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segunda-feira, 12 de abril de 2010

JURID - Indenização por dano moral ... [12/04/10] - Jurisprudência


Indenização por dano moral e material. Dengue. Improcedência.

Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Goiás
13ª VARA - JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL

Processo n° 2008.35.00.909299-5
Autor(a): VANDERLAN REIS ABREU
Réus: UNIÃO, FUNASA, ESTADO DE GOIÁS, MUNICÍPIO DE GOIÂNIA



SENTENÇA

Dispensado o relatório. (art. 38 da Lei 9.099/95, c/c o art. 1° da Lei 10.259/2001).

Vanderlan Reis de Abreu pretende indenização por danos moral e material, alegadamente advindos do acometimento de dengue, que lhe teria ocasionado a demissao do emprego que ocupara na empresa Saúde Goiania Ltda.

Fosse analisar o pedido sob o enfoque dos danos oriundos da perda do trabalho (reiteradamente anunciados pelo demandante na exordial, inclusive com a alusão ao prejuízo financeiro que sofreu), causada ou não pela contração de doenga, e a Justiça Federal - aqui presentada pelo Juizado Especial Federal - seria incompetente.

Outrora já haviam STF e TST fixado o entendimento de que a pretensão de se reparar dano ligado a vínculo de emprego deveria ser processada e julgada na Justiça do Trabalho. E por agora o art. 114, I, da CF/88, impondo redação e alcance mais elásticos (conforme EC 45/04), respalda a conclusão com segurança ainda maior: e daquela Justiça especial a atribuição de resolver as pendências que digam respeito a aspectos da relação que envolve o empregado, mesmo que pessoas de direito público se encontrem no polo passivo.

Nao posso, contudo, deixar de enxergar na inicial a dedução de causa de pedir a indicar como autonoma origem do dano - não só a perda do emprego - o acometimento, so por si, da doença transmitida pelo mosquito Aedis aegypti, lastreado pela suposta omissao de entes públicos, alguns a integrar o Poder Executivo Federal. E sob esse angulo e sim da Justiça Federal a competencia para julgar a demanda, pela simples atração ao caso do art. 109, I, da Constituição.

No questionar, porém, não a competência da Justiça Federal, mas a de Órgão seu - o Juizado Especial Federal -, levantou o Estado de Goiás que a Lei 10.259/2001 apenas contempla entre os entes públicos que aqui poderiam litigar a União, as autarquias e as empresas públicas federals. Nao procede a objeção; a jurisprudência já aduziu nao haver impedimento a que Estados e Municipios possam ser demandados no Juizado Federal, nao sendo aplicável a essas hipoteses o art. 3°, § 2°, da Lei 9.099/95. De outro lado, ainda que o dispositivo fosse suficiente ao acolhimento do que levantado pelo Estado de Goiás, haveria norma mais recente a incidir: a novel Lei 12.153/2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, permite que tais pessoas federativas, antes nao referenciadas expressamente, litiguem em Juizado Especial.

Realizada a introduão, serviente a fixar a competência, enfrento as demais preliminares.

Deixo de acolher as ilegitimidades passivas articuladas pela União e pelo Município de Goiânia. Revelam a Constituição e a Lei 8.080/90 atuação conjunta dos entes no implantar o sistema de saúde, cada um exercendo as atribuições que lhes são dirigidas. A alguns é fornecido o dever de atuar no plano normativo e arrecadatório, promovendo a transferência de recursos; a outros, e sem reserva de atribuição, se dá a incumbencia da implantação prática da política pública. A afirmação é suficiente para concluir que ambos os sujeitos de direito público aqui tratados tem legitimidade para figurar como réus em demanda nas quais se questiona a transmissão da dengue.

Excluo, por fim, a FUNASA da lide: os normativos referenciados - v.g,, o Decreto 4.726/2003 - afastam a autarquia do envolvimento concreto no combate à dengue, no que impossível, mesmo que em tese, atribuir-lhe responsabilidade pela contaminação de particular. Daí a procedência da ilegitimidade arguida.

Ao mérito.

A pretensa responsabilidade dos sujeitos encartados no polo passivo surgiria de aventada atuação omissiva no combate a transmissão da dengue. E paira divergência a saber se a responsabilidade estatal por omissão se afina com a modalidade objetiva da responsabilidade civil, ou com a sua confrontante, a espécie subjetiva. De minha parte, firmei convicção(1) de que pouco importa alinhar-se o intérprete a um ou a outro desses enfoques: a escolha entre a modalidade objetiva ou a subjetiva de responsabilidade civil do Estado, quando fundada em ato omissivo, nada mais é do que trabalhar com idênticos elementos, porém, em momentos distintos, a assim gerar semelhante conclusão, em quaisquer dos casos.

Partindo da premissa, que não cabe ou não se deve contestar - porque não haveria sentido prático em fazê-lo -, de que o nexo de causalidade na omissão é juridico, é nexo normativo, fica fácil afirmar que a responsabilidade pelo não agir pressupõe um dever abstrato de atuar, e uma atuação concreta possível. E esse dever abstrato de agir e a atuação concreta possível traduziriam um nexo de causalidade que, em tema de conduta omissiva, passa a ser nexo de evitação. O ente responsável deve agir para evitar o resultado.

Se de responsabilidade objetiva trata a omissão, basta constatar, no piano da conduta, o não agir, ou o agir parcialmente; nada seria investigado quanto a dolo ou culpa. Ficaria para o nexo de causalidade a evidência de que se tivesse o Estado agido de modo diferente (nao se omitindo), segundo o que Ihe era ordenado e o que lhe era possível, o resultado não teria ocorrido. Mas esse agir, segundo o que determinado (pelas normas jurídicas) e consoante o possível, nao traduz outra coisa senão, se centrada a análise na conduta, uma omissão negligente ou impudente: se o ente pode agir e não o faz e porque atuou com culpa, e quiçá com dolo. A responsabilidade passaria a ser subjetiva, mas sem mudanga substancial na análise dos elementos que a compõem; apenas seria deslocado do nexo de causalidade para a conduta o mesmo instituto deixar de agir, quando possível a ação.

Em arremate, a regularidade do servigo, é assim a ausência de culpa ou dolo (ênfase na conduta), se equivalem a afirmar que não foi a omissão estatal a causa do evento, exatamente porque aí não haveria como agir para além do que se agiu (em linguagem que revela o que deve ser juridicamente exigido), nao se podendo, pois, evitar o resultado (ênfase no nexo de causalidade).

De qualquer modo, enxergam doutrina e jurisprudência, no art. 37, § 6°, da CF/88, a fonte da responsabilidade objetiva do Estado. A roupagem há de ser prestigiada, também para a modalidade omissiva: a par de não distinguir expressamente o dispositivo, e ver que resultado diferente nao haverá, desde que a omissão em si e suas consequências sejam na hipótese concreta investigadas.

A proposta na espécie é enfrentar aventada atuação omissiva do Estado no combater o foco do mosquito da dengue, ausência de serviço que teria propiciado a contaminação do autor, no primeiro semestre do ano de 2008.

É dado ao juiz levar em conta no resolver os conflitos as máximas de experiência ou a observação do que ordinariamente acontece, algo a dispensar produção probatória mais específica. O Código de Processo Civil assim o autoriza. Pois não custa muito perceber que o Estado, aqui capitaneado pela União, larga mão, ano a ano, de publicidade educativa de combate a dengue, em rede nacional de TV; não se tem aí conduta no vazio, mas ato que pretende encetar cultura de auxílio no combate às causas da enfermidade.

Certo, a simples publicidade não seria suficiente a afastar conduta ou nexo de causalidade na evitação da doença aqui erigida como propiciadora de dano. De qualquer forma, há elementos documentais insertos no processo de cujo conteúdo é possível extrair terem os entes públicos agido segundo o que lhes era e é normativamente imposto.

Observo em relatório apresentado pelo Municipio de Goiânia a passagem que segue:

"Em 2008, Goiania apresentou 21.934 casos noticados, sendo 94 por dengue hemorrágica, com 23 óbitos. Estes casos aconteceram em todas as semanas epidemiológicas de 2008, com uma concentração dos mesmos da 13ª a 17ª semana, referente aos meses de abril e maio. Antecipando-se a esta situação, todo o trabalho de combate ao mosquito transmissor da Dengue, por meio das equipes de agentes de endemias que acontece durante todos os dias do ano, foi reforgado durante todo o periodo chuvoso (final de 2007 e inicio de 2008). A mobilização popular foi almejada através das reuniões periódicas do Comitê Municipal de Combate à Dengue, das ações realizadas nos Distritos Sanitários de Goiânia envolvendo a comunidade local e por meio de peças publicitárias do Governo Federal e Estadual veiculadas pelos meios de comunicação. Além disso, a mídia local sempre deu destaque às ações implementadas pelo município, chamando a responsabilidade a sociedade como um todo. Além disso, foi tragado um Piano de Redução da Mortalidade por Dengue em Goiânia, que começou a ser implementado ainda em no ano de 2008, que possibilitou a compra de insumos e equipamentos para as unidades 24 hrs, a capacitação dos profissionais no manejo da doença e o envolvimento dos profissionais da Estratégia Saúde da Familia. O monitoramento da doenga foi intensificado em toda a rede de assistencia, com enfoque na investigação dos casos de Dengue Hemorrágica e Dengue com Complicações. Especificamente, com relação ao conjunto Vera Cruz II, do dia 14 de fevereiro até o final de abril, nao só no Conjunto Vera Cruz II, mas também nas adjacências, foram realizadas 2.424 visitas, das quais 513 imóveis ficaram fechadas, destes sendo recuperados posteriormente 139. Foram encontrados 12 focos de mosquito em 11 quadras. Houve aplicação de Ultra Baixo Volume - UVB e bloqueio focal. Foram realizados, também, pesquisa a tratamento de bocas de lobo, sendo encontrados 06 focos. Neste período foram 66 Agentes de Controle de Endemias atuando na região. No Vera Cruz I, que faz limite com o Vera Cruz II, foram visitados, da semana 01 a 20 (02 de Janeiro a 16 de maio de 2008), 6.546 imóveis, sendo que 33 quadras apresentatam focos de mosquitos".

Nao é só. Planilha de gastos relacionados ao combate a dengue veio ao feito, revelando no ano de 2008, no que toca a publicidade, montante empregado pelo Poder Municipal que supera os R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Indicou-se ainda visita familiar de 02 em 02 meses, a traduzir a cifra 1.073.031, de Janeiro a julho de 2008, de onde resultou que 618.777 imóveis receberam aplicação de larvicida, com déficit de 11,39%, motivada porque os domicilios permaneceram fechados.

Os dados juntados pelo Municipio de Goiânia explicitam também redução de pendência, borrificação em pontos estratégicos, atividades de educação em saúde (escolas, creches, ONGs) e a implantação do serviço Disque Dengue.

O Estado de Goiás colaborou com o esclarecimento processual do suporte fático. Em atuação no PECD (Piano Estadual de Controle da Dengue) noticiou, relativamente ao periodo investigado (ano de 2008), quase dois milhões de imóveis visitados em Goiás, no afã de combater o Aedis aegypti; e noticiou em acréscimo o monitoramento contínuo do vírus, o abastecimento de 13 conteineres de nitrogênio líquido para acondicionamento de amostras biológicas, a atualização da Planilha Semanal dos Casos de Dengue, as reuniões formalizadas, a distribuição de manual sobre dengue, a supervisão e assessoria técnica no Município de Goiânia, Trindade, Águas Lindas de Goiás, Luziânia, Rio Verde e Porangatu, a capacitação de agentes de combate às endemias, a capacitação de supervisores nos Municípios de Goiânia e Aparecida de Goiânia, a identificação e a remoção dos criadouros de lixos de risco da estrutura física da SPAIS e realização de palestras para sensibilização e mobilização dos servidores no combate à dengue. Houve outras ações, em quantidade acentuada, todas descritas em Memorando da Secretaria Estadual de Saúde, aqui protocolizado.

E ver, pois, que o Poder Público agiu, com política preventiva e repressiva. Não houve omissão, como assenta a tese da inicial. Se poderia ter agido mais, com eficácia maior, tem-se aí questão que transcende o nexo de evitação na análise da responsabilidade civil buscada. E transcende porque não é o Estado segurador universal, instituto que lhe poria como responsável por qualquer dano advindo a sujeito privado. Instituto que se afinaria com a responsabilidade civil sob a modalidade do risco integral, figura de há muito afastada do cenário jurídico.

Ao contrário, revelado o risco administrativo, cujas balizas foram expostas (responsabilidade subjetiva ou objetiva e os seus elementos na hipótese omissiva), conquanto em toada célere, cabe atribuir ao Estado a causação de eventos danosos segundo um atuar concreto, segundo normas e orçamentos compatíveis com a multiplicidade de deveres que lhe são impostos. O Estado nao é ente abstrato; um sujeito sobrenatural, que tudo pode a todo e qualquer momento. O Estado é ente real, de existência e atuação limitadas pelo ordenamento.

Ora, a saúde é tema encravado no gênero seguridade social. E não é outra norma, senão a própria Constituição, art. 194, que impõe atuação conjunta, do Estado e da sociedade, no assegurar os direitos dela decorrentes.

Os agentes estatais, se em toada isolada, não cumpririam o mandamento constitucional de evitar doenças; a completar-lhes o relevante mister são imperiosos a vida privada, o cotidiano dos hábitos, a evolução da cultura e da educação do povo. E nisso, pouco importa instituir multas para moradores que não permitem a entrada dos fiscais nos domicílios respectivos - medida de duvidosa constitucionalidade -, como fizera certo Município noticiado no feito; o processo deve ser natural, de consciente adesão. De resto, a responsabilidade civil não deve ser buscada em eventos remotos, situados apenas reflexamente na cadeia que gera o resultado; ela e, já o disseram doutrina e jurisprudência, fruto de ação ou omissão direta, ao menos em princípio.

Há precedente sobre o tema:

"ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EPIDEMIA DE DENGUE. 1. Alega a ANACONT, como justificativa para ensejar o dever de a Administração Pública indenizar as famílias das vítimas da dengue, a omissão do Poder Público em erradicar a doença, ao argumento de que a inércia dos entes estatais permitiu, no ano de 2002, a ocorrência da 7ª epidemia de dengue em apenas 15 anos. 2. Assim, "em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade e subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende e a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do servigo, para que seja configurada a responsabilidade" (STJ, REsp nº 888.420/MG), o que nao ocorreu in casu, pelo que impede-se a improcedência do pedido. 3. Agravo retido prejudicado. Apelação desprovida. (TRF-2"Regiao; AC 200251010012509, Desembargador Federal Luiz Paulo S. Araujo Filho, 02/12/2009)".

E ver, de qualquer modo, que a existência de fato especificamente relacionado ao demandante poderia desencadear conclusão diversa da que ora se adota.

Essa moldura, contudo, nao está no processo: não se narrou qualquer evento intimamente ligado às rotinas pessoal e profissional do postulante que pudesse atrair para o Estado o ônus de indenizar a vítima. Aqui, o que se pretende é estabelecer uma responsabilidade genérica dos entes encartados como réus, de aplicação inadmissível.

Uma última palavra. Não estou a dizer que a política estatal de combate aos focos de transmissão da dengue foi e é completa, indene de aprimoramentos.

Estou a assentar apenas que no caso sob enfrentamento houve um atuar do Estado consoante o que lhe era exigível, suficiente a evitar o dano; se concretamente não evitou, descabe daí erigir o nexo de causalidade - ou conduta culposa ou dolosa, se se preferir - , por todas as premissas jurídicas já enunciadas.

Esse o quadro, julgo improcedentes os pedidos.

Sem custas e sem honorarios advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/95).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Goiânia, 22 de fevereiro de 2010.


FLÁVIO MARCELO SÉRVIO BORGES
Juiz Federal Substituto



Notas:

1 - O entendimento foi externado em artigo de doutrina na Revista "Argumento", publicada pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (pp. 176/183). Nao me constranjo em referir-me em sentença a pensamento revelado em sede doutrinaria; nao posso deixar de notar que a reflexao ali deduzida teve origem sobretudo em casos concretos, nem que a conclusao que to mo e justamente a afirmagao de que se adote um ou outro posicionamento a resolucao das hipoteses em julgamento sera identica. [Voltar]



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