Anúncios


quinta-feira, 4 de março de 2010

JURID - Agravo retido. Desequilíbrio econômico-financeiro.Perícia. [04/03/10] - Jurisprudência


Processo civil. Ação civil pública. Agravo retido. Desequilíbrio econômico-financeiro.Perícia. Cerceamento de defesa

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT

Órgão: Quarta Turma Cível

Classe: APC - Apelação Cível

Num. Processo: 2007 01 1 101673-2

Apelantes: SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDÊNCIA S/A E MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Apelados: OS MESMOS

Relator Des.: SÉRGIO BITTENCOURT

Revisor Des.: FERNANDO HABIBE

EMENTA

CIVIL - PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AGRAVO RETIDO - DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO - PERÍCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - SEGURO DE VIDA - CLÁUSULA RESOLUTÓRIA - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - EFICÁCIA DA SENTENÇA - RELAÇÃO DE CONSUMO - INAPLICABILIDADE DO ART. 16 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EFICÁCIA ERGA OMNES - ÂMBITO NACIONAL.

Como destinatário final da prova, cabe ao juiz a análise de sua necessidade, sendo seu dever indeferir as que entender inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do Código de Processo Civil).

"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé" (art. 422 do Código Civil Brasileiro).

Não age com boa-fé a seguradora que alega, como motivo de não renovação das apólices dos contratantes, o fato da massa de segurados estar envelhecendo. Tal argumento denota, de forma clara, o objetivo da seguradora de frustrar a própria finalidade dos contratos de seguro de vida.

Nos termos do art. 90 da Lei 8.078/90, as normas previstas na Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) somente são aplicáveis às ações coletivas para defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, referentes à relação de consumo, quando não contrariarem as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública nas ações coletivas de consumo, eis que possuem disciplina específica (art. 103 da Lei 8.078/90).

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, SÉRGIO BITTENCOURT - Relator, FERNANDO HABIBE - Revisor e ALFEU MACHADO - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador FERNANDO HABIBE, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO DA RÉ, E DAR PROVIMENTO PARCIAL À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, TUDO À UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 20 de janeiro de 2010.

Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT
Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ajuizou Ação Civil Pública, com pedido de antecipação de tutela, em face de Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A, visando evitar o cancelamento dos contratos de seguro de vida com base no "Programa de Readequação da Carteira de Seguros de Pessoas" promovido pela ré. Requereu ainda que a ré fosse condenada a manter os contratos originariamente firmados, ressarcir os consumidores pela eventual cobrança abusiva do aumento e publicar em jornais de grande circulação, no prazo máximo de quinze dias, em quatro dias intercalados, o dispositivo de eventual sentença condenatória, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais).

O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi deferido para obrigar a Seguradora a manter os contratos e assegurar as renovações periódicas, sem perda das garantias contratadas (fls. 106/113).

Embargos declaratórios da ré (fls. 120/122), parcialmente providos, excluindo-se dos efeitos da decisão de antecipação de tutela os segurados que voluntariamente contraram novo produto ofertado pela ré, salvo no caso de opção pelo benefício contido na decisão atacada (fls. 413/414).

Novos embargos de declaração foram opostos às fls. 577/578, porém rejeitados (fl. 616).

Em sua contestação (fls. 134/184), a ré protestou pela realização de prova pericial, o que foi ratificado quando da especificação de provas (fl. 793). O requerimento, contudo, foi indeferido à fl. 795.

Contra referida decisão a ré interpôs agravo retido (fls. 797/800).

Sentença a fls. 807/815, julgando procedente, em parte, o pedido para "obrigar a empresa requerida à manutenção dos contratos circunscritos nesta unidade da federação abrangidos pelo programa de readequação da carteira de seguros de pessoas, tal como identificado nos autos, tornado sem efeito os cancelamentos decorrentes daquela notificação, assegurando renovações periódicas, sem perda das garantias contratadas, observando o reajuste amparado pela lei".

A ré foi condenada nas custas processuais e honorários advocatícios da parte autora, no valor de R$ 1.000,00.

O Ministério Público opôs embargos declaratórios da r. sentença (fl.817), que foram providos em parte para julgar improcedente o pedido no que toca ao requerimento de publicação do dispositivo do julgado em jornais de grande circulação (fl. 819).

Inconformadas, apelaram ambas as partes.

Em suas razões (fls. 821/852), a Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A requer, preliminarmente, a apreciação do agravo retido de fls. 797/800. No mérito, traz à colação precedentes jurisprudenciais que amparam sua pretensão. Diz que os contratos firmados são temporários e que há cláusula bilateral de não renovação. Não há falar, portanto, em conduta abusiva e contrária à boa-fé. Afirma que a manutenção forçada dos contratos afronta os princípios da livre iniciativa, da autonomia de vontade e da legalidade. Assevera que a não renovação das apólices na data de seu vencimento não caracteriza cancelamento unilateral. Afirma que restou devidamente comprovado nos autos o grave desequilíbrio financeiro-atuarial da carteira securitária. Defende a validade e necessidade de reajuste do prêmio securitário por faixa etária e afirma que, diferentemente do que restou afirmado na sentença, o seguro de pessoas não se traduz em serviço essencial. Pede a reforma da r. sentença.

O Ministério Público, por sua vez, se insurge contra a limitação dos efeitos da decisão aos contratos firmados por consumidores do Distrito Federal e a improcedência do requerimento de publicação do dispositivo da r. sentença em jornais de grande circulação.

Contrarrazões às fls. 894/914 e fls. 916/924.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e não provimento do agravo retido e da apelação interpostos pela Sul América Seguros de Vida e Previdência Ltda., e pelo conhecimento e provimento da apelação interposta pelo Ministério Público (fls. 928/945).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

O agravo retido de fls. 797/800 foi interposto pela Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial.

Alega a agravante a necessidade da perícia para a comprovação do desequilíbrio econômico das apólices, fato fundamental para demonstração das teses desenvolvidas na inicial. Afirma, pois, que o indeferimento da prova acarretou cerceamento de defesa.

Sem razão, porém.

Como destinatário final da prova, cabe ao juiz a análise de sua necessidade, sendo seu dever indeferir as que entender inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do Código de Processo Civil (1) ).

No que toca à prova pericial a situação não é diferente, ex vi art. 420, parágrafo único, inciso I, também do Código de Processo Civil (2) .

Da leitura da r. sentença é fácil concluir que o convencimento do douto sentenciante se pautou em fatos outros, que não o desequilíbrio financeiro, cuja possibilidade até foi admitida na sentença.

Com efeito, considerando desnecessária tal prova, tenho como correta a posição do julgador de indeferimento da prova pericial.

Some-se a tal fato que a própria agravante, em suas razões de apelação (fls. 821/852), afirma que as provas constantes dos autos, em especial os pareceres jurídicos juntados à contestação, e a demonstração da redução de seu capital social, são suficientes para comprovar o alegado desequilíbrio financeiro.

Nego provimento, portanto, ao agravo retido.

Ao analisar o mérito, o nobre Juiz a quo, assim se pronunciou, in verbis:

Atento à exposição da inicial e aos documentos que a instruíram, observo que o cerne da controvérsia está na possibilidade de a Companhia de Seguros adotar, por via de uma ordem jurídica justa e lícita, a faculdade de recusar a renovação automática do contrato de seguros coletivos e em que circunstâncias poderia ela exercer essa liberdade sem afrontar o sistema de proteção do consumidor.

É certo que os contratos se extinguem do mesmo modo em que se formam, respeitando os elementos naturais da manifestação de vontade, limites e conseqüências derivadas do próprio ordenamento jurídico que os abriga, confere existência, validade e assegura suas conseqüências e efeitos.

A liberdade de contratar (ou de se desobrigar) há de ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato, como mostra o princípio redigido no artigo 421 do Código Civil. A função social do contrato alcança tanto a defesa efetiva do consumidor quanto a viabilização dos fundamentos da ordem econômica buscando o equilíbrio das relações.

Outros preceitos gravados no texto do Código Civil e do Consumidor observam que a onerosidade excessiva capaz de gerar desequilíbrio na economia do contrato poderá autorizar a resolução do contrato ou sua revisão a fim de se adequar às novas realidades, o que ocorre mais comumente nos contratos de execução continuada.

Os contratos de assistência médica, plano de saúde e seguro de vida demandam execução continuada e exigem especial atenção quanto à regra da renovação automática.

Os planos de saúde mereceram enfoque especial na Lei nº. 9.656/1998, para impor a prestação continuada com renovação automática, sem possibilidade de denúncia unilateral, permitida a variação do preço por critério de faixa etária somente quando estabelecidos esses parâmetros ou percentuais na contratação inicial.

Conquanto a contração em discussão concentra-se em apólice de seguros de vida com coberturas de invalidez por acidente ou por doença, não há como negar a semelhança da doutrina e da regulamentação desta espécie que também está a cargo do mesmo conselho CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados.

Na hipótese em exame, verifica-se que, após a formação da contratação do seguro de vida em grupo, estabelecidas as bases quanto às coberturas, a determinação do risco e a definição dos prêmios correspondentes, passado mais de dez anos de continuidade do seguro, a Companhia Sul América veio alegar alteração substancial na economia do contrato para exigir do segurado a efetiva ampliação dos prêmios de acordo com a faixa etária e redução dos benefícios.

Contudo, a modificação desta natureza requer ampla discussão com os segurados nos termos do artigo 801, § 2º do Código Civil, mesmo que adote a justificativa de não se tratar de alteração contratual, mas uma nova contratação.

Em se cuidando de bens essenciais como proteção ou cobertura de invalidez por acidente e por doenças, essa contratação não pode sofrer interrupção sem causa razoável e sem oportunidade ampla para a discussão, revisão ou resolução das bases contratuais anteriores.

Em princípio, não há obrigatoriedade de perpetuar a contratação que rende prejuízo à Companhia de Seguros, mas a modificação não pode ser imposta de forma unilateral nos contratos de consumo, especialmente com uma carga tão onerosa como se propõe no modo ascendente da ampliação dos prêmios a cada ano de modo incompatível com equidade.

É certo que poderá ocorrer situação em que os riscos contratados venham sofrer alterações de tal porte que não permitam manter as condições mínimas do contrato [art. 53 da Circular 17/92 da SUSEP] e esse pressuposto pode ensejar mudança ou rompimento do contrato. Contudo, se não asseguradas certas garantias de proteção ao consumidor, a atitude de não renovar o seguro após sucessivos anos de contribuição pode configurar abuso de direito ao colocar o consumidor em severa desvantagem. [Apelação Cível n. 98.008683-3, TJSC, Florianópolis. Relator: Desembargador NEWTON TRISOTTO, data do julgado: 06/06/2000].

Com efeito, o direito da seguradora em revisar seus preços não pode exceder os limites da boa-fé ou da finalidade econômica ou social de que o direito cogita quando reconhece a vulnerabilidade do consumidor e o protege contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços [artigo 51 inciso IV e § 1º, III, do CDC].

Além do mais, a proposta apresentada aos consumidores, por sua vez, não revela a amplitude das cláusulas e condições que informam o conteúdo efetivo da contratação ofertada pela seguradora, negando o direito do prévio conhecimento do contrato aos usuários exigidos pela norma do artigo 46 do CDC.

A contratação de apólice de seguros de vida por sua natureza e finalidade requer a consideração de contrato de execução continuada, merecendo, pois, o mesmo tratamento que atualmente se confere ao seguro de saúde a respeito da vedação à discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade [art. 15, § 3º Lei 10741/2003].

Nos contratos de execução continuada como da apólice de seguro de vida, a seguradora já conta previamente com o conhecimento de que o risco se amplia e se agrava à medida que a cada ano os segurados envelhecem. Essa circunstância não é acidental nem extraordinária, ao contrário configura elemento ordinário a ser computado na composição do preço desde a contratação. Tal gradação do risco pelo envelhecimento não autoriza a resolução do contrato como se estivesse diante de uma onerosidade imprevisível. A elevação do prêmio por critério de faixa etária deve ser estabelecida em parâmetros ou percentuais no momento inicial da contratação inicial.

Em se tratando de apólice coletiva decorrente de contratação em grupo, sua interrupção ou modificação tão severa, como aquela informada pelo plano de readequação da carteira de seguros de pessoas como forma de reequilibrar a economia do contrato, exige a cautela da ampla discussão com os segurados adotando a recomendação contida nos termos do artigo 801, § 2º do Código Civil, mesmo que adote a justificativa de não se tratar de alteração contratual, mas uma nova contratação.

A par desses argumentos, acolho as alegações do autor quanto à ilicitude da modificação do contrato nos termos propostos aos consumidores e asseguro a continuidade da contratação, com a renovação dos contratos, observados os reajustes amparados pela lei."
Passo a analisar as apelações, iniciando pela interposta pela Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A.

É incontroversa a existência da cláusula contratual que faculta às partes não renovar o contrato, nos seguintes termos:

"Cláusula XIX - Renovação das Apólices

As apólices serão automaticamente renovadas no fim de cada ano de vigência, salvo se as Seguradoras ou Estipulante, mediante aviso prévio de no mínimo 30 (trinta) dias antes do aniversário, solicitarem o cancelamento das mesmas."(Condições Gerais da Apólice - fls. 197/205).

Baseada nesta cláusula, a empresa ré enviou correspondências aos seus segurados (fls. 186/195), informando sobre o início do "Programa de Readequação da Carteira de Seguros de Pessoas" que acarretaria a mudança do conteúdo de todos os contratos de seguro de vida e acidentes pessoais comercializados. Deu aos segurados três opções de contratação de novos seguros e informou que a não opção acarretaria a manutenção do seguro vigente nas mesmas condições somente até o fim de sua vigência, quando seria extinto e não renovado.

Vale registrar que não houve por parte da seguradora a abertura de qualquer negociação a respeito do tema, deixando aos consumidores segurados duas opções: contratar os novos planos de seguro ou ficarem sem a cobertura contratada após o fim de vigência das apólices.

Alega a seguradora apelante, como motivo para a não renovação automática dos contratos, a superveniência de desequilíbrio econômico-financeiro decorrente, dentre outros fatores, do envelhecimento da massa de segurados.

Tal justificativa, contudo, deve ser de pronto refutada, especialmente porque frustra a própria finalidade dos contratos firmados há muito tempo, que é a de garantir alguma tranquilidade aos dependentes dos segurados no caso de invalidez ou morte destes, fatos que, por questões óbvias, ocorrem em maior proporção justamente na velhice.

Muito embora a cláusula resolutiva não exija motivação, o que, a priori, deixaria vislumbrar que a seguradora agiu no regular exercício do direito previsto no contrato, não se pode perder de vista o que dispõem os artigos 187 e 422, ambos do Código Civil, in verbis:

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé."

Sobre o tema, a doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (in DIREITO CIVIL, Teoria Geral, 6ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris, 2007, p. 37):

"(...) não se pode olvidar a boa-fé objetiva como princípio fundamental das relações civis, especialmente nas relações negociais, obrigacionais e contratuais. Não prevista na estrutura codificada de 1916, a boa-fé objetiva materializa uma necessária compreensão ética das relações privadas. Aliás, já tivemos oportunidade de afirmar que a boa-fé objetiva "significa a mais próxima tradução da confiança, que é o esteio de todas as formas de convivência em sociedade". A Lei Civil, inclusive, acolhe a boa-fé objetiva de forma expressa, como princípio fundamental das relações jurídicas privadas, mencionando-a nos arts. 113 e 422, como regra interpretativa dos negócios jurídicos e das obrigações como um todo, como mecanismo de imposição de limites ao poder de contratar e para estabelecer deveres implícitos nas relações no mundo negocial."

Comentando o art. 422 do Código Civil Brasileiro, Maria Helena Diniz (in CÓDIGO CIVIL ANOTADO, 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006, p. 406) ensina o seguinte:

"(...) a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também nas acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente. Ressalta-se que em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. (...) A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal entre os contratantes, incompatível com conduta abusiva, tendo por objetivo gerar, na relação obrigacional, a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e a distribuição dos riscos e encargos, ante a proibição de enriquecimento sem causa (...)"

A doutrinadora aponta como deveres dos contratantes "agir com honradez, denodo, lealdade, honestidade e confiança recíprocas".

Como se vê, a boa-fé objetiva é conceito aberto que exige das partes contratantes a atuação segundo preceitos éticos, abstendo-se, por conseguinte, de obter vantagens desproporcionais em prejuízo da outra parte.

Não por outro motivo, também na regulamentação do contrato de seguro, previu o legislador o respeito dos contratantes à boa-fé. Confira-se, a propósito, o art. 765 do Código Civil:

"Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes."

Ora, ao notificar sobre sua pretensão de não renovação do contrato, a seguradora frustrou as legítimas expectativas dos segurados de renovação dos seguros de vida que há muito tempo vinham mantendo mediante rigoroso pagamento dos prêmios.

Neste contexto, embora o envelhecimento da massa de segurados seja um fator que poderia acarretar um acréscimo do passivo das contas da seguradora, essa distorção poderia ser corrigida por outros meios, não se justificando a extinção dos contratos.

No julgamento de caso semelhante (Apelação Cível 2006.01.1.129338-7, Primeira Turma Cível), o eminente Desembargador Natanael Caetano, destacou a existência da quebra de confiança também em razão do comportamento contraditório da seguradora. Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do citado voto:

"Nessa esteira de entendimento, a estipulação de rescisão do contrato por parte da seguradora ré/apelada com vistas a atender, exclusivamente, aos seus interesses econômicos, submete os segurados a um estado de insegurança e acaba por representar quebra ilegítima da confiança outrora proporcionada e, em última análise, comportamento contraditório ao manifestado no momento da contratação, o que implica afronta aos princípios da boa-fé e da função social do contrato.

A proibição de comportamento contraditório é modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança. Em linhas gerais, tal proibição estipula a impossibilidade de contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro. Nesse sentido é a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias:

'A proibição de comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) é modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança - decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422). (...)

Pois bem, a vedação do comportamento contraditório obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido em outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois, a proibição de inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato que ele próprio deu causa. (...)

Fundamenta-se a vedação de comportamento contraditório, incoerente, na tutela jurídica da confiança, impedindo que seja possível violar as legítimas expectativas despertadas em outrem. A confiança, por seu turno, decorre da cláusula geral de boa-fé objetiva (bem definida pela doutrina germânica como Treu und Glauben, isto é, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes). Assim, com esteio na lição de Schreiber, 'a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência.'

Dessa forma, a se permitir que a seguradora mantenha o vínculo somente no período em que o risco seja menor, descartando os mais velhos, estar-se-ia admitindo verdadeira violação às legítimas expectativas despertadas em outrem e, conseqüentemente, afronta aos princípios da boa-fé e da função social do contrato."

Nos dias atuais, como se percebe, não há mais falar em direitos absolutos decorrentes das cláusulas contratuais, o que afasta a alegada ofensa aos princípios da legalidade, da autonomia de vontade e da livre iniciativa.

Com essas considerações, tenho que o recurso manejado pela seguradora ré não merece provimento.

O recurso interposto pelo Ministério Público tem por objeto a limitação dos efeitos da decisão ao Distrito Federal e a improcedência do requerimento de publicação do dispositivo da r. sentença em jornais de grande circulação.

Tenho que lhe assiste razão, mas somente em parte.

A eficácia da r. decisão deve ser erga omnes e de âmbito nacional.

Nos termos do art. 90 da Lei 8.078/90, as normas previstas na Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) somente são aplicáveis às ações coletivas para defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, referentes à relação de consumo, quando não contrariarem as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Ocorre que, ao tratar da coisa julgada, o Código de Defesa do Consumidor, estabelece eficácia erga omnes das decisões, sem estabelecer qualquer limitação territorial (art. 103, inciso I e III).

Logo, o preceito contido no art. 16 da Lei 7.347/85, bastante criticado, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, não se aplica ao presente caso.

Sobre o tema, oportuna a lição do i. doutrinador Hugo Nigro Mazzilli, in "A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo", São Paulo: Editora Saraiva, 21ª ed., 2008, p. 274, in verbis:

"A alteração trazida ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pela Lei n. 9.494/97 consistiu em introduzir a locução adverbial "nos limites da competência territorial do órgão prolator", pretendendo-se assim limitar a eficácia erga omnes coisa julgada no processo coletivo. Trata-se de acréscimo de todo equivocado, de redação infeliz e inócua. O legislador de 1997 confundiu limite da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva, nas ações civis públicas ou coletivas, pode ser erga omnes) com competência (saber qual órgão do Poder Judiciário está investido de uma parcela da jurisdição estatal); e ainda confundiu a competência absoluta (de que cuida o art. 2º da LACP), com competência territorial (de que cuidou a alteração procedida no art. 16, apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta). Ademais, a Lei n. 9.494/97 alterou o art. 16 da Lei 7.343/85, mas se esqueceu de modificar o sistema do Código de Defesa do Consumidor, que, em conjunto com a Lei da Ação Civil Pública, disciplina competência e coisa julgada nas ações civis públicas e coletivas, e ainda hoje dispõe corretamente sobre a matéria. (...).

O legislador não soube distinguir competência de coisa julgada. A imutabilidade erga omnes dos efeitos de uma sentença transitada em julgado nada tem a ver com a competência do juiz que profere a sentença: se, em nome do Estado, o juiz detém parcela da jurisdição (isto é, ele é o órgão estatal competente para decidir aquela lide), então sua sentença, depois de transitar em julgado, representará a vontade estatal e passará a ser imutável entre as partes ou, em certos casos, imutável para toda a coletividade (como nas ações populares, nas ações civis públicas ou nas ações coletivas julgadas procedentes). A imutabilidade não será maior ou menor em decorrência da regra de competência que permitiu ao juiz decidisse a lide; a imutabilidade será mais ampla ou mais restrita de acordo, sim, com a natureza do direito controvertido e com o grupo social cujas relações se destine regular (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos). A competência só é critério para determinar qual órgão do Estado decidirá a lide. (...)". (Grifos no original).

Nesse sentido, o seguinte aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

"PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS EXPURGOS INFLÁCIONÁRIOS NAS CADERNETAS DE POUPANÇA. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE COM ABRANGÊNCIA NACIONAL, DISCUTINDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. EFICÁCIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE EFICÁCIA DA SENTENÇA E COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 411.529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 24/06/2008, DJe 05/08/2008) (Grifei).

Em caso semelhante, submetido ao crivo desta Eg. Corte de Justiça, de relatoria da e. Desembargadora Leila Arlanch, em que proferi voto como Vogal, decidiu-se pela eficácia erga omnes e extensiva a todo o território nacional dos efeitos da decisão proferida em ação coletiva fundada na lei consumerista. Confira-se:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CDC. SERVIÇOS BANCÁRIOS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS LEGAIS PRESENTES. POSSIBILIDADE. PERDA DE OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DECISÃO COM EFEITO ERGA OMNES. ÂMBITO NACIONAL. NÃO APLICAÇÃO DOS ART. 16 DA LACP E ART. 2-A DA LEI Nº 9.494/97. 1. Enseja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a relação onde o banco é fornecedor de produtos e serviços dos quais se utilizaram os consumidores, destinatários finais, e aos quais foi imposta a cobrança de tarifa para liquidação antecipada de contrato de financiamento. Súmula 297 do STJ. 2. Patenteados os requisitos da verossimilhança das alegações e do risco de grave lesão de difícil reparação, é possível ao Juiz da causa antecipar parcial ou totalmente os efeitos da tutela pretendida. Art. 273 do CPC. 3. Não há perda superveniente do interesse processual do autor coletivo, se a pretensão da ação é mais abrangente do que o que foi concedido administrativamente através de resolução pelo Conselho Monetário Nacional, posteriormente ao ajuizamento da ação. 4. Tratando-se de direitos individuais homogêneos, não há limitação para a eficácia erga omnes da decisão proferida na ação coletiva fundada na lei consumerista, impondo-se seu alcance a todo o território nacional, sendo incabível, na espécie, a aplicação do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública e do art. 2-A da Lei nº 9.494/97. 5. Havendo complexidade nas medidas determinadas judicialmente, o prazo deve ser fixado de forma a possibilitar o cumprimento do provimento antecipatório. 6. O valor da pena pecuniária para o descumprimento de determinação judicial deve considerar a natureza da obrigação, a capacidade econômica do agente e o prazo fixado. 7. Agravo de Instrumento conhecido e provido em parte, somente para alterar o prazo para cumprimento do provimento antecipatório de trinta para cento e vinte e dias." (AGI 2008.00.2.000893-6, Relatora Des. LEILA ARLANCH, 4ª Turma Cível, julgado em 07/5/08, DJ 09/6/08, p. 217) (Grifei)

Por fim tenho que o indeferimento do pedido de publicação do dispositivo da r. sentença em jornais de grande circulação deve ser mantido, eis que carece de fundamento legal.

Isto posto, conheço do agravo retido e das apelações, nego provimento ao agravo retido e à apelação interposta pela Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A e dou parcial provimento à apelação interposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, apenas para atribuir eficácia nacional à r. sentença que, no mais, mantenho pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

É o voto.

O Senhor Desembargador FERNANDO HABIBE - Presidente e Revisor

O estudo que fiz dos autos, como Revisor, conduziu-me à mesma conclusão a que chegou o eminente Relator, cuja consistente motivação não carece de acréscimo algum a meu ver.

Por essa razão peço vênia a S. Ex.a para subscrever integralmente os doutos fundamentos de seu voto e, também, negar provimento ao agravo retido, à apelação da ré e prover parcialmente o apelo do autor nos termos do voto do eminente Relator.

O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO - Vogal

Acompanho o eminente Relator, Senhor Presidente.

DECISÃO

Agravo retido, desprovido. Unânime. Apelação da ré, Sul América, desprovida, por unanimidade. Apelação do autor, Ministério Público, parcialmente provida, também por unanimidade.



Notas:

1 - "Código de Processo Civil:

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ao a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias" [Voltar]

2 - "Código de Processo Civil:

Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:

(...)

II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

(...)" [Voltar]




JURID - Agravo retido. Desequilíbrio econômico-financeiro.Perícia. [04/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário