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quinta-feira, 1 de abril de 2010

JURID - Apelação cível. Ação civil pública. Dano moral coletivo. [01/04/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação civil pública. Dano moral coletivo. Inexistência. Liberdade de expressão e de convicção religiosa.
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Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul -TJMS

Processo: 2009.006422-1

Julgamento: 25/02/2010 Órgao Julgador: 5ª Turma Cível Classe: Apelação Cível - Lei Especial

25.2.2010

Quinta Turma Cível

Apelação Cível - Lei Especial - N. 2009.006422-1/0000-00 - Campo Grande.

Relator - Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.

Apelante - Naurio Martins França.

Def. Públ. - Francisco Carlos Bariani.

Apelante - Defensoria Pública Estadual.

Def. Públ. - Zeliana Luzia Delarissa Sabala.

Apelado - Defensoria Pública Estadual.

Def. Públ. - Zeliana Luzia Delarissa Sabala.

Apelado - Naurio Martins França.

Def. Públ. - Francisco Carlos Bariani.

EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - INEXISTÊNCIA - LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE CONVICÇÃO RELIGIOSA - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

A Constituição Federal é expressa ao garantir ao indivíduo a liberdade de expressão e de convicção religiosa, de sorte que, o inconformismo e a intolerância de parte da população com as idéias do autor do livro não podem gerar, por si só, o dano à moral de um grupo de pessoas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso principal e julgar prejudicado o adesivo, nos termos do voto do relator. Decisão contra o parecer.

Campo Grande, 25 de fevereiro de 2010.

Des. Vladimir Abreu da Silva - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva

Naurio Martins França apelou contra sentença proferida em primeiro grau de jurisdição na Ação Civil Pública que lhe moveu a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.

Destacou que, alicerçado na inviolabilidade de consciência e crença, na norma constitucional, a qual dispõe que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, e no direito individual da liberdade de informação, compilou da bíblia sagrada tópicos relacionados ao homossexualismo, bem como transcreveu artigos publicados na imprensa, com a única finalidade de evangelizar e converter o homossexual.

Afirmou que não se pode imputar à publicação do livro a onda de violência contra homossexuais, pois é fato que impera há tempos; o livreto não incita o fanatismo religioso com a prática de homicídios contra homossexuais.

Aduziu que a sentença proferida pelo juízo singular afronta dispositivo constitucional, pois a todos é assegurado o direito à informação.

Ponderou que em nenhuma página há ofensa aos homossexuais, de sorte que o direito constitucional à liberdade de expressão se sobressai.

Transcreveu a conclusão da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

Finalizou protestando pelo provimento do recurso e consequente reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos contidos na exordial.

Contrarrazões da apelada pelo improvimento do recurso e prequestinando a súmula 356 do Supremo Tribunal Federal.

A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul recorreu adesivamente, oportunidade em que argumentou a necessidade de se majorar o quantum indenizatório.

Defendeu que a extensão do dano puro não foi suficientemente apreciada na decisão objurgada, que não observou a ampla divulgação que foi dada à publicação do livro, em todos os meios de comunicação.

Finalizou requerendo o provimento do recurso para majorar o quantum para R$20.000,00 (vinte mil reais).

Contrarrazões do recorrido pelo improvimento do recurso.

Parecer ministerial pelo improvimento da apelação e provimento parcial do recurso adesivo.

VOTO

O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva (Relator)

A) Trata-se de recurso de apelação interposto por Naurio Martins França contra sentença proferida em primeiro grau de jurisdição no julgamento da Ação Civil Pública que lhe move a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.

Requer o apelante o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos contidos na inicial, quais sejam, o recolhimento de todos os exemplares do livro "A MALDIÇÃO DE DEUS SOBRE O HOMOSSEXUAL: O HOMOSSEXUAL PRECISA CONHECER A MALDIÇÃO DIVINA QUE ESTÁ SOBRE ELE!"; que não faça mais a publicação e a divulgação do livro, condená-lo ao pagamento de indenização por danos morais acarretados aos homossexuais ao se referir a eles de forma preconceituosa e pregando que tem uma maldição divina sobre si e que uma morte trágica os aguarda, incitando, assim, a violência contra esse grupo.

Observa-se às f. 71-74 dos autos o Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta firmado entre o apelante e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul no Procedimento de Investigação Preliminar nº 91/07, onde se lê que este assume o compromisso de realizar as seguintes condutas:

CLÁUSULA SEGUNDA: Nesta ocasião o COMPROMISSÁRIO, apresenta a entrega a esta Promotoria de Justiça 289 (duzentos e oitenta e nove) exemplares do livro em comento, autorizando sua destruição pela própria Promotoria, ou ainda, seu encaminhamento, pela Promotoria, à Vara de Interesses Difusos desta Capital, para que sejam destruídos; esclarecendo ainda o COMPROMISSÁRIO que não apresenta a totalidade dos exemplares impressos porque o restante já foi vendido.

CLÁUSULA TERCEIRA: O COMPROMISSÁRIO se compromete, a partir desta data, não fazer nova publicação do livro objeto deste COMPROMISSO nem mesmo de trechos ou partes de seu conteúdo.

(...)

Às f. 181-182 o apelante requereu a homologação do referido termo de ajustamento de conduta, de sorte que, ainda que defenda não haver qualquer ilegalidade em sua obra literária, concordou com o pedido de retirar o livro de circulação e a não realizar novas publicações ou divulgá-lo de qualquer forma.

Portanto, ponto incontroverso, que impede a apelação quanto à esta matéria, já que reconhecido o pedido pelo apelante.

Resta analisar a questão do dano moral à coletividade homossexual.

O apelante defende que seu livreto apenas transcreve texto bíblico, desprovido de opiniões pessoais, de sorte que não teve a intenção de ofender a honra de qualquer pessoa.

Veja-se que o apelante de fato transcreveu alguns versículos bíblicos, afirmando serem dirigidos aos homossexuais, seguidos de conclusões de cunho pessoal, para o que, por vezes, utiliza termos pejorativos.

Ocorre que as conclusões do autor decorrem, naturalmente, de sua convicção religiosa, externando a interpretação que dá aos texto bíblicos.

Ocorre que a interpretação que se dá aos textos bíblicos depende por do conhecimento basilar, teológico, filosófico, histórico, social, até mesmo linguístico do próprio intérprete.

Desse modo, é fato que o mesmo texto bíblico seja dotado de um sentido para cada pessoa que dele toma conhecimento.

O apelante nada mais fez que expor seu ponto de vista de um ou outro versículo bíblico, à luz dos conceitos e impressões que colheu de seus anos de vida, de modo bastante sucinto e superficial, utilizando-se, para tanto, do vocabulário que conhece, o que sequer pode ser denominado "estilo de escrita", porque é fácil perceber da leitura do livreto que são parcos os conhecimentos gerais do apelante; exemplificando, é latente o desconhecimento ao tratar, em pouquíssimas linhas, da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, Sida em português, ou Aids, em inglês, pois há muitos anos se sabe que a origem da doença está nos macacos, que hoje se sabe serem chipanzés.

Os textos que alertam ao risco de morte foram tirados em sua maioria do antigo testamento, onde o perigo está sempre relacionado, nas mais diversas situações, a quem ousasse não temer a Deus e desrespeitasse os seus ensinamentos; entretanto, em momento algum se observa a intenção de incitar à violência.

Religião é assunto polêmico que causa muitas discussões entre religiosos de diversas vertentes, pois cada um adota sua crença e, por vezes, o que diverge se ofende com a verdade do outro; entretanto, este fato, por si só, não gera o dano moral.

No caso em tela, o apelante tenta converter à sua fé o homossexual, da forma que entendeu eficiente, ou seja, com poucas e duras palavras, pressupondo o fato de que o homossexualismo seja uma simples escolha da pessoa; de sorte que com meia dúzia de palavras e expondo alguns trechos da bíblia a pessoa poderia, simplesmente, se decidir por deixar de sê-lo.

Insta salientar que o Relatório elaborado no Processo nº 124/2007, da Comissão de Direitos Humanos "Ricardo Brandão", da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Mato Grosso do Sul, assim afirmou:

Mais uma vez, o requerido faz uma explanação com base num texto bíblico, trazendo uma interpretação teológica (de conduta). Não há nessa interpretação nenhum incentivo à violência contra os homossexuais ou seus pares. Numa Sociedade Democrática de Direito (como é a nossa), deve ocorrer o equilíbrio dos direitos civis. Se os homossexuais têm o direito de criticar (ou até mesmo de processar judicialmente) os heterossexuais por seus excessos e por suas palavras, estes também têm o direito de expor suas opiniões e ter suas livres expressões de pensamento respeitadas por todos, indistintamente. Não se deve "amordaçar" uma maioria que defende suas convicções, em benefício de uma minoria que também defende as suas (mesmo que sejam equivocadas).

Por outro lado, metade da tiragem do livro foi apreendida e entregue em juízo; a outra metade, vendida, ou seja, o conteúdo do livro foi divulgado a quem teve a curiosidade de lê-lo; daí parte que, aqueles que já compartilhavam das opiniões do autor, em nada acrescentou o livro; aqueles que não compartilham da opinião do autor, também em nada acrescentou o livro, posto que simplório e, por vezes, jocoso, em argumentos, como, por exemplo, o capítulo em que maldiz as pessoas que não concordam com suas idéias; já os que não têm opinião formada, certamente não são homossexuais e, portanto, não foram abalados moralmente, tampouco se pode entender tenha sido influenciado a ponto de dar cabo à vida de homossexuais, mesmo porque, em momento algum houve qualquer prova de que isto tenha ocorrido nos autos.

A Constituição Federal é expressa ao garantir ao indivíduo a liberdade de expressão e de convicção religiosa, de sorte que, o inconformismo e a intolerância de parte da população com as idéias do autor do livro não podem gerar, por si só, o dano à moral de um grupo de pessoas.

Não se pode impingir uma condenação em danos morais coletivos por ter o apelante expressado suas convicções e pelo simples fato de parte da população não concordar com suas idéias.

Assim, a reforma parcial da sentença é medida que se impõe.

Ante o exposto, conheço do recurso e, contrariando o parecer ministerial, dou-lhe provimento parcial para afastar a condenação do apelante ao pagamento de indenização por dano moral coletivo; mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Em consequência, julga-se prejudicado o recurso adesivo.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E JULGARAM PREJUDICADO O ADESIVO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DECISÃO CONTRA O PARECER.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva e Júlio Roberto Siqueira Cardoso.

Campo Grande, 25 de fevereiro de 2010.





JURID - Apelação cível. Ação civil pública. Dano moral coletivo. [01/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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