam percebido o acidente, acreditando que ainda estivessem no carro" (fl. 139).

Mário Batista Moreira, funcionário do clube, afirmou, quando inquirido, "que viu quando o autor entrou no carro lendo jornal, enquanto as crianças foram para a piscina" (fl. 142).

Não há como afastar a responsabilidade dos genitores em zelar pelos filhos, notadamente a vítima, com apenas 04 (quatro) anos de idade, ainda que inexistisse, no local, recomendação para a entrada de menores nas piscinas tão-somente quando por seus pais acompanhados.

Data venia, agiram com imprudência quando ao dever de vigilância, porquanto permitiram a entrada da menina no cercado da piscina, juntamente com seus outros filhos, de 15 (quinze) e 07 (sete) anos de idade, ficando à distância, dentro do carro, de onde, como afirmaram, não tinham perfeita visão do local onde estavam as crianças, e, mesmo após a saída dos irmãos, quando se dirigiram à quadra de tênis, deixaram a vítima ali desacompanhada.

Os requerentes, registre-se, tinham conhecimento, ademais, da inexistência de salva-vidas nas dependências do clube requerido.

A propósito, extrai-se da sentença:

[...] observa-se que o comportamento dos pais foi, mesmo, um tanto quanto displicente, eis que, ao chegar ao clube, deixaram os três filhos, sobremaneira a menor, de três anos, irem sozinhos à piscina, não podendo evitar, mesmo à pequena distância, o evento fatídico.

Reconheceram os próprios que, entre o local em que se encontravam, no estacionamento, e a piscina, havia distância razoável, de maneira que o pai disse estar encoberta a sua visão, inclusive.

Assim sendo, descuidaram de seu dever de vigilância, já que são inerentes as duas variáveis aqui aludidas, quais sejam, a piscina e a criança, o perigo, aquela, mesmo fosse a mais rasa, porque escorregadia e, claro, por poder causar o afogamento, e, esta, porque inquieta e curiosa como qualquer criança. (fl. 152)

O réu, na contestação, buscou eximir-se da responsabilidade civil pelo evento danoso, sob o argumento de que não praticou ato ilícito, sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva dos autores, pais da vítima.

Este foi o entendimento adotado pela magistrada de primeiro grau, objeto de irresignação dos apelantes, à consideração de que "[...] a falta de diligência dos pais suplanta eventual ausência de zelo do clube em manter salva-vidas ou funcionário com ocupação similar quando aberto o acesso às piscinas" (fl. 152).

Cabe apurar, nessas condições, se resta, ou não, igualmente caracterizada a culpa do clube.

Há informações de que o requerido possuía, à época do acontecimento, avisos sobre a obrigatoriedade dos menores estarem acompanhados de pais ou responsáveis para ingressar nas piscinas.

O fato encontra-se evidenciado à fl. 93.

Como representante do demandado, João Zattar Júnior asseverou:

que na época do evento já existiam avisos junto à piscina de que as crianças deveriam frequentá-la apenas acompanhadas dos pais ou responsáveis; [...] que não existem funcionários responsáveis pela segurança nas piscinas, como salva-vidas, mas apenas um zelador que se responsabiliza pela organização do local; [...] que o zelador não tem curso de salva-vidas. (fl. 138)

Colhe-se ainda do depoimento de Mário Batista Moreira, à época do inquérito policial:

[...] quanto ao acompanhamento de crianças é responsabilidade dos pais pois existe avisos nas entradas dos vestiários alertando aos sócios, pois não existe pessoa habilitada para atender as piscinas; [...] sua função no clube é apenas de jardineiro e [...] não tem qualquer preparo para exercer a função de salva-vidas ou de primeiros socorros nas dependências das piscinas. (fl. 30)

Na audiência de instrução e julgamento acrescentou:

Que quando houve o acidente, já trabalhava no clube; que sua função tanto na época dos fatos como hoje é de ajudante geral [...]; que em relação às piscinas, apenas se limitava a verificar a carteirinha de pessoas não conhecidas do clube; [...] que não era responsável pela segurança das crianças na piscina; [...] que era comum deixar crianças entrarem sozinhas na piscina; que nunca havia recebido qualquer ordem no sentido de barrar as crianças que vinham desacompanhadas para a piscina. (fl. 142)

Pedro Ivo Freitas Seleme, testemunha do requerido, informou ter conhecimento de "[...] que não havia pessoa determinada para cuidar da segurança das crianças" (fl. 144).

Dessa forma, a responsabilidade do requerido encontra-se igualmente caracterizada, diante da ausência de pessoas habilitadas para prestar socorro em situações de emergência e, sobretudo, da sua omissão na fiscalização, por seus funcionários, do acesso de entrada nas piscinas por menores desacompanhados de pais ou outro responsável.

Tais medidas poderiam, em tese, evitar o resultado fatídico e lamentável objeto deste reclamo.

Conclui-se, portanto, que ambas as partes contribuíram para a ocorrência do infortúnio.

Em casos semelhantes, já se manifestou este Tribunal:

1) Apelação Cível n. 2004.010364-6, da Capital, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 16.9.2009:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE MENOR - 4 ANOS - POR AFOGAMENTO EM PISCINA DE HOTEL. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE LAZER E O ACESSO À PRAIA. ACESSO DA MENOR NA ÁREA DESTINADA A ADULTOS (PISCINA) E SEM EMBARGO DE QUALQUER FUNCIONÁRIO DA RÉ. CULPA CONCORRENTE ENTRE O ESTABELECIMENTO HOTELEIRO E OS PAIS DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. [...] SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO E DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO.

2) Apelação Cível n. 2007.002930-0, de Tubarão, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 27.1.2009:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AFOGAMENTO EM PISCINA DE PARQUE AQUÁTICO. VÍTIMA DE APENAS OITO ANOS. INEXISTÊNCIA DE FUNCIONÁRIO HABILITADO (SALVA-VIDAS) NO MOMENTO DO SINISTRO. PLACA QUE SOMENTE PERMITIA A ENTRADA DE CRIANÇA MENOR DE DOZE ANOS ACOMPANHADA POR RESPONSÁVEL. NÃO FISCALIZAÇÃO PELO ESTABELECIMENTO RÉU. PISCINA DESTINADA A ADULTOS E CRIANÇAS QUE NÃO POSSUÍA QUALQUER SEPARAÇÃO A EVITAR ACIDENTES. AUTORA QUE MESMO DESCONHECENDO SE A VÍTIMA SABIA NADAR PERMITIA QUE FREQÜENTASSE O CLUBE. CULPA CONCORRENTE RECONHECIDA. DEVER DE INDENIZAR [...] SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...].

Nessas condições, mostra-se devido o ressarcimento, contudo reduzido pela metade, tendo em vista a ocorrência, no caso, de culpa concorrente das partes.

A propósito:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. [...] CONCORRÊNCIA DE CULPAS CARACTERIZADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO PELA METADE. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

[...] Caracterizada a concorrência de culpas, reduzem-se os valores indenizatórios à metade e distribuem-se reciprocamente os ônus sucumbenciais (Apelação Cível n. 2003.020241-2, da Capital, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 23.11.2007).

Almejam os demandantes indenização pelas despesas suportadas com o funeral, incluídas aquelas "[...] necessárias com a construção de um túmulo à sua filha, bem como a quantidade razoável face as vestimentas de luto e nojo e despesas causadas pelos transtornos que se verificaram na família em tais circunstâncias, tudo a ser apurado em liquidação de sentença [...]" (fl. 08).

Não indicaram, contudo, qual seria o valor a este título pretendido e sequer trouxeram documentos para embasar a pretensão.

O pedido carece de liquidez e, portanto, não há como ser deferido.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEGATIVA DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. DANOS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. ÔNUS PROBATÓRIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ARTIGO 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DEVER DE INDENIZAÇÃO NÃO CONFIGURADO. [...] SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Nas ações indenizatórias por danos materiais - danos emergentes e lucros cessantes -, com pedido líquido, é imprescindível que restem comprovados a existência do dano e seu valor. Sem tais provas, é impossível a condenação. (Apelação Cível n. 2005.017332-2, de Maravilha, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 21.8.2007)

Os autores postularam, ainda, pensão mensal, a partir da data do fato lesivo (4.1.1998) até a sobrevida provável da vítima, quando completaria 70 (setenta) anos de idade ou, alternativamente, 68,4 anos, em valor correspondente a 01 (um) salário mínimo, incluídos 13° salário, férias acrescidas de 1/3 e FGTS.

A vítima tinha, à época do acontecimento, apenas 04 (quatro) anos (aproximadamente). Descarta-se, à evidência, que com tão pouca idade estaria possibilitada e capacitada a gerar renda aos seus genitores.

A pretensão tem cabimento, assim, a contar da data em que A. C. completaria 14 (quatorze) anos de idade, quando poderia exercer trabalho remunerado na condição de aprendiz (art. 7°, inciso XXXIII), até os seus 25 (vinte e cinco) anos, tendo em vista a presunção de que, nessa idade, a jovem contrairia matrimônio e constituiria nova família, aumentando suas despesas pessoais com o novo núcleo por ela formado.

A pensão é devida em 2/3 (dois terços) do salário mínimo, reduzido o valor, no entanto, pela metade, devido à concorrência de culpas, partindo-se da constatação de que o terço restante (1/3) seria consumido pela própria vítima, nos gastos com sua subsistência, incluídos 13° e férias, excluído o FGTS.

Merece guarida o pedido dos autores, formulado à fl. 08 (item "c"), no tocante à constituição de capital ou caução fidejussória, a fim de garantir o pagamento mensal da pensão, havendo a possibilidade da substituição por fiança bancária ou garantia real em cumprimento de sentença, observado o disposto no artigo 475-Q do Código de Processo Civil.

Esse é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado (Súmula 313).

A respeito, colhe-se de julgados desta Corte:

1) Apelação Cível n. 2005.042514-2, de São Miguel do Oeste, rel. Desa. Denise Volpato, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 28.8.2009:

PENSÃO MENSAL DEVIDA À MÃE NA PORCENTAGEM DE 2/3 (DOIS TERÇOS) DO SALÁRIO-MÍNIMO, A INICIAR DA DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA QUATORZE ANOS DE IDADE ATÉ OS VINTE E CINCO ANOS DE IDADE - VALOR DA PENSÃO FIXADO COM BASE NO SALÁRIO-MÍNIMO, POR NÃO SER A VÍTIMA EXERCENTE DE ATIVIDADE LABORATIVA REMUNERADA - VERBAS INDENIZATÓRIAS REDUZIDAS PELA METADE EM RAZÃO DA CONCORRÊNCIA DE CULPAS - NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE PATRIMÔNIO PARA GARANTIR O PAGAMENTO DA VERBA INDENIZATÓRIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 475-Q DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SÚMULA 313 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DESPROVIDO.

"É devida a pensão alimentícia mensal fixada pela morte de filho menor em 2/3 (dois terços) do salário mínimo, a fim de compensar os prejuízos materiais que a família experimenta, com início na data em que completaria 14 (quatorze) anos de idade, época em que poderia realizar trabalho remunerado, limitado à data dos 25 (vinte e cinco) anos. Vedada sua extensão até os 65 (sessenta e cinco) anos, salvo comprovação de que contribuía com a subsistência do lar" (TJSC, Apelação Cível n. 2005.042514-2, de Brusque, Relatora: Desa. Subst. Denise Volpato, julgado em 08/08/2009). [...].

4. "Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão" (Art. 475-Q, do CPC).

2) Apelação Cível n. 2003.020832-1, de Concórdia, rel. Des. Monteiro Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14.2.2008:

DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRABALHO - [...] - CULPA EVIDENCIADA [...] DEVER DE INDENIZAR - NEXO DE CAUSALIDADE - CONFIGURAÇÃO [...] CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - PRESERVAÇÃO DO DIREITO DO OFENDIDO - CONDENAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.

[...] Independentemente de sua condição financeira, o ofensor é obrigado a constituir capital que garantir o cumprimento de prestações mensais a que foi condenado.

3) Apelação Cível n. 2002.000974-1, de Chapecó, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 22.11.2007:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA SEGURADORA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO FORMULADO NA LIDE PRINCIPAL E PROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO NA LIDE SECUNDÁRIA. CULPABILIDADE. [...] PENSÃO ALIMENTÍCIA. VÍTIMA CONTANDO COM APENAS TRÊS ANOS DE IDADE NA DATA DO ACIDENTE. DEVER DE PAGAMENTO DE PENSÃO AOS PAIS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 491 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TERMO FINAL DO PENSIONAMENTO. DATA EM QUE A VÍTIMA COMPLETARIA 25 (VINTE E CINCO) ANOS DE IDADE. [...].

II - "O limite temporal para fixação da pensão deve ser à data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, entendendo-se que a partir daí formaria nova família, à qual prestaria auxílio e alimentação." (Embargos Infringentes n. 2003.030125-9, de São Lourenço do Oeste, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, Grupo de Câmaras Civil, j. 10-5-2004).

4) Apelação Cível n. 2006.008464-0, de Campos Novos, rel. Des. Jaime Ramos, Segunda Câmara de Direito Público, j. 29.8.2006:

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS [...] MORTE DE FILHO E IRMÃO MENOR - PENSÃO MENSAL VITALÍCIA AOS PAIS - DANO MORAL - CONDENAÇÃO EM SALÁRIOS-MÍNIMOS - POSSIBILIDADE DESDE QUE CONVERTIDOS EM MOEDA CORRENTE NA DATA DA SENTENÇA - ABATIMENTO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO DO SEGURO - POSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ADEQUAÇÃO.

[...] É devida a indenização pela morte de filho, mesmo que não exerça atividade profissional. Entretanto, há que se estabelecer um limite temporal para o percebimento da pensão, até a idade em que completaria 25 (vinte e cinco) anos.

No caso, o dano moral, à evidência, resta configurado.

Entende-se que a verba indenizatória não pode ser exorbitante, a ponto de enriquecer o lesado, tampouco irrisório, de maneira a incentivar a reincidência do ato, devendo ser arbitrado de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Acerca do assunto:

1) Apelação Cível n. 2008.048792-1, de Concórdia, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 5.12.2008:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO NA FAIXA DE PEDESTRES - MORTE DA VÍTIMA - CULPA DO CONDUTOR EVIDENCIADA - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS - MAJORAÇÃO DO QUANTUM COMPENSATÓRIO - CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE - FIXAÇÃO ADEQUADA [...] RECURSOS DESPROVIDOS.

[...] Não há norma legal regulamentando qual o valor que seja suficiente para compensar os danos decorrentes do abalo moral; nesses casos, por construção jurisprudencial, impõe-se ao julgador o dever de pautar-se por parâmetros ligados as condições financeiras das partes envolvidas, as circunstâncias que geraram o dano e o abalo experimentado, a fim de encontrar um valor que não acarrete enriquecimento e nem provoque renitência delitiva.

2) Apelação Cível n. 2003.011475-0, de Santo Amaro da Imperatriz, rel. Des. Joel Dias Figueira Júnior, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 9.11.2008:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO [...] ATROPELAMENTO DE PEDESTRE QUE CAMINHAVA PELO ACOSTAMENTO DA RODOVIA. MORTE DA VÍTIMA. CULPA DO CONDUTOR EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS. QUANTUM COMPENSATÓRIO FIXADO MANTIDO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE [...] APELO DOS RÉUS DESPROVIDO [...].

A morte de ente querido é causa de abalo moral e intenso sofrimento para os familiares, em particular os mais próximos (in casu, cônjuge supérstite e filha), fazendo mister a sua compensação pecuniária em sintonia com a extensão do dano, grau de culpa e capacidade econômica das partes, não devendo acarretar enriquecimento da vítima e empobrecimento do ofensor, servindo a providência como medida de caráter pedagógico, punitivo e profilático inibidor. [...].

É inquestionável a intensidade e a duração da dor suportada pelos apelantes (qualificados como comerciantes) com o falecimento de sua filha, A. C., com apenas 04 (quatro) anos de idade, somada à forma trágica como ocorreu.

O demandado, por sua vez, é um modesto clube (sociedade civil, sem fins lucrativos), situado em Canoinhas (fls. 69/90).

Em casos como o dos autos, a Câmara tem decidido pelo arbitramento do quantum em valor aproximado a R$ 50.000,00.

Na espécie, a quantia fica reduzida pela metade, em decorrência da culpa concorrente, como já exposto.

A verba resta fixada, assim, em R$ 25.000,00 para os requerentes (o casal).

Os juros de mora incidem a partir do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, no patamar de 6% ao ano antes da entrada em vigor do Novo Código Civil (art. 1.062 do CC/1916) e, após o seu advento, em 12% ao ano (art. 406 do CC/2002 e art. 161, § 1°, do CTN).

A correção monetária tem início na data do arbitramento da verba reparatória (Súmula 362, STJ).

Como relatado, os autores pleitearam a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos materiais (despesas do funeral) e morais, bem como de pensão mensal.

Os pleitos não foram acolhidos no Juízo a quo.

Em grau de recurso, assim restou decidido: a) houve culpa concorrente das partes; b) o pedido referente ao ressarcimento das despesas com o funeral não foi acolhido; c) a pensão mensal foi considerada devida em interregno inferior ao pretendido e reduzida pela metade; d) os danos morais restaram arbitrados em R$ 25.000,00.

Dessa forma, sob o ponto de vista jurídico, houve sucumbência recíproca, porquanto apelantes e apelado foram, em parte, vencedores e vencidos.

Assim, os ônus sucumbenciais são distribuídos proporcionalmente, a teor do que dispõe o artigo 21, caput, do Código de Processo Civil.

Os honorários são fixados em 10% sobre o valor da condenação para o advogado dos requerentes, ex vi do artigo 20, § 3º, da aludida norma processual, e em R$ 3.000,00 para os procuradores do demandado, nos termos do § 4º do referido dispositivo legal, permitida a compensação, consoante a Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça. As despesas processuais são divididas na proporção de 50% para cada litigante.

Registre-se que a verba honorária devida aos representantes dos apelantes tem incidência sobre o quantum indenizatório arbitrado a título de danos morais (R$ 25.000,00), mais as parcelas vencidas e 12 (doze) das prestações mensais vincendas relativas ao pensionamento mensal. (Nesse sentido: Apelação Cível n. 2004.026013-4, de Rio do Sul, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 10.7.2009 e Apelação Cível n. 2003.016039-6, de Blumenau, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 31.5.2007)

Deve ser observado, quanto aos autores, o disposto no artigo 12 da Lei n. 1.060/1950, porquanto são beneficiários da justiça gratuita (fl. 111v.).

Por essas razões, o recurso deve ser provido, em parte.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, à unanimidade, conhecer e dar provimento, em parte, ao recurso, nos termos do voto do relator.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Victor Ferreira.

Florianópolis, 8 de julho de 2010.

Ronaldo Moritz Martins da Silva
Relator




JURID - Ação de indenização. Afogamento de filha em piscina de clube [15/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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