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quarta-feira, 28 de abril de 2010

JURID - Processual civil e ambiental. Violação do art. 535 do cpc. [28/04/10] - Jurisprudência


Processual civil e ambiental. Violação do art. 535 do cpc não caracterizada. Manutenção de aves silvestres em cativeiro.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.140.549 - MG (2009/0175248-6)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: ANTÔNIO CUSTÓDIO DA SILVA

ADVOGADO: GENI FATIMA SARTORI LOPES E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA - MANUTENÇÃO DE AVES SILVESTRES EM CATIVEIRO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO AGENTE POLUIDOR - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. A responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

3. Em regra, o descumprimento de norma administrativa não configura dano ambiental presumido.

4. Ressalva-se a possibilidade de se manejar ação própria para condenar o particular nas sanções por desatendimento de exigências administrativas, ou eventual cometimento de infração penal ambiental.

5. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 06 de abril de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON
Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.140.549 - MG (2009/0175248-6)

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: ANTÔNIO CUSTÓDIO DA SILVA

ADVOGADO: GENI FATIMA SARTORI LOPES E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se, originariamente, de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra particular, aduzindo, em resumo, que o réu vem impondo à coletividade degradação da qualidade ambiental com a captura e manutenção em cativeiro de 6 (seis) exemplares da fauna silvestre brasileira: 2 (dois) trinca ferros, 2 (dois) canários-chapinha, 1 (um) tico-tico e 1 (um) papa-capim, sem autorização do IBAMA.

O Tribunal de origem, em apelação do Ministério Público, confirmou o entendimento da sentença de 1º grau, pela improcedência da demanda, nos moldes da ementa seguinte (fl. 122, e-STJ):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - APREENSÃO DE SEIS PÁSSAROS SILVESTRES - ATIVIDADE CONSIDERADA CAUSADORA DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL SIMPLESMENTE POR AUSÊNCIA DE LICENÇA DO IBAMA - IMPOSSIBILIDADE - INTERPRETAÇÃO DA LEI EM RELAÇÃO AOS FATOS SOB JULGAMENTO - SENTENÇA MANTIDA. 1- Ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide. Inexiste cerceamento de defesa se a prova que se pretende produzir é desnecessária e irrelevante para o deslinde da demanda. 2- A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei nº 6.938/1981). 2- Não se admite que o Direito se divorcie da realidade, devendo as normas jurídicas ser interpretadas a propósito das situações fáticas postas em julgamento, considerando suas peculiaridades. Inexistência de circunstância de fato que demonstre a efetiva ocorrência do dano ao meio ambiente.
Os embargos de declaração opostos pelo parquet foram rejeitados (fl. 135, e-STJ).

O Ministério Público Estadual, por sua vez, interpõe recurso especial, com base na alínea "a" do permissivo constitucional, defendendo a violação do art. 535, II, do CPC, sob o argumento de que "a Turma Julgada não considerou o fato de que o dano ambiental se evidencia na simples manutenção dos pássaros em cativeiro, ainda que não tenha sido feita a prova da captura" (fl. 144, e-STJ).

No mérito, alega ofensa aos arts. 3º, III, "a", IV, 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, e defende, em síntese, que "a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente é objetiva (...) Provados o fato, o dano e o nexo de causalidade, surge a obrigação de indenizar" (fl. 148, e-STJ).

Requer a reforma do aresto recorrido, a fim de que a ação originária seja julgada inteiramente procedente.

Sem contrarrazões (conforme certidão de fl. 163, e-STJ), subiram os autos por força de decisão em agravo de instrumento.

Nesta instância, o Ministério Público Federal pronunciou-se pelo conhecimento e provimento do recurso especial (fls. 155-161, e-STJ).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.140.549 - MG (2009/0175248-6)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: ANTÔNIO CUSTÓDIO DA SILVA

ADVOGADO: GENI FATIMA SARTORI LOPES E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Inicio a análise do recurso pela alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC.

Nos embargos de declaração opostos na origem, percebo que o parquet sustenta a omissão do Tribunal de origem quanto a dois pontos:

a) a configuração de responsabilidade objetiva nos casos de danos causados ao meio ambiente; e

b) "o dano já se evidencia na simples manutenção dos pássaros em cativeiro sem autorização, ainda que não tenha sido feita prova da captura" (fl. 131, e-STJ).

Pela simples leitura do acórdão recorrido, verifico que os argumentos apresentados pelo Ministério Público foram devidamente apreciados pela instância ordinária. O que a parte buscou, em verdade, foi o rejulgamento da matéria, sob nova ótica, o que não se coaduna com a estreita via dos aclaratórios.

Afasto, portanto, a negativa de vigência do art. 535, II, do CPC, uma vez que o Tribunal de origem apreciou a lide integralmente, bem como fundamentou o seu entendimento.

Superada essa preliminar (nulidade do julgado), constato que, no mérito, o recorrente requer a reforma do acórdão recorrido, por defender a tese de que o dano se perfaz com a manutenção dos pássaros silvestres em cativeiro, sem autorização do órgão ambiental.

Para tanto, o Ministério Público indica a ofensa a alguns dispositivos da Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), quais sejam:

Lei 6.938/1981

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

(...)

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

(...)

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

(...)

Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Os dispositivos acima, analisados em conjunto com o texto da atual Constituição Federal, deixam evidente a responsabilidade civil objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente poluidor.

Nesse sentido, é farto o repertório de precedentes jurisprudenciais:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA - ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 - IRRETROATIVIDADE DA LEI - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF - PRESCRIÇÃO - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF - INADMISSIBILIDADE.

1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade.

(...)

(REsp 1056540/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. MONITORAMENTO TÉCNICO. CARÁTER PROBATÓRIO AFASTADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVERSÃO DO ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO CAUSADOR DO DANO AMBIENTAL (ARTS. 3º, IV, e 14, § 1º, DA LEI 6.938/81). INTERPRETAÇÃO DO ART. 18 DA LEI 7.347/85. PRECEDENTES DO STJ. RECURSOS ESPECIAIS PARCIALMENTE CONHECIDOS E, NESSA PARTE, DESPROVIDOS.

(...)

5. Outrossim, é manifesto que o Direito Ambiental é regido por princípios autônomos, especialmente previstos na Constituição Federal (art. 225 e parágrafos) e legislação específica, entre os quais a responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente (arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81).

6. Portanto, a configuração da responsabilidade por dano ao meio ambiente exige a verificação do nexo causal entre o dano causado e a ação ou omissão do poluidor. Assim, não há falar, em princípio, em necessidade de comprovação de culpa dos ora recorrentes como requisito à responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente.

7. A regra contida no art. 18 da Lei 7.347/85 ("Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e qualquer outras despesas") incide, exclusivamente, em relação à parte autora da ação civil pública. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 786.550/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 5.12.2005, p. 257; REsp 193.815/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.9.2005, p. 240; REsp 551.418/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 22.3.2004, p. 239; REsp 508.478/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 15.3.2004, p. 161.

8. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa parte, desprovidos.

(REsp 570.194/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 12/11/2007 p. 155)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ART. 476 DO CPC. FACULDADE DO ÓRGÃO JULGADOR.

1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.

(...)

3. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que "(...)A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações(...)" in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327.

(...)

10. Recurso especial desprovido.

(REsp 745.363/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2007, DJ 18/10/2007 p. 270)

Assim, em razão da extrema importância dos bens jurídicos tutelados, entendo que, mesmo diante de situações fáticas aparentemente simples - como encaro ser a hipótese dos autos -, devemos analisar as questões ambientais com o rigor que merecem.

Entretanto, ressalto que o fato de estarmos diante de responsabilidade civil objetiva não exclui a comprovação da ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

Feitas essas considerações, constato que o principal fundamento do acórdão recorrido, bem como da sentença de 1º grau, refere-se à ausência de comprovação de dano ambiental.

Apenas para que fique claro, colaciono trecho do voto-condutor do aresto combatido (fls. 124-125, e-STJ):

De fato, não se pode admitir como razoável que a atividade do apelado provoque degradação ambiental na ordem de grandeza expressa no laudo técnico de fl. 28/33, tão-somente porque criava seis pássaros da fauna silvestre, sem autorização do IBAMA. A contrario sensu, o raciocínio conduz à conclusão de que, se portador o apelado da referida autorização, estaria o meio ambiente a salvo de degradação, não obstante o desenvolvimento da mesma atividade, com os mesmos animais. Isto, em se considerando que nenhum dado fático, relativamente ao criatório ou o exercício, em si, da atividade de criação de passeriformes, fora levantada contra o apelado, para fundamentar a sua incursão nas penas cominadas a quem ocasiona danos ambientais. Foi assim considerado tão-somente por não ter obtido licença do IBAMA.

O instituto da responsabilidade objetiva prescinde tão-somente da prova do elemento subjetivo que integra a conduta do agente. Desnecessária, para tanto, a prova de culpa ou dolo, bastando que se provem o dano e o nexo deste com a conduta ilícita. Mas, para que haja a responsabilização, imprescindível se apresenta a ocorrência do dano, sob pena de não haver o que ser ressarcido.

No caso em julgamento, como já exposto, não há prova de dano ao meio ambiente, porquanto detinha o apelado seis pássaros, a ponto de produzir o alegado desequilíbrio no ecossistema.

Entendo como o douto sentenciante, pois o ato não é capaz de provocar qualquer degradação ambiental, inexistente prova de que o apelado tem o hábito de capturar animais silvestres da fauna brasileira, verbis:

"Os fatos relatados nos autos não possuem dimensão suficiente para valoração da norma ambiental, ainda mais, quando a conduta do réu estava mais voltada para o deleite do que para o sentido predatório." (fl. 58).

Alega o Ministério Publico que o dano se configura pela manutenção de exemplares da fauna em cativeiro, sem autorização, impossibilitando o desempenho da função ecológica que o animal exerce. Vê-se que o destaque se dá para a autorização administrativa e não para o papel ecológico desempenhado pelas aves. Necessário se faria a prova, in casu, de que os pássaros teriam sido capturados na natureza, o que não ocorreu.

Daí que se constata ser o fundamento do pedido recursal, em realidade, não a ocorrência efetiva de qualquer dano, mas a ausência de autorização administrativa, o que não enseja condenação por responsabilidade civil.

Em suma, não restou demonstrado que a posse de seis passarinhos provocou qualquer dano ambiental, afastada, assim, qualquer indenização. (grifei).

Assim, ab initio, se não há comprovação de dano, não é cabível a responsabilização do particular na esfera civil, conforme pleiteia o recorrente.

Entretanto, constato que, desde a origem, o Ministério Público sustenta a tese de que a manutenção de animais silvestres em cativeiro, sem autorização do órgão ambiental competente, já configura, por si só, dano ambiental, passível de indenização. Em outras palavras: o descumprimento de norma administrativa configura dano ambiental presumido.

Ocorre que esse pensamento não encontra respaldo no atual ordenamento jurídico.

A própria Constituição Federal de 1988, no § 3º do art. 225, prevê a possibilidade de o mesmo agente poluidor se submeter, de forma independente, às sanções administrativas e penais e ao dever de reparação civil, conforme se verifica do seu teor:

Art. 225.(...)

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

É evidente que nem todas as condutas e atividades terão reflexo nas três esferas mencionadas nesse dispositivo. Mas, a caracterização de cada uma delas exige o atendimento de determinados requisitos, conforme disposição em lei.

Dessa forma, no caso da reparação civil, conforme já dito, é fundamental que se comprove a ocorrência de dano, o que não aconteceu na hipótese.

Além disso, há algumas peculiaridades no caso em apreço, que me convencem da impossibilidade de se admitir o pleito do parquet.

O Ministério Público reiteradamente afirma que, no caso em apreço, a simples ausência de autorização administrativa, configura o dano ambiental. Ora, a contrario sensu, acolher essa afirmação seria o mesmo que dizer que a mera autorização dos órgãos ambientais - permitindo a manutenção dos pássaros em cativeiro - supriria, do ponto de vista ambiental, a ausência desses animais do seu ecossistema, o que é absurdo.

Em reforço, menciono que o julgador de 1º grau afirmou que a conduta do particular em questão não é absolutamente danosa ao meio ambiente, conforme seguinte trecho da sentença (fl. 68, e-STJ:

Pela análise do Boletim de Ocorrêncai, constata-se que os pássaros apreendidos eram mansos, estavam bem tratados, inclusive, serviu o próprio réu como depositário. Existem, portanto, grandes indícios de que os mesmos tenham nascido em cativeiro. (grifei).

Ora, se os animais, mesmo após a fiscalização, permaneceram sob a guarda do particular, nas mesmas condições, onde estava o dano ambiental, passível de reparação na esfera civil?

Ressalto que em nenhum momento o Ministério Público argumentou ser impossível a concessão da autorização administrativa em questão, apenas afirma que essa medida não foi tomada pelo particular.

Concordo que não podemos fazer letra morta às normas administrativas ambientais, que, em muitos casos, prevêem multas e sanções, a fim de regulamentar as ações humanas em face do meio ambiente. Se, na hipótese, a autoridade fiscal entender pelo cabimento de alguma sanção, ressalva-se a possibilidade de se requerer o seu adimplemento nas vias próprias. Contudo, não se pode olvidar que na presente ação busca-se a reparação civil por danos ambientais, e não adimplemento de sanção administrativa.

Portanto, tendo em conta todos os elementos aqui mencionados, entendo ser inviável o acolhimento da pretensão do Ministério Público que, com base em descumprimento de norma administrativa (necessidade de autorização do IBAMA para manter em cativeiro aves silvestres), pleiteia a responsabilização civil, sem a devida comprovação de efetivo dano ambiental.

Ressalva-se, contudo, a possibilidade de se manejar ação própria para condenar o particular nas sanções por desatendimento de exigências administrativas, ou eventual cometimento de infração penal ambiental.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2009/0175248-6 REsp 1140549 / MG

Números Origem: 10024069330090 10024069330090004 200802459211

PAUTA: 06/04/2010 JULGADO: 06/04/2010

Relatora
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO: ANTÔNIO CUSTÓDIO DA SILVA

ADVOGADO: GENI FATIMA SARTORI LOPES E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Meio Ambiente

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 06 de abril de 2010

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

Documento: 958768 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 14/04/2010




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