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quinta-feira, 18 de março de 2010

JURID - Inconst. da Res. 80/2008/CONEP [18/03/10] - Jurisprudência


Sistema de cotas para ingresso nos cursos de graduação com estabelecimento de critérios que discriminam os candidatos ao vestibular por origem (escola pública ou escola privada) e por etnia (negros, pardos, índios ou brancos).
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV


JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

PROCESSO N° 0001018-42.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: ANDRÉ LUIS SANTOS DE MORAES
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE



ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DA IMPETRANTE NO CURSO DE MEDICINA PARA O QUAL FOI CLASSIFICADA NO 77º LUGAR DENTRE AS CEM VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

ANDRÉ LUIS SANTOS DE MORAES
, qualificado na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da Universidade Federal de Sergipe - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS, disputando uma das cem vagas oferecidas para o Curso de Medicina, somando 15.558,32 pontos, classificando-se na 87ª posição no ranking do certame, porém não foi convocado, tendo em vista que, com base nas

Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS, das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que, por essa razão, as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito do demandante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No mais, ressalta que a pontuação obtida pela maioria dos "cotistas" foi inferior a dos alunos "não-cotistas" que, em decorrência do Sistema de Cotas adotado findaram por ser alijados da seleção.

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS sobretudo porque, segundo o disposto no art. 21,XXIV, da Constituição Federal, está reservado à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Pede que seja deferida a antecipação da tutela, ante a presença dos requisitos autorizadores, determinando-se a sua matrícula no Curso de Medicina, vez que obteve pontuação suficiente para ingressar dentre as vagas ofertadas, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Requer a declaração, incidental, da inconstitucionalidade/nulidade da Resolução nº 80/2008, expedida pela UFS, através de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, e, por fim, o reconhecimento da aprovação do autor no concurso vestibular 2009/2010.

Pugna pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

Junta os documentos de fls. 18/56.

Determinada a distribuição regular do feito, ante a inexistência de conexão entre as demandas apontadas, fl. 57.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida, prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão

financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."


E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou

que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na

Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

De mais a mais, o art. 206 da Carta Constitucional faz referência, especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência.

Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os

candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar ao requerente o acesso à UFS, como vestibulando aprovado para o Curso de Medicina na 87ª colocação, vez que foram oferecidas cem vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e as autoridades que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula do postulante no Curso de Medicina para o qual foi aprovada no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes, juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e o requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal. P.R.I

Aracaju, 03 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


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PROCESSO N° 0001019-27.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: DANIEL VÍTOR TAVARES OLIVEIRA
RÉU: UFS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DO DEMANDANTE NO CURSO DE MEDICINA PARA O QUAL FOI CLASSIFICADO NO 54º LUGAR DENTRE AS CEM VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

DANIEL VÍTOR TAVARES OLIVEIRA
, qualificado na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS disputando uma das cem vagas oferecidas para o Curso de Medicina, somando 15.704,65 pontos classificando-se na 54ª posição no ranking do certame, porém não foi convocado, tendo em vista que com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS, das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que, por essa razão, as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito do demandante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, in ciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No mais, ressalta que a pontuação obtida pela maioria dos "cotistas" foi inferior a dos alunos "não-cotistas" que, em decorrência do Sistema de Cotas adotado findaram por ser alijados da seleção.

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS sobretudo porque, segundo o disposto no art. 21,XXIV, da Constituição Federal, está reservado à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Pede que seja deferida a antecipação da tutela, ante a presença dos requisitos autorizadores, determinando-se a sua matrícula no Curso de Medicina, vez que obteve pontuação suficiente para ingressar dentre as vagas ofertadas, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Requer a declaração, incidental, da inconstitucionalidade/nulidade da Resolução nº 80/2008, expedida pela UFS, através de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, e, por fim, o reconhecimento da aprovação do autor no concurso vestibular 2009/2010.

Pugna pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

Junta os documentos de fls. 18/56.

Custas pagas, fl. 20.

Determinada a distribuição regular do feito, ante a inexistência de conexão entre as demandas apontadas, fl. 57.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão

financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."


E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

Olvidou-se a UFS, todavia, em fazer referência ao art. 206 da Carta Constitucional especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que, explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência.

Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os

candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar ao requerente o acesso à UFS, como vestibulando aprovado para o Curso de Medicina na 54ª colocação, vez que foram oferecidas cem vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e aqueles que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula do postulante no Curso de Medicina para o qual foi aprovada no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e o requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal. P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


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PROCESSO N° 0000916-20.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: IVO LIMA DE OLIVEIRA
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DO DEMANDANTE NO CURSO DE MEDICINA PARA O QUAL FOI CLASSIFICADO NO 74º LUGAR DENTRE AS CEM VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

IVO LIMA DE OLIVEIRA
, qualificado na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da Universidade Federal de Sergipe - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS, disputando uma das cem vagas oferecidas para o Curso de Medicina, somando 15.599,34 pontos, classificando-se na 74ª posição no ranking do certame, porém não foi convocado, tendo em vista que, com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS, das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito da impetrante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Alude, também, a ocorrência de desrespeito ao disposto nos arts. 205, 206, I e 227 da Carta Magna que consideram a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS, pois tem a ver com a competência da instituição para definir o conhecimento a ser transmitido, bem como sua forma de transmissão, envolvendo o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive a possibilidade de experimentar novos currículos e fazer experiências pedagógicas.

Reporta-se ao disposto no art. 21, XXIV, da Constituição Federal, que reserva à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que foi concretizado através da Lei nº 9.394/96.

Arremata que a educação superior é serviço público e o acesso aos quadros da Universidade deve obedecer aos princípios e normas que regem a Administração Pública especialmente quanto ao critério do mérito acadêmico, que visa selecionar os melhores candidatos pois não se destina a proteger interesses individuais e sim interesses sociais, com o retorno futuro de serviço de melhor qualidade para a sociedade.

Pede que seja deferida a antecipação da tutela para declarar a ilegalidade/inconstitucionalidade, de forma incidental, dos arts. 2º e 3º da Resolução nº 80/2008-CONEPE, determinando-se a sua matrícula no Curso de Medicina, pois aprovado na 74ª colocação sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Requer a distribuição desta ação por dependência à de nº 0000713.58.2010.4.058500 por se tratarem de ações conexas, com o mesmo objeto.

Pede o benefício da justiça gratuita.

Junta os documentos de fls. 17/36.

Determinada a distribuição regular do feito, ante a inexistência de conexão entre as

demandas apontadas, fl. 37.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


Inicialmente, defiro ao autor o benefício da justiça gratuita pleiteado na exordial.

A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."

E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

Olvidou-se a UFS, todavia, em fazer referência ao art. 206 da Carta Constitucional especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que, explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior. Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência.

Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar ao requerente o acesso à UFS, como vestibulando aprovado para o Curso de Medicina na 74ª colocação, vez que foram oferecidas cem vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e as autoridades que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula do postulante no Curso de Medicina para o qual foi aprovado no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes, juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e o requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal.

P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


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PROCESSO N° 0000960-39.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: JOÃO VINÍCIUS SANTOS CRAVEIRO
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR

ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DO DEMANDANTE NO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA PARA O QUAL FOI CLASSIFICADO NO 31º LUGAR DENTRE AS CINQUENTA VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

JOÃO VINÍCIUS SANTOS CRAVEIRO
, qualificado na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da Universidade Federal de Sergipe - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS, disputando uma das cem vagas oferecidas para o Curso de Medicina Veterinária, somando 10.523,68 pontos classificando-se na 31ª posição no ranking do certame, porém não foi convocado, tendo em vista que com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS, das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito da impetrante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Alude, também, a ocorrência de desrespeito ao disposto nos arts. 205, 206, I e 227 da Carta Magna que consideram a educação como direito de todos e dever do Estado e da família.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS, pois tem a ver com a competência da instituição para definir o conhecimento a ser transmitido, bem como sua forma de transmissão, envolvendo o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive a possibilidade de experimentar novos currículos e fazer experiências pedagógicas.

Reporta-se ao disposto no art. 21, XXIV, da Constituição Federal, que reserva à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que foi concretizado através da Lei nº 9.394/96.

Arremata que a educação superior é serviço público e o acesso aos quadros da Universidade deve obedecer aos princípios e normas que regem a Administração Pública especialmente quanto ao critério do mérito acadêmico, que visa selecionar os melhores candidatos pois não se destina a proteger interesses individuais e sim interesses sociais, com o retorno futuro de serviço de melhor qualidade para a sociedade.

Suscita outros inúmeros argumentos, bem como apresenta diversos requerimentos os quais serão examinados por ocasião da sentença.

Pede que a declaração da ilegalidade/inconstitucionalidade, de forma incidental, dos arts. 2º e 3º da Resolução nº 80/2008-CONEPE, determinando-se a sua matrícula no Curso de Medicina Veterinária, pois aprovado na 31ª colocação, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Pede que seja deferida a antecipação de tutela, ante a presença dos requisitos autorizadores, determinando-se a sua matrícula no Curso de Medicina Veterinária, vez que obteve pontuação suficiente para ingressar dentre as vagas ofertadas, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Pleiteia, por fim, que seja determinado, com urgência, que a Universidade Federal de Sergipe informe o endereço de todos os cotistas pré-classificados, diante a possível necessidade de composição do pólo passivo, sob pena de se inviabilizar a celeridade processual, o acesso à justiça, e o próprio direito subjetivo do requerente, sem prejuízo do estabelecimento do contraditório e da ampla defesa.

Pugna pela concessão do benefício da justiça gratuita e pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

Junta os documentos de fls. 68/158.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


Inicialmente, defiro ao autor o benefício da justiça gratuita pleiteado na exordial.

Quanto ao pedido de intimação da UFS para que informe o endereço de todos os cotistas pré-classificados, sob o argumento da possível necessidade de composição do pólo passivo indefiro-o, por entender que eventual decisão favorável ao acionante não afetará a esfera jurídica dos candidatos cotistas, vez que a sua pretensão é obter uma das vagas dentre as cinquenta ofertadas no Curso de Medicina Veterinária para o Vestibular 2010, e não excluir as vagas destinadas aos cotistas.

A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."

E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

De mais a mais, o art. 206 da Carta Constitucional faz referência, especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência. Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar ao requerente o acesso à UFS, como vestibulando aprovado para o Curso de Medicina Veterinária na 31ª colocação, vez que foram oferecidas cinquenta vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e as autoridades que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula do postulante no Curso de Medicina Veterinária para o qual foi aprovado no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes, juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e o requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal.

P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


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PROCESSO N° 0000942-18.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: LARA LIZIANE SÃO MATEUS CORREIA
RÉU: UFS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DA DEMANDANTE NO CURSO DE DIREITO DIURNO PARA O QUAL FOI CLASSIFICADA NO 30º LUGAR DENTRE AS CEM VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

LARA LIZIANE SÃO MATEUS CORREIA
, qualificada na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS disputando uma das cem vagas oferecidas para o Curso de Direito Diurno, somando 13.718,71 pontos classificando-se na 30ª posição no ranking do certame, porém não foi convocada, tendo em vista que com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS, das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que, por essa razão, as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito do demandante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No mais, ressalta que a pontuação obtida pela maioria dos "cotistas" foi inferior a dos alunos "não-cotistas" que, em decorrência do Sistema de Cotas adotado findaram por ser alijados da seleção.

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS sobretudo porque, segundo o disposto no art. 21,XXIV, da Constituição Federal, está reservado à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Pede que seja deferida a antecipação da tutela, ante a presença dos requisitos autorizadores, determinando-se a sua matrícula no Curso de Direito Diurno, vez que obteve pontuação suficiente para ingressar dentre as vagas ofertadas, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Requer a declaração, incidental, da inconstitucionalidade/nulidade da Resolução nº 80/2008, expedida pela UFS, através de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, e, por fim, o reconhecimento da aprovação da parte autora no concurso vestibular 2009/2010.

Pugna pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

Junta os documentos de fls. 18/103.

Custas pagas, fl. 104.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."

E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

Olvidou-se a UFS, todavia, em fazer referência ao art. 206 da Carta Constitucional especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que, explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência.

Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar à requerente o acesso à UFS, como vestibulanda aprovada para o Curso de Direito Diurno na 30ª colocação, vez que foram oferecidas cem vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e aqueles que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula da postulante no Curso de Direito Diurno para o qual foi aprovada no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e a requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal.

P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


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PROCESSO N° 0000951-77.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: THAYSA SOUZA SANTANA
RÉU: UFS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DA DEMANDANTE NO CURSO DE DIREITO DIURNO PARA O QUAL FOI CLASSIFICADA NO 29º LUGAR DENTRE AS CINQUENTA VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

THAISA SOUZA SANTANA
, qualificada na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS, disputando uma das cinquenta vagas oferecidas para o Curso de Direito Diurno, somando 13.781,17 pontos, classificandose na 29ª posição no ranking do certame, porém não foi convocada, tendo em vista que, com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que, por essa razão, as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito do demandante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No mais, ressalta que a pontuação obtida pela maioria dos "cotistas" foi inferior a dos alunos "não-cotistas" que, em decorrência do Sistema de Cotas adotado findaram por ser alijados da seleção.

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS sobretudo porque, segundo o disposto no art. 21,XXIV, da Constituição Federal, está reservado à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Pede que seja deferida a antecipação da tutela, ante a presença dos requisitos autorizadores, determinando-se a sua matrícula no Curso de Direito Diurno, vez que obteve pontuação suficiente para ingressar dentre as vagas ofertadas, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmando-se o provimento liminar, na sentença.

Requer a declaração, incidental, da inconstitucionalidade/nulidade da Resolução nº 80/2008, expedida pela UFS, através de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, e, por fim, o reconhecimento da aprovação da parte autora no concurso vestibular 2009/2010.

Pugna pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

Junta os documentos de fls. 18/94.

Custas pagas, fl. 19.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."

E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

Olvidou-se a UFS, todavia, em fazer referência ao art. 206 da Carta Constitucional especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que, explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das

Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência. Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialmente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar à requerente o acesso à UFS, como vestibulanda aprovada para o Curso de Direito Diurno na 29ª colocação, vez que foram oferecidas cinquenta vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e aqueles que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações, concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula da postulante no Curso de Direito Diurno para o qual foi aprovada no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e a requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal.

P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta


*******************************************************


PROCESSO N° 0000874-68.2010.4.05.8500
CLASSE: AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR: VÍTOR DÉDA DE OLIVEIRA
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. UNIVERSIDADE PÚBLICA. UFS. SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO COM ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS QUE DISCRIMINAM OS CANDIDATOS AO VESTIBULAR POR ORIGEM (ESCOLA PÚBLICA OU ESCOLA PRIVADA) E POR ETNIA (NEGROS, PARDOS, ÍNDIOS OU BRANCOS). RESOLUÇÃO Nº 80/2008/CONEP. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL PARA A DISCRIMINAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DO MÉRITO ACADÊMICO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 37 DA CARTA MAGNA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA PARA DETERMINAR A MATRÍCULA DO DEMANDANTE NO CURSO DE DIREITO NOTURNO PARA O QUAL FOI CLASSIFICADO NO 31º LUGAR DENTRE AS CINQUENTA VAGAS OFERTADAS PELA UFS.

DECISÃO:

VITOR DEDA DE OLIVEIRA
, qualificado na proemial, ajuíza AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da Universidade Federal de Sergipe - UFS, alegando que se inscreveu e participou do Concurso Vestibular 2010 da UFS, disputando uma das cinquenta vagas oferecidas para o Curso de Direito Noturno, somando 12.837,40 pontos, classificando-se na 31ª posição no ranking do certame, porém não foi convocado, tendo em vista que, com base nas Resoluções nº 80/2008 e 85/2009, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONEP da UFS das vagas ofertadas, 50% estariam "reservadas" a candidatos "privilegiados" em razão de sua etnia e condição social. Assim, 35% das vagas foram destinadas a candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino e se autodeclarem "pardos", "negros" ou "indígenas" (Grupo C); 14% das vagas foram destinadas para candidatos que tenham cursado integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas de ensino de qualquer grupo racial (Grupo B); uma vaga foi destinada para candidatos portadores de necessidades especiais (Grupo D).

Aduz que remanescem 50% das vagas (Grupo A) para serem disputadas por aqueles que não se enquadrem nos Grupos A e B, salientando que, nestas circunstâncias, o candidato oriundo da escola pública concorre a 99% das vagas do aludido Concurso Vestibular, pois ele se subsume nos Grupos A, B e C. Enfatiza que, enquanto isso, aqueles procedentes da escola particular, ainda que sejam "negros", "pardos" ou "indígenas", só concorrem a 50% das vagas.

Adita que o único requisito a ser aceito para o critério de separação de vagas é o da maior pontuação, critério este que, de fato, colocaria os candidatos em situação de igualdade, uma vez que avaliaria, tão somente, a capacidade intelectual de cada candidato.

Argúi que as Resoluções 80/2008 e 85/2009 do CONEP/UFS violam o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, que veda distinção de tratamento entre as pessoas, mesmo em razão de cor, raça ou condição social e que a norma restritiva do direito da impetrante - mera diretriz interna corporis - não está respaldada por nenhuma lei em sentido estrito e nem poderia ser essa lei editada porque ofenderia o art. 3º, inciso IV, da Lei Maior, que não admite preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Alude, também, a ocorrência de desrespeito ao disposto nos arts. 205, 206, I e 227 da Carta Magna que consideram a educação como direito de todos e dever do Estado e da família.

Pontua que não existe qualquer critério objetivo e científico que permita identificar alguém como "negro", "branco" ou "amarelo", "muito menos uma auto-declaração pode servir para atribuição de tal qualidade", "haja vista que o diagnóstico fundado na morfologia e constituição corporal sabidamente não identifica a raça e que tal critério de acesso às vagas de UFS afronta o princípio constitucional da igualdade, especificamente, o da igualdade de condições ao acesso e permanência na escola, impondo uma injustificada discriminação aos demais candidatos".

No que toca às cotas destinadas aos que tenham cursado integralmente o ensino em instituição pública, afirma que se trata de clara afronta ao dispositivo constitucional que determina ao Estado promover a educação com garantia de padrão de qualidade, sugerindo tal medida que o próprio Estado não está cumprindo com seu dever constitucional de dotar o ensino público da eficiência exigida.

Considera que a autonomia didática não é fundamento para o estabelecimento do Sistema de Cotas na UFS, pois tem a ver com a competência da instituição para definir o conhecimento a ser transmitido, bem como sua forma de transmissão, envolvendo o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive a possibilidade de experimentar novos currículos e fazer experiências pedagógicas.

Reporta-se ao disposto no art. 21, XXIV, da Constituição Federal, que reserva à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que foi concretizado através da Lei nº 9.394/96.

Arremata que a educação superior é serviço público e o acesso aos quadros da Universidade deve obedecer aos princípios e normas que regem a Administração Pública especialmente quanto ao critério do mérito acadêmico, que visa selecionar os melhores candidatos pois não se destina a proteger interesses individuais e sim interesses sociais, com o retorno futuro de serviço de melhor qualidade para a sociedade.

Pede que seja deferida a antecipação de tutela para declarar a ilegalidade/inconstitucionalidade, de forma incidental, dos arts. 2º e 3º da Resolução nº 80/2008-CONEPE, determinando-se a sua matrícula no Curso de Direito Noturno, pois aprovado na 31ª colocação, sem que se leve em conta os óbices das ações afirmativas relativas às vagas destinadas a alunos provenientes da escola pública ou que se declarem "negros", "pardos" ou "índios", confirmandose o provimento liminar, na sentença.

Requer a distribuição desta ação por dependência as de nºs 000735.19.2010.4.058500, 0000736.04.2010.4.058500, 0000731.58.2010.4.05.8500 e 0000713.58.2010.4.058500, por se tratarem de ações conexas, com o mesmo objeto.

Junta os documentos de fls. 14/23.

Custas pagas, fl. 25.

O MM. Juiz Distribuidor determinou que se procedesse à distribuição livremente do feito, por entender que não há conexão ou continência, mas simples similitude de causa de pedir.

É O BREVE RELATO.

DECIDO.


A questão trazida à apreciação deste Juízo deve ser analisada e decidida prevalentemente, à luz do direito aplicável, inobstante reconheça que razões histórico-sociológicas políticas e econômicas devem ser sopesadas e mereçam consideração.

Nessa trilha, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito como definido no art. 1º da Constituição Federal - Lei Máxima do Estado - e que estabeleceu lapidarmente, o princípio da legalidade, como um dos alicerces do Estado de Direito, inserindo no inciso II do art. 5º que:

"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."

Também como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, foi plasmado na Lei Suprema o princípio da igualdade, assim positivado:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

Merece ressaltar, outrossim, que, na forma do art. 3º, IV, da Carta Política constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

"promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

Em se observando os mandamentos da Constituição Federal, deles se extrai que somente ela pode discriminar ou autorizar tratamento diferenciado entre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes, sendo vedada qualquer forma de discriminação infraconstitucional não tutelada no Texto Supremo. Sequer a lei poderá estabelecer discriminação de tratamento entre as pessoas senão autorizada pela Lei Maior. É proibido, literalmente, que a lei estatua disciplinamento diferenciado em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e outras quaisquer formas de discriminação. Onde a Constituição não discrimina, não poderá a lei fazê-lo. Sob esse prisma é que se vislumbra que o constituinte determinou tratamento mais favorecido aos deficientes, aos idosos, às mulheres, às crianças e adolescentes, aos consumidores, às microempresas e empresas de pequeno porte, onde a lei disciplinará a matéria obedecendo ao discrimem constitucional.

Ao tratar da educação, a Constituição Federal objetivou tratar-se de direito de todos e dever do Estado, em seu art. 205:

"Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Estabeleceu, no art. 206, I, VI e VII, que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

.................................................................................................

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de "qualidade".

Por seu turno, o art. 207 da Carta Magna patenteou:

"As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão."

E, ainda, o art. 208, V, da Lei Suprema, no que pertine ao tema em estudo, assentou que:

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.................................................................................................

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um;"


Gize-se que o art. 22, XXIV, da Constituição Federal atribuiu competência privativa à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e, nesse toar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inspirada no Texto Constitucional, reprisou os princípios plasmados na Carta Política e estatuiu:

"Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

.................................................................................................

II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo."


Cuidando da autonomia universitária, prevista no art. 207 da Constituição Federal tratam os arts. 53 e 54 da Lei nº 9.394/96, neles inexistindo qualquer referência à outorga de poderes para as Universidades Públicas instituírem Sistemas de Ingresso nos Cursos de Graduação mediante o estabelecimento de políticas públicas que contemplem ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos.

É óbvio que a Resolução nº 80/2008/CONEP extrapolou os limites de competência do Colegiado, tratando de matéria alusiva a ingresso na Universidade Pública, com normas discriminatórias não autorizadas na Carta Magna e, se houvesse essa autorização, seria dirigida à lei em sentido estrito, jamais a um Colegiado Administrativo, sem qualquer representação política e que não está apto a estabelecer políticas públicas que envolvam uma questão tão delicada quanto discriminação em razão de origem (escola pública ou particular) e em razão de raça ou cor (negros pardos, índios e brancos). Legislar o CONEP sobre matéria reservado ao Congresso Nacional é usurpar competência do Poder Legislativo.

O estabelecimento do Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas é antes de tudo, uma questão jurídica, que não encontra amparo na Carta Magna, onde foi vedado tratamento discriminatório dessa natureza e que sequer a lei ousou disciplinar ainda e, se o fizer certamente ensejará discussões acirradas acerca de sua adequação à Lei Magna.

Vê-se da Resolução inquinada que ela se destina a instituir "o programa de ações afirmativas para garantia de acesso de grupos menos favorecidos à Universidade Federal de Sergipe" e tem seu fundamento jurídico nos arts. 205 e 207 da Carta Política.

Ressalte-se, contudo, que os dispositivos em apreço, já transcritos acima no que pertine à matéria em exame, em nada respaldam a Resolução nº 80/2008/CONEP.

O art. 205 não disciplinou qualquer forma de discriminação para o ingresso na Universidade Pública, antes caminhou no sentido de estabelecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O art. 207 patenteia que as Universidades gozam de autonomia didático-científica administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Não enxergo no dispositivo qualquer autorização para edição de Resolução pela Universidade, disciplinando qualquer forma de ingresso mediante discriminação por qualquer critério.

A autonomia didático-científica das Universidades está adstrita aos princípios e normas constitucionais e cinge-se à competência para definir o conhecimento a ser difundido e a sua forma de transmissão, bem assim o estabelecimento de critérios e normas para avaliação do desempenho dos estudantes e professores, inclusive fixar novos currículos e propugnar por inovações pedagógicas científicas e tecnológicas.

A autonomia administrativa das Universidades circunscreve-se ao seu poder de autogestão executando todos os atos administrativos autorizados pela lei, não se incluindo aí criar normas reservadas à lei em sentido formal.

Logicamente, a autonomia financeira e patrimonial também não fundamenta o disciplinamento de forma de ingresso no ensino superior.

Olvidou-se a UFS, todavia, em fazer referência ao art. 206 da Carta Constitucional especialmente aos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) - o que, explicitamente, veda a adoção de critérios diferenciados para o ingresso nas Instituições de Ensino Superior Públicas no País; da gestão democrática do ensino pública, na forma da lei (inciso VI) - o que, significa que a adoção de qualquer política pública no âmbito das Universidades é informada pelo critério do mérito, que é fundamental para a vida acadêmica e a obtenção de centros de excelência no ensino e na formação de profissionais de nível superior.

Reafirmando a impossibilidade de discriminação quanto ao ingresso na Escola Pública Superior, o art. 208, inciso V, da Carta Política positiva que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Seguindo essa diretriz, o art. 44, II, da Lei nº 9.394/96, estatui que a educação superior abrangerá os cursos de graduação, que serão abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo.

Da análise dos dispositivos em tela, emerge que, indubitavelmente, o ingresso na Universidade Pública foi atrelado ao princípio do mérito acadêmico, sem qualquer discriminação ou restrição, para que seja produzido o melhor em ensino, pesquisa e extensão. A Universidade não foi criada como instrumento de defesa de interesses étnicos ou de interesses de classes sociais ou de parcelas da população ainda dependentes de inclusão social. A Universidade é um patrimônio estatal e coletivo e não pode se palco de disputas entre aqueles que se declaram "negros", "pardos", "índios" e "brancos". Deve, sim, na forma da lei, garantir a todos, indistintamente, o acesso aos seus serviços educacionais pelo mérito, que, para ingresso nos cursos de graduação é medido através do Concurso Vestibular, em igualdade de condições para todos os candidatos.

Os serviços prestados pela Universidade Pública são serviços públicos por excelência e estão sujeitos aos princípios que informam a Administração Pública, a teor do que prescreve o art. 37 da Constituição Federal, devendo todos os atos normativos ou administrativos emanados da Universidade obedecerem à legalidade, à impessoalidade, à moralidade, à publicidade e à eficiência. Direcionar vagas acadêmicas, através de processo seletivo público, sem autorização constitucional, mediante discriminação pela origem (escola pública ou particular) ou por etnia ("brancos", "negros", "pardos", "índios") viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência universitária.

Em que pese não seja uma questão jurídica, pretende a Universidade, com a implantação do Sistema de Cotas, corrigir distorções visivelmente existentes na sociedade brasileira e cuja culpa não cabe às Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil, e sim às políticas governamentais empreendidas na área do social e, especialm ente, da educação, durante várias décadas, com o sucateamento da escola pública, na área do ensino fundamental e médio, fazendo com que muitos, à custa de grandes sacrifícios e privações, recorressem ao ensino particular, tão incentivado pelo Poder Público e certamente mais qualificado e eficiente.

A Resolução indigitada parece ter esquecido que nem todas as escolas particulares são freqüentadas por aqueles alunos considerados de maior poder aquisitivo e que também em escolas particulares estudam aqueles que se auto-declaram "negros", "pardos" e "índios". Talvez, se a Universidade houvesse feito um recenseamento, veria que várias escolas particulares do Estado de Sergipe são freqüentadas por pessoas humildes que, com muito sacrifício, buscam um ensino mais qualificado, a exemplo daqueles que freqüentam escolas laicas ou confessionais, gratuitas ou filantrópicas, que foram marginalizadas do Sistema de Cotas implantado na UFS.

Nesta situação estão as muitas escolas particulares e filantrópicas de bairros e do interior do Estado, onde as mensalidades são módicas e custeadas com imenso sacrifício pelos pais de alunos de todos esses matizes étnicos e condição econômica menos favorecida, porém foram esquecidas pelo Sistema de Cotas da UFS.

A omissão do Estado em prover ensino público eficiente e qualificado não pode ensejar a que pais e estudantes sejam surpreendidos por uma política de cotas que discrimina e pune de forma odiosa os oriundos da escola particular, independentemente da raça a que supostamente pertencem mesmo que demonstrem eficiência e aptidão para o ingresso na Universidade, mediante a obtenção de pontuação superior àqueles que a Resolução privilegia.

Até parece que o país e um paraíso em todos os seus quadrantes e que não existe qualquer outra discriminação social a corrigir, devendo os jovens vestibulandos das escolas particulares - autorizadas pelo próprio Estado - e com presunção de tratamento igualitário de seus egressos com aqueles procedentes das escolas públicas, pagarem pelo descaso do Poder Público com a qualidade do ensino público.

O ensino fundamental e médio era excelente e o Estado permitiu a sua precarização e agora poderá fragilizar a Universidade Pública, porque o Sistema de Cotas, da forma como adotado pode significar um golpe mortal na Academia, inclusive reacendendo as disputas entre aqueles supostamente integrantes das diversas etnias envolvidas na questão, além dos possíveis conflitos entre alunos vindos das escolas públicas e particulares.

A prevalecer a medida adotada pela UFS para ingresso no quadro discente, daqui a pouco teremos outras formas de Sistemas de Cotas ao arrepio da Carta Suprema, como para ingresso nas carreiras do serviço público, a exemplo da Magistratura e Ministério Público; para eleição dos parlamentares, que comporão o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais; para a Diplomacia, dentre outras carreiras típicas de Estado onde o concurso público é a única via de acesso aos cargos públicos, sem qualquer discriminação, excetuadas aquelas preconizadas pela Carta Política, como é o caso dos portadores de necessidades especiais.

Outra questão gravíssima a considerar na política de cotas plasmada pela UFS é que não foi previsto rendimento mínimo, uma nota de corte, para os candidatos, podendo haver um grande fosso entre os concorrentes de cada grupo, advindo, quiçá, um desestímulo aos estudos para os postulantes à Universidade Pública.

O Sistema de Cotas proposto inverte a ordem material e lógica das coisas, pois, ao invés de levar o aluno à Universidade, levou a Universidade ao aluno.

A solução do problema que tentou resolver a combatida Resolução não é reduzir o nível de exigência para o ingresso no ensino superior público, mas, através de políticas públicas sérias e profundas, intervir o Estado no ensino público fundamental e médio, dotando-o da infraestrutura e da qualidade adequadas.

A Resolução atacada relativiza o princípio do mérito, que tem natureza republicana.

Certamente, o melhor raciocínio não será conceber que, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar, para possibilitar uma maior disputa entre os candidatos no Vestibular. Triste conclusão e que poderá aniquilar a atividade acadêmica.

Afinal, "talento não tem cor nem classe social" e pode vir da escola pública, da particular, das religiosas, das filantrópicas, de qualquer uma entidade educacional, sem que se viole o princípio republicano do mérito e o princípio democrático da interdição de discriminações não estampadas na Carta Política.

Assim, como demonstrado, se não há autorização constitucional para discriminação pelo Sistema de Cotas para ingresso nas Universidades Públicas e se o objetivo do legislador supremo é obter a seleção pelo mérito, não há como negar ao requerente o acesso à UFS, como vestibulando aprovado para o Curso de Direito Noturno na 31ª colocação, vez que foram oferecidas cinquenta vagas para o mencionado curso.

POSTO ISSO, e com todo o respeito que me merecem a UFS e as autoridades que defendem o Sistema de Cotas para ingresso na Universidade Pública e os candidatos aprovados pelo referido Sistema, por entender presentes a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações concedo a tutela antecipada requestada, para determinar à ré que proceda à matrícula do postulante no Curso de Direito Noturno para o qual foi aprovado no Exame Vestibular Seriado 2010, sem que se leve em conta os óbices estabelecidos na Resolução aqui declarada inconstitucional e nas normas dela decorrentes, juntando aos autos, em cinco dias, comprovante da aludida matrícula.

Intime-se a ré para cumprir esta decisão e o requerente para que compareça ao Departamento de Administração Acadêmica para efetuar a sua matrícula institucional imediatamente.

Cite-se a ré para oferecer contestação, no prazo legal.

P.R.I

Aracaju, 04 de março de 2010.


Juiz Edmilson da Silva Pimenta



JURID - Inconst. da Res. 80/2008/CONEP [18/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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