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quinta-feira, 29 de abril de 2010

JURID - Processo civil. Direito da Criança e do Adolescente. [29/04/10] - Jurisprudência


Processo civil. Direito da Criança e do Adolescente. Conflito positivo de competência. Ação de guarda de menor
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Superior Tribunal de Justiça - STJ

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 108.442 - SC (2009/0194206-4)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

AUTOR: V D E OUTRO

INTERES.: P F A

ADVOGADO: LEANDRO CAMPOS BARROCAS

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JOINVILLE - SC

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CACHOEIRA PAULISTA - SP

EMENTA

Processo civil. Direito da Criança e do Adolescente. Conflito positivo de competência. Ação de guarda de menor ajuizada perante o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville-SC, suscitante. Pedido de providências deduzido pelo Conselho Tutelar perante o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista-SP, suscitado. Pedido de guarda provisória deferido. Doutrina jurídica da proteção integral. Melhor interesse da criança. Princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da busca da felicidade. Competência do Juízo suscitante.

- Para o desenlace de conflito positivo de competência, em que jaz, na berlinda, interesse de criança, a ser juridicamente tutelado e preservado, acima de todos os percalços, dramas e tragédias de vida porventura existentes entre os adultos envolvidos na lide, deve ser conferida primazia ao feixe de direitos assegurados à pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, com atenção redobrada às particularidades da situação descrita no processo.

- Se a guarda provisória foi deferida em favor de seus pleiteantes, os quais permaneceram com o pequeno praticamente nos seus três primeiros meses de vida, dispensando-lhe todo amor, cuidados e proteção compatíveis com o efetivo exercício da guarda de fato, tendo sido privados da manutenção do convívio, por decisão judicial que determinou a colocação da criança em abrigo de menores, define-se a competência pelo foro do domicílio daqueles que detêm a guarda, considerando-se, sobretudo, que nem o pai, nem a mãe, parecem oferecer, ao menos a princípio, e por motivos diversos, condições para cuidar da criança.

- A mãe, sobre a qual pesam suspeitas de tentativa de negociação do bebê com o tráfico local, não apresenta as mínimas condições para cuidar do filho, conforme atestam as evidências contidas nos autos, de que já teria havido a entrega de outro filho para adoção, o qual teria sido "utilizado por terceiros", mediante "aluguel", para caçar esmolas nas ruas, sendo que os outros dois filhos que com a genitora vivem, encontram-se em precárias condições de saúde, alimentação, higiene e de educação, por alegada negligência da mãe, em clara afronta ao art. 5º do ECA. O pai, por sua vez, não está autorizado pela atual companheira a levar mais uma criança para ser por ela criada, pois esta já cuida de um outro filho dele, advindo de relação diversa. Por isso buscou solução no sentido de entregar o filho para ser cuidado pelos "tios de consideração", autores da ação de guarda. Foram todas essas, as razões que deram azo ao pedido de providências deduzido pelo Conselho Tutelar, em clara demonstração de que pairava insegurança quanto ao ambiente no qual a criança seria inserida, notadamente se mantida sob os cuidados da genitora.

- Ainda que diverso fosse o delineamento fático do processo, o exercício da guarda, quando obstado por circunstância levada ao Judiciário para ser restabelecido, não deve ser considerado para efeito de cumprimento do art. 147, inc. I, do ECA, que, além do mais, deve sempre ser avaliado sob o pináculo inafastável do maior interesse da criança.

- Sobreleva notar, que, mesmo ao se tratar de ação de guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados. É a criança que deve ter assegurado o direito de ser cuidada pelos pais ou, ainda, quando esses não oferecem condições para tanto, pela família substituta, tudo conforme balizas definidas no art. 227 da CF/88 que seguem reproduzidas e ampliadas nos arts. 3º, 4º e 5º, do ECA.

- Assim, a validação dos direitos da criança, que enfeixam todos aqueles inerentes à pessoa humana, deve ocorrer com a presteza necessária, no tempo certo, para que sirva como alicerce de seu desenvolvimento pessoal e salvaguardas de sua integridade, dignidade, respeito e liberdade.

- A falta absoluta de estabilidade afetiva, social, material e espiritual, que paira sobre os genitores dessa criança, constitui forte indicativo para que seja ela, ainda que provisoriamente, colocada em família substituta na qual inicialmente inserida e lamentavelmente retirada, sem a necessidade de que, por decisão judicial, pesassem, sobre o resto de sua vida, as marcas indeléveis de ter sido impedida de usufruir, no primeiro ano de vida, do amor, afeto e proteção daqueles que a acolheram e manifestaram o firme propósito de dispensar-lhe todos os cuidados necessários para um pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Sob a egrégora da proteção integral da criança, na defesa da integridade de um bebê, no sentido de impedir que seja criado em ambiente hostil, com um só futuro possível - o caminho das drogas, do tráfico, da violência e da marginalidade - um casal se interpõe e busca, por meio de um gesto de amor, permitir ao infante uma segunda chance, com um venturoso e promissor delineamento. Em sequência, o Poder Judiciário, em um ato surpreendente, determina a busca e apreensão de um ser humano com menos de cem dias de vida, arrancando-o do convívio de amor, carinho e afeição, para jogá-lo em um abrigo de menores, onde, sabemos todos, a esperança nos olhos de tantas crianças, de ter uma família, já nasce morta.

- Incumbe, ao Poder Judiciário, com um olhar humano e sensível, defender o lado da esperança na sua expressão mais pura, acenando com a real perspectiva de um futuro mais digno àqueles que estão nascendo sem reais expectativas de consolidação de seus direitos mais básicos.

- Por isso, com base no melhor interesse da criança, considerando que os autores são os detentores da guarda provisória do menor, bem como, atenta às peculiaridades da lide, em que os genitores não demonstram ostentar condições para cuidar do infante, e, sobretudo, considerando os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da busca da felicidade, deve ser fixada a competência do Juízo suscitante, para o julgamento das ações que envolvem os interesses do menor, o qual deve ser imediatamente entregue ao casal detentor da guarda.

Conflito positivo de competência conhecido para estabelecer como competente o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, para apreciar as ações circunscritas ao presente conflito, concernentes aos interesses do menor M. A. A., e, por conseguinte, determinar a imediata expedição de mandado de entrega do menor M. A. A. ao casal V. D. e M. B. D., detentor da guarda provisória da criança.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do Conflito de Competência e declarou competente o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, o suscitante, com a expedição imediata de mandado de entrega da criança à família substituta, independentemente de trânsito em julgado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina, Paulo Furtado, Honildo Amaral de Mello Castro, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 10 de março de 2010(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDA
Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 108.442 - SC (2009/0194206-4)

AUTOR: V D E OUTRO

INTERES.: P F A

ADVOGADO: LEANDRO CAMPOS BARROCAS

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JOINVILLE - SC

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CACHOEIRA PAULISTA - SP

Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Conflito positivo de competência suscitado por V. D. e M. B. D., envolvendo o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, suscitante, e o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista - SP, suscitado.

Ações: o conflito positivo deriva de duas ações: (i) de guarda e de responsabilidade, com pedido de tutela antecipada, inaudita altera pars, ajuizada pelo casal V. D. e M. B. D., perante o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, com distribuição em 17/6/2009; (ii) pedido de providências, deduzido pelo Conselho Tutelar de Cachoeira Paulista - SP, distribuído em 10/3/2009, perante o Juízo de Direito da Infância e Juventude da mesma Comarca.

Processo que tramita perante o Juízo Suscitante - Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC.

Ação de guarda (inicial às fls. 5/15): relata o casal - V. D. e M. B. D. - que foi procurado por P. F. A., pai biológico do menor M. A. A., em data anterior ao seu nascimento - 17/4/2009 -, manifestando grande preocupação com o bem estar da criança, ao argumento de que a genitora de M. A. A., casada com viciado em drogas (crack) e mãe de outros 3 filhos, um deles inclusive já entregue para adoção, vive de forma precária, sem as mínimas condições de higiene, cuidados e alimentação, em habitação localizada dentro do que denomina de "boca de fumo".

Com base nesses fatos, o pai biológico pediu, encarecidamente a V. D. e M. B. D., os quais tem como seus "tios de consideração", que cuidassem da criança, desde o seu nascimento, tendo em vista a situação de absoluta insegurança e abandono em que vivem os demais filhos de M. S. A. A., que "perambulam sozinhos pela vizinhança procurando o que comer, encontram-se infestados de piolhos e não sabem o que é uma escola (muito embora já tenham sido matriculados pelo Conselho Tutelar)" (fl. 9).

Afirmam que, conforme relato do pai biológico, corriam rumores, em época próxima ao nascimento da criança, de que a mãe teria prometido entregar o bebê para o tráfico de drogas, como forma de obter o perdão de dívidas que teria contraído juntamente com o seu marido. Asseverou, ainda, que a M. S. A. A. não teria concordado em deixar a criança com o pai biológico, pois se utilizava "do bebê para tentar retirar dinheiro do mesmo para saldar dívidas com o tráfico" (fl. 8).

Aludem que, ao tomar conhecimento do nascimento da criança, o pai biológico imediatamente solicitou a presença de ambos na cidade de Cachoeira Paulista, pois estava extremamente preocupado com o destino do menor, notadamente porque não contava com o consentimento de sua atual mulher para levar o recém nascido para casa. Dessa forma, no dia 22/4/2009, na presença do Conselho Tutelar, houve a entrega voluntária do menor pela mãe ao pai biológico, ciente e de acordo que o bebê seria entregue aos cuidados dos autores, o que restou consignado no próprio termo de declaração, lavrado sob o n.º 551/09, assinado pela mãe, pelo pai e pelas conselheiras presentes no local.

Os autores alegam que, mesmo sem a guarda do menor o levaram para a cidade onde residem - Joniville-SC - e desenvolvem suas atividades profissionais: ela médica e ele corretor de imóveis, sendo que, em 9/5/2009 foram surpreendidos com intimação para prestarem testemunho em Carta Precatória oriunda da Comarca de Cachoeira Paulista-SP, tendo ainda constado do teor da intimação que a autora deveria promover a entrega voluntária do menor. Contudo, segundo narram, o próprio Oficial de Justiça que cumpria a ordem de intimação compreendeu que não poderia a retirar o bebê da residência dos autores, à época com cerca de 45 dias de vida, totalmente dependente dos cuidados da autora.

Com a clara constatação de que, em contrariedade ao interesse do pai biológico - e da própria mãe, ao assinar o termo de entrega - que lhes transferira a responsabilidade pela criança, o Juízo Deprecante busca, em última análise, a entrega do menor a um abrigo, os autores, visando o melhor interesse da criança, já devidamente inserida no ambiente familiar, com todo o conforto e cuidados de que necessita, propuseram o pedido de guarda provisória, sob o argumento de que já a exercem de fato, desde o quinto dia de vida do bebê.

Sustentam que ao receber o menor, em seu quinto dia de vida, perceberam que jamais havia tomado sequer um banho, pois continha gordura em sua pele e seu umbigo estava infeccionado, tamanha a sujeira ali depositada. Dessa forma, imediatamente promoveram baterias de exames para levantar seu quadro clínico e prover todas as suas necessidades, tudo para possibilitar "o seu pleno desenvolvimento salutar, social, e intelectual" (fl. 12).

Por fim, asseveram que "a finalidade precípua da guarda é regularizar situação de fato existente, permitindo à criança melhor assistência, em todos os aspectos" (fl. 15), pugnando, portanto, para que lhes seja deferida a guarda provisória e a responsabilidade sobre o menor M. A. A.

Promoção do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (fl. 50): oficiou o Parquet pelo deferimento da guarda provisória do infante em favor do casal, eis que com eles se encontra praticamente desde o seu nascimento.

Manifestação dos autores (fls. 53/57 e 61/67): porquanto intimados pelo Juízo Suscitado, para "entregar o menor M(...) A(...) A(...), no Conselho Tutelar de Cachoeira Paulista, no prazo de 5 dias" (fl. 56), para aquela cidade se deslocaram, no intuito de promover quaisquer esclarecimentos que se fizessem necessários e buscar a melhor solução para o bem estar da criança, ressaltando apenas a situação de risco a que o menor estaria sujeito, acaso entregue aos pais biológicos.

Todavia, tomados de assalto, ao chegarem ao Fórum, relatam que foram obrigados, em viatura da polícia, a entregar o menor, M. A. A., que com eles já estava há quase 3 meses, no abrigo Berço da Redenção, naquela cidade. Mencionam ser importante relembrar que o bebê "é fruto de um relacionamento extraconjugal de ambos os seus genitores e que foi tratado como moeda de troca pela mãe e pelo seu companheiro desde o início da gestação" (fl. 65).

Alegam que o abrigo onde o menor se encontra só aceita visitação aos domingos, o que lhes impede de manter o contato diário que antes vinham tendo com a criança. Buscam amparo na nova Lei de Adoção, que traz como uma das principais inovações, a ampliação do conceito de família, concedendo prioridade para adotar aos parentes próximos ou àqueles que tenham estabelecido vínculo com o menor a ser adotado.

Pleiteiam, por fim, a imediata concessão da guarda provisória em seu favor, tudo com base no melhor interesse da criança, face à retirada forçada do menor dos seus braços, justamente quando estes se prontificaram, voluntariamente, a comparecer perante o Juízo de Cachoeira Paulista para apresentar o bebê, demonstrando que estavam cuidando bem da criança e que se colocavam à disposição para qualquer esclarecimento.

Processo que tramita perante o Juízo Suscitado - Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista - SP.

Pedido de providências perante o Juízo Suscitado (fls. 69/70): deduzido pelo Conselho Tutelar de Cachoeira Paulista, com base em relatos de agentes de saúde do bairro em que residia a mãe do menor, M. S. A. A.

Informam que a jovem, de 23 anos, à época no 7º mês de gestação, foi despejada por falta de pagamento de aluguel, em habitação que já não contava com serviços de água, luz e esgoto. Mudou-se, então, para uma casa em situação ainda mais precária, em um "matagal", a menos de 3 metros de um esgoto a céu aberto.

Consta do relato a negligência da mãe para com os filhos, que andam pelas ruas sem alimentação, sujos e, muito embora matriculados em creche local pelo próprio Conselho Tutelar, não foram levados pela mãe, o que ocasionou a perda das vagas.

Afirma ainda que, solicitado ao Programa Social de Família - PSF que fizesse o acompanhamento pré-natal da jovem grávida, esta apresentou resistência.

Aduz, o Conselho Tutelar que, em conversa com o pai biológico, P. F. A., este afirmou ser casado pela segunda vez e pai de outros 3 filhos, todos de parceiras diferentes, o que lhe impede, no momento, de assumir a criança, sendo que sua atual mulher já cuida do bebê do casal, com 7 meses, bem como do filho de P. F. A. advindo de outro relacionamento. Segundo afirma P. F. A., a jovem grávida e seu companheiro, viciado em crack, pedem-lhe a todo tempo auxílio monetário e sob a forma de bens materiais, inclusive de consumo, como gêneros alimentícios, entretanto, tudo o que lhes vem sendo ofertado, inclusive por outras pessoas, é trocado por drogas.

Informa, por fim, que P. F. A. demonstrou interesse em zelar pelo seu filho, ao mencionar que "sua parente" poderá dele cuidar enquanto bebê. Pleiteia, o pai biológico, providências do Conselho Tutelar, por não mais suportar a exploração que vem sofrendo por parte da M. S. A. A. e seu companheiro, além das ameaças a que tem sido submetido.

Com base nas circunstâncias descritas, pugna, o Conselho Tutelar, pela tomada de providências, perante o Juízo de Direito da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista-SP.

Promoção do Ministério Público do Estado de São Paulo (fl. 84/85): requer a instauração de pedido de providências, com a determinação imediata de estudo social no núcleo familiar de M. S. A. A.

Relatório social (fls. 90/97): em visita domiciliar, atesta, o assistente social judiciário, que M. S. A. A. vive com seu marido e dois filhos, U., com 7 anos, e C., com 4 anos, em condições precaríssimas de higiene, organização e conservação. A terceira filha do casal, segundo relata a própria mãe, "ficou um tempo abrigada no Berço Redenção, depois foi entregue para Adoção, em Lorena" (fl. 90). Em declaração à assistente social, a então gestante declara que pretende ficar com o filho, "porque não se conforma com o caso da filha C(...) [dada em adoção] (fl. 91).

Em nova visita domiciliar, no dia 23/4/2009, o assistente social judiciário encontrou M. S. A. A. sozinha em casa, a qual declarou que teria sido coagida a entregar o filho ao pai biológico, P. F. A., sendo informada que a criança iria ficar com a tia do genitor. Constou, também, do relato, que teria havido uma denúncia, ao Conselho Tutelar, de que uma vizinha ficaria com a criança, levando-a para a cidade de Pindamonhangaba, porquanto a mãe estaria negociando o filho, tendo sido registrado um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia local, sob n.º 441/09. Por fim, consta do relatório que o menor está com o casal V. D. e M. B. D., e que a mãe, "de livre e espontânea vontade, assinou o Termo de Entrega" (fl. 96).

Manifestação do pai biológico (fls. 112/121): assevera que "procurou há algum tempo, um casal que chama de tios, de nome M(...) e W(...), que na verdade, os são apenas por condições de amizade familiar e consideração (não possuindo vínculo de sangue) para pedir auxílio na tarefa de cuidar o bebê" (fl. 115), os quais, de pronto, manifestaram interesse em ajudar.

Alude que "o marido da Sra. M(...) [mãe do menor] é dependente de drogas, usuário da mais nociva dentre todas, o craque (sic). De fato, não consta prova de que a genitora seja usuária da droga, mas convive dentro de sua casa com o problema, logo, resta cristalino o dano real na educação dos filhos, que crescerão presenciando lamentáveis cenas da maior das degradações humanas" (fl. 118).

Por fim, informa o endereço de V. D. e de M. B. D., em companhia dos quais se encontra a criança, como "prova de boa-fé e objetivando esclarecer todos os conturbados e fantasiosos fatos criados pela Sra. M(...)" (fl. 119).

Audiências (fls. 122/127 e 165/170): com oitiva de testemunhas, sendo que uma delas, V. M. S., afirmou ter ligado para o Conselho Tutelar porque presenciou, por parte da mãe do menor, comportamento "estranho nos cuidados com o bebê, pois ela sacudia a criança e a mandava calar a boca, ainda recém-nascido" (fl. 169).

Por fim, o i. Juiz suscitado determinou, em audiência, a intimação de M. B. D., para que efetuasse a entrega voluntária do menor ao Conselho Tutelar de Cachoeira Paulista, para fins de imediato abrigamento.

Manifestação do pai biológico (fls. 245/249): aduz, de acordo com as provas nos autos, que "o menor foi entregue ao pai no Conselho Tutelar de Cachoeira Paulista, com a anuência explícita da mãe biológica, que ficou ciente que o Requerente, embora comprometido com a promoção do bem estar do menor, entregaria o menor a sua tia para que cuidasse do bebê" (fl. 245). Rechaça veementemente a determinação de "busca do menor, retirando-o de um lar seguro e do cuidado das pessoas que se importaram com ele desde os tenros 5 dias de vida para devolvê-lo a um abrigo, a mercê de sua própria sorte" (fl. 247). Pugna para que seja reconhecida como legítima a entrega do menor pela mãe ao pai e, por consequência, ao casal V. D. e M. B. D., em cujo lar o infante está devidamente acolhido.

Termo de audiência (fl. 249): em que foi determinada e cumprida a entrega do menor, pelo casal V. D. e M. B. D., ao Juízo de Direito da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista, com o seu abrigamento junto ao Berço Redenção.

Manifestação de V. D. e M. B. D., perante o Juízo Suscitante (fls. 251/252): relatam o sofrimento da criança, que, "desde a sua entrega no Berço da Redenção, vem apresentando intestino preso, chorando todas as noites com cólicas e sem dormir, afetando diretamente sua saúde" (fl. 251). Pugnam pela concessão imediata da guarda provisória do menor, "face à retirada forçada do menor dos braços dos Requerentes, justamente quando estes se prontificaram, voluntariamente a comparecerem em Juízo perante a Dra. INOKUT para apresentar o menor, demonstrando que estavam cuidando bem do mesmo e que se colocavam à disposição daquele juízo até o julgamento final do processo e face aos riscos que o menor está correndo afastado do lar e em razão dos prejuízos já existentes à saúde do menor" (fl. 252).

Decisão do Juízo Suscitante (fl. 253): observando que V. D. e M. B. D. prestam toda a assistência necessária ao infante, o i. Juiz de Direito da Infância e Juventude de Joinville - SC, deferiu a guarda provisória em favor do casal.

Manifestação do Juízo Suscitado (fl. 257): despachando no próprio ofício encaminhado pelo Juízo de Joinville em que informa o deferimento da guarda do menor a V. D. e M. B. D, a i. Juíza da Comarca de Cachoeira Paulista assim se manifestou:

"Já existe procedimento nesta Comarca, que é competente para o feito, nos termos do art. 147, I e II, do ECA. Também, não é possível o Abrigo Redenção acatar ordem de outro Juízo, que não seja este, que está sob sua jurisdição. Por fim, não há como este Juízo se submeter à ordem ora encaminhada, tendo em vista a inexistência de relação hierárquica."

Manifestação de V. D. e M. B. D. (fls. 258/262): asseveram que "as atitudes da Promotoria e D. Juíza da Vara Única da Comarca de Cachoeira Paulista, que por duas situações chegou a negar acesso aos autos do procurador devidamente legitimado, apenas o fazendo após protocolo de petição requerendo que fosse certificado pelo cartório a negativa do acesso e as razões para tanto, bem como pela forma hostil, truculenta e agressiva com que recebeu o ofício desta Comarca, de Joinville, demonstram que, decididamente, o que está em voga no caso não é o interesse do menor, mas a sede por uma 'justiça' subjetiva, a ser galgada soterrando o bem maior, para satisfação pessoal da julgadora, que demonstra não aceitar ser questionada, quiçá contrariada" (fl. 261).

Informam que o pequeno M. "permanece abrigado junto com diversas outras crianças, com diversos tipos de problemas e o pior, continua o pequeno M(...) a sofrer cólicas, intestino preso e chorando muito durante as noites longe daqueles com que esteve durante praticamente todo o seu tempo de vida. Porém, em prova inequívoca de abuso e da gravidade da situação, como já possuem a guarda provisória do menor, tendo firmado o respectivo Termo no dia 27 de julho de 2009, são, perante a Lei e o Poder Judiciário, os legítimos e únicos responsáveis pelo menor M(...). Assim sendo, diante da negativa de cumprimento da decisão de fls. 254, o Juízo da cidade Paulista criou situação de difícil definição, pois os Requerentes são responsáveis pelo menor e não podem exercer o seu poder e dever de cuidado" (fls. 262/263).

Manifestação do Juízo Suscitante (fl. 263): determinou a expedição de carta precatória à Comarca de Cachoeira Paulista, reiterando os termos da decisão concessiva de guarda provisória, à fl. 253, bem como para que se proceda à busca e apreensão do infante M. A. A., "uma vez que, mesmo em posse do termo de guarda deferido por este juízo a criança não foi entregue aos autores".

Manifestação do Juízo Suscitado (fl. 272): tomando como base as declarações da mãe biológica do menor, de que "imediatamente após o parto, a criança foi retirada dos braços maternos, somente mediante intensa coação", bem como de que teria havido "pagamento em dinheiro, após a entrega do menor", considerando, ainda, que a criança teria sido "levada de forma irregular para a cidade de Joinvile", fundamenta, o Juízo Suscitado, a sua competência para a instauração do pedido de providências, no quanto disposto no art. 147, incs. I e II, do ECA.

Justifica a retirada do menor do casal V. D. e M. B. D., bem como o abrigamento do infante, em razão do quadro "de supostas coações e existência de pagamentos obscuros, o que poderia caracterizar, inclusive, o delito descrito no art. 238 do ECA".

Por fim, por entender que a decisão proferida pelo Juízo deprecante é conflitante com a proferida pelo Juízo de Cachoeira Paulista, considera inviável o cumprimento da carta precatória.

Parecer do Ministério Público Federal (fls. 281/287): o i. Subprocurador-Geral da República, Maurício de Paula Cardoso, opinou pela procedência do conflito, para que seja estabelecida a competência do Juízo da Vara da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista.

É o relatório.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 108.442 - SC (2009/0194206-4)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

AUTOR: V D E OUTRO

INTERES.: P F A

ADVOGADO: LEANDRO CAMPOS BARROCAS

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JOINVILLE - SC

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CACHOEIRA PAULISTA - SP

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

A controvérsia consiste em definir qual o Juízo competente para processar e julgar ações distintas, que versam a respeito dos interesses de criança.

I. Considerações iniciais.

De início, cumpre esclarecer que, nos autos das duas ações, objeto do presente conflito positivo de competência, distribuídas em Comarcas afetas a Tribunais de Justiça de Estados distintos - Santa Catarina e São Paulo -, não há pedido de guarda deduzido pela mãe ou pelo pai da criança, esta nascida em 17/4/2009, advinda de relacionamento extraconjugal de ambos os genitores, isto é: cada qual é casado com pessoa distinta, com quem possuem família constituída.

O pai biológico, P. F. A., segundo se infere dos autos, não oferece, no momento, condições de ter a criança sob sua guarda, porquanto não detém o consentimento de sua atual mulher para permanecer com o menor.

A mãe, M. S. A. A., por sua vez, muito embora tenha manifestado perante o Juízo o interesse de ter a criança consigo, já foi obrigada, outrora, em razão de sua conduta negligente para com os demais filhos, a conceder um deles em adoção, sendo que o pedido de providências, instaurado perante o Juízo suscitado, tem como única razão de ser a preocupação com o fato de ser colocada no mundo mais uma criança (o quarto filho da mencionada mulher) sem nenhuma perspectiva de futuro, acaso permaneça sob os cuidados da mãe, em lar que não oferece as mínimas condições necessárias aos cuidados de um infante, considerando-se, além de tudo o mais, a presença, no mesmo ambiente em que vivem as crianças, de usuário de substâncias entorpecentes: o companheiro da genitora.

O Juízo suscitante, da Vara de Infância e Juventude de Joinville-SC deferiu a guarda do menor ao casal V. D. e M. B. D., únicos efetivos postulantes de referido pleito perante o Poder Judiciário, os quais mantiveram a criança sob seus cuidados até o momento em que, por sua vez, o Juízo suscitado, da Vara de Infância e Juventude de Cachoeira Paulista-SP, determinou a entrega do menor e sua colocação em abrigo, exatamente no mesmo abrigo em que a outra filha de M. S. A. A., dada em adoção, permaneceu durante determinado tempo.

Justifica, o Juízo suscitado, a decisão que retirou à força, a criança, do seio da nova família, afastando-a do convívio daqueles que dela cuidavam e lhe destinavam todo o amor, carinho e proteção necessários a um bebê recém-nascido, para ser colocado em um abrigo de menores, na pendência de apuração de alegada coação sofrida pela mãe do menor, bem como de suposto pagamento para que a genitora abrisse mão da guarda do filho em favor do pai biológico que, por conseguinte, entregou o bebê ao casal V. D. e M. B. D.

O Juízo suscitante fundamenta o conflito positivo de competência no art. 147, incs. I e II, do ECA, bem como na farta jurisprudência do STJ, sinalizando que, a teor da decisão proferida pelo Juízo suscitado, de Cachoeira Paulista, "os pais biológicos sequer residem mais naquela cidade" (fl. 2).

II. Da conexão e do conflito positivo de competência.

Há conexão entre a ação de guarda ajuizada pelo casal, em Joinville-SC, e o pedido de providências deduzido pelo Conselho Tutelar, em Cachoeira Paulista-SP, porquanto, muito embora configurados dois processos, com partes distintas, ambos versam sobre direitos derivados de um único e só bem a ser protegido e preservado: a própria vida do menor M. A. A. (a sua guarda e os cuidados necessários para seu pleno desenvolvimento, consideradas as condições precaríssimas oferecidas na hipótese de permanecer sob os cuidados da mãe), convergindo no sentido de que seja conferida primazia à tutela dos interesses da criança, tudo conspirando para que os processos sejam reunidos e julgados conjuntamente.

III. Da competência para apreciar e julgar ações que versem sobre interesses de criança.

Para o desenlace deste conflito positivo de competência, em que jaz, na berlinda, interesse de criança, a ser juridicamente tutelado e preservado, acima de todos os percalços, dramas e tragédias de vida porventura existentes entre os adultos envolvidos na lide, deve ser conferida primazia ao feixe de direitos assegurados à pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, com atenção redobrada às particularidades da situação descrita no processo.

A competência para apreciar e julgar ações que versem sobre interesses de criança é a do foro do domicílio de quem exerce a guarda, nos termos do art. 147, inc. I, do ECA, devendo o julgador, sempre atento às peculiaridades da hipótese em julgamento, pautar-se pelo primado da preservação dos direitos do infante.

São exemplos desse entendimento, os seguintes precedentes: CC 92.473/PE, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 27/10/2009; CC 94.897/DF, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJe 2/2/2009; CC 86.187/MG, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe 5/3/2008; CC 54.084/PR, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ 6/11/2006; e CC 62.027/PR, de minha relatoria, DJ 9/10/2006, cuja ementa segue reproduzida:

"Direito processual civil. Conflito positivo de competência. Guarda de menores. Pedido de guarda provisória formulado pelo pai perante a Justiça do Paraná. Ação cautelar de busca e apreensão ajuizada pela mãe perante a Justiça do Mato Grosso. Primazia a ser conferida aos interesses das crianças. Particularidades do caso concreto.

- Considerada a condição peculiar da criança como pessoa em desenvolvimento, sob os os contornos dados pelo art. 6º do ECA, os direitos dos menores devem sobrepor-se a qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado.

- A competência para apreciar e julgar ações que versem sobre interesses de menores é a do foro do domicílio de quem exerce a guarda, nos termos do art. 147, inc. I, do ECA, com atenção redobrada às particularidades do caso concreto, sem descurar do primado da preservação dos direitos das crianças. Precedentes.

Conflito positivo de competência conhecido para declarar competente a Justiça do Mato Grosso."

No conflito positivo de competência em análise, em que a guarda provisória foi deferida em favor dos autores, os quais permaneceram com o pequeno praticamente nos seus três primeiros meses de vida, dispensando-lhe todo amor, cuidados e proteção compatíveis com o efetivo exercício da guarda de fato, tendo sido privados da manutenção do convívio, por decisão judicial que determinou o abrigamento da criança em instituição de menores, define-se a competência pelo foro do domicílio daqueles que detêm a guarda, considerando-se, sobretudo, o interesse maior da criança.

É bastante claro que o menor já se encontrava sob a guarda de fato do casal, o qual teve o pedido de guarda provisória posteriormente deferido pelo Juízo suscitante, ainda que, por determinação do Juízo suscitado, tenha sido forçado a entregar a criança, para colocação em abrigo de menores.

Tal ocorre porque, nem o pai, nem a mãe, parecem oferecer, ao menos a princípio, e por motivos diversos, condições para cuidar da criança.

A mãe, sobre a qual pesam suspeitas de tentativa de negociação do bebê com o tráfico local, não apresenta as mínimas condições para cuidar do filho, conforme atestam as evidências contidas nos autos, de que já teria havido a entrega de outro filho para adoção, o qual teria sido "utilizado por terceiros", mediante "aluguel", para caçar esmolas nas ruas, sendo que os outros dois filhos que com a genitora vivem, encontram-se em precárias condições de saúde, alimentação, higiene e de educação, por alegada negligência da mãe, em clara afronta ao art. 5º do ECA.

O pai, por sua vez, não está autorizado pela atual companheira a levar mais uma criança para ser por ela criada, pois esta já cuida de um outro filho dele, advindo de relação diversa. Por isso buscou solução no sentido de entregar o filho para ser cuidado pelos "tios de consideração", autores da ação de guarda.

Cumpre observar, sobretudo, que foram todas essas, as razões que deram azo ao pedido de providências deduzido pelo Conselho Tutelar, em clara demonstração de que pairava insegurança quanto ao ambiente no qual a criança seria inserida, notadamente se mantida sob os cuidados da genitora.

Ainda que diverso fosse o delineamento fático do processo, o exercício da guarda, quando obstado por circunstância levada ao Judiciário para ser restabelecido, não deve ser considerado para efeito de cumprimento do art. 147, inc. I, do ECA, que, além do mais, deve sempre ser avaliado sob o pináculo inafastável do maior interesse da criança.

Sobreleva notar, que, mesmo ao se tratar de ação de guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados. É a criança que deve ter assegurado o direito de ser cuidada pelos pais ou, ainda, quando esses não oferecem condições para tanto, pela família substituta, tudo conforme balizas definidas no art. 227 da CF/88, que seguem estabelecidas nos arts. 3º, 4º e 5º, do ECA.

Assim, a validação dos direitos da criança, que enfeixam todos aqueles inerentes à pessoa humana, deve ocorrer com a presteza necessária, no tempo certo, para que sirva como alicerce de seu desenvolvimento pessoal e salvaguardas de sua integridade, dignidade, respeito e liberdade.

A falta absoluta de estabilidade afetiva, social, material e espiritual, que paira sobre os genitores dessa criança, constitui forte indicativo para que seja ela, ainda que provisoriamente, colocada em família substituta na qual inicialmente inserida e lamentavelmente retirada, sem a necessidade de que, por decisão judicial, pesassem, sobre o resto de sua vida, as marcas indeléveis de ter sido impedida de usufruir, no primeiro ano de vida, do amor, afeto e proteção daqueles que a acolheram e manifestaram o firme propósito de dispensar-lhe todos os cuidados necessários para um pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Sob a egrégora da proteção integral da criança, na defesa da integridade de um bebê, no sentido de impedir que seja criado em ambiente hostil, com um só futuro possível - o caminho das drogas, do tráfico, da violência e da marginalidade - um casal se interpõe e busca, por meio de um gesto de amor, permitir ao infante uma segunda chance, com um venturoso e promissor delineamento. Em sequência, o Poder Judiciário, em um ato surpreendente, determina a busca e apreensão de um ser humano com menos de cem dias de vida, arrancando-o do convívio de amor, carinho e afeição, para jogá-lo em um abrigo de menores, onde, sabemos todos, a esperança nos olhos de tantas crianças, de ter uma família, já nasce morta.

Incumbe, ao Poder Judiciário, com um olhar humano e sensível, defender o lado da esperança na sua expressão mais pura, acenando com a real perspectiva de um futuro mais digno àqueles que estão nascendo sem reais expectativas de consolidação de seus direitos mais básicos.

Em conclusão, com base no melhor interesse da criança, considerando que V. D. e M. B. D. são os detentores da guarda provisória do menor M. A. A., bem como, atenta às peculiaridades da lide, em que os genitores não demonstram ostentar condições para cuidar do infante, e, sobretudo, considerando os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da busca da felicidade, deve ser fixada a competência do Juízo suscitante, para o julgamento das ações que envolvem os interesses do menor, o qual deve ser imediatamente entregue ao casal detentor da guarda.

Forte em tais razões, CONHEÇO DO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA, para o fim de estabelecer como competente o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, para apreciar e julgar as ações circunscritas ao presente conflito, concernentes aos interesses do menor M. A. A., e, por conseguinte, DETERMINAR a imediata expedição de mandado de entrega do menor M. A. A. ao casal V. D. e M. B. D., detentor da guarda provisória da criança.

Determino, outrossim, a expedição de ofício ao Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Cachoeira Paulista - SP, com cópia do inteiro teor deste voto, para plena ciência do quanto decidido pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2009/0194206-4 CC 108442 / SC

Números Origem: 192009 38090230547 742009

EM MESA JULGADO: 10/03/2010

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. WASHINGTON BOLIVAR DE BRITO JUNIOR

Secretário
Bel. RICARDO MAFFEIS MARTINS

AUTUAÇÃO

AUTOR: V D E OUTRO

INTERES.: P F A

ADVOGADO: LEANDRO CAMPOS BARROCAS

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE JOINVILLE - SC

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE CACHOEIRA PAULISTA - SP

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Guarda

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, conheceu do Conflito de Competência e declarou competente o Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de Joinville - SC, o suscitante, com a expedição imediata de mandado de entrega da criança à família substituta, independentemente de trânsito em julgado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília, 10 de março de 2010

RICARDO MAFFEIS MARTINS
Secretário

Documento: 952077 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 15/03/2010




JURID - Processo civil. Direito da Criança e do Adolescente. [29/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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