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quarta-feira, 17 de março de 2010

JURID - Receptação dolosa. Palavra dos policiais. Valor. [17/03/10] - Jurisprudência


Receptação dolosa. Palavra dos policiais. Valor. Posse coisa pelo agente. Consequência.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS

PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 16/03/2010

RECEPTAÇÃO DOLOSA. PALAVRA DOS POLICIAIS. VALOR. POSSE COISA PELO AGENTE. CONSEQUÊNCIA. CONDENAÇÕES MANTIDAS. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE PROVA SOBRE OS FATOS OU AS AUTORIAS. ABSOLVIÇÕES MANTIDAS.

I - Em termos de prova convincente, os depoimentos dos policiais envolvidos nas diligências preponderam sobre a do réu. Esta preponderância resulta da lógica e da razão, pois não se imagina que, sendo a primeira uma pessoa séria e idônea, e sem qualquer animosidade específica contra o agente, vá a juízo e mentir, acusando um inocente. Deve-se examinar a declaração pelos elementos que contém, confrontando-o com as outras provas ou indícios obtidos na instrução e discute-se a pessoa do depoente. Se a prova sobrevive depois desta análise, ela é forte para a condenação, não importando quem a trouxe. Foi o que ocorreu na hipótese em julgamento. Além disso, os recorrentes tinham a posse das peças de veículos de origem criminosa. A apreensão gerou a presunção de sua responsabilidade e inverteu o ônus da prova, impondo-lhe uma justificativa inequívoca para aquela situação. Uma justificação dúbia e inverossímil, como ocorreu no caso em tela, transformou a presunção em certeza. Condenação pelo crime de receptação dolosa mantida.

II - Para prolação de um decreto penal condenatório é indispensável prova robusta que dê certeza da existência do delito e seu autor. A íntima convicção do Julgador deve sempre se apoiar em dados objetivos indiscutíveis. Caso contrário, transforma o princípio do livre convencimento em arbítrio. Na hipótese, como afirmou o Julgador, depois de analisar a prova apurada no processo: "Já em relação aos crimes de adulteração de sinal e formação de quadrilha isto não acontece. Em primeiro lugar, ressente-se o processado de provas da existência da adulteração. Há somente a arrecadação de diversas peças com inscrições aparentemente apagadas, mas sem que se saiba se originariamente elas dispunham numeração, e principalmente, se tal representava sinal identificador do veículo... Atinente ao delito de formação de quadrilha, deveria o Ministério Público fazer prova de que a união entre eles era estável e não o fez. A instrução processual somente revelou concurso de agentes, sem que qualquer permanência do vínculo, de maneira a se reconhecer a espécie penal versada."

DECISÃO: Apelo ministerial e defensivos desprovidos. Unânime.

Apelação Crime - Nº 70034054098

Sétima Câmara Criminal - Comarca de Porto Alegre

MINISTÉRIO PúBLICO: APELANTE - APELADO

LEANDRO DOS SANTOS BACELLAR: APELANTE - APELADO

VALTAIR SANTOS DA SILVA: APELANTE - APELADO

MAURíCIO BECKER REIS: APELANTE - APELADO

DOUGLAS UBIRATAN TEIXEIRA LOPES: APELADO

FRANCISCO U. DOS SANTOS VELASQUE: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento aos apelos.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Danúbio Edon Franco (Presidente) e Des.ª Naele Ochoa Piazzeta.

Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2010.

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Sylvio Baptista Neto (RELATOR)

1. Leandro dos Santos Bacellar, Valtair Santos da Silva e Mauricio Becker Reis foram denunciados como incursos nas sanções dos arts. 180, § 1º, 311 e 288, do Código Penal, (denúncia recebida em 1º de setembro de 2005), e, após o trâmite do procedimento, condenados às penas de três anos e seis meses de reclusão, substituída, e multa, pelo cometimento do crime de receptação e absolvidos pelos demais delitos denunciados. Descreveu a peça acusatória que, no dia 16 de agosto de 2005, os denunciados, acompanhados dos co-réus, Douglas Ubiratan Teixeira Lopes e Francisco Ubirajara dos Santos Velasque, associando em quadrilha, adquiriram e ocultaram, no exercício de atividade comercial, veículos provenientes de furtos e roubos. Além disso, adulteravam a numeração de chassi e outros sinais identificadores.

Inconformadas com a decisão, a Acusação e a Defesa apelaram. Em suas razões, o Promotor de Justiça pediu a condenação dos recorridos nas sanções dos arts. 311 288 do Código Penal, tendo em vista as provas apresentadas nos autos. O Defensor, por sua vez, requereu a absolvição dos recorrentes, afirmando que eles não praticaram o delito de receptação, sendo que a prova a respeito era frágil, para embasar uma condenação. Alternativamente, requereu a redução das penas. Em contra-razões, as partes manifestaram-se pela manutenção da sentença atacada.

Nesta instância, em parecer escrito, o Procurador de Justiça opinou pelo provimento do recurso ministerial e desprovimento do defensivo.

VOTOS

Des. Sylvio Baptista Neto (RELATOR)

2. Os apelos não procedem. A prova, conforme salientou o ilustre Julgador, Dr. Léo Pietrowski, mostrou-se segura a respeito da existência da receptação dolosa por parte dos recorrentes, mas é precária a respeito da adulteração de sinal identificador de veículo e formação de quadrilha.

Tendo em vista que os argumentos dos recursos já foram examinados, e rebatidos, na decisão de primeiro grau, permito-me transcrever a fundamentação da sentença. Em primeiro lugar, porque com ela concordo. Depois, fazendo-o, homenageio o trabalho do colega e evito a tautologia. Disse o Magistrado:

"A materialidade do restou demonstrada... pelas fotos (fls. 266/313) e pelo laudo pericial (fls. 340/341).

Os acusados negam a prática delitiva. Afirmam que haviam sido contratados por João, há poucos dias, para exercerem variadas tarefas. Douglas e Valtair na condição de auxiliares de serviços gerais; Leandro como atendente, devendo relacionar as peças, controlar o estoque e também realizar o balanço. Por fim, Maurício de ajudante de carpinteiro. Fora contratado para auxiliar Francisco na construção de prateleiras da loja. Não desempenhavam qualquer tarefa no processo de desmanche de carros e nem tampouco sabiam da existência de veículos furtados ou roubados ali. Todos foram incapazes de indicar maiores dados acerca de João. Igualmente não informaram elementos para a localização dele. Nem sequer os termos da contratação. Apenas de que foram admitidos entre dois e quatro dias antes da prisão (fls. 327/336).

As versões absolutamente não convencem.

O policial civil José Ricardo (fls. 386388) diz que receberam denúncia anônima, dando conta de um desmanche de carro, em andamento na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia. Isto era à noite. Imediatamente se dirigiram para lá e ficaram observando. A princípio tudo estava quieto. Todavia, logo a seguir, as luzes se acenderam e passaram ouvir barulhos e uma movimentação de latas. Resolveram ingressar no pátio e bateram à porta. Um dos acusados abriu-a. Depararam-se com os cinco. Percebeu que todos estavam sujos de graxa e trabalhavam nos veículos. Aduz que: "Funcionava um comércio de peças de carro" no ferro-velho. Apreenderam os quatros veículos roubados já em processo de desmontagem e mais uma quantidade considerável de peças e acessórios de automóveis. Vários destes componentes com numeração suprimida.

Mesma esteira segue o também policial civil Uirassu (fls. 412 e 413). Inclusive vai mais além. Salienta que, quando da denúncia anônima, houve a indicação de que o proprietário seria um tal de Leandro. Ao chegarem no local conta que: "... entramos no estabelecimento, estava tudo fechado e as luzes acesas, é um depósito grande, fica numa esquina chegamos na porta e chamamos por Leandro, e nisso a porta deu uma abridinha e nós entramos dentro e nos deparamos com aquela situação de flagrante, cinco elementos cortando vários veículos...". Confirma que todos os acusados estavam trabalhando, pois se encontravam sujos de graxa.

Neste passo, não restam dúvidas de que os cinco acusados sabiam serem produto de roubo os quatro veículos arrecadados, pois os estavam desmontando, para posteriormente promoverem a comercialização.

Restrito ao conteúdo dos seus interrogatórios já se constata evidências neste sentido. Para começar, a falta de informações sobre o suposto patrão. Tal demonstra se revestir de simples expediente visando afastar a própria responsabilidade, pois impossível crer que alguém exerceria trabalho vinculado sem ao menos saber como chegar a seu empregador. Também a presença deles durante noite, constitui outro elemento a ser considerado. O comportamento é próprio de quem está realizando tarefa ilícita, e não de alguém que foi recém contratado. Quando mais, nem ao menos o tal João se achava ali para fiscalizar o cumprimento das tarefas fora do expediente normal.

O relato dos policiais sedimenta a certeza da autoria.

A cena descrita, onde todos os acusados foram surpreendidos no instante do ato de desmanchar, pois manejavam as peças e estavam sujos de graxa, espanca eventual dúvida que pudesse persistir.

Oportuno destacar que a posse deles sobre os automóveis roubados, durante a noite, importa a inversão da presunção de inocência que poderia lhes socorrer. Não em termos de provas objetivas, mas sim da possibilidade de trazerem indícios aptos a dar sustento lógico às suas versões. O isolamento destas, mais os depoimentos dos policiais, autoriza perfeitamente a formação de convicção condenatória.

Nem se diga que os relatos dos policiais não merecem credibilidade por terem sido autores da prisão dos acusados. Não consta nos autos qualquer acusação de animosidade entre imputados e policiais. Isto determina o afastamento de qualquer suspeição visando satisfazer sentimento pessoal. Tampouco se cogita a presença de espírito emulativo no procedimento. Destarte, remanesce unicamente o desejo de esclarecer a verdade dos fatos, valendo os depoimentos a partir do exame de sua coerência, harmonia e congruência às circunstâncias incontroversas. Sob este prisma nem a defesa apresenta oposição.

Por fim, importa firmar que o elemento subjetivo, a ensejar o reconhecimento da receptação dolosa, por não explícito, há de ser observado pelos elementos circunstanciais externos que o possuidor apresenta em relação à coisa, evidenciando o dolo antecedente ou contemporâneo à aquisição da coisa, conforme a verossimilhança da sua versão que reste confirmada pelo contexto probatório. "Não se discute que, para a caracterização do delito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, é indispensável que o agente tenha prévia ciência da origem criminosa do objeto. Contudo, tendo em vista que se trata de um comportamento subjetivo, a prova, neste caso, é sutil e difícil. Assim, torna-se importante à verificação dos fatos circunstanciais que envolvem a infração e a conduta do agente" (Apelação 70019032747).

No caso dos autos, as circunstâncias alinhadas confirmam o dolo do tipo. Igualmente o fim de revenda. A fotografia à fl. 269, onde aparece o anúncio publicitário, afixado na frente do prédio, corrobora a assertiva.

Portanto, configurado no agir dos acusados as elementares do tipo penal a que foram dados como incursos, tendo eles agindo em concurso, dividindo tarefas para o fim delituoso erigido, sem que lhes favoreçam causas de exclusão da criminalidade, ficam sujeitos às respectivas sanções.

Já em relação aos crimes de adulteração de sinal e formação de quadrilha isto não acontece. Em primeiro lugar, ressente-se o processado de provas da existência da adulteração.

Há somente a arrecadação de diversas peças com inscrições aparentemente apagadas, mas sem que se saiba se originariamente elas dispunham numeração, e principalmente, se tal representava sinal identificador do veículo. Para tanto, indispensável a realização de exame por experto, não se mostrando suficiente a verificação visual, direta (in loco) ou indiretamente (por fotografia).

Neste sentido:

"... Para o decreto penal condenatório é indispensável a presença de prova robusta, extreme de dúvidas, que ofereça certeza da existência do delito e de sua autoria. Indício e presunção têm natureza jurídica diversa. Esta somente pode ser admitida no âmbito criminal, nas hipóteses previstas em lei..." (Embargos Infringentes 70008574402, Quarto Grupo de Câmaras Criminais do TJRS, Relator: Nereu José Giacomolli...).

Atinente ao delito de formação de quadrilha, deveria o Ministério Público fazer prova de que a união entre eles era estável e não o fez. A instrução processual somente revelou concurso de agentes, sem que qualquer permanência do vínculo, de maneira a se reconhecer a espécie penal versada.

Caberia à acusação demonstrar que eles se reuniram predispostos a praticar um número indeterminado de crimes. O contexto atual não permite superar o limite de convencimento de ser a associação meramente transitória e temporária. Ao que parece dirigida ao desmanche daqueles veículos apreendidos. Nem mesmo a menção de trabalhavam no local entre dois e quatro dias altera a conclusão.

Carecendo o processo de exame pericial se as demais peças eram oriundas de automóveis furtados e se eles foram os responsáveis pelo desmanche, a estabilidade e permanência só se pode presumir."

3. A situação em tela é igual àquela da posse da coisa furtada pelo agente. Sua constatação, como, repetindo, ocorreu aqui, faz prova do envolvimento dos possuidores no delito, criando uma inversão do ônus probatório. Por uma questão de lógica, a apreensão do objeto gera a presunção de autoria do fato por parte do detentor, devendo ele, então, justificar, de modo inequívoco, a posse legal do objeto. Uma justificação dúbia ou inverossímil transforma a presunção em certeza, autorizando a condenação.

Por isso, insistindo, acompanho o entendimento do Juiz de Direito, colhidos da prova apurada no processo, e que serviram para condenar os recorrentes pela prática de receptação dolosa. Também defendo:

"Não se discute que, para a caracterização do delito previsto no art. 180, caput, do Código Penal, é indispensável que o agente tenha prévia ciência da origem criminosa do objeto. Contudo, tendo em vista que se trata de um comportamento subjetivo, a prova, neste caso, é sutil e difícil. Assim, torna-se importante à verificação dos fatos circunstanciais que envolvem a infração e a conduta do agente." (ex., Apelação 70019032747).

"Em termos de prova convincente, os depoimentos dos policiais envolvidos nas diligências preponderam sobre a do réu. Esta preponderância resulta da lógica e da razão, pois não se imagina que, sendo a primeira uma pessoa séria e idônea, e sem qualquer animosidade específica contra o agente, vá a juízo e mentir, acusando um inocente. Deve-se examinar a declaração pelos elementos que contém, confrontando-o com as outras provas ou indícios obtidos na instrução e discute-se a pessoa do depoente. Se a prova sobrevive depois desta análise, ela é forte para a condenação, não importando quem a trouxe." (ex., Apelação 70022000053).

"A detenção da coisa subtraída na posse do agente pode fazer prova de seu envolvimento no furto, criando uma inversão do ônus probatório. Por uma questão de lógica, a apreensão do objeto gera a presunção de autoria do fato por parte do detentor, devendo ele, então, justificar, de modo inequívoco, a posse legal do objeto. Uma justificação dúbia ou inverossímil transforma a presunção em certeza, autorizando a condenação." (ex., Apelação 70024969875).

E também quanto à absolvição pelos crimes de adulteração de sinal identificador de veículo e formação de quadrilha:

"Para prolação de um decreto penal condenatório é indispensável prova robusta que dê certeza da existência do delito e seu autor. A íntima convicção do Julgador deve sempre se apoiar em dados objetivos indiscutíveis. Caso contrário, transforma o princípio do livre convencimento em arbítrio." (ex., Apelação 70003156254).

4. Assim, nos termos supra, nego provimento aos apelos.

Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Danúbio Edon Franco (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. DANÚBIO EDON FRANCO - Presidente - Apelação Crime nº 70034054098, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS."

Julgador(a) de 1º Grau: LÉO PIETROWSKI





JURID - Receptação dolosa. Palavra dos policiais. Valor. [17/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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