Anúncios


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

JURID - Uso de cuecas não pode ser restrito. [27/01/10] - Jurisprudência


Perdigão é condenada por impedir empregado de usar cuecas.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!


PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO

SEGUNDA VARA DO TRABALHO DE RIO VERDE-GO

S E N T E N Ç A


Processo: 01668-2009-102-18-00-3

Reclamante: GIVALDO SILVA DE JESUS

Reclamada: BRF - BRASIL FOODS S.A.

Vistos etc.

Givaldo Silva de Jesus, qualificado na inicial, ajuizou ação trabalhista em face de BRF - Brasil Foods S.A., igualmente qualificada, alegando, em suma, que trabalhou para a reclamada de 24.11.2005 a 27.07.2009, quando deu por rescindido o contrato de trabalho, por culpa da reclamada, em razão das condições de trabalho oferecidas pela reclamada, mas não recebeu as devidas reparações, motivo da presente ação.

Postulou: reconhecimento da rescisão indireta e o pagamento de saldo de salários, aviso prévio, 13º salário, férias + 1/3, FGTS + 40% e indenização por danos morais, além do fornecimento de carta de apresentação e dos formulários do seguro-desemprego, sob pena de indenização substitutiva.

Requereu, ainda, os benefícios da gratuidade da justiça, as anotações de baixa na CTPS e a aplicação da multa do art. 467 da CLT.

Deu à causa o valor de R$ 18.963,74 e juntou documentos.

A reclamada opôs defesa escrita (fls. 63/78), seguida de documentos, sobre os quais manifestou-se o reclamante às fls. 227/241.

Em prosseguimento à audiência, foi colhido o depoimento das partes e de cinco testemunhas.

Sem outras provas encerrou-se a instrução processual.

Razões finais via memoriais.

Partes inconciliadas.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

a) Providência saneadora


Antes de tudo o mais, determino à Secretaria que atualize a denominação social da reclamada, para que conste: BRF - BRASIL FOODS S.A.

Além disso, deverá corrigir a indicação do pólo ativo, para que o nome do autor seja grafado corretamente: GIVALDO SILVA DE JESUS.

b) Da rescisão contratual

O autor pretende o reconhecimento da rescisão indireta, e a reclamada, por sua vez, sustenta que houve dispensa por justa causa, por desídia.

Embora, a rigor, em tais situações, devesse ser indagado, primeiro, de quem foi a iniciativa rescisória, tendo em conta que a reclamada considerou que o contrato ainda estava vigente na data em que despediu o autor, impõe-se verificar se o obreiro se comportou de modo desidioso, de modo a justificar a aplicação da justa causa invocada pela empregadora.

E o motivo invocado não tem como prevalecer, uma vez que a reclamada não aponta quais teriam sido as faltas que embasaram a sua alegação de que houve desídia por parte do autor. E a prova oral é uníssona no sentido de que o autor cumpria com diligência as suas funções. As faltas a partir do dia em que o reclamante se afastou em definitivo para postular a rescisão indireta não podem ser levadas em conta, para caracterizar a suposta desídia, em primeiro lugar, porque a reclamada o convocou para retornar ao trabalho em 03.08.2009, sob a ameaça de caracterizar-se a justa causa por abandono do emprego (fls. 56/58). Todavia, assim que ficou sabendo que o autor invocara a rescisão indireta (fls. 59), a reclamada mudou o fundamento para a dispensa (fls. 60), já que não haveria tempo para que o afastamento se estendesse por trinta dias, após o que se presume a intenção de abandonar.

Diante disso, reconheço que a rescisão contratual deu-se por dispensa sem justa causa, razão pela qual defiro ao autor o aviso prévio indenizado e sua projeção na duração do contrato, para todos os efeitos legais, 8/12 13º salário proporcional e 9/12 de férias + 1/3 proporcionais.

O saldo de salários do mês de julho já foi creditado na conta corrente do autor (fls. 153).

Defiro, ainda, o saldo constante do TRCT de fls. 161, acrescido de 50%, por se tratar de parcela incontroversa e não paga em audiência (CLT, art. 467).

Deverá a reclamada, além disso, fornecer ao autor as guias do seguro-desemprego, sob pena de indenização substitutiva, bem como comprovar os recolhimentos de FGTS de todo o pacto laboral, e incidente sobre as verbas decorrentes da presente sentença, sob pena de execução direta.

Quanto à carta de referência, não há norma jurídica que obriga a reclamada a fornecê-la.

Defiro, porém, a baixa na CTPS, com data de 26.08.2009 (TST/SDI-I, OJ n. 82).

c) Da indenização por danos morais

Embora os cuidados para evitar eventual contaminação por agentes patogênicos fosse justificada, disso não decorre que os trabalhadores tivessem que abrir mão de sua própria intimidade, uma vez que há outros meios de se precaver sem avançar sobre o direito à privacidade inerente a todo ser humano.

Conquanto somente dois trabalhadores se tenham insurgido contra as novas medidas, é conveniente salientar que o silêncio do empregado não pode ser interpretado como assentimento, senão como consequência de sua situação econômica e social, que o faz dependente do trabalho para sobreviver.

Por outro lado, as normas regulamentares apresentadas pela reclamada não indicam que, para a adequada proteção sanitária, seja indispensável expor os empregados à situação vexatória de desfilarem nus na presença dos colegas de trabalho. Além disso, a medida extrema só se justificaria diante de um histórico de frequentes contaminações, a despeito de adotadas todas as demais medidas de higienização, o que não é o caso. Pelo menos não nada há nos autos que aponte nesse sentido.

Ademais, ainda que fosse imprescindível a troca de todas as peças de roupa, inclusive as cuecas, caberia à reclamada, pelo menos em respeito ao conforto e privacidade de seus empregados, fornecer-lhe também tais peças, limpas e esterilizadas.

Ora, é sabido que os órgãos genitais são a parte mais íntima da pessoa, a última reserva de seu recato, não por acaso tratados na linguagem dos antigos como "as vergonhas".

Assim, impor ao trabalhador a exposição diária e completa de seu corpo, sem reserva alguma, demonstra a ausência de um mínimo de cuidado e respeito com a dignidade e direito à privacidade inerente a todo o ser humano, ao qual não pode renunciar nem ser despojado.

Ainda que entre colegas de trabalho, tal situação causa constrangimento, cabendo a reclamada adotar medidas que evitem tal exposição. Que alguns se resignem e que outros se aproveitem da situação para exibir seus atributos, reais ou imaginários, é uma coisa. Questão diversa, porém, é sujeitar todos os obreiros a essa situação, submetendo-se aos olhares alheios, sem um único traje, por mínimo que seja. Afinal, embora os seres humanos tenham adotado a prática de cobrir seus corpos com a finalidade primeira de se proteger contra as intempéries da natureza, logo tal costume adquiriu outros sentidos, em especial o de evitar a invasão dos olhares alheios, preservando, assim, os segredos de cada um em relação ao próprio corpo.

E o direito moderno amplia essa proteção, estendendo-o à própria residência, como meio de preservar ainda mais a vida privada. Reconhecendo a Constituição Federal a proteção da vida privada, da honra e da imagem como direitos fundamentais, não se pode admitir que o empregador desnude o obreiro por conveniência ou comodismo. A menos que isso fosse absolutamente indispensável e fossem observados os limites do estritamente necessário não poderia o empregador impor a nudez a seus empregados, ainda que entre colegas de trabalho. Não era essa, porém, a situação dos autos, uma vez que a necessidade de prevenção sanitária poderia ser obtida por outros meios, bastando que houvesse um mínimo de preocupação com a dignidade dos trabalhadores.

Conforme sentencia Alice Monteiro de Barros, socorrendo-se nas lições de Carlos Ruiz Miguel:

"Não é o fato de um empregado encontrar-se subordinado ao empregador ou deter este último o poder diretivo que irá justificar a ineficácia da tutela à intimidade no local de trabalho, do contrário haveria degeneração da subordinação jurídica em um estado de sujeição do empregado. O contrato de trabalho não poderá constituir 'um título legitimador de recortes no exercício dos direitos fundamentais' assegurados ao empregado como cidadão; essa condição não deverá ser afetada quando o empregado se insere no organismo empresarial, admitindo-se, apenas, sejam modulados os direitos fundamentais na medida do imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva" (BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p. 33).

Por outro lado, não se pode ignorar que a nudez envolve uma situação simbólica particular, uma vez que cada um reage de modo particular diante de tal fato, principalmente em razão de sua relação imediata com a sexualidade. Assim, colocar o trabalhador totalmente despido perante os colegas pode evocar-lhe sensações as mais diversas, conforme os valores que adote ou experiências vividas. E tal situação, que para alguns é considerada normal, por exemplo, para os simpatizantes do nudismo, pode gerar pavor em outras pessoas. E tais sentimentos não podem ser objeto de desconsideração jurídica, uma vez que dizem respeito ao modo como cada um se relaciona com o próprio corpo, algo que só diz respeito à vida privada de cada um. Afora isso, a presença dos demais, nas mesmas condições, em vez de ser fator que amenize a situação vexatória, pode agravar o constrangimento, conforme a formação moral e o pudor de cada um.

Que o autor se tenha resignado algumas vezes não é motivo para concluir que tal situação não lhe trazia constrangimentos. E prova disso é que, a despeito das novas regras implantadas pelo empregador, o obreiro continuou usando cuecas, sendo, inclusive, punido por isso.

Diante disso, por se tratar de prática que poderia, com um mínimo de criatividade, ser dispensada, mediante fornecimento de cuecas pela própria empresa, como parte do uniforme, além de expor o corpo do autor por inteiro e sem limites aos olhares dos colegas de trabalho, a postura da reclamada deve ser reprimida, uma vez que atenta contra o direito à intimidade do obreiro. E o só fato de o obreiro estar no estabelecimento do empregador não é o bastante para que se olvide o respeito que merece enquanto pessoa humana. Ao determinar que se despisse de suas roupas, porém, a reclamada não atentou que lá estava uma pessoa humana, razão de ser de toda a ordem jurídico-social, não se tratando de simples instrumento de trabalho.

Quanto ao valor da indenização, acolho o montante indicado pelo autor, uma vez que atende ao fim reparatório, em razão da situação a que foi submetido o autor, cujo valor deverá ser corrigido monetariamente e acrescido de juros legais a contar da data do ajuizamento da presente ação.

d) Dos benefícios da justiça gratuita

Requeridos na forma legal, defiro.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, julgo procedente em parte o pedido deduzido por Givaldo Silva de Jesus em face de BRF - Brasil Foods S.A., para condenar a reclamada a pagar ao autor as verbas deferidas na fundamentação acima e a comprovar o recolhimento de custas e contribuições previdenciárias e fiscais, observados os valores descritos na planilha anexa, sem prejuízo da correção monetária e juros até o efetivo pagamento, bem assim a proceder à baixa na CTPS do reclamante com data de 26.08.2009, sob pena de tal registro ser realizado pela Secretaria, comunicando-se à SRTE a recusa, e fornecer-lhe as guias do seguro-desemprego, sob pena de indenização substitutiva, além de comprovar os depósitos do FGTS + 40% de todo o período laboral, inclusive o incidente sobre as verbas decorrentes da presente sentença, sob pena de execução direta.

Cumpra a Secretaria a determinação contida no item "a" da fundamentação supra.

Intimem-se as partes.

Rio Verde-GO, 9 de dezembro de 2009.

Ari Pedro Lorenzetti
Juiz do Trabalho



JURID - Uso de cuecas não pode ser restrito. [27/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário