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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

JURID - Homossexual em plano de saúde. [14/01/10] - Jurisprudência


Determinada inclusão de parceiro homossexual em plano de saúde.


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

20ª Vara Cível SP

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Processo n° 2009.61.00.024482-3

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Réus: AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS) e OMNIT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA

Vistos, em decisão.

Ajuizou o Ministério Público Federal (MPF) esta Ação Civil Pública (ACP), com pedido de antecipação de tutela, pleiteando, em síntese, determinação para que, no prazo de 60 (sessenta) dias, a empresa OMINT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA viabilize a inclusão de companheiros(as) homossexuais como dependentes dos titulares de planos de saúde por ela comercializados, bem como para que a ANS fiscalize, de forma eficiente, o cumprimento dessa determinação, penalizando eventual descumprimento. Requer a imposição de multa diária, para cada um dos réus, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por homossexual não atendido pela OMINT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA.

Alega o d. Parquet, em resumo, que nossa Constituição, assim como Tratados Internacionais pelo Brasil ratificados, consagram a liberdade, em todos os seus aspectos - o que inclui a sexual - além da dignidade do ser humano, como valor absoluto, assim como veda qualquer forma de discriminação, inclusive em razão do sexo. Cita, entre outras disposições, o art. 3°, IV, da Lei Maior.

Menciona numerosos precedentes jurisprudenciais, no sentido da tese que defende.

Ante os termos do art. 2° da Lei n° 8.437/92, foi determinada a citação dos réus, com a concessão do prazo de 72 (setenta e duas) horas para apresentação de manifestação prévia.

A ANS manifestou-se sobre o pedido de tutela, conforme petição juntada as fls. 64/106. Alega, preliminarmente, a falta de interesse processual. No mérito, sustenta que a efetividade da fiscalização dependerá da denúncia de pessoas interessadas; que seria inviável a aplicação de eventuais sanções administrativas, considerando a necessidade de prévio procedimento administrativo; que não é possível editar normas reguladoras e fiscalizar seu cumprimento, no exíguo prazo de 60 (sessenta) dias.

Às fls. 167/170, está juntada a manifestação da ré OMINT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA, em que sustenta que a inclusão de dependente do mesmo sexo do titular do plano de saúde encontra óbice normativo, em especial, no art. 2°, da Resolução CONSU 14, de 04 de novembro de 1998; que o ordenamento jurídico pátrio não reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, conforme art. 226, § 3°, da Constituição da República de 1988, e art. 1723, do vigente Código Civil. Alega, ainda, que a Lei n° 9.656/98 e os regulamentos da ANS não prevêem tal obrigação.

Assim, brevemente relatados, vieram-me os autos conclusos.

Passo a decidir.

Preliminarmente, desacolho a alegação da ANS de falta de interesse processual, em razão de não haver denúncia a ela formulada, bem como qualquer prova de sua omissão no dever de fiscalizar a OMINT. De fato, a questão em exame ainda não se encontra dirimida, o que justifica plenamente o interesse processual do autor.

Passo ao exame do pedido de antecipação da tutela.

A antecipação da tutela jurisdicional, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil - CPC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 8.952/94, pressupõe a ocorrência das condições declinadas no caput e, pelo menos, um dos seus incisos.

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu."


Nesta fase do processo, convenço-me da verossimilhança das alegações do autor.

As disposições legais e constitucionais que protegem a união estável entre homem e mulher aplicam-se, por analogia, à união estável homossexual, uma vez que se constata lacuna da lei, nesse particular.

De outro ângulo, vejamos o que diz o art. 201, inc. V, da Constituição da República:

"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

...

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º."


Entendo que a interpretação desse artigo - ;que não discrimina o tipo de união afetiva a que se refere - deve se proceder em harmonia com o princípio constitucional maior da isonomia, consagrado, enfaticamente, no caput do seu art. 5°, verbis:

"Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

..."


Ainda, deve tal interpretação harmonizar-se com o disposto no artigo 3°, inc. IV, da Lei Maior, que repudia toda a forma de preconceito, verbis:

"Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

...

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."


Sobre o tema, cito texto de autoria da MM Juíza Federal Márcia Hoffmann do Amaral e Silva Turri, extraído do artigo publicado no Jornal da AJUFESP, sob o título "O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER SEU NOME":

"E certo, inicialmente, que o inciso V do artigo 201 da Constituição da República assegura a pensão por morte do segurado, homem ou mulher, também ao companheiro ou companheira, sem entrar em pormenores. Em outras palavras, a Carta de 1988 não diz só será objeto de proteção securitária a relação entre o segurado e sua companheira ou entre a segurada e seu companheiro, nem delegou ao legislador ordinário a tarefa de preencher eventual lacuna na conformação do fato regulado."

Embora o referido artigo 201 disponha sobre a Previdência Social, é notório que seus mandamentos servem de guia ao julgador, na aplicação dos direitos consagrados constitucionalmente aos cidadãos, na hipótese de lacuna da norma, pois as razões para decidir, em ambas as situações - direito à pensão ou direito à inclusão em plano de saúde, na condição de dependente de titular de mesmo sexo - são similares.

Recorde-se que a utilização da analogia está consagrada, prioritariamente, no at. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), como recurso para preenchimento de lacuna, na hipótese de omissão legislativa - cujo teor transcrevo a seguir - assinalando ao Juiz não é dado eximir-se de decidir e que a LICC é norma de sobredireito, aplicando-se até na interpretação da Constituição Federal.

LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942:

"Art. 4: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."

Finalmente, a jurisprudência dos nossos Tribunais vem consagrando o direito de companheiros homossexuais, que tenham vivido em união estável, ao benefício de pensão, em caso de falecimento de um deles. Os princípios (inclusive constitucionais) que norteiam esses acórdãos são os mesmos por mim adotados, na presente decisão.

Cito, a propósito, as ementas dos seguintes julgados:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGITIMA.

1 - A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis." In casu, ocorre reivindicação de pessoa, em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no processo, como o fez.

(...)

3 - A pensão por morte é: "o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família previdenciária - no exercício de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes." (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Junior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p. 251).

(...)

5 - Diante do § 3° do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.

(...)

7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista a produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.

8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista a concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública n° 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.

9 - Recurso Especial não provido."


(STJ, REsp 395904/RS, Fonte DJU 06.02.2006, p. 365, Relator Ministro HELIO QUAGLIA BARBOSA) (negritei)

"ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO. REGIME DE UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.

- Rejeitadas as preliminares de impugnação da oitiva da testemunha Maria Vandelina dos Santos e de desentranhamento dos documentos juntados às fls. 80/83 dos autos.

- A interpretação que vêm sendo consolidada pelos nossos Tribunais defende a ótica de que não se deve ignorar os princípios norteadores da Lei Maior, que consagram a igualdade em seus artigos 3°, IV e 5° em detrimento da discriminação preconceituosa.

- Independentemente das teses enunciadas pelos diversos pretórios, é uníssono o repúdio da jurisprudência pátria à negativa aos companheiros homossexuais dos direitos que são ordinariamente concedidos aos parceiros de sexos diversos.

- O companheiro homossexual concorre igualmente com os demais dependentes referidos no art. 16, inciso I, da Lei 8.213/91.


- A UFSC deve arcar com as parcelas vencidas da pensão desde o requerimento de habilitação do companheiro na via administrativa ou, na ausência desta, a partir do ajuizamento da ação.

- Os valores a serem pagos deverão ser corrigidos monetariamente desde a data em que se tornaram devidos. Definida a utilização do INPC, e, caso seja extinto esse indexador, pelo que vier a substituí-lo.

- Sendo a presente ação ajuizada após o início da vigência da MP 2.180-35/01, devem incidir juros legais de mora a taxa de 12% ao ano, por força do art. 406 do novo Código Civil, c/c art. 161, §1°, do CTN, desde a data da citação inicial (art. 405, do Novo Código Civil)."


(TRF da 4ª Região, AC - APELAÇÃO CÍVEL Processo: 200272000014221/SC, Fonte DJU: 05/07/2006, p. 668, Relatora VANIA HACK DE ALMEIDA) (negritei)

Presente, portanto, a verossimilhança das alegações. Evidente o periculum in mora por tratar-se de direito à saúde.

Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, para determinar a empresa OMINT SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA que, no prazo de 60 (sessenta) dias, proceda a inclusão, definitivamente, de companheiros homossexuais como dependentes dos titulares de planos de saúde por ela comercializados, observados, porém, os mesmos requisitos para a admissão, na qualidade de dependente, de companheiro ou companheira que comprove união estável com o titular do plano. Deverão, pois, antes do vencimento do aludido prazo, ser adotados pela OMINT as providências que se façam necessárias, a alteração das minutas de seus contratos e demais documentos, de modo a assegurar o direito ora deferido. Quanto à ANS, determino que inicie a fiscalização que lhe cabe, em relação a OMINT e quanto ao cumprimento desta medida liminar, no prazo de 60 (sessenta) dias.

Intimem-se, com urgência, vale dizer, no plantão.

São Paulo, 18 de dezembro de 2009.

RITINHA A.M.C. STEVENSON
Juíza Federal



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