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terça-feira, 4 de maio de 2010

JURID - Apelação. Revisão contratual. Prova. Inocorrência. [04/05/10] - Jurisprudência


Apelação. Revisão contratual. Prova. Inocorrência de abusividade e excessiva onerosidade do acordo.

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

Apelação - Revisão contratual - Prova - Inocorrência de abusividade e excessiva onerosidade do acordo - Partes manifestaram livremente suas vontades e estão ligadas por força do contrato, que deve ser respeitado em atenção ao princípio "pacta sunt servanda" - Mora dos autores bem constituída, restando correta a incidência de juros de mora e multa contratual, afastada a aplicação do princípio do "exceptio non adimpleti contractus" - Possibilidade de cobrança futura do resíduo inflacionário, que pode ser diluído nas parcelas vincendas conforme previsão contratual - Valores de corretagem não correspondem a cobrança extraordinária, sendo descabidos a restituição das quantias ou o seu abatimento do saldo devedor - Impossibilidade de repetição do indébito, uma vez que não houve pagamento de valores não devidos - Recurso dos autores improvido.

Carência de ação - Não verificada a falta de interesse de agir da co-ré Cipasa para a interposição de recurso - Livre exercício dos direitos de acesso ao Poder Judiciário e devido processo legal - Caráter protelatório do recurso não reconhecido, sendo descabida a condenação a pena por litigância de má-fé - Preliminares afastadas.

Apelação - Inocorrência de anatocismo - Taxa de juros constante dos contratos se trata de juros simples acumulados, não restando configurada a capitalização sobre juros compostos - Redação equivocada de cláusula contratual que estabeleceu acréscimo de juros compostos de financiamento, quando a taxa aplicada no caso em exame corresponde a juros simples - Diferença de valores devidos apurada em laudo pericial se deve à desconsideração do cômputo do resíduo inflacionário, que deve ser acrescido ao valor final, ficando mantidos os valores das parcelas cobradas e do saldo devedor apurado pela co-ré - Recurso da co-ré provido.

Sucumbência - Reciprocidade deve ser excluída em face da improcedência do pedido dos autores - Pleito dos autores para inverter o ônus da sucumbência prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.05.073907-5, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que são apelantes ELIZABETH NEVES CARDOSO, GILMAR TOLEDO CARDOSO e CIPASA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA sendo apelados CIPASA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, LOPES CONSULTORIA DE IMÓVEIS S A e ELIZABETH NEVES CARDOSO.

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DOS AUTORES E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DA CO-RÉ CIPASA. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente), PAULO ALCIDES E ROBERTO SOLIMENE.

São Paulo, 25 de março de 2010.

JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS
PRESIDENTE E RELATOR

Voto n° 2170

Apelação Cível n° 994.05.073907-5 (406.239.4/5-00)

Comarca: 3ª Vara Cível da Comarca de Mogi das Cruzes

Apelante: ELIZABETH NEVES CARDOS E OUTROS

Apelado: CIPASA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA E OUTROS

Juíza: Vanessa Christie Enande

Cuida-se de ação de revisão e nulidade de cláusula contratual cumulada com declaratória de inexistência de débito e repetição de indébito com pedido de antecipação de tutela proposta por Elizabeth Neves Cardoso e Gilmar Toledo Cardoso em face de Cipasa Empreendimentos Imobiliários S/C LTDA., Scopel Empreendimentos e Obras S/A e Lopes Consultoria de Imóveis S/A.

A r. sentença de fls. 658/663 julgou a ação parcialmente procedente para excluir a cobrança de valores decorrentes de anatocismo, diante da aplicação de juros compostos, que não poderia ser admitida no contrato pactuado pelas partes.

As partes opuseram embargos de declaração, os autores às fls. 666/674, alegando que a r. sentença se encontrava eivada de contrariedade, omissão e obscuridade, e os réus às fls. 679/682, alegando a existência de erro material constante do dispositivo da r. sentença e interpretação errônea de item presente nos contratos em exame.

Os embargos foram rejeitados pela r. sentença de fl. 686.

As partes apelaram da r. sentença de fls. 658/663.

Apelam os autores insistindo nos fundamentos da inicial alegando, em síntese, que o contrato deve ser revisto para que o índice de correção IGP-DI seja substituído pelo INPC desde o início dos contratos, por ser este menos oneroso, observando-se que aquele índice foi imposto por ocasião de contratos de adesão, de modo a desequilibrar a relação contratual e ferindo a função social do contrato, não tendo se configurado o princípio do "pacta sunt servanda". Sustentam que a correção monetária das parcelas deve ocorrer a cada 12 meses, obedecendo a aplicação "pro-rata-die", sendo excluída qualquer cobrança de resíduo inflacionário.

Afirmam que, embora tenha a r. sentença reconhecido a prática de anatocismo, por conta da ausência de apresentação da metodologia de cálculo por parte das rés, fazem-se necessários esclarecimentos para determinar a forma de cálculo para juros simples e de valores pagos a maior pelos autores para fins de posterior liquidação. Entendem que, embora a r. decisão de fls. 224/225 tenha previsto a aplicação do princípio "exceptio non adimpleti contractus", no cálculo constante do laudo pericial foi aplicada a multa contratual de mora de 2%, motivo pelo qual o laudo deve ser refeito para excluir a referida multa.

Alegam, ainda, que a concessão da repetição do indébito é medida de rigor diante das irregularidades praticadas pelos réus que resultaram em pagamentos indevidos, a maior. Sustentam que o importe pago a título de corretagem foi indevido, devendo ser considerado pagamento extraordinário e abatido, em dobro, do preço dos lotes. Entendem que a revisão do cômputo de suas dívidas se faz necessária, devendo ser anuladas as cláusulas que apresentam múltiplos conceitos de saldo. Por fim, requerem a inversão do ônus da sucumbência diante da parcial procedência do pedido (fls. 692/725).

A ré Cipasa apela, alegando que a r. sentença julgou a ação parcialmente procedente para excluir dos contratos em tela a cobrança de anatocismo, pela impossibilidade de aplicação de juros compostos, apesar de a prova pericial contábil ter concluído pela inexistência de previsão de cobrança de juros compostos sobre as parcelas. Sustentam que os valores cobrados a maior ou a menor correspondem ao resíduo inflacionário, cuja cobrança é admitida na forma contratual.

O recurso dos autores foi respondido pelas co-rés Cipasa e Lopes a fls. 745/760 e 774/779, respectivamente. O recurso da co-ré Cipasa foi respondido pelos autores a fls. 763/772.

É o relatório.

1 - Não merece acolhimento o apelo dos autores.

Os autores firmaram, em 30 de abril de 1995, dois contratos particulares de compromisso de compra e venda para a aquisição dos lotes 31 e 32 da quadra 83 da Cidade Parquelândia, situado no bairro de Itapeti, no município de Mogi das Cruzes, pelo preço de R$ 18.690,00 por cada lote.

Pretendendo os autores a revisão dos contratos, ajuizaram a presente ação para a aplicação de índice de correção monetária que entendiam correto, para a exclusão de valores cobrados indevidamente em decorrência anatocismo, para que fossem considerados extraordinários os valores pagos a título de corretagem com correspondente compensação do saldo devedor, para que fossem restituídos ou compensados os valores pagos a maior com a conseqüente declaração de inexistência de débito e para que o saldo da dívida fosse apurado a partir do controle de conta corrente, que entendiam ser o conceito correto.

Todavia, cumpre ressaltar, desde logo, que eventual procedência do pleito dos autores, com o fulcro de revisar os contratos de compromisso de compra e venda, demandaria a cabal demonstração de abusividade e excessiva onerosidade do acordo. Contudo, não restando demonstrado nem um e nem outro requisito, de rigor a manutenção da sentença neste aspecto.

Conquanto a substituição do índice IGP-DI aplicado pelo INPC configure medida favorável aos autores, não constitui argumento capaz de modificar o contrato diante da inexistência de previsão legal neste sentido. Não se pode olvidar que, uma vez manifestada a vontade das partes, as mesmas estão ligadas pelo contrato, em atenção ao princípio "pacta sunt servanda", não mais podendo se desvincular do mesmo.

Irretocável, nesse sentido, a r. sentença proferida pela MM. Juíza "a quo":

"Com efeito, os autores, ao assinarem os referidos contratos, assentiram nos valores apurados e consideraram interessante aceitá-los nas condições e da forma como foram propostos, devendo prevalecer o índice de correção monetária pactuado entre as partes, não havendo qualquer irregularidade em sua aplicação (...)" (fl. 661).

Também não merece acolhimento o pedido de esclarecimentos para a determinação da forma de cálculo para juros simples para fins de liquidação futura, pois a planilha constante do anexo 01 do laudo pericial restou completa e bem fundamentada.

Em verdade, pretendem os autores ver afastada a aplicação de juros de mora na base de 1% ao mês e multa contratual de 2% ao mês constantes do aludido cálculo.

Com efeito, ao contrário do que pretendem fazer crer os autores, a MM. Juíza "a quo" não reconheceu a aplicação do princípio "exceptio non adimpleti contractus", mas apenas previu a possibilidade de sua arguição no caso de eventual concessão de liminar pleiteada. E tal possibilidade foi aventada, inclusive, para obstar o deferimento da medida, conforme se conclui da leitura de trecho da r. decisão de fls. 224/225:

"Além disso, existe a possibilidade dos próprios autores, com assunção do risco e sem necessidade de uma chancela judicial, simplesmente deixarem de efetuar os pagamentos e eventualmente arguirem em defesa a "exceptio non adimpleti contractus", mormente quanto há questionamento acerca do valor das prestações ou de outros encargos relacionados ao contrato".

Quanto aos pedidos de repetição de indébito dos valores pagos de forma indevida e de revisão no cômputo de suas dívidas, melhor sorte não merece o recurso dos autores.

Não se verifica abusividade na cláusula que prevê a diluição de resíduo inflacionário em parcelas vincendas, uma vez que este valor é devido a título de correção monetária, não consistindo em acréscimo do preço. Assim, a correção monetária pode ser incorporada posteriormente às prestações vincendas ou ao saldo devedor para quitação ao final do contrato, conforme pactuado pelas partes.

Nesse sentido o entendimento desta colenda 6ª Câmara deste egrégio Tribunal de Justiça, conforme trecho de voto relatado pelo eminente desembargador Sebastião Carlos Garcia:

"O quarto item do inconformismo dos autores é concernente ao pedido de apuração do valor da prestação e do saldo devedor, com observação do valor à vista declarado em perícia extrajudicial, com o novo indexador, para recalculo do saldo devedor, abatimento mês a mês das prestações pagas e contagem de juros simples. Igualmente não lhes assiste razão. Eis que, também como se tem amplamente entendido, em casos análogos: "A incidência da correção monetária em contratos com duração de um ano ou mais é permitida pela lei, condicionada a sua aplicação à periodicidade de um ano. A parcela da correção monetária das prestações, bem como do saldo devedor, tanto pode ser incorporada às prestações vincendas quanto ser incorporada ao saldo devedor para ser paga no final, segundo o que os contratantes convencionarem. Como os contratantes devedores obrigaram-se a pagar anualmente o valor do resíduo inflacionário, isto é, a parcela da correção monetária que incidiu sobre as prestações pagas, nada têm para reclamar. Porém, a previsão contratual, na parte em que estabelece a contagem dos juros retroativamente, desde a data do contrato, e não da data do habite-se, padece de nulidade, porque se trata de cláusula abusiva" (apel. Cível 97.175.4/7, voto n. 9681, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Ruiter Oliva). Ora bem: primeiramente quanto ao saldo devedor, pelo constante dos autos, correção monetária e juros incidem sobre o saldo devedor, mas não cumulativamente. Apura-se anualmente a correção mensal e da mesma forma, os juros, cujo percentual de 1%, em se tratando de juros remuneratórios, é perfeitamente legítimo. Quanto às prestações mensais, a sua correção também é anual, obtendo-se a somatória dos percentuais mensais. Nem sempre com a correção ou atualização das prestações extingue-se o saldo devedor. Daí o resíduo, o qual, se não for pago, ocorrerá o desequilíbrio contratual, além de enriquecimento sem causa por parte do adquirente. Assim, a pretensão recursal dos autores no sentido de proceder-se ao recalculo e ao abatimento do saldo devedor, observado o valor à vista do contrato e abatimento mês a mês das prestações pagas e contagem dos juros simples, estão a rigor prejudicadas porque a apuração do saldo devedor e das prestações estão de acordo com o contrato e este não contém nenhuma irregularidade, nem ilegalidade ou abusividade" (Apelação Cível n°. 488.567.4/1-00, Mogi das Cruzes, j . 22.11.2007).

Finalmente, não podem ser considerados indevidos os valores pagos a título de corretagem.

Conforme se depreende dos documentos acostados aos autos às fls. 84/100, os valores referentes à corretagem foram pagos à co-ré Lopes, com a expressa concordância dos autores quanto ao conteúdo e valores do contrato.

Dessa forma, descabida a pretensão dos autores de enquadrar a cobrança de valores de corretagem como extraordinária para fins de restituição ou abatimento do saldo devedor, porquanto não demonstrado nenhum vício no negócio jurídico quanto à manifestação de vontade das partes.

2 - O recurso da co-ré Cipasa, por sua vez, merece provimento.

Inicialmente, cumpre afastar a preliminar de carência de ação e o pedido condenação por litigância de má-fé formulados pelos autores em contra-razões, pois não se verificam a falta de interesse de agir da co-ré e nem o caráter protelatório do recurso, uma vez que ela somente exerceu os seus direitos de acesso ao Poder Judiciário e devido processo legal (art. 5º, incisos XXXV e LIV, da CF), não restando configurada a prática de nenhuma das condutas descritas nos incisos do artigo 17 do Código de Processo Civil, de modo a justificar a aplicação da pena prevista no artigo 18 do mesmo diploma legal.

No mérito, pese embora o r. entendimento da douta magistrada sentenciante, deve ser o pleito da co-ré Cipasa acolhida para afastar a ocorrência de anatocismo.

O laudo pericial de fls. 464/503 foi conclusivo no sentido de que a taxa de juros constante do contrato se trata de juros simples acumulados, com aplicação de juros compensatórios simples de 1% ao mês e correção monetária anual com base em índice contratualmente pactuado, além da incidência de resíduo inflacionário.

Logo, não se verifica, no caso em tela, o alegado anatocismo, caracterizado pela capitalização de juros compostos, na medida em que os juros compensatórios se tratam de juros simples, conforme resposta ao quesito dos autores de n°. 6 (fls. 475/476). De fato, a redação da alínea "b" do item 4.2, III do quadro resumo do contrato particular de compromisso de compra e venda foi redigida de maneira equivocada ao estabelecer o acréscimo de "juros compostos de financiamento de 1% ao mês", sendo certo que a taxa aplicada no caso em exame corresponde a juros simples.

Ademais disso, em resposta ao parecer divergente do assistente técnico dos autores, manifestou-se o perito judicial nomeado nos autos reconhecendo a correta aplicação dos juros e correção monetária, em respeito aos limites legais (fls. 577/583).

Por fim, embora tenha o perito judicial concluído em seu laudo que havia parcelas cobradas a maior e outras a menor, restou bem demonstrado que tal diferença se deve não pela ocorrência do alegado anatocismo, mas pela desconsideração da cobrança de resíduo inflacionário, cuja cobrança é contratualmente prevista e legalmente permitida. Ressalte-se, inclusive, que a cláusula que prevê a cobrança de resíduo inflacionário não foi matéria de censura da r. sentença.

Acolhe-se, pois, o pleito da co-ré Cipasa para afastar o anatocismo e para somar ao valor apurado em laudo pericial o valor cobrado a título de resíduo inflacionário, ficando mantidos, portanto, os valores das parcelas cobradas e do saldo devedor apurados pela co-ré.

3 - Diante da reforma da r. sentença favorável aos réus, de rigor a exclusão da sucumbência recíproca, pois alterada a parte dispositiva quanto à parcial procedência do pedido dos autores, sendo agora reconhecida sua total improcedência.

Considerando que o r. "decisum" monocrático já havia condenado os autores ao integral pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios em face da sucumbência mínima das rés, mantida a r. decisão nesse aspecto, restando prejudicado o pleito dos autores pela inversão do ônus da sucumbência.

4 - Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso dos autores e dá-se provimento ao recurso da co-ré Cipasa.

JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS
RELATOR




JURID - Apelação. Revisão contratual. Prova. Inocorrência. [04/05/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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