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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

JURID - Mãe de menor será indenizada. [13/01/10] - Jurisprudência


DF é condenado a indenizar em R$ 100 mil mãe de menor infrator que morreu afogado no lago.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2008.01.1.011776-8

Vara: 111 - PRIMEIRA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

SENTENÇA

Vistos, etc.

DEUSELINA COSTA DOS SANTOS, qualificada na inicial de fls., ajuíza ação de indenização contra o DISTRITO FEDERAL, face morte de seu filho menor de idade, Pedro Henrique Costa de Lima, enquanto cumpria medida sócio-educativa na Unidade de Semiliberdade do Gama Leste, um centro de ressocialização de menores infratores.

Narra que a causa determinante da morte foi "insuficiência respiratória aguda securitária a asfixia mecânica", face afogamento durante a atividade de recreação promovida pela respectiva unidade na Prainha do Lago Sul.Pugna pela responsabilidade objetiva do Estado e requer a sua condenação em danos morais e materiais correspondentes a pensão mensal e reembolso de despesas com exumação e confecção de placa para identificação do jazigo.Junta documentos de fls. 18/127.

Citado, o réu apresenta defesa e alega, em suma, que a responsabilidade por conduta omissiva do Estado é subjetiva e que houve culpa exclusiva da vítima, a importar sua não responsabilização.Quanto ao pedido de danos morais, entende ser esse abusivo e que não é possível a sua cumulação com danos materiais. Indevida pensão mensal a genitora do menor, porque esse nunca exerceu qualquer ofício. Requer a improcedência dos pedidos.Junta documentos fls.145/7.

Réplica fls. 152/6.

Instadas à produção de provas, a parte autora disse não ter outras a produzir, e o réu pugnou pela oitiva de testemunhas.Na audiência de instrução de julgamento designada foi colhido o depoimento de uma testemunha e foi aberta oportunidade para as partes se manifestarem em razões finais.

É o relatório. Decido.

José dos Santos Carvalho Filho, sobre a responsabilidade do Estado oriunda do ato omissivo, em sua obra "Manual de Direito Administrativo" nos orienta que "o Estado causa danos a particulares por ação ou por omissão. Quando o fato administrativo é comissivo, podem os danos ser gerados por conduta culposa ou não. A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos - o fato administrativo, o dano e o nexo causal.

Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos" (20ª edição, pág. 531).

Para análise da conduta do Estado no presente processo, a merecer a transcrição de trechos do depoimento da Elionilde Marques da Silva, coordenadora responsável pela Unidade de Semiliberdade do Gama Leste, acerca do evento que culminou na morte do menor (fls. 188/9):

"(...)que levaram quinze menores para um passeio recreativo na prainha do Lago Sul; (...) que no dia haviam dois educadores, a depoente e o motorista responsáveis pelos menores;que o passeio incluía a atividade de nadar no lago, entretanto, nas suas proximidades;que nenhum dos responsáveis que acompanhavam os menores tinham conhecimentos técnicos de salvamento de vidas; (...)que as atividades fora da casa de semiliberdade visavam à ressocialização e integração dos menores na sociedade, e consistiam em passeios a locais públicos realizados durante os períodos de férias; (...)que os educadores não têm formação em educação física e que a apuração técnica acerca da habilidade dos menores com relação à natação foi feita pelo mesmos mediante observação;(...) que não houve ofício prévio ao grupo de Corpo de Bombeiros acerca do passeio;que mesmo sabendo que não haveria o Corpo de Bombeiro, a depoente, como coordenadora, assumiu a responsabilidade pelo passeio."

Pelo que se apura do depoimento, a Unidade de Semiliberdade do Gama Leste passou a exercer atividades de recreação em locais externos, com objetivo de reintegração dos menores ao meio social.

Que num desses passeios, 15 (quinze) menores, acompanhados de dois educadores, da coordenadora e do motorista, visitaram a prainha do Lago Sul, para que esses nadassem no referido lago.

Que não houve ofício prévio ao Corpo de Bombeiros e que nenhum dos acompanhantes dos menores tinha conhecimento específico em técnica de salvamento de vidas.

Ora, "in casu", a conduta do Estado se retrata num verdadeiro desleixo com relação àqueles que tinha obrigação de preservar a incolumidade física, uma vez que estavam sob sua guarda, internos em centro de semiliberdade.

Vislumbra-se pelas provas colhidas, em que pese não ter havido má-fé da coordenadora e educadores que acompanhavam os menores nos passeios externos, não há como afastar o total despreparo e excesso de confiança por parte dos mesmos.

Levar 15 menores para a recreação num lago, para que eles nadassem, sem qualquer infraestrutura (porque nenhum dos acompanhantes tinha conhecimentos específicos em salvamento de vidas) e deixar ao acaso os acontecimentos que desse passeio pudessem ocorrer, demonstra que ignoraram levianamente a possibilidade de um afogamento, fato cuja probabilidade de ocorrer em recreação dessa natureza é previsível por qualquer um.

Impera, assim, reconhecer na espécie, a responsabilidade objetiva do Estado, afastando a necessidade da prova de sua culpa, porque presentes o fato administrativo, o dano e a relação de causalidade entre eles.

Noutro giro, alega o réu que a sua responsabilidade estaria afastada pela culpa exclusiva da vítima, a qual desobedeceu às ordens dos educadores e prosseguiu nadando para o fundo do lago, culminando com o seu afogamento.

Nem sequer isso resta ao réu como fator de irresponsabilidade, porque, mesmo deixando de lado discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade da exclusão da responsabilidade no presente caso, e se eventualmente aceitássemos como possível, não cuidou de provar devidamente o referido alegado.

A única prova trazida pelo réu, que é o depoimento da coordenadora da unidade SemiLiberdade do Gama Leste, nesse ponto se mostra contraditória.

Embora relate que o menor descumpriu ordens dos educadores de retornar à margem do lago, essa também afirma que o "Pedro, na última estadia na casa de internação, se comportava de maneira exemplar e não havia nenhum registro de indisciplina com os educadores".

Contudo, a doutrina reconhece a responsabilidade objetiva no caso de detenção de preso, não aceitando qualquer forma de exclusão, tal como nos coloca Celso Antonio Bandeira de Melo, quando analisa os danos decorrentes de atividades perigosas do Estado.

Afirma esse autor, categoricamente, que mesmo as condutas que não estejam diretamente ligadas ao dano entram "decisivamente em sua linha de acusação". Diz ele: "há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende" (32). O próprio autor apresenta exemplos. Vejamos um: o assassinato de um presidiário por outro presidiário. Não foi o Estado, mas sim o presidiário, o autor do dano; todavia, foi aquele quem criou as condições para que este dano ocorresse, mantendo-os presos. Ora, se o Estado tivesse cuidado para que a segurança do presidiário fosse adequada, o dano poderia ter sido evitado. Logo, o Estado, também aí, a par de manter presos o autor do dano e a vítima (conduta positiva), omitiu-se quanto à segurança desta última em face daquele.

E a jurisprudência ratifica o entendimento:

"Em voto vista, observei que o nexo causal se estabelece, em casos tais, entre o fato de estar preso sob a custódia do Estado e, nessa condição, ter sido vitimado, pouco importando quem o tenha vitimado. É que o Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Ora, tendo o dever legal de proteger os presos, inclusive na prática de atentado contra sua própria vida, com maior razão deve exercer referida proteção em casos como o dos autos, no qual o detento foi vítima de homicídio em rebelião ocorrida no estabelecimento prisional administrado pelo ente público"( voto do Min. Teori Albino Zavascki, proferido no AgRg no Ag 986208/MT, DJe 12.05.08)

No mesmo toar, citem-se:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE PRESOS CUSTODIADOS EM DELEGACIA DE POLÍCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRECEDENTES. PROVA TESTEMUNHAL. AFASTAMENTO DA CULPA. DESNECESSIDADE. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A responsabilidade civil do Estado nos casos de morte de pessoas custodiadas é objetiva, portanto, desnecessária determinação de audiência para colheita de prova testemunhal cujo objetivo seria demonstrar a ausência de culpa do Estado. Precedentes STJ e STF.

2. A interpretação do pedido do autor deve ser feita levando em consideração toda a petição inicial, e não apenas o capítulo "dos pedidos", utilizando-se o método lógico-sistemático e, ainda, a própria causa de pedir. Nesse sentido: REsp 1040448/RJ, DJe 28.05.2008; REsp 613.732/RR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 20.02.2006; REsp337.785/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.03.2002; REsp 931.659/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 18.06.2007).

Em seu voto, o ministro José Delgado destacou que a responsabilidade do Estado para preservar a integridade física do preso começa com sua prisão, incluindo aí a proteção contra a violência de seus agentes, outros presos e até mesmo dele mesmo. "No caso da morte do preso é irrelevante se é suicídio ou não. O Estado responde no mínimo por culpa in vigilando (ineficiência na guarda e / ou proteção)", afirmou.

Configurada a responsabilidade objetiva do Estado, resta especificar e quantificar os danos a que faz jus à autora.

Devidos são os danos morais, os quais, inclusive, se presumem, ainda mais considerando o presente caso, a perda de um filho.

Correto o réu quando repele o excesso na fixação dos danos morais, entretanto, não se pode ignorar que além do caráter retributivo, os mesmos também têm caráter punitivo, como forma de desencorajar a repetição da conduta.

Na espécie, a condenação dos danos morais em R$100.000,00 (cem mil reais) é acertada, não se mostrando módica e nem excessiva.

Pacífica a cumulação entre dano material e moral para o mesmo evento, por abrangerem reparações de espécies distintas (Súmula 37 do STJ).

Assim, devido é o reembolso com os gastos comprovados da exumação e da confecção da placa do jazigo, face juntada do respectivo recibo às fls. 122.

Pertinente à pensão à genitora da vítima, o argumento trazido pelo réu de que não é devido porque a vítima não exercia nenhum oficio, é totalmente descabido com o propósito a que se prestam as casas de internação de menores infratores.

Ora, essas casas têm a função primordial de ressocializar os menores, de integrá-los na sociedade, após o cumprimento da medida sócio-educativa, a qual deve ser eficiente e necessária para tanto.

Isso significa, ou pelo menos assim deve significar que, após o cumprimento da medida, os menores saem aptos a encontrarem um espaço na sociedade, principalmente, no mercado de trabalho.

Reconhecer que a genitora não tem direito à pensão porque a vítima não exercia nenhum ofício, é reconhecer a incapacidade e incompetência de todo um sistema que tem o fim único de proporcionar dignidade às crianças e jovens discriminados socialmente.

Como eu acredito na essência do sistema de ressocialização de menores infratores, também acredito que Pedro Henrique da Costa Lima, após o cumprimento da medida sócioeducativa, se tornaria um grande cidadão para essa comunidade e exerceria um trabalho digno e apto ao seu sustento e toda sua família.

Por isso, entendo devido à autora uma pensão mensal, no importe de 1 (um) salário mínimo, até o período em que a vítima completasse 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3, após essa idade, devendo ser paga até a idade em que Pedro Henrique completasse 65 (sessenta e cinco) anos de idade.

Pelo esposado, julgo procedente o pedido e condeno o réu a ressarcir a despesa com exumação e confecção da placa jazigo, de R$821,80 (oitocentos e vinte e um reais e oitenta centavos), a indenizar a quantia de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais e, por fim, a pagar uma pensão mensal, de 1(um) salário mínimo, até o período em que a vítima completasse 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3, após essa idade, até o limite de 65 (sessenta e cinco) anos da vítima.

Por força da Súmula 362 do STJ, os danos morais serão corrigidos a partir do arbitramento, inclusive, os juros legais, que deverão obedecer à nova redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, dado pela Lei 11.960/09.

Já com relação ao ressarcimento dos danos materiais com a exumação e confecção da placa do jazigo, a correção monetária será a partir do desembolso e os juros de mora, a partir da citação, tudo seguindo a orientação da nova redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, dado pela Lei 11.960/09.

Condeno o réu em honorários advocatícios sucumbenciais no importe de R$5.000,00 (cinco mil reais), a teor no § 4º do artigo 20 do CPC.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.

Brasília - DF, quarta-feira, 25/11/2009 às 14h.



JURID - Mãe de menor será indenizada. [13/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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