Anúncios


sexta-feira, 5 de março de 2010

JURID - Restituição de quantia paga indevidamente. Plano de saúde. [05/03/10] - Jurisprudência


Ação cominatória cumulada com restituição de quantia paga indevidamente. Plano de saúde.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!

Tribunal de Justiça de Santa Catarina -TJSC

Apelação Cível n. 2009.069673-6, de Jaraguá do Sul

Relator: Des. Fernando Carioni

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA INDEVIDAMENTE. PLANO DE SAÚDE. DIAGNÓSTICO DE ADENOCARCINOMA DE CÓLON COM MÚLTIPLAS METÁSTASES HEPÁTICAS. NEGATIVA DE COBERTURA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL ESPECÍFICA. DISPOSIÇÃO ALTERNATIVA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 54, § 4º, DO CODECON. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. ART. 47 DO CODECON. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"Encontrando o tratamento de câncer respaldo no contrato aderido pela parte, inevitável concluir que seus desdobramentos também estejam amparados pelo plano de saúde" (TJSC, Ag n. 2007.026353-1, da Capital, rel. Des. Edson Ubaldo, j. em 20-2-2008).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.069673-6, da comarca de Jaraguá do Sul (2ª Vara Cível), em que é apelante Unimed do Estado de Santa Catarina Federação Estadual das Cooperativas Médicas, e apelado Espólio de Maria Bertoldi e outros:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Maria Bertoldi ajuizou ação cominatória com pedido de tutela antecipada cumulada com restituição de quantia paga indevidamente contra Unimed do Estado de Santa Catarina, na qual alegou, em síntese, que aderiu ao plano de saúde da demandada e esta descumpriu uma obrigação contratual referente à cobertura assistencial.

Afirmou que foi acometida de "adenocarcinoma de cólon com múltiplas metásteses hepáticas" e, inicialmente, passou por tratamento cirúrgico primário até novembro de 2006, no qual recebeu quimioterapia com esquema "folfox-6".

Salientou que houve progressão da doença, então optou-se por acrescentar o medicamento "bevacizumabe" o esquema "folfiri", presente no "avastin", tratamento aplicado em favor da autora no momento do ajuizamento da ação, cujo resultado estava sendo positivo.

Mencionou que a adição do medicamento "bevacizumabe" ao esquema "folfiri" é a única forma de se evitar a progressão da doença da autora, o que pode gerar um aumento significativo da expectativa de vida.

Expôs sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso, uma vez que a autora atende às condições de consumidora, descritas no art. 2º da Lei n. 8.078/1990, em face da aquisição de produto representado pela prestação de serviços de assistência à saúde.

Argumentou que no rol de serviços cobertos pelo contrato de prestação de serviços de assistência à saúde, cláusula 10, item 6, está o fornecimento de medicamento indispensável ao controle da evolução de doenças, como a sofrida pela autora, "adenocarcinoma de cólon com múltiplas metástases hepáticas", com a ressalva de que o fornecimento do aludido medicamento deve dar-se somente no período de internação do consumidor.

Asseverou que a abusividade está na irrazoabilidade de se prever expressamente a possibilidade de provisão do medicamento e, ao mesmo tempo, limitá-lo, sob justificativa de que o seu fornecimento dá-se apenas durante a internação hospitalar do doente.

Alegou sobre a necessidade de reembolso das despesas efetuadas particularmente, uma vez que, ante a necessidade urgente de tratar-se com o medicamento denominado "avastin" 100mg, sob pena de piorar o estado de sua enfermidade, a autora, em face da recusa por parte da ré, despendeu, com dificuldades financeiras, o valor de R$ 13.200,00 (treze mil e duzentos reais) para a aquisição do medicamento até o ajuizamento da ação.

Pugnou pela antecipação de tutela, para que fosse determinado o fornecimento do medicamento "avastin" 100mg pela ré; pela confirmação dos efeitos da tutela inibitória; pela condenação da ré a efetuar a restituição do valor de R$ 13.200,00 (treze mil e duzentos reais); e, pela aplicação da inversão do ônus da prova.

Juntou documentos (fls. 21-70).

A antecipação dos efeitos da tutela foi deferida (fls. 72-74).

Em sede de contestação, a demandada alegou, preliminarmente, a existência do perigo de irreversibilidade do provimento, uma vez que no presente caso não há prova nos autos de que o provimento possa ser reversível, porquanto não ocorreu prestação de caução.

No mérito, salientou que a cobertura contratual exclui tratamentos experimentais e acrescentou que deve ser aplicado o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, uma vez que este importa restrição voluntária da liberdade e cria vínculo do qual nenhuma das partes pode desligar-se.

Afirmou a aplicabilidade do princípio da autonomia da vontade, visto que todos os particulares são livres para contratar sobre qualquer objeto, desde que não seja ilícito.

Em razão do falecimento da autora da presente ação no curso do processo, os herdeiros necessários requereram a habilitação para integrar o polo ativo dos autos (fls. 212-213).

Em réplica, os representantes da autora pugnaram pela procedência integral dos pedidos feitos na inicial (fls. 222-234).

Sentenciando o feito, o MM. Juiz de Direito Pedro Aujor Furtado Junior pronunciou-se da seguinte forma:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para DETERMINAR que a ré conceda à autora o tratamento assinalado na inicial, nos exatos termos prescritos pelo médico especialista, CONDENANDO a ré ainda na restituição dos valores efetivamente pagos pela autora pelo tratamento, a contar da negativa da ré até a concessão da antecipação dos efeitos da tutela (folhas 72/74), com correção monetária a contar do desembolso, e juros de mora a partir da citação, tudo a ser apurado em regular liquidação de sentença. Condeno a ré ainda no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% do valor da condenação, nos termos do par. 3º do artigo 20 do CPC (fl. 257).

Inconformados, os representantes da autora apresentaram embargos de declaração (fls. 261-265), os quais foram rejeitados (fl. 268).

Irresignada com o decisum, a ré apresentou recurso de apelação cível, no qual repisou os argumentos da contestação. Prequestionou artigos de leis federais.

Contrarrazões ao apelo às fls. 302-310.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do mérito recursal.

Trata-se de apelação cível interposta por Unimed de Santa Catarina Federação Estadual das Cooperativas Médicas com o desiderato de ver reformada a sentença de primeiro grau que julgou procedentes os pedidos da autora e condenou a ré a restituir a Maria Bertoldi os valores efetivamente pagos pelo tratamento, a contar da negativa da apelante até a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, com correção monetária a contar do desembolso e juros de mora a partir da citação.

A Unimed sustenta que não há cobertura contratual para tratamentos experimentais. Portanto, seria lícita sua negativa de cobertura para o tratamento.

Em que pesem os seus argumentos, não merece guarida a insurgência da apelante.

Extrai-se dos autos que a autora firmou com a ré plano de assistência à saúde denominado de Plano Ambulatorial + Hospitalar com Obstetrícia Acomodação Individual (fls. 29-55). Compete observar que a autora foi acometida de "adenocarcinoma de cólon com múltiplas metástases hepáticas", e que a doença acabou por roubar-lhe a vida. Discute-se, tão somente, a respeito da necessidade de ser ministrado certo medicamento para o combate da doença e, principalmente, a obrigatoriedade de a ré fornecê-lo.

Verifica-se que, com a progressão da doença da autora, o médico optou por acrescentar ao tratamento "bevacizumabe", presente no medicamento "avastin", e a ré negou-se a cobrir as despesas para o tratamento, sob o argumento de que a medicação indicada para combater a doença se apresenta em estágio experimental e, por conseguinte, não possui cobertura dos serviços médico-hospitalares do plano de saúde ajustado pelas partes.

A respeito, estabelece a cláusula décima primeira do contrato de prestação de serviços, in verbis: "Não gozam de cobertura, as despesas decorrentes de: a) tratamento clínico ou cirúrgico experimental" (fl. 36).

No presente caso, constata-se pela solicitação de fl. 56 e pelos documentos de fls. 58-61 a necessidade do tratamento ao qual a autora foi submetida.

Desse modo, sustentou a apelante que a negativa se deu após análise do relatório elaborado pelo médico assistente, e foi pautada no registro do medicamento postulado na Agência Nacional de Saúde - Anvisa.

Logo, a arguição da apelante no intuito de excluir tacitamente a cobertura para o tratamento pleiteado apenas por possuir indicação para o tratamento do câncer, quando outros tratamentos quimioterápicos não obtiveram resultado, é descabida. Somente em caso de exclusão expressa poder-se-ia discutir acerca da nulidade da cláusula, inclusive trazendo à baila a questão referente ao rol de procedimentos de saúde a serem adotados pelas operadoras destes planos.

Ademais, o tratamento foi devidamente prescrito pelo médico oncologista, que destacou a importância do uso do medicamento pela autora (fl. 56).

Referida declaração corrobora os argumentos expendidos na inicial a respeito da necessidade da associação do "bevacizumab" ao esquema "folfiri" com o tratamento quimioterápico, na tentativa de regular a atividade hormonal e, desse modo, inibir a proliferação da neoplasia.

Na hipótese sub examine, por haver disposição genérica para a cobertura do procedimento quimioterápico, é inviável o acolhimento da pretensão da ré. Isso porque esse medicamento consiste em uma extensão do tratamento principal, qual seja, a quimioterapia, que se encontra expressamente autorizada no contrato.

Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:

O contrato de prestação de serviços médico-hospitalares submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e, por conta disso, eventual dúvida na interpretação de cláusula contratual resolve-se a favor do beneficiário do plano de saúde (CDC, art. 47) (Ap. Cív. n. 2009.006317-1, de Blumenau, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 17-7-2009).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CONDENATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PLANO DE SAÚDE - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS E HOSPITALARES - INDICAÇÃO MÉDICA DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO - PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA - NEGATIVA DE AUTORIZAÇÃO DA UNIMED SOB ARGUMENTO DE QUE TAL MEDICAMENTO É DE CARÁTER EXPERIMENTAL E QUE NÃO FAZIA PARTE DA COBERTURA CONTRATUAL - RESPONSABILIDADE EVIDENCIADA - DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO (Ap. Cív. n. 2007.059889-8, da Capital, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. em 19-6-2009).

Encontrando o tratamento de câncer respaldo no contrato aderido pela parte, inevitável concluir que seus desdobramentos também estejam amparados pelo plano de saúde (Ag n. 2007.026353-1, da Capital, rel. Des. Edson Ubaldo, j. em 20-2-2008).

Igualmente, é inconteste que o melhor procedimento foi aquele adotado pelo médico oncologista, pelo que não se pode considerá-lo excluído dos serviços contratados, até porque, indubitavelmente, não há exclusão expressa deste. Deve prevalecer, portanto, o entendimento firmado de que, se o contrato prevê o gênero, as espécies não podem ser objeto de recusa.

Assim, à luz do Código Consumerista, deve-se adotar na interpretação das cláusulas contratuais a mais favorável ao consumidor, consoante o artigo 47 da Lei n. 8.078/1990.

Ainda, segundo regra insculpida no artigo 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas que impliquem limitações ao direito do consumidor devem ser redigidas de forma expressa, o que inviabiliza, novamente, o pleito da operadora do plano, por não existir tal vedação.

Desta forma, entender que a espécie está contida no gênero, além de interpretação lógica da questão controvertida, é imperativo a ser adotado em virtude da proteção ao consumidor.

Com efeito, impossibilitar tratamento essencial para a recuperação da autora, com a vedação de cobertura de espécie de quimioterapia que mais se adapta ao estado clínico da paciente, significa colocar a consumidora em risco de vida; flagrante, então, a má-fé contida na cláusula contratual proibitiva.

Esta é a lição de Nelson Nery Júnior ao comentar sobre a boa-fé e as cláusulas abusivas nas relações de consumo:

Não é demais lembrar que as relações de consumo são informadas pelo princípio da boa-fé (art. 4º, caput¸ e inc. III, CDC), de sorte que toda cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex lege, como abusiva.

A proteção contra cláusulas abusivas é um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor, importância que se avulta em razão da multiplicação dos contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas contratuais gerais (Código brasileiro de defesa do consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 518-519).

Não destoa o posicionamento deste Tribunal de Justiça, cujo entendimento acerca de questão análoga foi o mesmo:

Considerando que houve autorização para a realização da quimioterapia, a negativa de cobertura de medicamento indispensável para o sucesso daquele tratamento mostra-se em dissintonia com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, em especial o da boa-fé contratual e eqüidade. Deve prevalecer a interpretação mais favorável ao consumidor (Ap. Cív. n. 2007.047242-2, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, j. em 16-12-2008).

São nulas de pleno direito cláusulas contratuais que estabeleçam regras incompatíveis com a boa-fé ou que infrinjam preceitos legais de proteção ao consumidor.

Porque a saúde é direito fundamental previsto na CF a administração do respectivo plano não pode vê-la exclusivamente como atividade econômica, mormente pelo fato de que a relação contratual deve ter finalidade social (Ag n. 2004.028376-1, da Capital, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 12-5-2005).

Assim, correta a decisão a quo que determinou que a apelante restitua à autora o valor efetivamente pago por ela pelo tratamento, que no presente caso será restituído aos representantes da autora.

Por derradeiro, requer a apelante o prequestionamento dos dispositivos legais e jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça ventilados nas razões recursais.

O recurso de apelação cível não se presta para prequestionar matéria nem dispositivo de lei federal, mas para combater a decisão de primeiro grau.

O julgador não está obrigado a responder um a um os pontos levantados pelas partes, nem a discorrer sobre os dispositivos de lei invocados; deve decidir a lide conforme o seu convencimento, aplicando ao caso a norma legal que entender devida.

Desse modo, descabido é o pedido da apelante para prequestionar a matéria, visto que foi suficientemente abordada pelo Juízo de primeiro grau e reexaminada por este Órgão Colegiado.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, nega-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado no dia 9 de fevereiro de 2010, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

Florianópolis, 24 de fevereiro de 2010.

Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR




JURID - Restituição de quantia paga indevidamente. Plano de saúde. [05/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário