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sexta-feira, 9 de abril de 2010

JURID - Apelação cível. Responsabilidade civil. Matéria jornalística [09/04/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Responsabilidade civil. Matéria jornalística. Acusações caluniosas. Dano moral configurado.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.011899-5

Julgamento: 06/04/2010

Órgao Julgador: 2ª Câmara Cível

Classe: Apelação Cível

Apelação Cível Nº 2009.011899-5 - Natal/8ª Vara Cível

Apelante: Empresa Jornalística Tribuna do Norte Ltda.

Advogados: Gleydson Kleber Lopes de Oliveira e outros

Apelado: Nei Martins da Silva

Advogados: Márcio Ruperto e outro

Relator: Desembargador ADERSON SILVINO

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - MATÉRIA JORNALÍSTICA - ACUSAÇÕES CALUNIOSAS - DANO MORAL CONFIGURADO - VALORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO - QUANTUM ARBITRADO EM ACORDO COM O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - CONDENAÇÃO NA QUANTIA DE R$ 15.000,00 (QUINZE MIL REAIS) - CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.

I - Configura-se dano moral passível de indenização a matéria veiculada por órgão de imprensa escrita que imputa atos tidos como crimes ao apelado, sem a devida comprovação.

II - Para o arbitramento do quantum indenizatório há que se obedecer ao princípio da razoabilidade, não podendo a quantia ser exageradamente ínfima, tampouco de valor absurdo, não condizente com a situação financeira da parte responsável pelo adimplemento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 2009.011899-5, da Comarca de Natal, em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em sessão, por unanimidade de votos, em conhecer do apelo interposto, negando-lhe provimento, para manter intacta a sentença hostilizada. Vencido o Desembargador Cláudio Santos.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por EMPRESA JORNALÍSTICA TRIBUNA DO NORTE LTDA. em face de sentença proferida pelo MM Juiz da 8ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais em que era parte autora NEI MARTINS DA SILVA.

O recorrido aforou demanda ordinária por meio da qual busca a indenização por danos morais, em virtude de matéria veiculada por órgão de imprensa escrita que imputou atos tidos como crimes ao apelado.

Aduziu em sua inicial que em 11/03/2004 foi preso acusado do assassinato do mototaxista Wanderley da Silva, por ser proprietário de uma arma utilizada no homicídio, situação que perdurou até o dia 22 de abril de 2004, uma vez que nesta data conseguiu provar sua inocência.

Ainda em sua vestibular, informou que passados um ano e seis meses, a ré trouxe à tona o erro do passado, vinculando o autor ao assassinato, em virtude de uma crime ocorrido no município de João Câmara, em que a população igualmente tentou linchar os acusados do crime.

Sustentou que na primeira reportagem a ré agiu de acordo com a liberdade de informação, cobrindo o fato jornalístico tal como desenrolava. No entanto, no segundo caso a ré agiu de forma ilícita, causando sérios danos à imagem do autor, tendo em vista que já havia, inclusive, informado que o autor tinha sido libertado "depois de provar inocência em homicídio".

Em defesa de fls. 42 e segs., a recorrente se opõe à pretensão indenizatória, aduzindo que a reportagem jornalística divulgada pela ré se encontra dentro dos contornos previstos constitucionalmente e foi embasada em documentos oficiais, que ensejaram o indiciamento e denúncia dos autores do delito.

Ainda em sua contestação a apelante afirmou que não há nexo de causalidade entre a conduta da ré e o suposto dano moral sofrido pelo autor, bem como não se concede danos morais em decorrência de meros aborrecimentos da vida cotidiana.

Em decisão de fls. 65 e segs., o magistrado a quo, julgou procedente o pedido constante na inicial, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de indenização por danos morais, devidamente atualizada a partir da data de sua fixação mediante sentença e acrescido de juros de mora a partir do evento ilícito de 1% ao mês, na forma do artigo 161, parágrafo primeiro, do Código Tributário Nacional.

Condenou, ainda, o réu ao pagamento de 20% (vinte por cento) de honorários advocatícios sobre o valor da condenação, observados os critérios do artigo 20, parágrafo3º, alíneas a, b e c, do Código de Processo Civil.

Inconformada, a apelante apresentou recurso por meio do qual busca a reforma integral da sentença, alinhando, para tanto, os mesmos motivos já delineados na instrução processual, bem como requereu, caso seja reconhecido os dano morais, a redução do quantum indenizatório determinado pelo juízo a quo.

Instado a se pronunciar, a 6ª Procuradoria de Justiça informou que não tem interesse na lide.

É o que importa relatar.

VOTO

O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo fato lesivo, cuja indenização é um misto de satisfação compensatória e de pena.

Cumpre citar o ensinamento do professor YUSSEF SAID CAHALI, a saber:

"Na realidade, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral." (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 20)

Por muito tempo, vigorou a supremacia do raciocínio tendente a obstaculizar a reparação do dano moral, alegando-se, verbi gratia, o enriquecimento sem causa, a impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral, a enfermidade do dano moral, a dificuldade de se descobrir a existência do dano, o perigo da irreversibilidade da interferência do arbítrio judicial, a grande discussão sobre sentimentos íntimos de afeição e decoro, a incerteza de um verdadeiro direito violado e de um dano moral e, por fim, a indeterminação do número de lesados.

Muitos embates acadêmicos já foram realizados sobre a indenização por dano moral, haja vista, afinal, o dinheiro não poder fazer um sentimento sumir, cumprindo-lhe apenas aliviá-lo.

Nas leis brasileiras, o dano moral é aceito como figura indenizável, podendo esta acontecer de forma restitutio in integrum ou pecuniária. O valor do quantum da reparação é determinado pelo juiz, atendo-se à particularidade de cada caso apresentado.

In casu, o cerne da presente questão gravita em torno da possibilidade de existência de dano moral indenizável em casos de matéria veiculada no jornal apelante envolvendo o apelado.

Cabe, neste momento, fazer um retrospecto da demanda, notadamente quanto às datas postas no relato.

Em 11 de março de 2004, o apelado foi preso acusado de assassinato do mototaxista Wanderley da Silva, situação esta que se arrastou até o dia 22 de abril de 2004, portanto, por 1 (um) mês e 11(onze) dias, uma vez que nesta data conseguiu provar sua inocência.

Entretanto, após todo o esclarecimento do caso, o jornal apelante vinculou matéria intitulada "Memória. Revolta popular não é um caso isolado", em que busca comparar situações em que a população se rebela contra os acusados de cometimento de delitos violentos, especialmente através da tentativa de linchamento daqueles.

Asseverou a matéria questionada que:

"Em outras ocasiões, diante de crimes bárbaros, a revolta dos populares se extravasa em tentativa de linchamento dos criminosos. No ano passado, em 11 de março, a população de Canguaretama tentou fazer 'justiça com as próprias mãos' para punir os assassinos do mototaxista Wanderley da Silva, 23 anos. Ele foi morto por Ronaldo de Barros e Silva e Nei Martins. Os dois homens roubaram a moto e assassinaram o mototaxista, que teve o corpo abandonado na cidade de Pedro Velho".

Com efeito, através da leitura do trecho acima transcrito, depreende-se que o Apelante imputou fato tido como crime ao Apelado, contudo, como bem enfatizou a MM. Juíza Monocrática, conforme informado pelo Juízo de Direito da Comarca de Canguaretama, através do ofício de fls. 63, o autor não teve contra si instaurada qualquer ação penal relativamente ao tipo penal de homicídio.

Vale salientar, ainda, que o próprio apelante em matéria jornalística vinculada em 28 de abril de 2004, já havia informado que o autor tinha sido libertado "depois de provar inocência em homicídio".

Assim, observa-se claramente a existência na esfera cível de dano moral indenizável, posto que tal ato ilícito maculou claramente a imagem do Apelado.

Entrementes, é óbvio que uma matéria jornalística de cunho calunioso, necessariamente irá arranhar a imagem de honestidade do apelado.

De outro bordo, ainda que a referida matéria não tivesse chegado a lesionar a imagem do Apelado, temos que para a caracterização do dano, não há necessidade de repercussão externa do fato, bastando que do ato ilícito resulte um desequilíbrio na esfera moral e psíquica do lesionado, tal qual também ocorreu no caso dos autos.

Ademais, o argumento utilizado pelo Apelante para se eximir da culpa, qual seja, o fato de que o órgão de imprensa tem a liberdade constitucional de veicular tema de interesse social, não deve prosperar, pois a imprensa tem, sim, liberdade de informação, mas não possui o direito de imputar fatos caluniosos sem prová-los.

Com efeito, insta ressaltar que a atividade exercida pelo Jornal Apelante reveste-se de um risco a ela inerente e que, portanto, merece um cuidado redobrado no que tange à verificação da veracidade dos fatos abordados em suas matérias, de forma a não laborar em equívoco quanto à verdade dos fatos.

Não destoam deste entendimento os tribunais pátrios, consoante se pode depreender do julgado abaixo colacionado:

"EMENTA: Responde civilmente quem pratica abuso na mídia impressa. Violado direito, ou provocado prejuízo moral, impõe-se sejam reparados os respectivos danos" (TJSC - AC nº 99.000971-8, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

"EMENTA: APELAÇÃO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - PRELIMINARES - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DOS PROCURADORES - REJEIÇÃO - PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA CALUNIOSA EM JORNAIS E RÁDIO - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO. A solidariedade resultante de coligação eleitoral não implica em litisconsórcio necessário, podendo a demanda ser ajuizada contra todos os partidos políticos integrantes da aliança partidária, ou em desfavor de apenas um deles. Não há cerceamento de defesa, causado por falta de intimação dos procuradores, quando a desídia ocorreu por culpa exclusiva destes. Os responsáveis por manifestações excessivas e caluniosas veiculadas em jornais e rádios respondem civilmente pelos danos causados à moral e à imagem do ofendido, sendo o valor da indenização arbitrado tomando-se por base o grau de culpa do ofensor, além da situação econômica das partes, de sorte que não causa a ruína do ofensor nem o enriquecimento sem causa do ofendido." (TJSC - Apelação Cível 2003.012574-4 - Relator: Des. José Volpato de Souza. 10/11/2003)

No tocante ao quantum indenizatório, para se mesurar o dano moral, ainda que advindo de atividade relativa à imprensa, necessário verificar a extensão do dano e a capacidade econômica do seu causador, ante a regra contida no inciso V, do artigo 5º da Lei Maior.

Relativamente aos critérios a serem sopesados na fixação do quantum indenizatório, vejamos o que ensina o doutrinador CARLOS ALBERTO BITTAR.

"(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante". (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.233)

Assim, deve-se levar em consideração a situação financeira do Apelante e o fato lesivo. Há que se obedecer ao princípio da razoabilidade, não podendo a quantia ser exageradamente ínfima, tampouco de valor absurdo, não condizente com a situação financeira da parte responsável pelo adimplemento.

Vejamos, a título exemplificativo como tem entendido a Corte de Justiça de São Paulo quanto ao tema:

"A indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa." (TJSP - 2ª C. - Ap. - Rel. Cezar Peluso - RJTJESP 156/94)

Observa-se, ao se sopesar o valor arbitrado na sentença de primeira instância, que não se pode olvidar que o jornal Apelante é detentor de patrimônio sólido. Ademais, temos que a indenização arbitrada se encontra condizente com a extensão dano, não devendo ser reduzida de forma a se manter justa e adequada a exercer sua função reparatória.

Sendo assim, entendo razoável e proporcional à reparação do dano a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a ser paga ao demandante, como forma de punir o ofensor sem causar enriquecimento indevido, haja vista ser moderada em relação à compensação do dano sofrido, motivo pelo qual não merece reforma.

Em face do exposto, conheço do recurso de Apelação Cível e lhe nego provimento, para manter a sentença proferida.

É como voto.

Natal, 06 de abril de 2010.

Desembargador ADERSON SILVINO
Presidente / Relator

Desembargador CLÁUDIO SANTOS
Vencido

Doutora VALDIRA CÂMARA PINHEIRO COSTA
19ª Procuradora de Justiça




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