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segunda-feira, 3 de maio de 2010

JURID - Ação Civil Pública [27/04/10] - Jurisprudência


Liminar manda suspender leilão de Belo Monte
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Autos n.º: 411-57.2010.4.01.3903. (Ação Civil Pública).

Referência: Pedido de medida liminar. Requisitos. Presença. Possibilidade.

Requerente: Ministério Público Federal.
Réus: Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis- IBAMA, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e União.
Litisconsorte Passivo Necessário: Centrais Elétricas Brasileiras S/A - Eletrobrás.


DECISÃO

Cuida-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, UNIÃO e, como litisconsorte passivo necessário CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A - ELETROBRÁS, com petição protocolizada na sede desta Subseção Judiciária, em 08/04/2010 (fl.3).

O MPF alegou, às fls. 3/39, que (i) a norma presente no art. 176, § 1º, da CRFB é norma constitucional de eficácia limitada, (ii) esta norma foi regulamentada parcialmente pelo legislador infraconstitucional, (iii) a norma infraconstitucional não fixou as "condições específicas" para o desenvolvimento da atividade de potencial hidroelétrico em terras indígenas, (iv) não é possível o desenvolvimento da atividade de geração de energia através de potenciais de energia hidráulica em terra indígena sem que seja editada a lei em comento e que as condições específicas nela previstas sejam observadas, (v) o projeto AHE Belo Monte gerará energia desenvolvendo a atividade em terra indígena e (vi) não é lícito o deferimento de Licença Prévia, execução de leilão ou qualquer ato administrativo, que permita a construção do Empreendimento AHE Belo Monte, antes da regulamentação da norma constitucional supra citada, sob pena de nulidade absoluta.

Eis a síntese do pedido:

"a) suspender todos os efeitos da Licença Prévia nº 342/2010 expedida pela IBAMA nos autos do procedimento administrativo nº 02001.001848/2006-75, até o julgamento final da presente demanda;

b) ordenar ao IBAMA que se abstenha de emitir nova Licença Prévia antes de regulamentado o art. 176, parágrafo 1º., da Constituição Federal...;

c) suspender todos os efeitos do edital ANEEL nº 006/2009, publicado no DOU de 19/03/2010, em especial a realização do Leilão marcado para o dia 20/04/2010;

d) ordenar à ANEEL que se abstenha de realizar qualquer ato administrativo que enseje a realização do Leilão de Concessão do projeto AHE Belo Monte. [...]"


Requereu a concessão de medida liminar, sustentado que o fumus boni iuris adviria dos dispositivos citados da Constituição da República, bem como da legislação de regência.

Insistiu que o periculum in mora decorreria "[...] do fato de encontrar-se em curso o processo de licenciamento ambiental do AHE Belo Monte no âmbito do IBAMA, tendo já sido proferida Licença Prévia. Além disso, já há a designação da realização do Leilão em 20/04/2010, com as diretrizes para a sua realização, cujo edital ANEEL nº 006/2009 foi publicado em 19/03/2010, no Diário Oficial da União" (fl. 35).

Juntou documentos às fls. 41/42 (Decreto Legislativo nº 788/2005, de 13/07/2007), às fls. 43/381 (Parecer Técnico IBAMA nº 114/2009, de 23/11/2009) e às fls. 382/433 (Licença Prévia nº 342/2010, de 01/02/2010).

Feito em breve relato dos fatos, DECIDO acerca do pedido de medida liminar. E, ao fazê-lo, pontuo, desde logo, em juízo de sumária cognição, próprio deste momento processual, que estão presentes os requisitos ensejadores da medida liminar, a saber: o fumus boni iuris e o periculum in mora.

De início, considero que o perigo de dano irreparável afigura-se presente, posto que se revela a possibilidade de se tornar inútil o direito buscado pelo requerente, por meio da presente demanda, caso não se antecipe urgentemente a prestação jurisdicional pretendida.

Sobre o ponto, inclusive, sustentou o MPF que "o risco de dano irreparável decorre do fato de encontrar-se em curso o processo de licenciamento ambiental do AHE Belo Monte no âmbito do IBAMA, tendo já sido proferida Licença Prévia. Além disso, já há a designação da realização do Leilão em 20/04/2010, com as diretrizes para a sua realização, cujo edital ANEEL nº 006/2009 foi publicado em 19/03/2010, no Diário Oficial da União" (fl. 35).

De outra análise, a verossimilhança das alegações postas pelo MPF ancora-se na documentação juntada aos autos (fls. 211/433), que noticia de que o art. 176, § 1º, CF/88, por ser norma de eficácia limitada, ainda não foi regulamentada integralmente por meio de lei ordinária, deixando de se estabelecer, assim, as condições específicas necessárias à exploração do potencial hidráulico em terras indígenas diretamente afetadas pela construção da AHE Belo Monte.

No ponto, citando trecho da obra de José Joaquim Gomes Canotilho, o MPF sustentou que se reservou "(...) à lei a tarefa de definir regras, condições e regimes específicos, quando a exploração for processada em faixa de fronteira ou, principalmente, em terras indígenas (aspectos ainda carentes de regulação, uma vez que sobre estes nada dispõe o Código de Minas em vigor)." (g.n.)

Discorrendo sobre as normas de eficácia limitada, a professora Maria Helena Diniz sustenta que:

"[...] há preceitos constitucionais que têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado. Sua possibilidade de produzir efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de qualquer conduta contrária ao que estabelecerem. Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria. Logo, por esta razão, não poderão produzir todos os seus efeitos de imediato, porém têm aplicabilidade mediata, já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional. [...]" (DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 98/103). (g.n.)

Em semelhante sentido, Dirley da Cunha Júnior, in Curso de Direito Constitucional, Ed. Podivm, leciona, ao discorrer sobre normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, citando José Afonso da Silva:

"São normas que, ao revés, dependem da intervenção legislativa para incidirem, porque o constituinte, por qualquer motivo, não lhes emprestou normatividade suficientes para isso. Isto é, embora estejam irradiando efeitos jurídicos inibidores ou impeditivos de disposições em contrário, têm a aplicabilidade mediata, porque as normas assim categorizadas reclamam uma lei futura que regulamente seus limites. Em face disso, são consideradas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida." (g.n.)

O cerne da presente quaestio cinge-se, portanto, em deslindar se a norma do art. 176, § 1º, da CF/88 é de eficácia limitada ou não, de molde a necessitar, em caso positivo, a regulamentação por lei ordinária.

Assim dispõe, in verbis, referido dispositivo constitucional:

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 6, de 1995) (g.n.)

Com efeito, da análise do referido artigo, possível é extrair que se trata realmente de norma de eficácia limitada, porquanto exige regulamentação por meio de norma infraconstitucional que lhe complete a eficácia.

Tanto é assim que o referido dispositivo constitucional estabelece que a pesquisa e a lavra de recursos naturais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica em terras indígenas, como ocorre no presente caso, só poderão ocorrer de acordo com os critérios e condições específicas definidas em lei, a qual, até o presente momento, inexiste.

Assim, bem de ver que o art. 176, § 1º, da CF/88, resultante da EC n. 6, de 15/08/1995, ainda não foi regulamentado por lei ordinária, no específico ponto que trata das condições específicas para a exploração do potencial hidráulico em terras indígenas.

Destarte, não se mostra bastante à regulamentação do preceito constitucional, segundo entendimento consagrado do Supremo Tribunal Federal, a edição de Medida Provisória pelo Poder Executivo para regular a matéria, por óbice do art. 246, da CF/88, segundo o qual, in verbis: "É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive. Assim, há necessidade, pois, de lei ordinária para regulamentação da matéria.

Sobre o ponto, inclusive, já decidiu o colendo STF, conforme excerto destacado em seguida:

De fato, não podem a Medida Provisória ou a GCE, por via de delegação, dispor normativamente, de molde a afastar, pura e simplesmente, a aplicação de leis que se destinam à disciplina da regra maior do art. 176, § 1º, da Constituição, no que concerne a potencial hidráulico. De fato, esse dispositivo resultante da Emenda Constitucional n. 6, de 15/08/1995, não pode ser objeto de disciplina por medida provisória, a teor do art. 246 da Constituição. Nesse sentido, o Plenário decidiu múltiplas vezes, a partir da decisão na ADI 2.005-6/DF. (ADI 2.473-MC, voto do Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 13-09-01, Plenário, DJ de 7-11-03). (g.n.)

No mesmo sentido, confira-se ainda:

ADI 1.597-MC, Rel. p/ ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 19-11-97, Plenário, DJ de 19-12-02.

Dessa forma, e levando-se em conta que o art. 176, § 1º, da CF/88 ainda não foi devidamente regulamentado por meio de lei ordinária, seja por inércia legislativa, seja por falta de interesse do Poder Legislativo, sendo um dispositivo de aplicabilidade indireta, falece-lhe eficácia plena em face da ausência de normatividade ulterior.

Por conseguinte, forçoso é concluir que o ato de expedição da Licença Ambiental (fls. 382/386), do Edital de Leilão (fls. 387/433) e do Contrato Administrativo de Concessão de Serviço Público não têm validade alguma, devendo, pois, aguardar-se a expedição de lei regulamentadora do dispositivo constitucional.

Por derradeiro, argumenta Pedro Lenza, citando José Afonso da Silva, que:

"[...] as normas constitucionais de eficácia limitada produzem um mínimo de efeito, ou, ao menos, o efeito de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores.

Nesse sentido, José Afonso da Silva, em sede conclusiva, observa que referidas normas têm, ao menos eficácia imediata, direta e vinculante, já que: a) estabelecem um dever para o legislador ordinário; b) condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as referirem; c) informar a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante atribuição de fins sociais, proteção dos vetores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e) condicionam a atividade discricionária da administração e do judiciário; f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagens". (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 138).

Mister ressaltar-se que o Parecer Técnico IBAMA n.º 114/2009, que teve como objetivo analisar a viabilidade ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico - AHE Belo Monte, apresentou: Programas mitigatórios e compensatórios - Índios Citadinos e Moradores na Volta Grande do Xingu: Programa de Realocação das Famílias que Vivem em Áreas Requeridas para o Empreendimento; Programa de Esclarecimento à População Indígena (Sobre o Projeto de Aproveitamento Hidrelétrico e sobre Conhecimento Adquirido); Programa de Qualificação da População Indígena; Programa de Educação Socioambiental para os Trabalhadores das Obras Incluindo Informação sobre a Questão Étnica; Programa de Contratação da Mão-de-Obra Indígena; Programa de Estudos de Viabilidade Econômica para Geração de Trabalho e Renda; Programa de Rearticulação do Transporte por Via Fluvial; Plano de Fortalecimento Institucional da População Indígena de Altamira e da Região da Volta Grande; Programa de Valorização do Patrimônio Cultural (Material e Imaterial); Programa de Atenção à Saúde dos Índios Citadinos de Altamira e Moradores da Volta Grande do Xingu; Programa para Garantir a Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Indígenas de Altamira e da Volta grande do Xingu; Programas de Segurança Social para as Famílias Indígenas Moradoras em Altamira e na Volta Grande do Xingu; Programa de Urbanização de Assentamentos Precários na Volta Grande do Xingu (fls. .

Referido parecer técnico do IBAMA relatou que tais programas foram incluídos a pedido da FUNAI, que elaborou o Parecer n.º 21/2209, referente à análise do componente indígena do AHE Belo Monte. Registra o relatório do IBAMA, à fl. 376, que: "Para a equipe técnica da FUNAI o monitoramento deste conjunto de políticas públicas precisa criar indicadores quantitativos e qualitativos que possam mensurar (e aperfeiçoar) se há de fato progresso na efetividade das políticas públicas que visam preparar a região para os impactos socioambientais do Projeto Belo Monte. Somente dessa forma estarão garantidas as condições de segurança e proteção para as Terras Indígenas."

Resta provado, portanto, de forma inequívoca que o AHE Belo Monte explorará potencial de energia hidráulica em áreas ocupadas por indígenas, que serão diretamente afetadas pela construção e desenvolvimento do projeto, o qual inclusive prevê medidas mitigatórias/compensatórias.

Referido aproveitamento desse potencial energético depende de lei regulamentar do Congresso Nacional a teor da literalidade do art. 176, § 1.º, da Carta Magna de 1988, dos textos doutrinários e jurisprudenciais mencionados supra.

Vislumbro, portanto, a presença dos requisitos ensejadores da medida liminar pleiteada.

Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR, INAUDITA ALTERA PARS, PELO QUE DETERMINO:

1. A imediata SUSPENSÃO dos efeitos da Licença Prévia nº 342/2010, expedida pelo IBAMA, nos autos administrativos nº 02001.001848/2006-75, até posterior deliberação desse Juízo;

2. A SUSPENSÃO de todos os efeitos do edital ANEEL nº 006/2009, publicado no DOU de 19/03/2010, EM ESPECIAL A REALIZAÇÃO DO LEILÃO marcado para ocorrer no dia 20/04/2010;

3. Ao IBAMA que se abstenha de emitir nova Licença Prévia, sem que antes haja a regulamentação do art. 176, § 1º, da CF/88, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser aplicada SEPARADAMENTE à Entidade e ao servidor descumpridor, em caso de injustificado descumprimento, além da responsabilidade criminal, a ser destinada às Tribos Indígenas afetadas direta e indiretamente pelo projeto;

4. À ANEEL que se abstenha de realizar qualquer ato administrativo que enseje a realização do leilão de concessão do projeto AHE Belo Monte, sem que antes haja a regulamentação do art. 176, § 1º, da CF/88, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a ser aplicada SEPARADAMENTE à Entidade e ao servidor descumpridor, em caso de injustificado descumprimento, além da responsabilidade criminal, a ser destinada às Tribos Indígenas afetadas direta e indiretamente pelo projeto;

5. NOTIFIQUEM-SE o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, a Construtora Norberto Odebrecht S/A, a Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A, a Andrade Gutierrez S/A, a Companhia Vale do Rio Doce, a J. Malucelli Seguradora S/A, Fator Seguradora S/A e a UBF Seguros S/A, para que tomem ciência de que, enquanto não for julgado o mérito da presente demanda, poderão responder por crime ambiental na forma do art. 225, § 3º, da CF/88 e art. 14, da Lei nº 6.938/81, além de aplicação da multa determinada acima separadamente.

6. PUBLIQUE-SE na íntegra a presente decisão. CITEM-SE. NOTIFIQUEM-SE. INTIMEM-SE AS PARTES RÉS POR FAX E O MPF COM VISTAS DOS AUTOS.

Altamira/PA, 14 de abril de 2010.


ANTONIO CARLOS ALMEIDA CAMPELO
Juiz Federal





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