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quarta-feira, 5 de maio de 2010

JURID - ACP: Indeferimento de liminar [05/05/10] - Jurisprudência


Juiz da 6ª Vara da Fazenda nega liminar do MPDFT para sustar eleição indireta.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT




Circunscrição: BRASÍLIA
Processo: 2010.01.1.054532-0
Vara: SEXTA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Processo : 2010.01.1.054532-0
Ação: CIVIL PÚBLICA
Autor: MPDFT MINISTÉRIO PÚBLICO DO DF E DOS TERRITÓRIOS
Réu: CâMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL e outros



Decisão Interlocutória

Trata-se de ação civil pública com pedido de tutela antecipada impetrada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios em desfavor da Câmara Legislativa do Distrito Federal e da Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Sustenta na inicial a inadequação da condução do procedimento de eleições indiretas para Governador e Vice-Governador do Distrito Federal, que vem sendo realizado pela parte ré. Argumenta que o ato de convocação das eleições precedeu a alteração da Lei Orgânica que viabilizou o procedimento de eleições indiretas. Igualmente, sustenta que o artigo 94, § 1º da Lei Orgânica, com a redação dada pela Emenda nº 57, prevê a exigência de lei disciplinando o procedimento. Desta forma, aduz que as eleições estariam sendo convocadas ao arrepio de permissão legislativa.

Requer antecipação de tutela para "decretar a nulidade de todos os atos do procedimento de eleições indiretas adotados pela Câmara Legislativa do Distrito Federal sob a égide do Ato da Mesa Diretora nº 26, de 2010, publicado no Diário da Câmara Legislativa nº 54 de 25 de março de 2010", ou, alternativamente, concessão de medida cautelar "destinada a suspender todos os atos vindouros do procedimento de eleições indiretas, notadamente a eleição designada para o próximo dia 17 de abril de 2010".

Junta o Ato da Mesa Diretora nº 26 de 2010, cópia do diário da Câmara Legislativa, contendo o mesmo documento, e diversas matérias jornalísticas.

É o breve relatório. Decido.

Para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela é necessária a existência de verossimilhança do pedido e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme o art. 273 e seu inciso I, do CPC.

Visando avaliar a verossimilhança do alegado pelo órgão ministerial, devem ser explorados os seguintes pontos: (i) esclarecer se a norma do art. 81, § 1º da Constituição Federal é de reprodução obrigatória pelos estados-membros e Distrito Federal; (ii) avaliar a constitucionalidade e legalidade do ato da mesa diretora da CLDF que procedeu à convocação das eleições indiretas para Governador e Vice-Governador; (iii) caracterizar se a lei exigida pelo art. 81, § 1º da CF e pelo art. 94, § 1º da LODF (com a redação da Emenda à Lei Orgânica de nº 54) é federal, ante a competência exclusiva da União para legislar sobre direito eleitoral (art. 22, I, CF), ou distrital; (iv) finalmente, determinar a natureza da norma do art. 94, § 1º, se de eficácia contida (ou restringível) ou limitada.

- Princípio da Simetria e art. 81, § 1º, CF:

Inicialmente, vale salientar que foi discutido, em duas ocasiões, a natureza da norma do art. 81, § 1º, CF. Diante da fundada dúvida, aplicava-se o princípio da simetria às constituições estaduais na hipótese em tela, o STF teve a oportunidade de pronunciar-se em duas ocasiões.

Na ADI-MC 4298/TO, o Pretório Excelso dispõe que a norma referida não é de reprodução obrigatória, estando o Estado-membro apto para, em sua esfera de autonomia, disciplinar o regramento da questão da sucessão de governador e vice-governador, quando da vacância de seus cargos.

Na ADI 2709/SE, a Corte Suprema delimita o seu entendimento pleno acerca do tema, relatando ser inconstitucional a supressão da eleição indireta para preenchimento dos cargos máximos do Executivo estadual, em caso de vacância nos dois últimos anos de mandato.

Com base nos julgados, depreende-se que a norma do art. 81, § 1º, CF não é de reprodução obrigatória, devendo, contudo, os entes federativos guardar simetria com o regramento constitucional em um aspecto (art. 25, CF).

Tal resguardo não decorre simplesmente de uma suposta obrigatoriedade de observância de todos os termos da norma constitucional federal. Decorre, sim, do parâmetro entabulado de exigência de eleições, ainda que indiretas, como corolário do princípio da soberania popular, previsto no art. 14 da CF. Quis o constituinte originário que a escolha de agentes políticos para o cargo de chefia do Poder Executivo, com caráter definitivo, se desse pelo exercício da soberania popular, de forma direta ou indireta, como no caso.

A respeito, confira-se o teor da ementa da decisão da corte na ADI 2709/SE:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional n° 28, que alterou o § 2º do art. 79 da Constituição do Estado de Sergipe, estabelecendo que, no caso de vacância dos cargos de Governador e Vice-Governador do Estado, no último ano do período governamental, serão sucessivamente chamados o Presidente da Assembléia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça, para exercer o cargo de Governador. 3. A norma impugnada suprimiu a eleição indireta para Governador e Vice-Governador do Estado, realizada pela Assembléia Legislativa em caso de dupla vacância desses cargos no último biênio do período de governo. 4. Afronta aos parâmetros constitucionais que determinam o preenchimento desses cargos mediante eleição. 5. Ação julgada procedente. (ADI 2709, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-02 PP-00260).

Em seu voto, o relator Exmo. Min. Gilmar Mendes faz a seguinte explanação:

"Como se pode perceber, a norma impugnada suprimiu a eleição indireta para Governador e Vice-Governador do Estado, realizada pela Assembléia Legislativa em caso de dupla vacância desses cargos no último biênio do período de governo.

Abandonou-se, portanto, o critério de eleição, para estabelecer que o mandato residual deve ser cumprido diretamente pelo Presidente da Assembléia Legislativa ou pelo Presidente do Tribunal de Justiça, os quais estariam, de certa forma, pré-eleitos para o cargo.

O art. 25 da Constituição dispõe que 'Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição'.

Há patente afronta aos parâmetros constitucionais que determinam o preenchimento desses cargos mediante eleição.

Portanto, não há dúvida quanto à flagrante inconstitucionalidade da norma."

Desta forma, não pairam maiores controvérsias sobre o fato que a redação originária do art. 94, parágrafo único, da Lei Orgânica do DF não guardava correspondência com os ditames constitucionais.

- Constitucionalidade e Legalidade do Ato 26/2010 da Mesa Diretora da CLDF:

O referido ato da mesa diretora, embora editado anteriormente à Emenda à Lei Orgânica nº 57/2010, não padece de vício de legalidade, como reconhecido na própria petição inicial, que ressalta à sua conformidade com a norma constitucional federal.

O fundamento de validade do ato da mesa diretora é a norma constitucional federal, do art. 81, § 1º, CF, aliado ao teor dos artigos 25 e 14 do mesmo diploma normativo. A aplicação do princípio da simetria, decorrente do art. 25, CF, aliado ao da soberania popular, de natureza inafastável, levavam à conclusão pela inconstitucionalidade do artigo 94, parágrafo único da Lei Orgânica, em sua redação original. A própria alteração realizada por meio de Emenda pela Câmara Legislativa reconheceu, indiretamente, esta situação. Sendo assim, não há qualquer vício na convocação de eleição indireta de forma anterior à alteração da Lei Orgânica.

- Natureza da lei exigida pelo art. 94, § 1º, LODF:

Outra discussão entabulada pela jurisprudência diz respeito à natureza da lei exigida pelo texto constitucional e pela nova redação da LODF, que o reproduz. Com efeito, vozes doutrinárias afirmavam que tal lei seria federal, ante a competência da União para legislar sobre direito eleitoral, constitucionalmente prevista no art. 22, I.

Contudo, a melhor interpretação insere a norma referida pelo artigo da Lei Orgânica na competência distrital, dizendo respeito à autonomia do Distrito Federal e sua capacidade de auto-organização, decorrente do próprio ordenamento constitucional brasileiro, ao consagrar a forma federativa de Estado.

Outro não é o entendimento do STF, conforme exarado no julgamento da Medida Cautelar em ADI 4298/TO:

EMENTAS: 1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADI. Petição inicial. Emenda antes do julgamento do pedido de liminar. Admissibilidade. Revogação da lei originalmente impugnada. Lei nova que, na pendência do processo, reproduziria normas inconstitucionais da lei revogada. Aproveitamento das causas de pedir. Economia processual. Em ação direta de inconstitucionalidade, admite-se emenda da petição inicial antes da apreciação do requerimento de liminar, quando tenha por objeto lei revogadora que reproduz normas argüidas de inconstitucionais da lei revogada na pendência do processo. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 2.154/2009, do Estado do Tocantins. Eleição de Governador e Vice-Governador. Hipótese de cargos vagos nos dois últimos anos de mandato. Eleição indireta pela Assembléia Legislativa. Votação nominal e aberta. Constitucionalidade aparente reconhecida. Reprodução do disposto no art. 81, § 1º, da CF. Não obrigatoriedade. Exercício da autonomia do Estado-membro. Liminar indeferida. Precedente. Em sede tutela antecipada em ação direta de inconstitucionalidade, aparenta constitucionalidade a lei estadual que prevê eleição pela Assembléia Legislativa, por votação nominal e aberta, para os cargos de Governador e Vice-Governador, vagos nos dois últimos anos do mandato. (ADI 4298 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 07/10/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-01 PP-00093)

Desta forma, pode-se concluir que a lei exigida pela norma é de competência do ente distrital, devendo ser emanada por sua Casa Legislativa.

- Aplicabilidade do art. 94, § 1º da LODF:

Finalmente, chega-se ao cerne da questão. O art. 94, § 1º da LODF, alterad

o pela Emenda nº 57/2010, assim dispõe: "Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos de mandato, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pela Câmara Legislativa, na forma da lei." O texto promulgado é idêntico ao do art. 81, § 1º, CF.

A discussão da inicial encontra-se na aplicabilidade da norma constitucional. Caso entenda-se ter ela eficácia limitada, depreende-se que, na ausência de lei formal, não será possível a realização da eleição indireta aludida pela norma. Outrossim, concluindo-se pela eficácia contida ou restringível, a solução indicará que a superveniência da lei formal servirá para delimitar o âmbito do artigo constitucional, que, até lá, terá eficácia plena.

Ocorre que considerar a norma referida como de eficácia limitada entraria em rota de colisão com o próprio sentido da mesma. Ela visa à preservação do princípio da soberania popular, ao ponto do STF considerar que a norma constitucional do art. 81, § 1º, no que tange à previsão de eleições, ser de observância obrigatória pelos entes federativos em suas normas constitucionais (art. 25, CF).

Existe, desta forma, clara violação ao princípio da soberania popular, previsto no art. 14, CF, em permitir o exercício de Governador, em caráter definitivo, sem o crivo eleitoral. Desta forma, não se deve impossibilitar, pela simples inexistência da lei referida no texto constitucional (e da LODF), o exercício deste princípio constitucional inafastável. Assim pensando, bastaria ao Poder Legislativo omitir-se em apresentar regulação legal para o texto da Lei Orgânica, que o mandatário provisório tornar-se-ia definitivo, negando-se os princípios democráticos mais basilares.

Este raciocínio é corroborado pelos doutrinadores que comentam o art. 81, § 1º, CF, como Uadi Lâmego Bulos (Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 5ª Edição, p. 1218): "Para solucionar o problema, a Constituição de 1988 previu duas regras: (...) vacância nos dois últimos anos de mandato - faz-se eleição indireta trinta dias após a abertura da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei (CF, art. 81, § 1º). Caso inexista lei, aplica-se, por analogia, o Regimento Interno do Congresso Nacional, pois a Constituição assim o permite."

Da mesma maneira, dispõe José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª Ed., p. 543, nota 5): "se ocorrer o fato e não houver essa lei, deve-se fazer a eleição com base em regras regimentais (ainda que por analogia), pois o texto constitucional é bastante para a prática do ato. Não se há que embaraçar-se em controvérsias inúteis, quando o sistema constitucional possibilita alcançar o fim pretendido."

A advertência do constitucionalista citado aplica-se perfeitamente ao caso em questão. Sepultando a controvérsia, tal questão foi analisada, incidenter tantum, pela Exma. Min. Carmen Lúcia em seu voto, nos autos da ADI 4.298/TO, como abaixo transcrito:

"Também acho que se trata de matéria eleitoral, mas não de Direito Eleitoral; portanto, não está no exercício da competência, não há invasão de competência - o caso do artigo 22 da Constituição -, e os estados têm e devem cuidar da matéria.

No caso específico aqui, quem leu o Comentário Contextual à Constituição, do Professor José Afonso da Silva, vai verificar - quando ele comenta exatamente o artigo 81, § 1º, da Constituição - que parece que ele previa que poderia acontecer isso. Ele diz textualmente que cabe ao Estado, e que, se acontecesse de o Estado ainda não ter legislado sobre essa matéria e se houvesse a dupla vacância, qualquer resolução - é a expressão literal dele - poderia suprir, porque o conteúdo do artigo 81, § 1º, é suficiente para fazer com que se possa cumprir integralmente a norma sem que precise haver uma lei em sentido formal. O que não se poderia era deixar alguém que não foi legitimado, nem nos termos da Constituição Federal, nem na Constituição Estadual a exercer um mandato - que, portanto, ele não detém -, e que isto seria uma forma de abrir as portas para corrupção e para a permanência de pessoas não habilitadas para o desempenho do cargo. Em outras palavras, é rigorosamente o que Vossa Excelência conclui."

O que se conclui das referências feitas pela doutrina e jurisprudência, bem como da adoção de um critério sistemático de interpretação da parte final do § 1º do art. 94 da LODF, é que a edição de mero ato de competência da Câmara Legislativa pode disciplinar a convocação das eleições indiretas por dupla vacância, na ausência de lei.

Outra situação haveria, merecendo análise distinta, caso a CLDF extrapolasse os critérios estabelecidos no direito constitucional eleitoral para a elegibilidade de candidatos, ou disciplinasse a eleição indireta em desarmonia com artigo da Constituição. Contudo, não apresenta o autor fato semelhante como fundamento do pedido, limitando-se a discorrer sobre a inexistência da lei prevista no dispositivo da lei orgânica.

O que ocorre no caso é que a grave crise institucional que paira sobre o Distrito Federal demanda uma atuação enérgica dos Poderes Constituídos, visando a normalização das atividades administrativas e legislativas. A alteração da Lei Orgânica, harmonizando-a com a Constituição, bem como a implementação dos mandamentos constitucionais referidos contribui para, dentro da situação vivida nesta unidade federativa, demonstrar-se obediência à ordem constitucional e jurídica vigente. Desta forma, não há nos autos evidência de necessidade de atuação do Poder Judiciário, como ocorreu em outros processos decorrentes desta crise institucional.

Sendo assim, em primeira análise, a verificação da regularidade formal do procedimento adotado para sucessão dos mandatários do Distrito Federal vem demonstrar a ausência de verossimilhança do alegado pelo órgão do parquet.

Ademais, não há receio de ineficácia do provimento final, uma vez que o pedido é pela anulação do pleito e de suas conseqüências jurídicas. Isto poderá ser obtido na sentença final, após a oitiva dos réus do presente feito, sem prejuízo da efetividade da medida demandada pelo MPDFT.

Igualmente, não estão presentes os requisitos para concessão da medida cautelar incidental requerida subsidiariamente. Não há qualquer perigo na demora, uma vez que o regular andamento do feito permitirá a apreciação do pedido inicial na sentença de mérito.

Cumpre salientar, finalmente, que, caso houvesse, o perigo na demora foi criado pelo próprio autor da ação, que tinha conhecimento do ato da mesa diretora da CLDF desde 23.03.2010, data de sua edição. Contudo, ajuizou a presente ação civil pública dois dias antes da realização da eleição (16.04.2010), sabendo que o art. 2º da Lei 8.437/92 diz que "(...) na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas horas)." Em suma, tinha consciência da impossibilidade de concessão de medida liminar em tempo hábil para sustar as eleições indiretas, diante da expressa disposição legal.

Ante o exposto, INDEFIRO a tutela antecipada e a medida cautelar pleiteadas, por ausência dos seus requisitos autorizadores.

Citem-se os requeridos para oferecimento de resposta no prazo legal.

Intime-se o Distrito Federal para, querendo, ingressar no presente feito.

Intimem-se.

Brasília - DF, sexta-feira, 16/04/2010 às 10h08.


Mário José de Assis Pegado
Juiz de Direito Substituto do DF




JURID - ACP: Indeferimento de liminar [05/05/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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