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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

JURID - Não cumprimento de contrato. [21/01/10] - Jurisprudência


Central de Intercâmbio deve indenizar por não cumprir contrato no exterior.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2008.01.1.160660-3

Vara: 1406 - SEXTO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

SENTENÇA

Dispensa-se o relatório (art. 38, "caput", da Lei nº. 9.099/95).

Rejeito a substituição do pólo passivo da demanda requerida às fls. 28/30, pois a cessão de direitos ocorreu após a propositura da demanda.

Rejeito a preliminar de ausência de interesse processual, pois as alegações relativas ao usufruto integral do programa pelo autor e à quitação do reembolso dizem respeito ao próprio mérito da demanda, e como tal serão analisadas.

Ao exame da inicial a parte autora afirma o descumprimento contratual com base nos seguintes argumentos: a) irregularidades com as vagas de emprego disponibilizadas pela ré; b) falta de orientação no período mais crítico de adaptação; c) omissão da ré em adotar as providências necessárias a regularizar a oferta de trabalho, bem como a situação do autor no país frente ao departamento de imigração dos EUA, gerada pela inexistência do vínculo laboral que lastreava o seu visto; e) dificuldade na alteração do programa de intercâmbio e na obtenção da diferença de valores entre os programas.

O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor assim dispõe: "Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".

Ao exame das peças de fls. 132/181, observo que o anúncio publicitário contém a seguinte redação: "Trabalhar e viajar: esses são os dois objetivos de quem procura este programa. Você vai 'ralar' nos EUA por até 4 meses, fazer amigos, e ganhar em dólar! Venha participar desta aventura: Trabalho de férias nos EUA".

O serviço oferecido pela ré ao autor foi de oferta de trabalho regular no período de férias nos Estados Unidos. Frise-se que não foi um intercâmbio de estudos ou de turismo. Mas de trabalho temporário. O núcleo dos serviços oferecidos vinculava-se basicamente à intermediação junto a autoridades e empresas norte-americanas, de modo a viabilizar a concessão de visto de trabalho temporário, bem como garantir vaga de trabalho durante o período de dezembro/2007 a março/2008.

Embora as "condições gerais" do contrato previssem uma carga horária de trabalho semanal de 20 a 50 horas, podendo variar para mais ou para menos, e em que pesem as alegações da parte ré no sentido de haver o autor usufruído integralmente do programa, as provas dos autos demonstram que em verdade não houve uma efetiva oferta de trabalho razoável.

A própria ré não apresenta provas no sentido da existência de oferta minimamente satisfatória de trabalho ao autor.

Poder-se-ia afirmar que a oferta satisfatória conteria uma cláusula aberta, cabendo diversas interpretações, inclusive aquela proposta pela ré segundo a qual não seria o trabalho o foco principal do serviço.

Contudo, não é essa a conclusão que se extrai das provas dos autos. Ora, se a obrigação da ré consistia em intermediar a concessão de visto de trabalho e o encaminhamento do autor para um dos postos de trabalho vinculados ao programa, duas conclusões se imponhem: o trabalho era, sim, elemento nuclear do contrato; e há uma distinção entre oferta variável de trabalho e oferta eventual de trabalho.

A ré recebeu o pagamento pelos serviços, mas não provou que o autor logrou a colocação mínima em postos de trabalho durante o período inicial em que se manteve vinculado ao primeiro programa.

Tanto se podem extrair tais conclusões da interpretação contratual, que do item 3.12 das cláusulas gerais consta o seguinte:

"O empregador poderá oferecer horas limitadas de trabalho por semana em consequência de situações fora do controle. A CI e a organização americana não podem garantir as horas de trabalho informadas no contrato".

Ou seja, a própria ré admite no contrato que o oferecimento de vagas aquém da estimativa contratual apenas se justifica em situações fora do controle. Tais situações não restaram provadas nos autos.

Não é outra a conclusão que se extrai do documento de fl. 87, que numa tradução livre do item "Estimated Average Hours over the course of the program", informa: "Você pode esperar trabalhar uma média de trinta e cinco horas por semana, durante todo o prazo tempo do seu emprego".

Por outro lado, a cláusula de irresponsabilidade da ré acerca do oferecimento das horas de trabalho não se coaduna com a boa-fé objetiva, sobretudo no que tange ao dever de lealdade entre os contratantes a que alude o art. 422 do Código Civil.

Em 07 de janeiro de 2008 o autor solicitou a migração do programa ao qual havia aderido para outro que o permitia trabalhar em outros estabelecimentos que não aquele ao qual se encontrava vinculado; o fez mediante pagamento da diferença de valores entre os programas. Os emails enviados à ré tiveram início em 28 de dezembro de 2007; ou seja, logo na chegada do autor aos Estados Unidos da América. Embora a ré indique os documentos de fls. 168/171 como elementos que elidiriam o inadimplemento, as mencionadas peças apenas demonstram que, embora comunicada a situação em 28/12/2007 à ré e à empresa americana INTRAX (fl. 84), sem qualquer resposta. Apenas em 07 de janeiro de 2008 houve a migração do autor para outro programa, e mediante pagamento.

Restou, pois, demonstrado o inadimplemento contratual, não havendo a parte ré se desincumbindo do ônus da contraprova estabelecido no art. 333, II, do CPC.

Ressalte-se, todavia, que a alegação do autor no que tange à hospedagem não pode ser interpretada como inadimplemento contratual. O contrato firmado entre as partes não envolveu a garantia de instalação. Não houve sequer intermediação ou reserva de hotel por parte da ré como serviço oferecido.

A sugestão de hospedagem não implica a responsabilidade civil no particular.

Passo a estabelecer os contornos da responsabilidade civil contratual na hipótese. Isso porque em janeiro de 2008 o autor migrou para outro programa, em relação ao qual não alega inadimplemento, e também foi reembolsado parcialmente no Brasil.

Ou seja, no primeiro terço do período previsto inicialmente para o programa, verificou-se efetivo dano. Nos dois terços restantes, a migração do autor evitou que o inadimplemento até então configurado gerasse os danos correspondentes. Ademais, em relação aos bilhetes aéreos, a efetiva utilização afasta o inadimplemento.

A responsabilidade civil contratual da ré, portanto, limita-se a um terço do valor pago pelo programa inicial pelo autor, mais o valor que pagou para a migração do programa em janeiro de 2008. De tal quantia deverá ser abatido o reembolso realizado pela ré.

Quanto ao reembolso, sua ocorrência não gera a exclusão da responsabilidade, pois se verificou dano superior ao valor pago pela ré. Aplico, analogicamente, a orientação da Súmula nº 286 do STJ.

Em relação aos lucros cessantes, seu cabimento pressupõe prova efetiva dos valores que a parte afirma haver deixado de ganhar, o que não ocorreu na hipótese.

O dano moral também se encontra configurado, pois o estado de incerteza a que foi submetido o autor em país estrangeiro, sem outros meios de contornar a situação, ocasiona lesão à sua honra subjetiva, gerando um sentimento de desrespeito à sua pessoa e de insegurança.

A indenização cabível deve, contudo, ser adequada às circunstâncias dos autos, pois, não obstante e existência da lesão, não foi ela de modo a gerar um transtorno incontornável capaz de, por exemplo, exigir o retorno antecipado do autor ao Brasil. A prova existente indica que o autor permaneceu nos EUA até o final do período inicialmente programado.

Assim, visando cumprir a tríplice função da indenização devida a tal título: compensatória, inibitória e sancionadora, entendo razoável fixar o dano moral no valor correspondente àquele ora fixado a título de dano material.

Posto isso, JULGO PROCEDENTE EM O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL, para condenar a ré a pagar ao autor a título de danos materiais importância correspondente a 1/3 (um terço) do valor pago pelo programa inicial (apenas a parcela relativa ao programa, sem as passagens aéreas), mais o valor que pagou para a migração do programa em janeiro de 2008. De tal quantia deverá ser abatido o reembolso realizado pela ré. Condeno a ré, ainda, ao pagamento de indenização por dano moral fixada em valor idêntico ao dos danos materiais ora estabelecidos. A indenização por dano material deve ser acrescida de correção monetária e juros moratórios de 1% ao mês, estes a partir da citação. A indenização por dano moral deve ser corrigida monetariamente a partir da presente data e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir de dezembro de 2007. Extingo o presente processo, com resolução do mérito e apoio no inciso I, do artigo 269, do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários, de acordo com o art. 55 da lei 9.099/95.

Sentença publicada em Cartório. Registre-se. Dê-se baixa e arquivem-se independente de intimação, com fulcro nos artigos 2º e 51, §1º, ambos da Lei 9.099/95.

Ao trânsito em julgado, arquivem-se os autos com baixa.

Brasília - DF, quarta-feira, 13/01/2010 às 18h29.



JURID - Não cumprimento de contrato. [21/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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