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segunda-feira, 8 de março de 2010

JURID - ACP. Lei nº 8.906/94. [08/03/10] - Jurisprudência


Ação Civil Pública. Provimento OAB nº 109/2005. Exigência de diploma ou certificado de conclusão para participação no Exame de Ordem. Ilegalidade. Limites do § 1º, ART. 8º, da Lei nº 8.906/94.


Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe. Autos do Processo n° 2007.85.01.004150-5-0 - Classe 1 - Ação Civil Pública
Fernando Escrivani Stefaniu
Juiz Federal Substituto

Autor: Ministério Público Federal
Ré: Ordem dos Advogados do Brasil.


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. EFICÁCIA TERRITORIAL DA DECISÃO. PROVIMENTO OAB 109/2005. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA OU CERTIFICADO DE CONCLUSÃO PARA PARTICIPAÇÃO NO EXAME DE ORDEM. ILEGALIDADE. LIMITES DO § 1º, ART. 8º, DA LEI 8.906/94. NORMA RESTRITA À DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. DESPROPORCIONALIDADE. SÚMULA 266 DO STJ. INAPLICABILIDADE DO JULGAMENTO PROFERIDO PELO STF NA ADI 3.460. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INDEFERIDA EM HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

- Mesmo em se tratando de direitos individuais homogêneos, detém o Ministério Público Federal legitimidade ativa em razão da inegável relevância social dos interesses subjacentes à demanda.

- Rejeitando a visão doutrinária, a jurisprudência do STJ sagrou a incidência do atual art. 16, da Lei 7.374/85 como amparo à limitação territorial dos efeitos da sentença proferida em sede de Ação Civil Pública, notadamente quando o direito material discutido não se enquadra nas relações de consumo.

- O art. 8º, da Lei 8.906/94, não condiciona a participação no Exame de Ordem à apresentação de diploma ou de certificado de conclusão. Inteligência dos incisos II e IV, do dispositivo legal, que nivelam, ao mesmo patamar, a comprovação de escolaridade e a aprovação no Exame, conectando-as, imediatamente e sem subordinação entre si, ao ato de "inscrição como advogado".

- O § 1º, do art. 8º, da Lei 8.906/94, cuida apenas de um dos fundamentos de validade do ato normativo, qual seja, a competência para sua edição, não se prestando a legitimar, por si só, o seu conteúdo, cuja conformidade deve ser cotejada em função dos parâmetros legais pertinentes.

- As disposições do Provimento OAB 109/2005, nesse aspecto, subvertem a sistemática definida pela Lei 8.906/94, donde se identifica causa para sua invalidação, por insubordinação executiva.

- Além disso, a imposição versada pelo referido ato regulamentar ultrapassa a medida do necessário para a preservação do interesse público, ofendendo o princípio da proporcionalidade ao ignorar o paradigma consolidado na súmula 266, STJ.

- Inaplicável, ao caso, o julgamento proferido pelo STF na ADI 3.460, por não existir, no Estatuto da Ordem dos Advogados, regra similar ao atual § 3º, art. 129, da Constituição Federal.

- Antecipação de tutela indeferida para salvaguarda do princípio da segurança jurídica, cuja preponderância se revela a partir da controvérsia reinante a respeito do tema.

PROCEDÊNCIA DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO.

Em mãos, ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em face da Ordem dos Advogados do Brasil, animada com a pretensão de que "[...] seja a Ré, em todo o território nacional (ou, subsidiariamente, no âmbito do Estado de Sergipe), compelida à obrigação de não fazer consistente em não mais exigir a comprovação da colação de grau no momento da inscrição dos candidatos para a realização do Exame da Ordem [...] nem as condições previstas no § 1º, art. 2º, do Provimento nº 109/2005 (ou qualquer outro ato normativo incompatível com o art. 8º, da Lei nº 8.906/94), bastando a apresentação de certidão ou atestado de que são prováveis formandos (ou seja, que estão cursando as últimas disciplinas da grade curricular)."

Topicamente, são argumentos da tese autoral: (a) ilegalidade do provimento nº 109/05 da OAB em face do art. 8º, da Lei 8.906/94; (b) pertinência analógica da súmula nº 266, do STJ; (c) inexistência de justificativa racional para a restrição; (d) ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade; (e) persistência de prejuízo em detrimento dos bacharelandos, mesmo com a realização de três exames anuais.

Com a vestibular, documentos de fls. 22/44.

Pedido liminar apreciado nas fl. 76.

Citada, a OAB contesta, escudando-se em doutrina e jurisprudência convergentes em torno da legitimidade do seu Provimento nº 109/2005. Acusa, ainda, a realização de três exames anuais, preferencialmente nos meses de Abril, Agosto e Dezembro, o que desautorizaria o propósito de participar antecipadamente do Exame de Ordem, pois oportunizado acesso àqueles graduados no início, no meio e no final de cada ano. Réplica reiterativa.

Tenho por relatado.

A seguir, fundamento e decido.

Legitimidade do Ministério Público Federal

Ausência de preliminar levantada pela ré não impede, dado o estrato de ordem pública, uma breve incursão a respeito da legitimidade do Ministério Público Federal para ocupar o pólo ativo da demanda.

Correto o autor ao classificar coletivo, em sentido lato, o direito que busca resguardar. Falta relação jurídica-base a enredar os indivíduos do grupo de bacharelandos, entre si ou em relação à ré. Efeitos fáticos de um mesmo ato regulamentar, Provimento OAB n.º 109/2005, atingem-nos sem pressupor liame prévio algum. Postura adstrita à dicção legal (cujo repositório, no ponto, é o Código de Defesa do Consumidor, naquilo em que traz normas aplicáveis às ações coletivas em gênero) enquadraria o caso, por exclusão, como tutela de interesses individuais homogêneos (CDC, art. 81, II e III).

Estreme de dúvidas, porém, suscitar a lide interesses metaindividuais (quer coletivos em sentido lato, quer individuais homogêneos) adjetivados pela nota de relevância social. Repercutem, de forma palpável, no exercício da advocacia, ofício que, longe de ocupação privada, denota encargo público, porquanto constitucionalmente consagrado como essencial à administração da justiça e, por via de arrasto, à efetivação e à defesa de direitos junto ao Poder Judiciário.

Não por acaso detém o advogado uma série de prerrogativas próprias, incomunicáveis a outras profissões. Distantes de concessões gratuitas, sua razão ontológica está no desiderato de assegurar o pleno e eficaz desempenho de suas atribuições pelo que isso representa para a preservação do ordenamento jurídico e da paz social. Por reflexo, mas indiscutivelmente, o processo de admissão de novos advogados afeta, assim, o todo coletivo, justificando o protagonismo do Parquet quando se trata de eventual recomposição de legalidade na condução do Exame da Ordem. Verbera o espectro teleológico do art. 129, II, III e IX, da Carta Republicana, a cometer ao Ministério Público a função de atuar na concretização ou na reparação de bens jurídicos revestidos de significado que transcende o campo individual de seus eventuais titulares, atraindo a preocupação da sociedade. Em situações assemelhadas, percorreu-se o mesmo caminho:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ZOOTECNISTAS. APROVAÇÃO EM EXAME DE SUFICIÊNCIA PROFISSIONAL COMO REQUISITO PARA INSCRIÇÃO NOS CONSELHOS REGIONAIS DE MEDICINA VETERINÁRIA. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISPONIBILIDADE E RELEVÂNCIA SOCIAL. IDONEIDADE DA VIA ELEITA. ART. 515, § 3.º, CPC. INAPICABILIDADE. [...] 2. A natureza das atribuições determinadas como de competência do Órgão Ministerial, a dimensão de sua responsabilidade, a pluralidade de categorias e temáticas em relação às quais detém incumbências de particular seriedade, o poder investigativo, fiscalizador e determinante de que foi dotado esse agente - constitucionalmente qualificado pela sua essencialidade à função jurisdicional do Estado - impõem seja admitido, com largueza, o exercício de ações coletivas pelo Ministério Público, não sendo aceitáveis, em sentido oposto, interpretações restritivas ou inibidoras. 3. Ao Ministério Público se confere o dever de salvaguarda, não apenas dos direitos ditos indisponíveis, mas também dos interesses socialmente relevantes, independentemente da indisponibilidade que os grave ou não. Ao Ministério Público não se pode deixar de reconhecer a sua responsabilidade na promoção de direitos e reivindicações que, embora com titulares identificados ou identificáveis, têm acentuada conotação social, seja pela natureza do objeto pretendido, seja pela qualidade distintiva de certa categoria, cujas necessidades sejam discernidas pela própria sociedade como precisões de índole coletiva ou arrimadas em cuidado especial restaurador de equilíbrio indispensável diante das dificuldades vivenciadas em relação à própria inserção social. 4. A norma legal que instituiu a ação civil pública - Lei nº 7.347/85 - nasceu como "lei dos interesses difusos". Posteriormente, em decorrência especialmente do alargamento providenciado pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990), a ação civil pública passou a ser admitida para fins de proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, denominados, genericamente, de interesses transindividuais. A doutrina tem se referido ao fato de que promoção de direitos individuais homogêneos ("acidentalmente coletivos") teria cabimento apenas quando se tratasse de meio ambiente, consumidor e patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, não havendo, de outro lado, limitação material, quando se cuidasse de direitos coletivos e difusos ("essencialmente coletivos"). É de se ressaltar, entretanto, que, a despeito dessa diferenciação, tem-se agasalhado, em outras oportunidades, uma compreensão mais ampliada dos direitos individuais homogêneos, reputados espécies do gênero coletivo, aptos a serem defendidos através da propositura da ação civil pública, especialmente quando ela é manuseada pelo Ministério Público. Passou-se a se conceber a promoção da ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos quando configurado manifesto interesse social, compatível com a finalidade da instituição ministerial. 5. In casu, estão em litígio direitos/interesses que se pode qualificar de individuais homogêneos. O Ministério Público postula, basicamente, que as partes demandadas (Conselho Federal de Medicina Veterinária - CFMV e Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Paraíba - CRMV/PB) se abstenham de exigir dos graduados e graduandos em zootecnia a inscrição, submissão e aprovação prévia em Exame Nacional de Certificação Profissional, como requisito para inscrição, registro e competente exercício profissional, conforme exigido na Resolução 732 do CFMV. No caso concreto, têm-se direitos individuais homogêneos, na medida em que, embora atribuídos a cada graduado ou graduando, segundo a sua situação particularizada, estão agregados por uma origem comum (resultando na homogeneidade), qual seja o condicionamento da inscrição no Conselho Regional à prévia aprovação em exame de suficiência. 6. Não se mostra conforme aos princípios da razoabilidade, da economia processual e também da isonomia entender pela ilegitimidade do Ministério Público, impelindo todos os graduados e graduandos em zootecnia a ajuizarem ações individuais, gerando acúmulo de demandas que, pela identidade de discussão, poderiam e deveriam ter a mesma solução. 7. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (Quinta Turma, RESP 413986/PR, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca): "O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos quando tais direitos têm repercussão no interesse público". "O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos idênticos"..[...] 10. Apelação e remessa oficial providas, para anular a sentença, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de que o processo tenha normal seguimento. (TRF5, AC 338811/PB, Rel. Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, j. 24.08.2004).

Eficácia territorial da decisão.

A reengenharia do art. 16 da Lei 7.374/85 deflagrou a crítica implacável da doutrina, unida em dissenso contra a possibilidade de se limitar, com esteio no referido dispositivo, a eficácia da sentença proferida em sede de Ação Civil Pública. Para um painel dessa posição, cito: "A ação civil pública surgiu para tutelar, de forma mais eficaz, os interesses difusos e coletivos, os quais se caracterizam pela indivisibilidade de seu objeto, ou seja, pela impossibilidade de fracionamento do direito. Com isso, quer-se dizer que a fruição por um dos titulares implica necessariamente a fruição por todos os membros da coletividade ou grupo, conforme se trate de efeito erga omnes ou ultra partes. Destarte, é a indivisibilidade do objeto que determina a extensão 1 STJ, REsp 648.054/RS - Rel. Ministro Luiz Fux. dos efeitos do julgado a quem não foi parte sob o enfoque processual, mas figura como titular da relação de direito material tutelada. Deve-se atentar para o fato de que a existência das demandas coletivas destina-se principalmente à pacificação de conflitos de massa, necessitando, para alcance de sua finalidade e devido a suas peculiaridades, de um sistema diferenciado de limites subjetivos da coisa julgada, que pode ser extraído do art. 103, do Código de Defesa do Consumidor, que assim prevê: 'Art. 103: Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II- ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar de hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III- erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1º - Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. (...) § 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347/85, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. (...)' Exsurge da leitura do § 3º do artigo supra-transcrito que a coisa julgada proferida em ação civil pública, quando procedente o pedido, beneficiará a todos os titulares do direito individual que não figuraram como parte no respectivo processo. Tal extensão dos limites da coisa julgada faculta a outrem utilizar (in utilibus) da condenação genérica oriunda da demanda coletiva para pugnar a satisfação ou reparação de seu direito individual, evitando a proliferação de ações condenatórias individuais e homenageando o princípio da economia processual e da efetividade do processo. O ilustre processualista Nelson Nery Junior, em seu Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante em Vigor, pág. 1366, assim leciona, verbis: ' Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do Direito. Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, quer verse sobre direitos difusos, quer coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (v. CDC 103), em todo o território nacional.' E ainda que: "Não é relevante indagar-se qual a justiça que proferiu a sentença, se federal ou estadual, para que se dê o efeito extensivo da coisa julgada. A questão não é nem de competência nem de jurisdição, mas de limites subjetivos da coisa julgada, dentro da especificidade do resultado de ação coletiva, que não pode ter a mesma solução dada pelo processo civil ortodoxo às lides intersubjetivas." No que tange à alteração introduzida pela Lei 9.494/97 ao art. 16, da Lei 7.347/85, confira-se o que diz Hugo Nigro Mazzilli, em Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores, pág. 214, verbis: 'O legislador de 1997 confundiu limites da coisa julgada (cuja imutabilidade subjetiva é erga omnes) com competência (saber qual órgão do Poder Judiciário está investido de uma parcela da jurisdição estatal); e ainda confundiu a competência absoluta (de que se cuida no art. 2º da LACP), com competência territorial (de que cuidou na alteração procedida no art. 16, apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta). (...) Ademais, a Lei 9.494/97 alterou o art. 16 da Lei 7.347/85, mas se esqueceu de modificar o sistema do Cód. de Defesa do Consumidor, que, em conjunto com a Lei da Ação Civil Pública, disciplina competência e coisa julgada nas ações civis públicas e coletivas, e ainda hoje dispõe corretamente sobre a matéria.' Destarte, por força dos arts. 21, da LACP, e 90, do CDC, tem-se uma perfeita interação entre os sistemas desses diplomas legais, que, ao se complementarem, podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, observado o princípio da especialidade das ações acerca das relações de consumo, às quais a LACP é aplicada apenas subsidiariamente. Assim, mister se faz a interpretação conjunta dos arts. 16, da LACP, e 93 e 103, do CDC, razão pela qual restou inócua e ineficaz a modificação trazida pela Lei 9.494/97."

Todavia, o ditado prevalecente no STJ admite, quando muito, a interação do art. 21, da LACP, com o art. 90, do CDC, nos casos em que o direito material discutido evidencia relação de consumo. No geral, e mesmo em alguns episódios evolvendo direitos do consumidor, restringe-se a eficácia da sentença aos limites territoriais de competência de seu órgão prolator: PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LITISPENDÊNCIA - LIMITES DA COISA JULGADA. 1. A verificação da existência de litispendência enseja indagação antecedente e que diz respeito ao alcance da coisa julgada. Conforme os ditames da Lei 9.494/97, "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator". 2. As ações que têm objeto idêntico devem ser reunidas, inclusive quando houver uma demanda coletiva e diversas ações individuais, mas a reunião deve observar o limite da competência territorial da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. 3. Hipótese em que se nega a litispendência porque a primeira ação está limitada ao Município de Londrina e a segunda ao Município de Cascavel, ambos no Estado do Paraná. 4. Recurso especial provido. (REsp 642.462/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.03.2005, DJ 18.04.2005 p. 263).

Curvo-me, pois, à sinalização do Superior Tribunal, fixando de antemão, no território de Sergipe, os limites de eficácia desta sentença.

Mérito

Observado o cenário nacional, a jurisprudência sobre o tema não é uniforme, mas registra tendência predominante em direção oposta àquela encampada pelo MPF.

São diversos julgados rejeitando pedidos idênticos em ações individuais, movidas pelos próprios interessados2.

A tendência em nível nacional já alcançou, no plano da Corte da 5ª Região da Justiça Federal, o status de consolidação, emitindo-se invariavelmente decisões contrárias à superação das exigências consignadas no Provimento OAB nº 109/2005 quanto à participação no Exame da Ordem.

Ilustrativamente: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO DIPLOMA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO PARA A INSCRIÇÃO NO EXAME DA OAB. PROVIMENTO 81/96 DO CONSELHO FEDERAL DA OAB. LEGALIDADE. COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA PELA LEI 8.906/94. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. O art. 8o., parág. 1o., da Lei 8.906/94, confere ao Conselho Federal da OAB poderes para regulamentar a realização do exame de ordem, de onde se infere ser legal a exigência contida no Provimento 81/96, do Conselho Federal da OAB, que requer a apresentação do diploma ou certificado de conclusão do curso de Direito já no instante em que se pretende inscrever para prestar o Exame da OAB. 2. Na hipótese dos autos, a liminar foi concedida em 20.03.07, donde se presume que, decorrido quase um ano, os impetrantes já tenham realizado o Exame da Ordem e concluído o curso, restando consolidada a situação 2 Veja-se: TRF2 - REOMS 2005.51.01.490006-0; AMS 2005.50.01.007502-6. TRF4 - ROAC Nº 2007.71.10.001753-7/RS; REOMS Nº 2007.71.00.010182-4/RS; AGAMS Nº 2006.72.00.010903-1/SC. fática, a qual, deve ser respeitada. Precedentes do STJ. Remessa Oficial improvida. (TRF5, REOMS 100915-CE - Rel. Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt. - j. 04.03.2008)

A legalidade da exigência de diploma ou de certidão de conclusão de curso ditada pela OAB no exercício de sua competência regulamentar constitui, portanto, o pilar básico da solução pronunciada pela douta corrente majoritária.

Respeito profundamente o raciocínio, tanto mais por encontrar defesa em vozes das mais autorizadas. Mas, sem embargo, acompanho a dissidência.

Três razões, ao menos, conduzem-me a tanto: a) insubordinação executiva do Provimento OAB n.º 109/2005; b) desproporcionalidade da exigência; c) inaplicabilidade do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3460.

Delas cuidarei, uma a uma, para externar meu posicionamento.

a) Ato normativo que invade, em desacordo, matéria já disciplinada por lei - insubordinação executiva do Provimento OAB nº 109/2005 Afora indagação retórica, ninguém ousaria questionar a essência infralegal do Provimento OAB n.º109/2005. Foi editado com lastro na Lei 8.906/94, § 1º do art. 8º, sendo este, por sua vez, devotado aos requisitos de habilitação ao exercício da advocacia. Sistematizados coordenadamente, sem que possa apontar a preeminência de um sobre o outro, tais requisitos merecem ser compreendidos em um contexto racionalizador, orientado pela premissa de que a Lei 8.906/94 - EOAB (especialmente no seu artigo 8º, para o assunto em voga) repercute o art. 5º, LXIII, da CF/88, esgotando as condicionantes imponíveis aos que pretendem abraçar o nobre ofício.

Condicionantes outras não cogitadas pela lei - espécie normativa primária - seriam espúrias, ponderando-se, à base dessa conclusão, a inadmissibilidade de delegação legislativa em favor de atividade normativa secundária.

Esse o fio condutor de meu pensar.

Desenvolvendo-o à luz do caso concreto, transcrevo, em manobra de aproximação, os dispositivos legais comentados e, na seqüência, a porção relevante do Provimento OAB nº 109/2005:

Lei 8.906/94

..............................................................................................................

Art. 8º. Para inscrição como advogado é necessário:

I - capacidade civil;

II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

IV - aprovação em Exame de Ordem;

V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI - idoneidade moral;

VII - prestar compromisso perante o Conselho.

§ 1º. O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.


...............................................................................................................

(Grifei)

Provimento OAB nº 109/2005

...............................................................................................................

Art. 2º O Exame de Ordem é prestado pelo bacharel em Direito, formado em instituição reconhecida pelo MEC, na Seção do Estado onde concluiu seu curso de graduação em Direito ou na de seu domicílio eleitoral.

§ 1º Poderá ser deferida a inscrição do concluinte do curso de Direito, em instituição reconhecida pelo MEC, desde que o candidato:

I - comprove, mediante certidão expedida pela instituição de ensino, que concluíra o curso;

II - comprove que a formatura fora marcada para data posterior à de realização do Exame de Ordem;

III - assine compromisso dando ciência de que somente receberá o certificado de comprovação do Exame de Ordem com a formatura.


...............................................................................................................

(Grifei)

Lancei os grifos com o intuito deliberado de conferir uma linguagem visual ao que, entendo, corporifica inescusável insubordinação executiva do provimento em relação à lei.

O comando legislativo nivela, ao mesmo degrau lógico-temporal, a aprovação no Exame de Ordem e a apresentação de diploma ou certidão de graduação em direito como pressupostos imediatos à inscrição como advogado.

Linhas atrás, disse ser de coordenação o diálogo entre os diversos requisitos do art. 8º, escapando-me qualquer justificativa para que se aceite que um deles - apresentação de diploma ou certidão de graduação em direito - venha a ser realocado à posição de antecedente necessário do outro requisito revestido de igual estatura - aprovação no Exame de Ordem - como se injunção subordinativa houvesse entre os mesmos.

A se afirmar tal justificativa até agora incógnita a meus olhos, o efeito colateral redundaria em se reconhecer, contra o parâmetro hermenêutico, que a lei trouxe palavras inúteis, pois quedaria inapelavelmente ocioso o inciso II da regra sob análise.

Fosse a intenção da norma hierarquizar, no plano lógico-temporal, o término do curso superior e a participação no Exame, o texto do inciso II deveria ser removido para complementar o enunciado do inciso IV, do art. 8º, do EOAB, desaguando em uma construção mais ou menos assim redigida: "aprovação em Exame de Ordem, a ser prestado mediante apresentação de diploma ou certidão de graduação em direito".

Mantido o quadro vigente, a lei claramente limita a exigência de diploma ou certidão ao momento em que se postula a inscrição na Ordem, e por via oposta rechaça o deslocamento desse item, para antes ou para depois. E o Exame de Ordem, parece-me irrefutável, pertence ao "antes", exsurgindo ilegítima a precipitação do Provimento OAB nº 109/2005.

Em um lance: a presença de diploma ou certidão de graduação em direito, por expressa determinação legal, não é, nem pode ser (inalterada a lei), etapa preliminar ao Exame de Ordem, eis que ambos são, também por expressa determinação legal, atributos conectados à inscrição como advogado.

Por isso, o ato normativo engendrado pela autarquia especial (ou, como anunciou recentemente o STF, serviço público independente3) não se conteve na moldura modesta que o direito brasileiro reserva às regulamentações nascidas em casta administrativa.

Subverteu, mediante artifício transverso, a configuração dada pelo EOAB ao assunto quando desdisse o inciso II, do seu art. 8º, transmudando-o em prescrição acessória ao inciso IV do mesmo artigo.

Salvo melhor aviso, nossa produção jurídica comunga de visão praticamente homogênea a respeito das emanações normativas infralegais. Inventariando vasta revisão bibliográfica, Clèmerson Merlin Cléve4 sintetiza a posição, dentre outros, de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Pontes de Miranda, Celso Antônio Bandeira de Mello, Geraldo Ataliba, Roque Antônio Carrazza, Carlos Mário da Silva Velloso e Sérgio Ferraz, na assertiva de que nosso sistema jurídico só admite ou requer regulamento para organização do aparelho administrativo com o objetivo de assegurar a fiel execução das leis.

Viceja, nessa ordem de idéias, o princípio da primazia da lei, acentuando a superioridade desta em relação aos atos normativos infralegais. Estes nada podem sem ou contra a primeira; a lei desconhece qualquer embaraço oponível por atos normativos infralegais, podendo derrogá-los, excluí-los, ampliá-los ou restringi-los ao seu talante.

Corolário disso, o princípio do congelamento da categoria5 determina que, disciplinada certa matéria por lei, apenas de ato de igual ou superior envergadura. No âmbito desta sentença, porém, carece de sentido qualquer embate sobre a natureza jurídica da OAB, seja para defender a posição de autarquia especial, seja para defini-la como serviço público independente. Aqui, importa apenas saber que a OAB tem regime jurídico fortemente impactado pelo direito público, permeado por prerrogativas e sujeições especiais, e isso é verdadeiro tanto para quem opta pela primeira quanto pela segunda definição. Assim, o emprego do fraseado "autarquia especial" deve ser visto sempre como ressonância dessa característica, prevalecendo seu uso apenas por ser expressão mais freqüente. Poderá advir alteração. Se a lei cuidou, por exemplo, de dado acessório perfeitamente tratável por regulamento, este jamais poderá modificá-lo. Quando o § 1º, art. 8º, da Lei 8.906/94, define ser competência do Conselho Federal da OAB regulamentar o Exame de Ordem, seguramente está levando em conta as funções e os limites válidos da atuação normativa secundária, reduzidos à (1) tarefa de precisar o conteúdo de conceitos eventualmente versados de forma sintética ou imprecisa pela lei, (2) ao procedimento aplicável e (3) à disciplina da discricionariedade técnica. Seara do provimento, portanto, condiz com a definição das fases e métodos de avaliação, conteúdo a ser objeto de exame, critérios de correção, possibilidade ou não de consulta à legislação ou à doutrina, periodicidade de realização do certame, etc. Tudo aquilo de tez instrumental - e estritamente instrumental - à realização do Exame de Ordem, no intuito de zelar por sua padronização, nível técnico e operacionalização, pode vestir a roupagem de provimento, preservando-se aí sua verdadeira e correta aptidão. Intolerável, porém, redesenhar-se, via provimento, a arquitetura já finalizada pela lei. O referendo emprestado ao art. 2º e § 1º, do Provimento OAB 109/2005 parece refletir, talvez, o sentimento implícito de que a exigência ou não de conclusão do curso de direito seria questão melhor acomodada em estofo regulamentar, procurando-se "corrigir", a despeito das dificuldades exegéticas, uma imoderação cometida pelo legislador.

Se for esse o caso, o princípio da primazia da lei e o princípio do congelamento da categoria dão resposta arrebatadora, asfixiando qualquer possibilidade de discussão em semelhante terreno: o administrador não dispõe do que o legislador põe.

De qualquer modo, não reputo naturalmente afetas à disciplina infralegal imposições restritivas que, antecipando o dever de comprovar escolaridade, cerceiem a participação em certames. O bem jurídico em jogo aí é a liberdade de fazer ou não algo, e sobre a liberdade, desde a superação do absolutismo, só se admite a intervenção da lei. O postulado da legalidade, não se olvida, é sensível à passagem do tempo e à evolução das instituições. Mutações em seu espectro significativo vêm se instalando, trilhando-se o que alguns acusam ser um processo de relativização.

Mesmo assim, a leitura de Manoel Gonçalves Ferreira Filho6 faz saber que nos Estados Unidos - país em que esse processo de relativização não é novidade, e de onde foi importada nossa tentativa de relativização, as agências reguladoras - o maior espaço conferido à atividade normativa regulamentar - não prescinde de adstrição aos standards postos pela lei delegante, expondo-se a rigoroso controle judicial e por parte do Congresso (especialmente por conduto de suas "watchdog committees"). Não assimilo a idéia de que a OAB possa ser equiparada à categoria de agência reguladora7. Admita-se, contudo, a hipótese, abstraindo-se qualquer consideração acerca das substanciais diferenças entre a liberdade normativa constitucionalmente permitida às nossas agências reguladoras e àquela desfrutada pelas congêneres norte-americanas: ainda nesse imenso exercício imaginativo, não haveria salvação para o art. 2º e § 1º, do Provimento OAB 109/2005, pois extrapolam os - assim ditos - "standards" da Lei 8.906/94. Voltando à realidade, tanto a abdicação quanto a delegação legislativa em favor da OAB - ou de qualquer outro ente, tirante discussões relacionadas às agências reguladoras - são impensáveis em nossa ordem jurídica. Insuficiente, assim, invocarse o § 1º, do art. 8º, da Lei 8.906/94 como fundamento de validade do ato normativo secundário sob foco. A regra legal legitima tão-só a competência para editá-lo - ou seja, apenas um dentre os vários requisitos de validade - jamais outorgando "carta branca" ao seu conteúdo. Justamente o seu conteúdo, viu-se à exaustão, vulnera a legalidade ao reduzir o inciso II em comando subordinado ao inciso IV, do art. 8º, do EOAB. b) Desproporcionalidade da exigência

A desconformidade do Provimento OAB 109/2005 não se dá em relação ao teor explícito do art. 8º da EOAB somente, pois suplicia o princípio da proporcionalidade.

Proporcionalidade e razoabilidade são axiomas univitelinos. Demandam um vínculo de adequação entre meios e fins, reprovando medidas incapazes de satisfazer o interesse público ou que excedam a medida do necessário para sua consecução.

Nesta última nuance, emerge a noção de proporcionalidade, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello8, para quem, "[...] em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade", enquanto Lúcia Valle Figueiredo9, no mesmo diapasão, defende "[...] que é o sentido estrito o diferenciador da razoabilidade. Na verdade, os princípios se imbricam de tal sorte que se poderia confundi-los".

Evocam, portanto, conceitos de experiência. Com base no empirismo, na identificação de valores sócio-jurídicos e nos mecanismos disponíveis à realização de determinada competência, a razoabilidade e a proporcionalidade peneiram providências anêmicas ou demasiadamente enérgicas tanto na ocasião de sua escolha quanto no desenrolar de sua execução, visando balancear interesses público e privado.

O ato normativo da Ordem dos Advogados, nessa quadra, peca não por ignorar simplesmente, mas por afrontar regra de experiência consolidada, reconhecida em instâncias sócio-jurídicas como perfeitamente adequada ao bem público ora aferido.

Esse paradigma, afinal, estampa a súmula 266, do STJ: O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público. Condensa o verbete uma orientação cuja abrangência vai além do que a formulação escrita do enunciado leva a crer. Suas razões fundantes - "como é de se garantir a ampla participação em concursos (princípio da acessibilidade), só devem ser antepostas exigências indispensáveis aos seus propósitos; a aprovação no certame, tão- só, não é suficiente à aquisição de direito ao exercício da função; a exigência de comprovação da escolaridade (diploma ou habilitação legal) tem pertinência com o desempenho da função, não com a inscrição em certame de acesso; logo, é na ocasião em que vai se dar exercício da função o momento para tal exigência" - decalcam premissas e conclusões de substrato universal, transponíveis a todas as situações em que, inexistindo dispositivo legal expresso em sentido oposto, a investidura (sentido largo) em ofício ou função requeira a prévia avaliação de conhecimentos por meio de provas e similares. Catalogada como autarquia especial, a OAB recebe forte influxo de regras próprias do direito público, conferindo-lhe prerrogativas e sujeições peculiares.

O mesmo sopro de vida que lhe dá o manejo da execução fiscal, do poder regulamentar e do poder disciplinar, por exemplo, ministra-lhe obediência aos princípios da administração pública compatíveis com sua natureza. Caso, pois, de simetria, figurando o respeito à juridicidade (legalidade constitucionalizada), à razoabilidade e à proporcionalidade no rol de contrapartidas devidas pela Ordem dos Advogados ao titularizar poderes instrumentais incompossíveis nas personalidades genuinamente privadas. Curioso notar, porém, que a OAB cuida de organizar o exercício de profissão intrinsecamente participante da aplicação do direito e da formação da jurisprudência.

Por provocação dos advogados nela inscritos, atuando na legítima proteção do interesse de terceiros, nasceu - em última análise - a súmula 266 do STJ, resultando de tese limitativa das exigências praticadas pelo Estado.

Esse traço particularizante torna a orientação sumulada, naquilo em que veicula regra razoável e proporcional, dever jurídico e, além disso, um imperativo ético para a OAB. Lamentavelmente, les cordonniers sont touojurs les plus mal chaussés12. Quando se procura redargüir a linha de argumentação que sustento, normalmente o recurso utilizado em defesa da razoabilidade e da proporcionalidade do Provimento OAB 109/2005 emprega a técnica de exposição ao absurdo. Na tentativa de demonstrar a legitimidade da exigência de diploma ou de certidão de conclusão para participar do Exame, costuma-se contrapor a possibilidade de um estudante do 1º período do curso de Direito, por exemplo, submeter-se às provas, inscrevendo-se advogado cinco anos depois, automaticamente, quando obtiver grau superior. Por provar muito - como geralmente sucede com a técnica de exposição ao absurdo - o contraponto nada prova. Razoabilidade e proporcionalidade entronizam juridicamente a busca da virtude pelo afastamento dos extremos, expurgando, como disse, medidas insuficientes à satisfação do interesse público ou que excedam a medida do necessário para sua consecução. A mácula engastada no Provimento OAB 109/2005, por isso, não é exatamente de razoabilidade, mas de proporcionalidade, pois ultrapassa o imprescindível à concretização do fim público colimado pelo art. 8º, da Lei 8.906/94.

Talhando a ritualística de ingresso na profissão da advocacia, o Estatuto claramente refuga a idéia de que as condicionantes plasmadas no art. 8º possam ser atendidas fragmentariamente, ou seja, em momentos totalmente desconexos ou isolados. Não que o objetivo legal preconize o seu adimplemento simultâneo, no mesmo instante material, dada a evidente impossibilidade prática. Pretende, na verdade, a execução minimamente coesa de seus ditames, por fases encadeadas, traduzindo uma marcha (quase) procedimental.

Ademais, isso ilustra o previsível, e como a lei vem a reboque dos fatos, é de se esperar seja composta em função do que ordinariamente ocorre ou deve ocorrer, sem conjecturas guiadas por algo digno da teoria do caos.

Por outro lado, subtende-se aí a intenção de resguardar a seriedade e a eficiência da atividade imputada à OAB, de modo a proporcionar-lhe meios para esquadrinhar com segurança a capacidade técnica e a idoneidade do pretendente à advocacia.

Aceitar a participação de um acadêmico neófito (ou de um estudante de ensino médio, para usar fielmente a técnica de exposição ao absurdo) minaria a projeção teleológica da lei, no sentido antes detalhado.

Dentro desse espírito, em desenvolvimento ao EOAB, o ato normativo secundário teria franquia para promover um corte no grupo de possíveis participantes do Exame, porquanto, do contrário, sua dimensão seria incalculável (e, utilizando novamente a técnica de exposição ao absurdo, até a logística para a realização do certame restaria comprometida).

Ao promover esse corte, porém, o Provimento OAB 109/2005 deveria ter parametrizado suas disposições a partir da orientação universal capturada pela súmula 266, do STJ, que não rechaça, como visto, exigências indispensáveis aos propósitos do certame, mas reserva a comprovação de escolaridade/habilitação ao momento de ingresso na função.

Aqui, esse momento de ingresso deve ser lido "inscrição como advogado". Todavia, antecipando a apresentação de diploma ou de certidão de conclusão à fase de admissão no Exame de Ordem, o ato pronunciou restrição mais severa do que pedia a lei para a manutenção do interesse público nela abrigado.

Poderia a OAB, tal qual persegue o Ministério Público Federal, reduzir aos concluintes a possibilidade de participação, isto é, aos acadêmicos de direito que estão cumprindo os créditos e/ou disciplinas finais do curso de graduação.

Poderia, quiçá, até avançar pouco mais dentro do escopo de resguardar a seriedade e a eficiência do processo de habilitação de novos advogados, condicionando o aproveitamento de eventual aprovação no Exame ao êxito coincidente nas disciplinas finais então cursadas, submetendo-se o candidato à nova prova da Ordem caso a graduação viesse a ser postergada por força de reprovação na órbita acadêmica. Nos termos germinados, contudo, o art. 2º e § 1º, do Provimento OAB 109/2005, merecem invalidação. Já a mereciam pelas reflexões alinhavadas no tópico anterior, sob o prisma de sua ilegalidade em sentido estrito; não bastasse, merecem-na também pelo desprestígio à proporcionalidade.

Mas os reflexos da proporcionalidade não se exaurem nesse ponto. O mencionado princípio serve de amparo autônomo à imposição de preceito cominatório em face da OAB, interditando-lhe a edição de novos atos normativos secundários que, sem autorização de mandamento expresso de lei, contenham disposição equivalente àquela supracitada.

c) Inaplicabilidade do julgamento proferido pelo STF na ADI 3.460 Um dos pontos de arrimo presente nas entrelinhas de tudo o que afirmei até agora consiste na impossibilidade de ato regulamentar impor, sem respaldo expresso de norma primária, comprovação de escolaridade quando da inscrição do candidato em concursos, provas de seleção ou assemelhados.

Em gênero, a exígua liberdade reconhecível aos atos infralegais infunde essa inaptidão. Como atos executivos, conformam-se, quando muito, por senso de conveniência e oportunidade em dimensões diversas, mas em nada comparáveis ao amplo juízo de valoração política que integra a gênese de uma espécie normativa primária.

Natural, assim, estejam os atos regulamentares atrelados à circunscrição agudamente mais rígida quanto à proporcionalidade e à razoabilidade de suas prescrições, dilatando-se, por conseguinte, o terreno do controle judicial.

Diferentemente, ao se indagar a proporcionalidade e a razoabilidade de ato normativo primário, há de se atentar ao seu invólucro político, circunstância que lhe confere vasto campo de liberdade e dá à tarefa de análise cores profundamente mais complexas e delicadas.

A chave para se compreender a falta de correspondência entre o julgamento proferido pelo STF na ADI 3.460 à lide sob apreço reside nessas considerações. A decisão chancelou a comprovação de atividade jurídica exigida à época da inscrição em concurso para o Ministério Público, asseverando sua compatibilidade com a EC 45/2004: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 7º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO Nº 35/2002, COM A REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA RESOLUÇÃO Nº 55/2004, DO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. A norma impugnada veio atender ao objetivo da Emenda Constitucional 45/2004 de recrutar, com mais rígidos critérios de seletividade técnico-profissional, os pretendentes às carreira ministerial pública. Os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de Direito e o fraseado "atividade jurídica" é significante de atividade para cujo desempenho se faz imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. O momento da comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de molde a promover maior segurança jurídica tanto da sociedade quanto dos candidatos. Ação improcedente. ADI 3460 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 31/08/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 15-06-2007.

Sucede que a resolução impugnada na ADI não tratava de regulamentação legal, mas da aplicação de norma constitucional consignada no atual § 3º do art. 129, da CF/88:

.............................................................................................................

Art. 129.

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.


............................................................................................................

O comando da Constituição foi estatuído de forma categoricamente diversa daquela verificada em relação ao art. 8º e 1º, da Lei 8.096/94, permitindo interpretá-lo em favor da possibilidade de se condicionar a inscrição no concurso à comprovação de atividade jurídica.

Primeiro, esse requisito não foi posto pela EC 45/2004 em termos inequivocamente autônomos, cedendo sem traumas ao entendimento de que complementa e está subordinado ao concurso (o paralelo remete ao tópico "a" - Ato normativo que invade, em desacordo, matéria já disciplinada por lei - insubordinação executiva do Provimento OAB nº 109/2005).

Segundo, a resolução do Conselho Superior do Ministério Público que foi objeto da ADI, conquanto não se encaixe na classe de norma primária, pode disciplinar a aplicação do preceito constitucional, desde que o faça com plena vinculação ao seu enunciado e à sua finalidade.

Ora, o enunciado do § 3º, art. 129, comporta a solução aventada pela resolução, conforme delineei antes. Noutra via, o fim almejado pelo constituinte reformador ao implantar, dentre outros comandos, a atual redação do dispositivo, foi o de potencializar mais ainda a austeridade das exigências ao ingresso na carreira do Ministério Público (assim como da Magistratura, conforme dispõe o art. 93, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 45/2004).

Tal finalidade, é óbvio, dimana de um juízo político cristalizado, no direito positivo, por emenda constitucional, recebendo desdobramento consentâneo e adequado por parte da resolução submetida à Ação Direta 3.460.

No tocante à advocacia, contudo, não se tem notícia de qualquer intervenção legiferante imbuída do desiderato de enrijecer as condições de ingresso. Ao Provimento OAB 109/2005, na condição de norma secundária, é vedado servir à inauguração de juízo político desse teor ou de qualquer teor divergente do contido no mandamento legal que justifica e define sua existência. Ao se afastar da organização nuclear da matéria empreendida pelo art. 8º, da Lei 8.906/94, o provimento andou em sentido diametralmente oposto à trajetória da resolução ministerial em relação ao art. 129, § 3º, da CF/88, cujo signo é o da fidelidade. O refúgio legitimador desta, portanto, não pode ser estendido àquela. Decisões favoráveis

Dando fecho à fundamentação de mérito, busco o reforço das decisões favoráveis à posição encampada nesta sentença, transcrevendo as seguintes ementas:

ENSINO SUPERIOR. EXAME DE ORDEM. EXIGÊNCIA DO DIPLOMA OU CERTIFICADO DE COLAÇÃO DE GRAU SOMENTE NO ATO DE INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA OAB. 1. É ilegal a exigência de comprovação de colação de grau para a realização do Exame da Ordem, pois somente é necessária no ato da inscrição nos quadros da OAB. 2. Hipótese, ademais, em que o único fim para o qual foi concedida a segurança, autorizar a inscrição no exame de ordem de 2004, já se exauriu com o transcurso do tempo. 3. Apelação e remessa às quais se nega provimento. (TRF1, AMS 2004.33.00.018543-4/BA, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma, DJ de 24/09/2007, p.84).

ADMINISTRATIVO. OAB. EXAME DA ORDEM. INSCRIÇÃO. APRESENTAÇÃO DO DIPLOMA. DESNECESSIDADE. A apresentação do Diploma de Conclusão do Curso de Direito somente é necessária no momento da inscrição nos quadros da OAB. Aplicação analógica da Súmula nº 266/STJ. (TRF4, ROMS 2006.71.00.029628-0/RS, Rel. Desembargador Federal Roger Raupp Rios, j. 14.07.2007).

ADMINISTRATIVO - EXAME DE ORDEM - DIPLOMA - BACHAREL EM DIREITO - DESNECESSIDADE - O diploma de graduação não é exigível no momento da inscrição para o exame de ordem, mas tão-somente na ocasião da inscrição nos quadros da OAB, isso porque a admissão, para realização do certame, não acarreta prejuízo algum para a instituição. (TRF 4ª R. - AMS 2005.72.00.011637-7 - 1 T.Supl. - Rel. Juiz Fed. Fernando Quadros da Silva - DJU 28.06.2006 - p. 744)

Antecipação de tutela

Os provimentos de urgência instrumentalizam técnica de distribuição do fator tempo entre as partes do processo, sopesando, caso a caso, o embate entre o direito à segurança jurídica e o direito à efetividade da prestação jurisdicional (ponderação de interesses fundamentais conflitantes no caso concreto).

Aqui, sem embargo da visão esposada na presente sentença, cumpre reiterar o reconhecimento de que o estágio atual da jurisprudência é, na grande maioria, desfavorável à pretensão deduzida pelo Ministério Público Federal, motivo pelo qual a antecipação dos efeitos da tutela, na amplitude propagada por uma ação coletiva, é temerária, gravando sobremaneira o direito à segurança jurídica.

Caso proclamado o provimento de urgência, seria muito provável sua revisão recursal, em caráter de urgência, sem que houvesse ocasião para uma análise mais detida dos argumentos levantados pela excelente peça vestibular aqui encartada ou da fundamentação que, ao acolhê-la, procurei desenvolver.

Daí adviriam, sem dúvidas, sérios inconvenientes à estabilidade das relações jurídicas. Imagine-se, a respeito, a indefinição da situação vivenciada por aqueles que, ao abrigo de eventual liminar aqui proferida, participassem do Exame de Ordem sem dispor de diploma ou de certificado de conclusão.

O efeito multiplicador de uma medida antecipatória estimularia, em tal contexto, o surgimento de incontáveis demandas individuais, embutindo o risco de uma tumultuosa quebra de isonomia pela possibilidade de decisões divergentes em cada uma delas, arranhando mesmo a credibilidade e, última análise, até a eficácia da prestação jurisdicional.

Sob outro viés, o elevado objetivo que o Ministério Público persegue, com maestria, na presente demanda, merece uma reflexão profunda, livre de sobressaltos, até para que se possa reavaliar em grau de recurso, se for o caso, o respeitável entendimento em contrário estabelecido pela Egrégia Corte Regional, pois esta ação civil pública oferece, para tanto, oportunidade até agora inédita de se discutir o assunto sob perspectiva diferente, por mais larga e complexa, do que a verificada em ações individuais.

Terá, a meu ver, tanto mais chances de lograr êxito quanto menores forem os avanços abruptos sobre uma ordem de coisas aparentemente sedimentada.

Assim, tenho por bem denegar o provimento antecipativo.

Ante o exposto, não se podendo conferir amplitude nacional à sentença, julgo procedente o pedido subsidiário, determinando à Ré que se abstenha, no território de Sergipe, de exigir a apresentação de diploma ou de certificado de conclusão do curso de direito para fins de participação no Exame de Ordem, com base no Provimento do Conselho Federal nº 109/2005 ou de que qualquer outro ato normativo que o faça sem respaldo expresso de lei, permitindo, por conseqüência, a inscrição no referido certame de candidatos que comprovem, mediante atestado ou certidão, estar cursando as últimas disciplinas necessárias à obtenção da graduação.

Indefiro, pelas razões declinadas, a antecipação dos efeitos da tutela.

Em advindo o trânsito em julgado, caberá à OAB promover, no território de Sergipe, a ampla divulgação desta decisão, nos termos requeridos pelo MPF, devendo-lhe assegurar cumprimento fiel e imediato sob advertência de multa, a ser definida, se necessário, em fase de execução, sem prejuízo das demais sanções pertinentes.

Condeno a ré nas custas e em honorários, que fixo em R$ 1.000,00 (hum mil reais).

P. R. I.

Aracaju, em 22 de abril de 2008.

Fernando Escrivani Stefaniu
Juiz Federal Substituto



JURID - ACP. Lei nº 8.906/94. [08/03/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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