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quinta-feira, 22 de abril de 2010

JURID - Repetição de indébito. Forma dobrada. Incompatibilidade. [22/04/10] - Jurisprudência


Repetição de indébito. Forma dobrada. Incompatibilidade com o sistema trabalhista

Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR

Processo: 00561-2009-067-03-00-7 RO

Data de Publicação: 10/03/2010

Órgão Julgador: Nona Turma

Juiz Relator: Juiz Convocado Joao Bosco Pinto Lara

Juiz Revisor: Des. Antonio Fernando Guimaraes

TRT - 00561-2009-067-03-00-7 - RO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 3ª REGIÃO

TRT - 00561-2009-067-03-00-7-RO

RECORRENTES - 1- Marcus Vinícius Carvalho Coelho
2 - Banco do Brasil S.A.

RECORRIDOS - Os mesmos

EMENTA - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - FORMA DOBRADA - INCOMPATIBILIDADE COM O SISTEMA TRABALHISTA

A utilização do direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho somente é admitida naquilo que não se revelar incompatível com os princípios fundamentais deste (CLT, art. 8º), o que afasta a possibilidade de aplicação das sanções estabelecidas nos arts. 940 do CCB e art. 42, parágrafo único, do CDC. Assim, no âmbito das relações trabalhistas, a repetição do indébito deve ser operada na sua forma simples.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário, oriundos da 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros, MG, em que figuram, como Recorrentes, Marcus Vinícius Carvalho Coelho e Banco do Brasil S.A., e, como Recorridos, os mesmos, como a seguir se expõe:

Relatório

O MM. Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros, MG, através da r. sentença de fs. 118-124, rejeitou a argüição de prescrição total e julgou procedentes, em parte, os pedidos iniciais, para condenar o Reclamado a efetuar a restituição do valor indevidamente cobrado do Reclamante a título de abatimento negocial, acrescido de juros e correção monetária, contados desde o pagamento, conforme se apurar em liquidação, a partir do extrato de fs. 25-27.

Embargos declaratórios opostos pelo Banco do Brasil S.A. às fs. 125-126 e providos às fs. 128-129, para declarar a incidência de juros de mora a partir do ajuizamento da ação, no percentual de 1% ao mês, calculado sobre o principal corrigido.

Inconformado, o Autor interpõe recurso ordinário às fs. 131-136, buscando a restituição do valor indevidamente pago de forma dobrada e o deferimento de indenização por danos morais.

Também recorre o Reclamado às fs. 139-146, reiterando a preliminar de prescrição total e negando a obrigação comandada pelo r. decisum.

Preparo recursal comprovado às fs. 147-148.

Contrarrazões recíprocas às fs. 151-155 e 157-162.

Dispensado o parecer prévio do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço de ambos os recursos interpostos.

2. Fundamentos

Ante a prejudicial suscitada pelo empregador, inverto a ordem de exame dos apelos.

2.1. Recurso interposto pelo Banco do Brasil S.A.

2.1.1. Prescrição total

Narra a inicial que o ora Reclamante, nos idos de 1997, enquanto cliente do Banco do Brasil S.A., agência de Ribeirão das Neves, contraiu empréstimo pessoal junto à BB-Financeira S.A., deixando, todavia, de quitar as parcelas do financiamento nas datas aprazadas (f. 3). A situação gerou renegociação da dívida em 20.07.1999, sendo, então, acertado o abatimento do valor de R$1.347,46 para o solvimento integral, com quitação do resíduo em 5 prestações (fs. 16-24), que foram regularmente satisfeitas. Sucede que o trabalhador, após êxito em concurso público, foi admitido pelo Banco Reclamado em abril de 2004 e, de imediato, ainda sob o regime de experiência, foi compelido a efetuar o pagamento daquele abatimento negocial que lhe havia sido concedido, expondo-se a um desembolso de R$3.945,15, cobrados "juros de mora, multa, correção monetária cumulativamente com comissão de permanência, reconhecidamente ilegal por Súmula n. 30 do STJ". Daí os pedidos de restituição da importância indevidamente quitada, com reparação, ainda, dos danos morais decorrentes (fs. 2-7).

Pois bem. Insiste o Banco do Brasil S.A. que a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, como é o caso vertente, prescreve em 3 anos, na forma do art. 206, § 3º, IV, do CCB, devendo-se atentar para "a natureza da ação ajuizada" e para a "relação existente... à época da contratação de financiamento". Assim, efetuado o pagamento em 27.04.2004 e ajuizada a presente ação somente em 27.04.2009, entende que o caso é de extinção do feito, na forma do art. 269, IV, do CPC (fs. 141-142).

Sem qualquer razão, d.v.

Aludida cobrança, reputada ilícita, teria sido efetuada tão só em decorrência da admissão do Autor como empregado do ora Arguente, que até mesmo se reportou ao edital do concurso público que promoveu para o provimento de vagas no cargo de escriturário para justificar tal exigência:

"Importante destacar que, de acordo com o princípio da vinculação ao edital, o qual prevê que o ´o edital é a lei do concurso público´, o candidato que se inscreve em concurso público aceita e se obriga às condições preestabelecidas no edital.

No caso sob análise, verifica-se que o edital do concurso público prestado pelo Reclamante, o qual possibilitou seu ingresso no quadro de funcionários do Reclamado, em anexo, consta no item 12.1 que:

(...)

Desse modo, concluiu-se que o candidato, ao inscrever-se no concurso na forma regulamentada pelo edital, concordou com todos os termos constantes desse, em especial ao termo constante no item 12.14, que apregoa:

´O candidato aprovado que estiver respondendo por débitos em situação anormal no Banco terá sua contratação condicionada a que as dívidas sejam regularizadas.´

Ora, não há que se falar em pagamento indevido do valor do abatimento negocial, porquanto a concordância do Reclamante com os termos do edital o obrigou a quitar seu débito remanescente, representado pelo abatimento negocial junto à instituição financeira, não havendo que se falar na aplicação do art. 876 do CC" (f. 41-42).

Assim, segundo o perfazimento da litiscontestatio, a relação de emprego é o fato-suporte para os pedidos deduzidos, envolvendo, por causa dela, a cobrança do referido abatimento negocial, que foi concedido pelo Banco do Brasil em 1999, para a liquidação do débito do cliente, e que somente voltou à tona quando este passou à condição de empregado.

Enfim, sob a ótica da discussão estabelecida, o ambiente trabalhista foi o elemento de ligação entre os envolvidos, o que, aliás, coloca a Justiça do Trabalho como o Órgão competente para apreciação das pretensões deduzidas, com respaldo no artigo 114 da Carta Magna, competência que sequer foi contestada pelo Recorrente.

Aplicável, pois, a norma do art. 7º, XXIX, da Constituição da República, não havendo prescrição a ser pronunciada na espécie.

Correta a sentença.

Provimento negado.

2.1.2. Cobrança indevida. Restituição.

Na sequência, nega o Banco Reclamado o reembolso comandado na origem, alegando ausência de prova de que foi exigida a quitação do abatimento negocial para a manutenção do contrato de trabalho, ônus que recaía sobre o empregado. Também reitera a tese de que a concordância com os termos do edital legitima a cobrança do débito, traduzindo ato jurídico perfeito, não se olvidando que se trata de desconto que foi concedido à época com caráter restritivo, inclusive por lhe acarretar efetivo prejuízo contábil. Requer reforma e absolvição na demanda, sob pena de violação aos arts. 189 e 206 do CCB, 8º e 818 da CLT e 5º, XXXVI, da CR/1988 (fs.143-146).

A argumentação, como se vê, é contraditória e inconsistente, especialmente no tocante ao fundamento da ausência - de prova - de exposição do trabalhador a constrangimento ilegal, na medida em que o próprio Recorrente ressalta a necessidade de regularização de eventuais pendências financeiras verificadas quando da admissão no emprego, por força das regras do edital do concurso, o que equivale à confissão implícita de que efetivamente agiu no sentido de exigir a quitação do abatimento negocial que havia concedido para solvência de débito constituído em 1999 e que mantinha "consignado na ficha cadastral do inadimplente, com conotação restritiva de novas contratações de crédito" (f. 42).

Não por isso, é por demais evidente a mácula da manifestação de vontade do empregado, que não desembolsaria quase R$4.000,00 para reposição do abatimento em exame, com prejuízo, inclusive, do próprio sustento, se não estivesse sendo compelido a tanto. Inimaginável, d.v., o contrário. E o documento de fs. 9-12, não infirmado por outros elementos de prova, confirma que o registro da restrição - abatimento negocial - na ficha cadastral do Reclamante era tido como "impedimento absoluto", de "impacto relevante", prejudicial até mesmo à "imagem do Banco" perante terceiros, como se referiu o preposto, em seu depoimento às fs. 157-158.

Lado outro, importa considerar que o referido abatimento negocial foi concedido ao Autor em 1999, enquanto cliente do Banco do Brasil S.A., para a liquidação da dívida contraída 2 anos antes, sob a única ressalva de que estaria impedido de obter novas concessões de crédito a partir de então, salvo se porventura efetuasse o pagamento integral do valor deduzido (ver defesa; f. 42).

O preposto do Recorrente, no mesmo depoimento anteriormente referido, esclareceu que "o abatimento negocial é um desconto no valor original da dívida que o Banco concede com a finalidade de o cliente limpar o seu nome junto aos órgãos de proteção do crédito...; o desconto fica anotado no cadastro do cliente e este fica impedido de operar com créditos junto ao Banco até a quitação do desconto negocial" (f. 117).

Assim, à época da admissão do Reclamante, 5 anos depois da referida negociação, mais precisamente em abril de 2004, não mais havia débito pendente, evidenciando, também sob o aspecto, irregularidade por parte do Banco na exigência de pagamento do abatimento negocial, tanto mais com os acréscimos de juros de mora e comissão de permanência que praticamente triplicaram o seu valor original (fs. 25-27).

Aliás, fosse o caso de dívida pendente, a contratação do Reclamante sequer poderia ter sido efetuada, segundo a regra do edital invocada no apelo, já transcrita alhures (item 12.14; f. 57), ao qual também se achava vinculado o Recorrente.

Caso, pois, de vantagem obtida pelo trabalhador em renegociação de dívida junto ao Banco do Brasil no ano de 1999 e que este último, valendo-se da sua superveniente condição de empregador, deliberou simplesmente rever e desfazer a concessão, estabelecendo, inclusive, ônus excessivos para o agora empregado. Irregularidade manifesta e inaceitável, d.v.

Posto isso, rejeito a pretensão de reforma deduzida no apelo, intactos os dispositivos legais e constitucionais invocados pelo Recorrente.

Decisão mantida também no aspecto.

2.2. Recurso interposto pelo Reclamante

2.2.1. Restituição em dobro

O Reclamante pretende a restituição da importância indevidamente paga em dobro, invocando as normas dos arts. 940 do CCB e 42 do CDC, que entende aplicáveis à espécie (fs. 131-134).

O primeiro preceito legal citado fala em demanda por dívida já paga, sem ressalva das quantias já recebidas, o que não condiz com a quadra específica destes autos.

Ademais, somente é possível a utilização do direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo que não se revele incompatível com os princípios fundamentais deste (CLT, art. 8º), sendo certo que a norma do art. 940 do CCB constitui sanção civil típica que não poderia ser imposta ao trabalhador - e, conseqüentemente, ao empregador -, por contrariar, cabalmente, o princípio protetivo.

Nesse mesmo e exato sentido de incompatibilidade com a relação jurídico-trabalhista está a regra do parágrafo único do art. 42 da Lei n. 8.078, de 11.09.1990, não havendo, d.v., como conceber a possibilidade de o empregador cobrado em quantia indevida poder reclamar repetição do indébito por valor igual ao dobro do que pagou em excesso.

E a tudo acrescento que, tanto em uma como em outra das hipóteses examinadas, ambas fundadas no princípio que veda o enriquecimento sem causa, a pressuposição é a de ação de má-fé de um dos contratantes, orientação expressa, inclusive, na Súmula de n. 159, do e. STF:

"Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1531 do Código Civil"

Assim, nada obstante a cobrança indevida promovida pelo Banco Reclamado, ação de má-fé não houve, tendo sido o Autor até mesmo admitido antes da quitação.

Correta, então, a sentença, que determinou a repetição na forma simples.

Provimento negado.

2.2.2. Danos morais.

Também alega o Autor danos morais em decorrência da "odiosa coação" sofrida, reclamando indenização pelo equivalente ao décuplo do valor indevidamente cobrado (fs. 134-135).

A mera possibilidade de reparação do dano moral não pode se converter em panacéia, utilizável em toda e qualquer situação em que ocorra conflito de interesses nesse nível, d.v.

É dizer que dano moral é aquele que, correlacionado com o lesionamento íntimo, acarrete molestação grave ao cidadão, "ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali - Dano moral. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000).

Ora, não se pode dizer que a simples cobrança do abatimento negocial após a admissão do Autor tenha lhe causado ofensa de ordem moral. O próprio transcurso de longos 5 anos até a postulação judicial não se compõe com a alegação, não se olvidando que a contratação foi celebrada independentemente do registro da pendência nos cadastros do Banco, não havendo qualquer prova nos autos de que a sua resolução foi posta como condição para a manutenção do contrato. A cobrança ocorreu, sem qualquer dúvida, mas não no nível alegado.

O Judiciário não pode fomentar a denominada indústria do dano moral, d.v. sob pena de desvirtuamento desse relevante instituto de direito. E a orientação tem plena aplicação ao caso destes autos, ao que me recorda brilhante julgado deste Regional:

"DANO MORAL - JUSTA CAUSA

As hipóteses de desavença entre patrão e empregado, assim como aquelas que ensejam a dispensa motivada pelo empregador, descritas no art. 482/CLT, envolvem algumas situações que, realmente, podem vir a comprometer a honra e imagem do trabalhador que se vê imputado por uma daquelas condutas, de forma injusta, precipitada ou arbitrária, desde que o âmbito de ofensa da imputação exceda os limites da subjetividade. O ato de improbidade, por exemplo, é de tamanha seriedade, porquanto configura-se em mais que uma violação à confiança do empregador, mas uma violação de um dever legal, um dever moral. Constitui-se em um atentado ao patrimônio alheio, que revela desonestidade, abuso, má-fé. Assim, vislumbro que possa ser caracterizada a conduta dolosa por parte do empregador que acusa o empregado de atos desse porte e não logra êxito em provar suas acusações. Contudo, a concretização do dano moral que implica no dever de indenização só deve ser possível se a ofensa ultrapassar os limites da subjetividade, isto é, de forma que a conduta do empregador afete a honra e a imagem do empregado perante a sociedade, perante sua família, seu mercado de trabalho. Isto porque, nessas circunstâncias, há evidente prejuízo da imagem que ultrapassa aquele "sentimento de pesar íntimo" da pessoa do ofendido. No nosso cotidiano turbulento, o sentimento íntimo de ofensa é experimento por qualquer cidadão diante de uma imputação injusta, partindo até mesmo de entes queridos e próximos, até mesmo, nas relações mais amorosas e amistosas... Daí porque, a indenização por dano moral deve extrapolar esse sentimento de pesar íntimo, para alcançar situações vexatórias e humilhantes, frente a terceiros, configurando-se o prejuízo à honra e à imagem. Hoje, mais do que nunca, esse verdadeiro sentido da indenização por dano moral deve estar presente nessa Justiça Especial, "momento de extrema cautela e conscientização, para que os pedidos de indenização por dano moral, que hoje abarrotam o poder judiciário, não se transformem numa verdadeira 'indústria' ou em um 'negócio lucrativo' para partes e advogados, o que traduziria uma completa deturpação do sistema (...)" (Des. Maria Laura Franco Lima de Faria, RO 19389/97, DJMG 18.08.1998)." (RO 4449/02, Rel. Des. Hegel de Brito Boson, DJMG 20.06.2002, p. 10).

Sem mais delongas, então, não há supedâneo legal para o acolhimento da pretensão do Autor, à míngua de dano efetivo ao seu patrimônio íntimo.

Nego.

3. Conclusão

Conheço de ambos os recursos interpostos; no mérito, nego-lhes provimento.

Motivos pelos quais,

ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Nona Turma, à unanimidade, em conhecer de ambos os recursos interpostos; no mérito, sem divergência, em negar-lhes provimento.

Belo Horizonte, 23 de fevereiro de 2010.

JOÃO BOSCO PINTO LARA
Juiz Convocado Relator




JURID - Repetição de indébito. Forma dobrada. Incompatibilidade. [22/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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