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segunda-feira, 22 de março de 2010

JURID - Apelação. Crime ambiental. Art. 54, caput, da L. nº 9.605/98 [19/03/10] - Jurisprudência


Apelação. Crime ambiental. Art. 54, caput, da lei nº 9.605/98. Atividade potencialmente poluidora.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS

PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 10/03/2010

APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. atividade potencialmente poluidora. insuficiencia probatória. absolvição.

Ausente prova pericial, para comprovar a potencialidade poluidora da atividade exercida pelo réu, o delito do art. 54 da lei ambiental não restou plenamente configurado. Absolvição impositiva. Recurso da defesa provido e prejudicado o apelo do MP.

Apelação Crime: Nº 70033574377

Quarta Câmara Criminal: Comarca de São Pedro do Sul

APELANTE/APELADO: MINISTERIO PUBLICO

APELANTE/APELADO: GILBERTO LUIS BORTOLUZZI

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação da defesa, para absolver o réu Gilberto Luis Bortoluzzi, da imputação do art. 54, caput, da lei nº 9.605/98, com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP, ficando prejudicado o apelo do Ministério Público.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Marcelo Bandeira Pereira (Presidente) e Des. Constantino Lisbôa de Azevedo.

Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2010.

DES. GASPAR MARQUES BATISTA,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Gaspar Marques Batista (RELATOR)

GILBERTO BORTOLLUZI foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 54, "caput", da Lei n.º 9.605/98, na forma do artigo 71, do Código Penal. A partir do mês de maio de 2004, na localidade de Água Boa, BR 287, em São Pedro do Sul, o denunciado, por diversas vezes, teria causado poluição em níveis capazes de resultar danos à saúde humana e ao meio ambiente equilibrado. Nas ocasiões, o denunciado, que mantinha em funcionamento um engenho de arroz sem o devido licenciamento ambiental, procedia à secagem do arroz, lançando, inadequadamente, mercê da combustão do material e da ausência de filtros nas peneiras, os resíduos sólidos na atmosfera, bem como na direção da residência dos vizinhos.

A denúncia foi recebida no dia 03 de outubro de 2006 (fl. 39).

O réu foi citado e interrogado (fls. 53/54), apresentando defesa prévia através de defensor constituído (fls. 55/56).

Durante a instrução foram inquiridas seis testemunhas (fls. 79/84).

Em memoriais, o Ministério Público requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia, argumentando restarem comprovadas a autoria e a materialidade do delito (fls. 449/454).

A defesa, por sua vez, pugnou pela absolvição, em face da ausência de comprovação da materialidade do fato narrado na inicial (fls. 459/465).

Sobreveio sentença, na qual foi julgada procedente a denúncia, para condenar o réu, pela prática do delito previsto no artigo 54, "caput", da Lei n.º 9.605/98, na forma do artigo 71, do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e multa. Substituída a prisional por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária (fls. 466/473).

Irresignadas, ambas as partes apelaram.

O Ministério Público, em suas razões, suscitou a reforma da sentença, a fim de readequar o prazo da pena restritiva de direitos aplicada ao réu, fixando-se em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de prestação de serviços à comunidade, podendo cumprir em prazo de, no mínimo, 15 meses (fls. 483/489).

A defesa pleiteou a absolvição, sustentando que inexistem nos autos qualquer elemento de prova capaz de gerar o convencimento de que, efetivamente, houve poluição, em tese, noticiada na exordial acusatória (fls. 495/502).

Os recursos foram contrarrazoados (fls. 492/493 e 503/507v.).

A Dra. Procuradora de Justiça opinou pelo provimento do recurso defensivo (fls. 513/517v.).

É o relatório.

VOTOS

Des. Gaspar Marques Batista (RELATOR)

O recurso da defesa merece provimento, restando prejudicado o apelo do Ministério Público.

Impositiva a absolvição do réu, pelas razões exaradas no parecer da Drª Procuradora de Justiça, que merecem transcrição:

"A prova coligida aos autos é insuficiente para demonstrar a potencialidade de dano à saúde humana ou à destruição significativa da flora e fauna.

A materialidade vem atestada pelos relatórios operacionais das fls. 12/16 e 18/21, bem como pelo auto de constatação ambiental das fls. 22/29.

Consta, no auto de constatação ambiental (fls. 22/23):

No engenho do Sr. Gilberto Bortoluzzi, (...) estava ocorrendo a queima continuada de casca de arroz. (...)

A casca de arroz utilizada como material combustível para a secagem do arroz excedia o compartimento ao qual ficava confinada, sendo projetada para a parte externa da construção. Os ventos espalhavam estas cascas produzindo fagulhas de fogo que, imediatamente, atingiam as demais cascas constituindo o processo de queima continuada.

Esta queima lenta e progressiva impede qualquer ação de combate a incêndio, salvo se o material for espalhado sobre o solo. Entretanto, as cascas ficavam dispostas em uma área muito reduzida entre a área construída do engenho e uma lavoura de mandioca.

A fumaça negra proveniente da queima do material é extremamente prejudicial, uma vez que contém, entre outros componentes, o gás carbônico responsável por problemas respiratórios decorrentes de sua toxicidade. Alem disso, é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa, processo esse que gera o aquecimento global.

Ademais, ficou consignado no documento nº 276/2005, da Divisão de Assessoramento Técnico do MP, que o engenho de arroz está lançando na atmosfera partículas sólidas que causam transtornos à população vizinha; e que a PATRAM verificou que não existem equipamentos ou sistemas para conter as emissões do secador e das peneiras. Além disso, no tocante aos possíveis danos decorrentes do lançamento de grãos: As partículas geradas pelo processamento dos grãos necessitam ser coletados e retidas a fim de evitar sua emissão na atmosfera, criando problemas do ar, alergias e problemas respiratórios. Essa coleta deve ser feita por equipamentos especialmente projetados para essa finalidade, demonstrando, assim, que este tipo de tarefa não é de fácil solução, devido a particularidades dos resíduos gerados. (...) Conforme a PATRAM, a empresa não possui sistemas ou equipamentos para conter todas as emissões geradas (fls. 148/153).

Conforme bem exposto pelo magistrado a quo, o réu é confesso quanto à ausência de licença operacional para a atividade de secagem de arroz; ademais, a licença operacional acostada pela defesa refere-se a período diverso daquele narrado na denúncia (fls. 447/448).

Interrogado, o réu afirmou que a ausência de licença deveu-se a questões burocráticas. Disse que a denúncia foi decorrência de um desentendimento do réu com Gilvane, em função de uma dívida (fls. 53/54).

Lia Machado, policial militar, disse que quando esteve no local o secador não estava funcionando, e que o procedimento, nestes casos, era retornar diversas vezes ao local (fl. 79).

O também policial Luiz da Silva disse que quando esteve no local e que, naquele momento, o secador estava em funcionamento e que o pó resultante do processo de secagem atingia a casa do vizinho. Acrescentou: Diz que as condições do local e de funcionamento do secador eram precárias, já que o resíduo era largado diretamente no campo. Não havia queima de casca de arroz, apenas a poeira resultante (fls. 80).

Luiz Guimarães, por sua vez, constatou a existência de poeira resultante da separação da casca de arroz, a qual era lançada diretamente no meio ambiente: o secador estava desligado, mas havia sinais de poeira sobre a grama, na direção da casa que fica a 100m (fl. 81).

Emerson Santos relatou que a casca de arroz que se depositava no campo gerava incêndios, resultando em fumaça (fl. 82).

Marileida Bertoldo disse: A segunda vez que esteve no local, foi em relação à denúncia de queima de casca de arroz. Foram até o local e verificaram que realmente havia a queima de casca de arroz a céu aberto, sendo que ele já havia tentado apagar, mas havia ainda muito fogo (fl. 83).

Daniel Cabral disse que, como em todas as fornalhas, o secador de arroz tem mecanismos que atuam na retenção de partículas; porém, confirma que alguma poeira saía, assim como fuligem. Afirmou: o material que estava da separação e limpeza do arroz fica depositado a céu aberto por um ou dois dias, depois também era removido (fl. 84).

Assim, vê-se que é notório que tanto no processo de secagem de arroz como no de recebimento existe geração de material particulado (poeira) para o meio ambiente, podendo essa emissão concentrar-se no ambiente interno do empreendimento ou, ainda, ser conduzida para área externa devido à ação de ventos ou exaustores. Porém, no presente caso, não se pode averiguar se a geração de poeira ocorria em níveis toleráveis. Em suma, pode-se dizer que muito embora seja ampla a prova testemunhal no sentido da ocorrência da poluição, quanto à prova técnica houve mera dedução de que a empresa, em razão do tipo de atividade empreendido, geraria emissão de material particulado.

Assim, muito embora as condutas descritas nas informações tratem da possibilidade abstrata de a atividade gerar danos à saúde humana, as provas produzidas são insuficientes para fazer incidir o tipo do art. 54, caput, da Lei nº 9.605/98. É que o perigo de que trata o crime de poluição genérico é crime de perigo concreto.

Assim, apesar de o tipo não exigir comprovação de lesão efetiva à saúde humana - que, como bem lembrou o Em. Des. José Eugênio Tedesco, em voto proferido na apelação n. 700110057800, funciona como causa de aumento de pena - sequer a potencialidade do dano foi demonstrada nos autos, ante a inexistência de prova pericial que pudesse analisar tanto o nível de poeira exalado quanto sua nocividade á saúde humana.

Também não foi demonstrada nos autos a destruição significativa da flora, nem a mortandade de animais, elementares da segunda parte do delito do art. 54.

Por outro lado, o tão só exercício de atividade potencialmente poluidora não tem o condão de demonstrar o dano ou sua nocividade aos bens jurídicos tutelados pelo art. 54.

Consoante a prova testemunhal colhida nos autos, a poeira proveniente da atividade de secagem de arroz, de fato, incomodava a vizinhança. Todavia, os depoimentos prestados não demonstram efetivo e significativo dano à flora e à fauna ou a potencialidade de a poeira lesar a saúde humana - uma vez que necessária seria a realização de laudos médicos periciais.

Diante do exposto, o parecer do Ministério Público é pelo provimento do recurso defensivo."

Por tais fundamentos, voto pelo provimento do recurso defensivo, para absolver o réu, com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP, prejudicado o recurso ministerial.

Des. Constantino Lisbôa de Azevedo (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Marcelo Bandeira Pereira (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA - Presidente - Apelação Crime nº 70033574377, Comarca de São Pedro do Sul: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA, PARA ABSOLVER O RÉU GILBERTO LUIS BORTOLUZZI, DA IMPUTAÇÃO DO ART. 54, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INCISO VII, DO CPP, FICANDO PREJUDICADO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, TUDO NOS TERMOS DOS VOTOS PROFERIDOS EM SESSÃO."

Julgador(a) de 1º Grau: ANA PAULA NICHEL SANTOS




JURID - Apelação. Crime ambiental. Art. 54, caput, da L. nº 9.605/98 [19/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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