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quinta-feira, 1 de abril de 2010

JURID - Obrigação de fazer: Tratamento [01/04/10] - Jurisprudência


Paciente terá tratamento pulmonar gratuito.
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JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO NATAL

"DESEMBARGADOR MIGUEL SEABRA FAGUNDES"

Obrigação de Fazer/Não Fazer (Cominatória) nº 001.09.016513-7
Autor: Denise de Oliveira Ribeiro

Advogado: Cláudia Carvalho Queiroz - Defensora Pública
Réu: Estado do Rio Grande do Norte
Procurador: Francisco de Sales Matos


EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. PACIENTES PORTADORES DE ENFERMIDADE GRAVE. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SITUAÇÃO COMPROVADA. DEVER DO ESTADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

I - O direito à saúde é protegido constitucionalmente, devendo ser garantidas pelo Estado, as ações atinentes e necessárias à sua promoção.

II - Constatada a grave doença da parte autora e a necessidade de receber a medicação, conforme prescrição médica, há que se assegurar efetividade ao direito à saúde, que, além de ser inerente à própria dignidade da pessoa humana, encontra-se previsto em diversas oportunidades na Carta Magna.

III - Procedência do pedido.


I - RELATÓRIO

Trata-se de Obrigação de Fazer/Não Fazer (Cominatória) ajuizada por Denise de Oliveira Ribeiro, qualificado na inicial e devidamente representado por advogado, em face do Estado do Rio Grande do Norte, igualmente qualificado, aduzindo, em síntese, ser portador de doença grave, qual seja, "DISPINÉIA CRÔNICA COM ALTERAÇÕES PULMONARES E COMPROMETIMENTO CARDIACO", necessitando de uso contínuo do medicamento denominado "SILDENAFIL - VIAGRA 500MG". Não alcançou a sua distribuição gratuita e não dispõe de recursos financeiros para arcar com o alto custo do tratamento; procurou assistência junto a UNICAT, contudo, não obteve êxito. Ao final, pugnou pela procedência da pretensão, para deferimento da medicação vindicada. Pediu, igualmente, os benefícios da assistência judiciária gratuita.

Este juízo deferiu a medida antecipatória de mérito.

Devidamente citado, o demandado ofertou contestação, argüindo, em sede de preliminar, a incompetência absoluta do juízo, em face do chamamento ao processo da União e do Município de Natal, para a compor o polo passivo da relação processual; suscitou o princípio da conveniência no tratamento médico, ao aduzir que o paciente não tem o direito de escolher o tratamento que lhe entenda mais adequado, sem a devida comprovação, a teor do art. 333, do CPC; por último, sustenta que a pretensão do autor viola o princípio da legalidade orçamentária. Ao fim, pediu a revogação da decisão antecipatória de mérito, bem assim, a improcedência da pretensão inicial e, alternativamente, pela possibilidade de definir o tratamento a ser dispensado, após ser desempenhada avaliação pericial médica no autor, em caso de procedência.

Peticiona a requerente lhe seja fornecido o medicamento BOSENTANA (Tracleer) 62,5 mg com aumento de dosagem para 125mg.

O Ministério Público opinou pela procedência do pedido.

É o relatório. Decido.


II - FUNDAMENTOS

Inicialmente, convém registrar que o processo admite a hipótese de julgamento antecipado, vez que a questão de mérito é unicamente de direito e não há necessidade de produção de outras provas. A parte autora já apresentou elemento técnico, através dos atestados médicos de fls., em que se declara a necessidade de fornecimento da medicação prescrita. Por outro lado, não há, por parte do réu, nenhum dado técnico que suscite a necessidade de designação da prova pericial.

A pretensão inicial tem por escopo o fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento do autor.

Ocorre que o réu deduziu matéria preliminar, sustentando a solidariedade entre União, Estados e Municípios, no tocante à manutenção do Sistema Único de Saúde - SUS, daí porque pediu o chamamento ao processo dos outros entes da federação.

A preliminar suscitada pela parte ré, para que a União e o Município de Natal participem da relação jurídico-processual, na condição de litisconsortes passivos necessários deve ser, de imediato, rejeitada. É que a União, juntamente com os demais entes federados, têm responsabilidade solidária quando o direito em discussão é a saúde. Esta relação, contudo, não impõe a aplicação da regra processual denominada de chamamento ao processo.

Trata-se, pois, de questão atinente à solidariedade e diz respeito à possibilidade da parte autora demandar apenas contra um, ou mesmo os três entes na mesma ação. Mas esta faculdade jamais se eleva à obrigatoriedade, não prevista em lei, de se compor a relação processual com os três entes, necessariamente.

Este, inclusive, é o entendimento firmado pelo o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, conforme decisão:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA DETERMINAR AO ESTADO AGRAVANTE QUE FORNECESSE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO INDISPENSÁVEL À SAÚDE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO, POR DEFEITO NO PÓLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL, SUSCITADA PELO AGRAVANTE. INCLUSÃO DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. REJEIÇÃO. MÉRITO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DOS MEDICAMENTOS PARA A SOBREVIVÊNCIA DO AGRAVADO. INCAPACIDADE PARA PROVER O SEU CUSTEIO. OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO PELO ESTADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. (Agravo de Instrumento com Suspensividade nº 2007.00058-2, 1ª Câmara Cível, Relator: Des. Cláudio Santos, Data:08/05/2007, Publicação: 09/05/2007). (Grifei).

Ainda assim, o que se discute no processo é o direito à percepção de medicamento de alto custo para o autor a não permitir excesso que, em tese, prolongaria o tempo da demanda e reduziria a perspectiva de recuperação do paciente.

Assim, rejeito a matéria preliminar suscitada na contestação.

Cabe, agora, a análise de mérito, cujo ponto central consiste em saber se o autor tem direito a receber, de forma ininterrupta, da parte ré, a medicação requerida na inicial.

O tema da saúde é tratado pela Constituição Federal em alguns de seus dispositivos. Dentre eles, destacam-se os arts. 6º, 23, 196 e 230, cuja transcrição entendo oportuna:

"Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (grifei)

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)"

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifo não pertence ao original).

"Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (grifos não constam do original).

(...)"

Verifica-se, nesse contexto, a preocupação do constituinte em conferir à saúde o status de direito fundamental, significando, com isso, o reconhecimento de seu caráter inalienável e irrenunciável, cabendo ao Poder Público, em qualquer de suas esferas, tomar providências aptas a resguardá-lo de qualquer ameaça ou violação.

Ainda é preciso levar em consideração a efetividade que deve o julgador procurar conferir, por força do próprio texto constitucional, ao tema relacionado à saúde. Nesse sentido, colhe-se decisões do Tribunal de Justiça do Estado, bem assim, de outros tribunais pátrios:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO ATO COATOR, INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. REJEIÇÃO. IMPETRANTES HIPOSUFICIENTE PORTADORES DA DOENÇA DE GUACHER. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. OBSERVÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEVER DO ESTADO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONCESSÃO DA SEGURANCA PARA QUE O ENTE ESTATAL FORNEÇA A MEDICAÇÃO TIDA COMO INDISPENSÁVEL À SUA VIDA E SAÚDE. PRECEDENTES.

- Em sendo dever do Estado garantir a saúde física e mental dos indivíduos e, em restando comprovado nos autos a necessidade dos impetrantes de receberem os medicamentos requeridos, imperiosa a concessão da segurança para que o ente estatal forneça a medicação tida como indispensável à vida e à saúde dos beneficiários." (TJ/RN; MS nº 2004.000743-4; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Rel.: Des. João Rebouças; data do julgamento: 05.10.2005).

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. CÂNCER. DIGNIDADE HUMANA.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. Precedentes: RMS 17449/MG DJ 13.02.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/MG, DJ 07.10.2002.

2. In casu, a impetrante demonstrou necessitar de medicamento para tratamento de câncer, nos termos do atestado médico acostado às fls. 11, o qual prescreve uso interno de Agrilyb.

3. Extrai-se do parecer ministerial de fls. 146, litteris: ainda que não tenha havido recusa formal ao fornecimento do medicamento pela autoridade impetrada, o cunho impositivo da norma insculpida no art. 196, da Carta Magna, aliado ao caráter de urgência e à efetiva distribuição da droga pela Secretaria de Saúde, determinam a obrigatoriedade do fornecimento, pelo Estado do Paraná, da medicação requerida.

4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. Precedente: RMS 17903/MG Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 20.09.2004.

5. Recurso ordinário provido." (STJ; RMS nº 20335/PR; Órgão Julgador: 1ª Turma; Rel.: Min. Luiz Fux; data do julgamento: 10.04.2007).

O Estado tem obrigação de incluir, em seu orçamento, os recursos necessários para a saúde, inclusive para tratamento de doenças das pessoas sem recursos financeiros, notadamente em casos que demandam atendimentos urgentes.

Como vislumbrado na exordial, patente é a impossibilidade financeira da parte autora em arcar com o custo de seu tratamento médico. Tem sua qualificação posta nos autos e à parte ré competiria demonstrar a real capacidade do paciente em adquirir a medicação de alto custo.

Nesta linha, é descabido apreciar a compatibilidade do medicamento solicitado, haja vista que sua prescrição foi ministrada por profissionais médicos habilitados. Conforme ditam o artigo 196 e o 198, II, da Constituição Federal, as ações do poder público com vista à promoção da saúde devem se dar de forma universal e integral, abrangendo a todas as pessoas e suas específicas necessidades. Ademais, o ente público não fez a cabal demonstração da viabilidade na substituição da medicação prescrita por outra de igual efeito.

No presente caso, o autor necessita, com urgência da medicação. E mais, em vistas da frágil situação financeira do requerente, o tratamento da enfermidade referida não pode ser integralmente mantido.


III - DISPOSITIVO

Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, para condenar o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE a fornecer à parte autora, o medicamento denominado "Sildenafil (viagra) 50mg e Bosentana (Tracleer)". Tais prestações devem ocorrer nas doses, quantidades e períodos exatos, prescritos pelo médico, enquanto perdurar a necessidade. Confirmo, desta feita, a antecipação dos efeitos tutela deferida.

Em caso de descumprimento desta decisão, fixo a multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser paga pessoalmente pela autoridade renitente, em favor da parte autora. Tal medida perdurará até o fiel cumprimento obrigacional.

Por fim, condeno o réu no pagamento de honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.

Sentença não sujeita à remessa necessária, frente ao disposto no artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil.

Transitada em julgado, nada sendo requerido, arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal/RN, 22 de março de 2010.


Ana Claudia Secundo da Luz e Lemos
Juiza de Direito



JURID - Obrigação de fazer: Tratamento [01/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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