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segunda-feira, 12 de abril de 2010

JURID - Direito processual penal. Recurso extraordinário. [12/04/10] - Jurisprudência


Direito processual penal. Recurso extraordinário. Alegações de prova obtida por meio ilícito, falta de fundamentação.

Supremo Tribunal Federal - STF

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência

DJe nº 30 Divulgação 18/02/2010 Publicação 19/02/2010

Ementário nº 2390 - 3

01/12/2009 SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.523 SANTA CATARINA

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

RECTE.(S): CÉSAR AUGUSTO GALLON

RECTE.(S): ARI VELOSO DOS SANTOS

RECTE.(S): IRANI DE JESUS DA SILVA

RECTE.(S): VILSON ANTÔNIO BRUNELLO

ADV.(A/S): RAFAEL DE ASSIS HORN

RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÕES DE PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PUBLICO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, IMPROVIDO.

1. O recurso extraordinário busca debater quatro questões centrais: a) a nulidade do processo em razão da obtenção de prova ilícita (depoimentos colhidos diretamente pelo Ministério Público em procedimento próprio; gravação de áudio e vídeo realizada pelo Ministério Público; consideração de prova emprestada); b) invasão das atribuições da polícia judiciária peio Ministério Público Federal; c) incorreção na dosimetria da pena com violação ao principio da inocência na consideração dos maus antecedentes na fixação da pena-base; d) ausência de fundamentação para o decreto de perda da função pública.

2. O extraordinário somente deve ser conhecido em -relação às atribuições do Ministério Público (CF, art. 129, I e VIII), porquanto as questões relativas à suposta violação ao principio constitucional da presunção de inocência na fixação da pena-base e à suposta falta de fundamentação na decretação da perda da função pública dos recorrentes, já foram apreciadas e resolvidas no julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

3. Apenas houve debate na Corte local sobre as atribuições do Ministério Público, previstas constitucionalmente. O ponto relacionado à nulidade do processo por suposta obtenção e produção de prova ilícita á luz da normativa constitucional não foi objeto de debate no acórdão recorrido.

4. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que "o debate do tema constitucional deve ser explícito" (RE 428.194 AgR/MG, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 28.10.2005) e, assim, "a ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza - ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica - a utilização do recurso extraordinário" (AI 557.344 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mel)o, 2ª Turma, DJ 11.11.2005).

5. A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância entorpecente e a associação para fins de tráfico.

6. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do caso em teia. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosas, mas também a formação da opinio delicti.

7. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parques a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embalar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.

8. Há principio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parques em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embacem a denúncia.

9. Levando em consideração os dados Táticos considerados nos autos, os policiais identificados se associaram a outras pessoas para a perpetração de tais crimes, realizando, entre outras atividades, a de "escolta" de veículos contendo o entorpecente e de "controle" de todo o comércio espúrio no município de Chapecó.

10. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer, em parte, do recurso extraordinário e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora.

Brasília, 01 de dezembro de 2009.

Ellen Gracie - Presidente e Relatora

01/12/2009 SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.523 SANTA CATARINA

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

RECTE.(S): CÉSAR AUGUSTO GALLON

RECTE.(S): ARI VELOSO DOS SANTOS

RECTE.(S): IRANI DE JESUS DA SILVA

RECTE.(S): VILSON ANTÔNIO BRUNELLO

ADV.(A/S): RAFAEL DE ASSIS HORN

RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de recursos extraordinários interpostos contra julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que deu parcial provimento ás apelações dos recorridos. O acórdão ficou assim ementado (fls. 1.412/1.415):

"PROCESSO PENAL - PERÍCIA DA DROGA REALIZADA POR AMOSTRAGEM - APREENSÃO DE GRANDE QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - INTELIGÊNCIA DO ART. 40, § 2º, DA LEI Nº 6.368/76 - EXAME PERICIAL ASSINADO POR DOIS PERITOS OFICIAIS - REQUISITOS DO ART. 159, DO CPP PREENCHIDOS - VALIDADE DO LAUDO - NULIDADES INEXISTENTES - AUSÊNCIA DE - PREJUÍZO - CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE - EXAME DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA - RÉU QUE NEGA DEPENDÊNCIA - DESNECESSIDADE - PREFACIAL REPELIDA.

Quando se tratar de apreensão de grande quantidade, ou apreensão de substância na sua totalidade, pode a autoridade policial recolher, apenas, porção suficiente para o exame pericial, sendo perfeitamente licito o exame feito por amostragem.

Se o acusado afirma que não se considera dependente de drogas, inexiste nulidade na não realização do exame de dependência toxicológica.

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - MACONHA - TRANSPORTAR E ADQUIRIR - INVESTIGAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - CONFISSÃO DE DOIS CO-RÉUS PERANTE TRÊS PROMOTORES DE JUSTIÇA E NA CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL - NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO DE OUTRO PARCEIRO - DEPOIMENTO DE POLICIAIS E DE OUTRAS TESTEMUNHAS, AFIRMANDO A MERCANCIA DA DROGA E DANDO CONTA DO ENVOLVIMENTO DE TODOS NO COMÉRCIO ILÍCITO - VALIDADE - ART. 37, DA LEI Nº 6.368/76 - ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO E CRIME IMPOSSÍVEL PELO COMPARSA - INOCORRÊNCIA - ABSOLVIÇÃO IMPROCEDENTE - CONDENAÇÃO MANTIDA.

As confissões extrajudiciais dos réus (retratadas sem fundamento e comprovação), com amparo no conjunto probatório colhido em juízo, bem como os depoimentos dos policiais que efetuaram o flagrante e de outras testemunhas, insuspeitos e seguros, são elementos que não podem ser desprezados.

Comete o crime do art. 12, da Lei nº 6.368/76, não só o agente que faz o transporte da droga, como o encarregado da distribuição e venda.

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA - POLICIAIS CIVIS ACUSADOS DE CONTRIBUIR DE QUALQUER FORMA PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 12, § 2º) INC. III, DA LEI Nº 6.368176) - CO-AUTORIA - DECLARAÇÕES DOS CO-RÉUS RECEPCIONADOS POR TESTEMUNHAS QUE CONFIRMAM A PARTICIPAÇÃO NA DIVISÃO E USO DO ESTUPEFACIENTE - VALIDADE - VÍNCULO PSICOLÓGICO DEMONSTRADO - CONDENAÇÃO CONFIRMADA.

"Mostra-se fundamentado o provimento judicial quando há referência a depoimentos que respaldam delação de co-réus. Se de um lado a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas" (STF).

Deve ser mantida a condenação por crime de tráfico de entorpecentes se a responsabilidade criminal dos policiais civis, que acobertavam a atividade ilícita, é confirmada, não só pelos depoimentos dos co-réus, mas, também, pelas palavras dos policiais militares que realizaram as investigações e outras testemunhas que confirmam o envolvimento deles na atividade ilícita, como pelas inconsistentes versões apresentadas, sem qualquer conteúdo de verossimilhança, gerando fortes e intransponíveis indícios de que contribuíam para o delito.

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA - ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA - ESTABILIDADE ENTRE SEUS MEMBROS DEMONSTRADA - EXCLUSÃO - INADMISSIBILIDADE - POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME - PRECEDENTES DO STJ.

Comprovando-se que os réus utilizavam .sempre o mesmo procedimento para prática de crime de tráfico ilícito de entorpecente, caracterizado está o delito previsto no art. 14, da Lei nº 6.368/76.

"A regra proibitiva da progressão de regime prisional, prevista no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, refere-se, tão somente, ao tráfico de entorpecentes, não alcançando, portanto, o delito de associação. Assim, estribado em sólida jurisprudência desta Corte e do Pretório Excelso, em -tais casos, a progressão é perfeitamente viável" (HC nº 16148/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 02.09.2002, p. 210).

PENAL CRIMINAL FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - MAUS ANTECEDENTES CRIMINAIS E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA - POSSIBILIDADE - POLICIAL CIVIL - ABUSO DA FUNÇÃO PÚBLICA (LEI 6.368/76, ART. 18, INC. II) - REPRIMENDA BASE DO CO-RÉU APLICADA NO MÍNIMO LEGAL REDUÇÃO -- IMPOSSIBILIDADE - RECONHECIMENTO DA DELAÇÃO PREMIADA NA TERCEIRA FASE - DOSIMETRIA CORRETA.

Não têm direito á fixação da pena no mínimo legal os acusados que possuem culpabilidade acentuada, revelada pelo comércio e transporte de grande quantidade de drogas.

O legislador ordinário, ao estabelecer causa especial de aumento em razão da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, com abuso da função pública, quis punir mais severamente aquele que possui o dever de combater a criminalidade. Assim, o fato de o acusado ser policial não pode servir, na primeira fase da dosimetria, para aumentar a pena base em razão de causa de caráter pessoal, sob pena de bis in idem. Nada impede, contudo, que incida sob as circunstâncias de caráter externo, tais' como as conseqüências do crime.

POLICIAIS CIVIS - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - REPRIMENDA SUPERIOR A 04 ANOS - INCIDÊNCIA DO EFEITO SECUNDÁRIO DA CONDENAÇÃO - PERDA DE FUNÇÃO PÚBLICA - EXEGESE DA NOVA REDAÇÃO DO INCISO I DO ART. 92 DO CP, DADA PELA LEI Nº 9.268/96 - DECISÃO DEVIDAMENTE MOTIVADA - SANÇÃO MANTIDA - RECURSOS PROVIDOS PARCIALMENTE".

Narram, os recorrentes, que foram denunciados com outras pessoas como incursos nas sanções dos arts. 12, caput, e § 2º, III, c.c. 14 e 18, II, todos da Lei nº 6.368/76, sendo que foram condenados às penas de 9 (nove) anos de reclusão e multa, além da perda da função pública.

Sustentam que o acórdão do Tribunal de Justiça contrariou os arts. e 5°, LIII, LIV, LV, LVI e LVII , 129, I, VI e VIII, 144, § 1º, I e IV e § 4º e 93, IX, todos da Constituição Federal.

Informam que foram colhidos depoimentos diretamente pelo Ministério Público, além de ter sido feita gravação clandestina unilateralmente pelo Parques, sendo ainda consideradas provas emprestadas (testemunhos prestados na Corregedoria da Polícia Civil), sendo provas ilícitas diretamente ou por derivação.

Esclarecem que o Ministério Público não tem atribuição para instaurar inquérito policial, eis que apenas a Polícia Judiciária pode fazê-lo. Houve usurpação das atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público. Alguns co-denunciados e testemunhas foram ouvidas à margem da instrução processual, A testemunha Volmir da Silva foi ouvida pelo representante do Ministério Público na presença do juiz sentenciante, sendo prova ilícita.

Consideram que a fita de áudio e vídeo também constitui prova ilícita, eis que contém depoimentos colhidos pessoalmente pelo Promotor de Justiça no seu gabinete. A fita sequer foi periciada, sendo que houve retratação dos depoimentos prestados. Da mesma forma, entendem que a prova emprestada não é prova lícita, eis que colhida em processo com partes distintas, ferindo o contraditório e a ampla defesa.

Aduzem que, na aplicação da pena, houve incorreta consideração de maus antecedentes, violando o principio constitucional da presunção de inocência, Não houve fundamentação idônea para o decreto da perda da função pública dos recorrentes, bem como em relação à necessidade da manutenção de suas prisões após a sentença.

Assim, requerem o provimento do recurso para o fim de ser reformado o acórdão recorrido, com o trancamento da ação penal, ou alternativamente com a determinação de desentranhamento das provas ilícitas e emprestadas, com a exclusão da pena de perda da função pública e, finalmente, com a revogação das prisões cautelares.

2. Houve apresentação de contra-razões pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no sentido de não ser admitido o recurso (fls. 1.994/2.003).

3. Decisão que admitiu o recurso extraordinário (fls. 2.008/2.009).

4. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso especial interposto contra o acórdão da Corte local, deu-lhe parcial provimento para o fim de cassar o acórdão e anular a sentença na parte da fixação da pena-base e de perda da função pública (fls.2.242/2.253).

5. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no sentido do improvimento do recurso (fls. 2.334/2.348).

É o relatório.

VOTO

A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. O recurso extraordinário busca debater quatro questões centrais: a) a nulidade do processo em razão da obtenção de prova ilícita (depoimentos colhidos diretamente pelo Ministério Público em procedimento próprio; gravação de áudio e vídeo realizada pelo Ministério Público; consideração de prova emprestada); b) invasão das atribuições da polícia judiciária pelo Ministério Público Federal; c) incorreção na dosimetria da pena com violação ao principio da inocência na consideração dos maus antecedentes na fixação da pena-base; d) ausência de fundamentação para o decreto de perda da função pública.

Reconsidero o despacho que havia determinado a suspensão do processo, eis que a matéria relacionada aos poderes investigatórios do Ministério Público ainda não foi definitivamente apreciada pelo Pleno desta Corte, não sendo possível a suspensão indefinida do processamento da causa.

Aproveito para transcrever trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República, que bem pontuou a parte do recurso extraordinário que restou prejudicada em razão do julgamento do recurso especial pelo STJ, bem como a outra parte que não deve ser conhecida (fls. 2.340/2.342):

"Inicialmente, verifico que este recurso está prejudicado na parte em que refuta a aplicação da pena e perda do cargo público pelos recorrentes, já que o apelo especial foi provido em relação a esses pontos, sendo determinado novo cálculo da pena-base e a fundamentação da medida prevista no art. 92, inciso Ido CP.

Resta analisar, assim, as alegações relativas às provas utilizadas no processo.

Antes de entrar no exame do mérito, ressalto que o presente recurso preenche os requisitos de adequação, legitimidade, interesse e tempestividade. No tocante ao prequestionamento, contudo, observo que o Tribunal a quo limitou-se a analisar o art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal, não manifestando, de forma expressa, qualquer posicionamento sobre os demais dispositivos tidos por violados (art. 5º, incisos LIII e LVII e art. 144, § 1º, incisos I e IV e § 4º). De acordo com a Jurisprudência desse Eg. Supremo Tribunal Federal, a questão constitucional há deter sido posta á decisão da Corte e por essa decidida (trecho do voto proferido pelo Min. Carlos Velloso ao examinar o AI 488817 AgR/SP, DJ de 03.09.2005).

Assim, é de todo impertinente, por ausência de prequestionamento, conhecer do extraordinário por negativa de vigência aos arts. 5º, incisos LIII e LVII e 144,§ 1º, incisos I e IV e § 4º. Por isso, e seguindo a linha de entendimento desse Eg. Tribunal, concluo que este apelo extraordinário deve ser conhecido apenas no tocante á suposta violação ao art. 129, incisos I e VIII da Constituição Federal, dispositivos que foram efetivamente debatidos no acórdão recorrido, à fl. 1427 (vol. 8).

2. Registro que, efetivamente, o extraordinário somente deve ser conhecido em relação às atribuições do Ministério Público (CF, art. 129, I e VIII), porquanto as questões relativas à suposta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência na fixação da pena-base e à suposta falta de fundamentação na decretação da perda da função pública dos recorrentes, já foram apreciadas e resolvidas no julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça.

Remanesceria, apenas, as outras duas questões indicadas no inicio deste voto - nulidade do processo por obtenção de prova ilícita e falta de atribuição do Ministério Público para promover atos de investigação criminal -, sendo que, no entanto, apenas houve debate sobre as atribuições do Ministério Público, previstas constitucionalmente. O ponto relacionado à nulidade do processo por suposta obtenção e produção de prova ilícita à luz da normativa constitucional, com efeito, não foi objeto de debate no acórdão recorrido.

Esta Corte já se pronunciou no sentido de que "o debate do tema constitucional deve ser explícito " (RE 428.194 AgR/MG, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 28.10.2005) e, assim, "a ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que. emanou o acórdão impugnada, não autoriza - ante a falta de preguestionamento explícito da controvérsia jurídica - a utilização. do recurso extraordinário" (AI 557.344 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2 Turma, DJ 11.11.2005).

3. Assim, as argüições de violação aos princípios e garantias do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, evidentemente, tocam em temas de natureza infraconstitucional, não havendo que se cogitar de afronta direta às normas constitucionais apontadas. A esse respeito, o recurso extraordinário sequer merece ser conhecido.

4. Remanesce a questão afeta à possibilidade de o Ministério Público promover procedimento administrativo de cunho investigatório e o possível malferimento da norma contida no art. 129, I e VIII, da Constituição Federal.

Considero oportuna a transcrição dos seguintes trechos da manifestação da Procuradoria-Geral da República a respeito de tal questão (fls. 2.342/2.347):

" O conjunto probatório deixou claro que os recorrentes, todos policiais civis, estavam associados para a prática de tráfico ilícito de entorpecentes na cidade de Chapecó/SC. César Augusto Gallon mantinha sociedade permanente com Telmo Ramos (co-denunciado), Irani de Jesus da Silva, Vilson António Brunello e Ari Veloso dos Santos (os três últimos são ora recorrentes), afim de auferir lucros e dividendos comuns oriundos do comércio de drogas, mediante facilitação proveniente da condição de agentes públicos.

O Tribunal a quo reconheceu que o Ministério Público ouviu depoimentos de testemunhas, os quais foram essenciais ã descoberta dos fatos, como se extrai do trecho a seguir (fls. 1.432/1.433):

Em período antecedente à prisão dos acusados, apareceu na Promotoria de Justiça, o Sr. Volmir da Silva, dizendo que seu filho, Altamir da Silva estaria envolvido com entorpecentes e queria uma orientação, esclarecendo que ele, seu referido filho, não tinha condições financeiras para manter o vicio, e, esporadicamente, efetuava pequenas vendas de drogas, motivando o órgão ministerial a tomar o depoimento de Altamir.

Então, no dia 06.11.01, Altamir informou que fazia transporte para um traficante conhecido por Telmo e que um policial gordão, com a alcunha de "Gallon", protegia e auxiliava na distribuição da erva proibida. Diante de tais informações, o órgão -ministerial solicitou ajuda da grupo de operações especiais (P2) para, em conjunto, averiguarem a veracidade da delação (...)

Todavia, durante as investigações, nada constataram, o que levou os policiais militares a desconfiarem que o informante Altamir da Silva apenas se infiltrou para descobrir a operação da P2 (que uma semana antes havia apreendido 38 quilos de droga), por isso, não mais o acompanharam.

Em 15.11.01, por volta das 04:00h, Marcos Antônio dos Santos e Altamir da Silva pegaram o táxi Ford/Fiesta, placas MBB - 2753, na rodoviária de Chapecó e, quando se deslocavam para um novo ponto de encontro, foram flagrados pelos policiais militares Tenente Maurício Gonçalves Veríssimo e soldados Marcos Correia Soares e Marcos António dos Santos, os quais abordaram o veiculo e, após revista pessoal e buscas no automóvel, lograram apreender 07 (sete) 'tijolos de maconha, envoltos em plástico com fita adesiva, acondicionados no interior de uma sacola azul, totalizando 10.600 kg (dez trilos e seiscentos gramas), oportunidade em que foram conduzidos à Delegacia de Polícia Federal, onde restaram autuados em flagrante'.

Diante dessa situação, no dia 16.11.01, o Ministério Público chamou Altamir da Silva e, na presença de três Promotores de Justiça, colheu novo depoimento, confirmando que o material tóxico apreendido era aquele narrado anteriormente, ou seja, destinava-se ao traficante Telmo Ramos, com a proteção da policia civil, mais precisamente do agente público conhecido por "Gallon ", e nunca imaginou que seriam presos. Desta forma, foi decretada a prisão preventiva de Telma Ramos e César Augusto Gallon. Com a oitiva de outras testemunhas, restou evidenciada, também, a participação dos policiais Irani Jesus da Silva, Vilson António Brunello e Ari Veloso do Santos, na associação criminosa destinada ao tráfico de substâncias entorpecentes em Chapecó, inclusive, aquela droga apreendida com Marcos e Altamir".

A atuação do Ministério Público junto com a Policia Militar, como visto, deu-se em razão de depoimentos apontando que policiais civis estariam envolvidos na difusão de entorpecentes no Estado, 'sendo que, a partir da delação de Altamir ao Promotor de Justiça daquela Comarca e posterior abordagem dele e Marcos, ocorrida no dia 15.11.01, desvendou-se a associação criminosa entre os acusados, culminando com a prisão e apreensão do material tóxico' (fl. 1434).

As razões recursais tenham invalidar os depoimentos do co-réu Telmo Ramos (fl. 97), das testemunhas José Alberi dos Santos (fl. 99), Joel de Araújo (fl. 100), M.C. (fls. 102/103), L.D.A. (fls. 490), Jair de Almeida (fl. 104), Vítor Antônio Prade (fls. 487/488), Juliano Seabra (fl. 489) e Volmir da Silva (fls. 616/617), alegando que foram obtidos de modo ilícito.

Esses depoimentos foram colhidos pelo Ministério Público, e serviram apenas para confirmar as provas produzidas regularmente durante a instrução criminal. A sentença não se baseou apenas em tais depoimentos para condenar os recorrentes, pautando-se, também, em outros colhidos em juízo. Apesar de o recurso tentar desqualificar tais provas, afirmando que são pessoas envolvidas com o tráfico de drogas, entendo que tal argumento não deve prosperar. No acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça local destacou que Altamir da Silva, Marcos Antônio dos Santos, André Luiz Valentim, Joel de Araújo e o policial José Alberi dos Santos, entre outros, gamais foram presos pelos apelantes. Portanto, os depoimentos de tais pessoas são íntegros e incensuráveis. A remota possibilidade de alguma inimizade com qualquer dos acusados não têm a força de retirar o valor probandi do plexo de provas carreado aos autos' (fl. 1.431 vol. 8).

Ao contrário do que sustenta a defesa, não é vedado ao Ministério Público realizar investigações, mormente quando integrantes da Polícia estão envolvidos nos crimes.

Com efeito, os arts. 4º do CPP e 144, inciso IV e § 4° da CF/88 conferem à Policia Judiciária a atribuição de exercer a atividade estatal de investigação e coleta de dados, visando eventual oferecimento de denúncia. Essa atribuição, contudo, não é exclusiva das autoridades policiais, pois o mesmo dispositivo da Constituição nada menciona no sentido de restringir essa atividade, havendo outras formas de apuração, com as CPIs. O legislador não pretendeu subtrair do Ministério Público a possibilidade de também colher, por investigação, elementos necessários à formação da opinio delicti, mesmo porque ele é titular da ação penal e destinatário final das investigações.

Acentuam também o poder investigativo do Ministério Público as normas constitucionais que tratam especificamente desse órgão, seja porque tal poder é compatível com sua _finalidade e com a propositura da ação penal pública (art. 129, inciso I, c/c incisos VI, VII e VIII, da CF, e disposições do art. 8º e seguintes da Lei Complementar 75/93), seja porque tal múnus (a investigação) consubstancia 'outras funções que lhe sejam conferidas', de que trata a primeira parte do inciso IX do art. 129 da CF.

O direito de propor a ação penal conferido ao Ministério Público não lhe garante apenas a possibilidade de provocar o Judiciário mediante oferecimento de denúncia. Mais do que isso, este órgão tem o direito/dever de procurar elementos que conduzam à verdade real, reunindo provas que possam efetivamente influir no veredicto final.

Não é razoável defender que a repressão ao crime fique na total dependência da atividade investigatória da Polícia, o que, sem dúvida, comprometeria o êxito da jurisdição criminal, mormente quando há envolvimento` de policiais - como no caso - circunstância que, fatalmente, dificulta o esclarecimento dos fatos. In casu, é indiscutível a influência dos recorrentes, que se aproveitaram de suas funções para facilitar as práticas criminosas, como se infere do seguinte trecho do acórdão recorrido (fl. 1437 - vol. 8):

"(...) Telmo Ramos, a seu turno, indagado perante o Ministério Público, embora tenha negado ser o proprietário do material tóxico apreendido com Altamir e Marcos, admitiu, não só o envolvimento dos policiais César, Ari, Iram e Vilson com o comércio ilícito no Município de Chapecó, como a sua condição de traficante, quando disse ter vendido drogas, em outra época, para sustentar seus filhos. Asseverou, ainda, que sabia de vários policiais que apoiavam o tráfico, inclusive, escoltando carros carregados de entorpecentes. Consoante suas palavras, todas as linhas que transitam a droga até Chapecó são de conhecimento dos policiais Ari, Silva, Galon e Brunello. Disse, também, já ter sido ameaçado por Gallon e Brunello, e que ninguém vende drogas dentro da cidade se não for sob o comando dos policiais em questão, os quais acobertavam os "grandões do tráfico da cidade".

Em casos como esse, entendo que não apenas é lícito, mas é absolutamente indispensável que o Parquet realize diligências diretamente, mormente por deter o controle externo da Polícia (art. 129, inciso VII da CF), sob pena de existir uma classe de servidores públicos, os policiais, que nunca responderá pelos seus atos, porque as investigações feitas pela polícia, quando envolvem seus pares, normalmente são infrutíferas.

A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policiai, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente "a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais, civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância entorpecente e a associação para fins de tráfico.

É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-nas para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.

Apesar de não haver, até a presente data, um pronunciamento do Pleno do STF quanto ao tema, esta Colenda 2ª Turma já manifestou entendimento no sentido de ser permitido ao Ministério Público investigar em seara criminal (HC 91.661, de minha relatoria e HC 89.837, Rel. Min. Celso de Mello).

5. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embalar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.

Ora, é principio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embalem a denúncia.

Assim, reconheço a possibilidade de, em algumas hipóteses, ser admitida a legitimidade da promoção, de atos de investigação por parte do Ministério Público, mormente quando se verifique algum motivo que se revele autorizados de tal investigação. Tal motivo, no caso em questão, representa a verificação do envolvimento de policiais na prática dos crimes de tráfico espúrio de altas quantidades de entorpecente, bem corno de associação para fins de tráfico.

Levando em consideração os dados fáticos considerados nos autos, os policiais identificados se associaram a outras pessoas para a perpetração de tais crimes, realizando, entre outras atividades, a de "escolta" de veículos contendo o entorpecente e de "controle" dê todo o comércio espúrio no município de Chapecó,

6. Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso "extraordinário e, nessa parte, nego-lhe provimento.

É como voto.

01/12/2009 SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.523 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhora Presidente, quero deixar muito clara a minha posição neste caso, a qual vem do fato de que o Ministério Público tem constitucionalmente o poder de fiscalização da atividade policial, Apenas neste caso reconheço a competência do Ministério Público, em razão da função de fiscalização da atividade policial, da sua atividade externa.

Por isso, neste caso, acompanho Vossa Excelência; apenas neste caso e por essa circunstância.

SEGUNDA TURMA

EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.523

PROCED.: SANTA CATARINA

RELATORA SUBSTITUTA: MIN. ELLEN GRACIE

RECTE.(S): CÉSAR AUGUSTO GALLON

RECTE.(S): ARI VELOSO DOS SANTOS

RECTE.(S): IRANI DE JESUS DA SILVA

RECTE.(S): VILSON ANTÔNIO BRUNELLO

ADV.(A/S): RAFAEL DE ASSIS HORN

RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Decisão: A Turma, à unanimidade, conheceu, em parte, do recurso extraordinário e, na parte conhecida, negou-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 01.12.2009.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Mário José Gisi.

Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador

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JURID - Direito processual penal. Recurso extraordinário. [12/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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