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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

JURID - Habeas corpus. Crime ambiental. Poluição. [08/01/10] - Jurisprudência


Habeas corpus. Crime ambiental. Poluição. Matadouro municipal.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0000.09.505827-7/000(1) Número CNJ: 5058277-72.2009.8.13.0000

Relator: JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ

Relator do Acórdão: JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ

Data do Julgamento: 04/11/2009

Data da Publicação: 16/12/2009

EMENTA: HABEAS CORPUS - CRIME AMBIENTAL - POLUIÇÃO - MATADOURO MUNICIPAL - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - ATIPICIDADE DA CONDUTA - IMPROCEDÊNCIA - FATO TÍPICO - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO - PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL - POSSIBILIDADE - DENEGADA A ORDEM - VOTO VENCIDO.

HABEAS CORPUS N° 1.0000.09.505827-7/000 - COMARCA DE ALTO RIO DOCE - PACIENTE(S): RICARDO BELO COUTO, WILSON GONÇALVES TEIXEIRA FILHO - AUTORID COATORA: JD COMARCA ALTO RIO DOCE - RELATOR: EXMO. SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DENEGAR O HABEAS CORPUS, VENCIDO O DESEMBARGADOR PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 04 de novembro de 2009.

DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ - Relator

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28/10/2009

4ª CÂMARA CRIMINAL

ADIADO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

HABEAS CORPUS Nº 1.0000.09.505827-7/000 - COMARCA DE ALTO RIO DOCE - PACIENTE(S): RICARDO BELO COUTO, WILSON GONÇALVES TEIXEIRA FILHO - AUTORID COATORA: JD COMARCA ALTO RIO DOCE - RELATOR: EXMO. SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ

Assistiu ao julgamento a Advogada Natália Couto Carneiro, pelos pacientes.

O SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ:

VOTO

Trata-se de habeas corpus, impetrado pelos advogados José Roberto de Mendonça Júnior, Carlos Renato de Melo Couto e Leonardo de Oliveira Zica, em favor de RICARDO BELO COUTO e WILSON GONÇALVES TEIXEIRA FILHO, qualificados nos autos, que foram denunciados pela suposta prática da conduta delituosa tipificada no artigo 54, caput, da Lei 9605/98 c/c artigos 29 e 71 do Código Penal e artigo 15, "a" e "l" da Lei 9605/98.

Alegam os impetrantes: a usurpação de competência investigativa pelo Ministério Público; a inépcia da denúncia por falta de descrição fático-narrativa; a falta de justa causa por se tratar de crime impossível, por atipicidade diante da ausência de indícios a fundamentarem a acusação e ausência dolo; e ausência de justa causa diante da assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta pelo impetrante Wilson.

Pleiteiam, pois, o trancamento da ação penal.

A missiva, de fls. 02/30, veio acompanhada dos documentos de fls. 31/219.

O pedido liminar foi indeferido em plantão de final semana pelo eminente Desembargador Hélcio Valentim às fls. 224/226.

Requisitada a prestar os necessários esclarecimentos, a douta autoridade tida como coatora os prestou, via fac-simile, às fls. 233, tendo o original posteriormente aportado neste sodalício, o qual foi acostado às fls. 243.

Instada a se manifestar no feito, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, através do parecer da lavra do ilustre e culto Procurador Edmar Augusto Gomes, opinou no sentido de ser denegada a ordem de habeas corpus (fls. 235/241).

Vieram-me os autos distribuídos por dependência ao HC 1.0000.09.496973-0/000.

É, em síntese, o relatório.

Sem razão os impetrantes, data venia.

1- Da Legitimidade do Ministério Público:

In casu, verifico que as provas que subsidiaram a presente persecução penal foram colhidas pelo Ministério Público em Inquérito Civil Público (nº 03/2004), conforme portaria de fls. 40/43 e vastos documentos que o acompanham.

No curso do inquérito civil, vislumbrando-se a ocorrência de crimes ambientais, o combativo Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra os pacientes. (fls. 31/38).

Portanto, ouso afirmar que o Ministério Público não exerceu atribuições de investigação criminal no caso dos autos.

E, considerando que o Parquet tem legitimidade para a promoção de inquérito civil para proteção do patrimônio público e social, e de outros interesses difusos e coletivos, por expressa disposição constitucional (art. 129, inciso III, da CF/88), nada impede que estas provas subsidiem o oferecimento de denúncia, validando a persecução criminal.

Ora, exigir-se, em hipótese tal, a instauração de inquérito policial para a renovação de todo o acervo probatório legitimamente colhido em inquérito civil, seria, no mínimo, um contra-senso, quando não um desperdício de verbas públicas.

A propósito, já se manifestou o Pretório Excelso em situação equivalente:

EMENTA: (...) ALEGADA NULIDADE DA AÇÃO PENAL, QUE TERIA ORIGEM EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL EM CAUSA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Caso em que os fatos que basearam a inicial acusatória emergiram durante o Inquérito Civil, não caracterizando investigação criminal, como quer sustentar a impetração. A validade da denúncia nesses casos - proveniente de elementos colhidos em Inquérito civil - se impõe, até porque jamais se discutiu a competência investigativa do Ministério Público diante da cristalina previsão constitucional (art. 129, II, da CF). (...) (HC 84367/RJ - Primeira Turma - Rel. Min. CARLOS BRITTO - (in( DJ 18/02/05 - p. 0029).

Assim, verificando-se que não houve usurpação de função investigatória pelo Ministério Público, de forma a contaminar as provas que lastreiam a ação penal em comento, entendo que denúncia não falece de substrato probatório legítimo.

Mesmo que assim não fosse, entendo que razão não há para impedir que o órgão ministerial, titular da ação penal pública, atue na colheita de provas hábeis que afinal iram formar a sua convicção.

O tema, que tem suscitado vasta discussão doutrinária e jurisprudencial, não me é novo, e, também neste ponto, data vênia, tenho entendimento diverso do esposado pelos nobres causídicos.

Primeiramente, como a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública, e essa atividade depende de um mínimo lastro probatório, entender-se que a investigação é atribuição exclusiva da polícia judiciária seria incorrer em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão Ministerial.

Por outro lado, embora o art. 129 da CF/88 não preveja, expressamente, dentre as funções institucionais do Parquet, a de investigação criminal, nenhum dispositivo constitucional confere exclusividade na função de investigar, exceto em relação à polícia judiciária da união (inciso IV do (1( do art. 144 da CF/88), de forma que, data vênia, este último dispositivo não pode ser invocado para restringir a atuação do Ministério Público na seara investigatória.

A propósito, confira-se a doutrina:

O MP pode realizar investigações criminais (orientação dominante): para essa corrente, em primeiro lugar, o art. 144 da CF, ao cuidar da segurança pública e dos órgãos policiais brasileiros, teve como finalidade apenas delimitar as atribuições investigatórias das Polícias, de modo que não houvesse superposição entre as atividades próprias de cada uma delas. (...) Em momento algum pretendeu o constituinte excluir a possibilidade de que outros órgãos investigassem infrações penais. Ademais, há que se priorizar uma interpretação teleológica e sistemática da CF, não a simples gramatical ou literal. O que mais interessa à segurança pública, dever do Estado e direito dos cidadãos (art. 144, caput, da CF)? Sem dúvida que, quanto mais forem os órgãos a se dedicarem ao combate à criminalidade, mais próximos estaremos do ideal constitucional (interpretação teleológica). (...) (JESUS, Damásio E. de. Poderes investigatórios do Ministério Público. MPMG Jurídico. Ano III - out/dez de 2007 - Número 11. p. 55).

O parágrafo único do art. 4( do CPP, por sua vez, deixa claro que o poder de investigação não é exclusivo da polícia judiciária, ressalvando expressamente a atribuição concedida legalmente a autoridades administrativas:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Em relação ao Ministério Público, a função investigatória lhe é conferida pela Lei Complementar n.( 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos MP's estaduais), que, em seu art. 26, I, faculta ao órgão, no exercício das suas funções institucionais,

"instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: (...) c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior".

Por outro lado, embora se possa argumentar que o inciso III do art. 129 da CF/88 menciona apenas o inquérito civil e a ação civil pública dentre as funções de promoção do Ministério Público, não é menos verdade que o inciso II do mesmo dispositivo atribui-lhe a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, "promovendo as medidas necessárias a sua garantia".

O entendimento ora sustentado, inclusive, já encontrou acolhida na Corte Superior deste Egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: PROCESSO PENAL - PROCESSO CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - MINISTÉRIO PÚBLICO - PROMOÇÃO DIRETA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - POSSIBILIDADE - PREVISÃO CONSTITUCIONAL COMO TITULAR DA AÇÃO PENAL - "V.v. IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA" - (...) - DENÚNCIA RECEBIDA. - O Ministério Público, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição da República, tem o poder investigatório ínsito na titularidade da ação penal. "V.v. - O Ministério Público não tem competência para promover diretamente investigação criminal, ante a ausência de expressa previsão constitucional, não lhe aproveitando a justificativa de poder expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência ou de poder exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade". - (...) - Denúncia recebida (TJMG - PCO N( 1.0000.00.304919-4/000 - CORTE SUPERIOR - Rel. do Acórdão: Des. REYNALDO XIMENES CARNEIRO - 14.05.2004).

Registro, ainda, precedente desta c. Quarta Câmara Criminal (AC nº 1.0000.07.456806-4/000 - Rel. Walter Pinto da Rocha - data: 12/11/2008), na esteira de jurisprudência do STJ (RESP 331903/DF - 5ª Turma - Relator Min. JORGE SCARTEZZINI - DJ 01/07/2004).

Destarte, sendo o órgão do Ministério Público competente para a promoção de inquérito civil público (art. 129, III, da CF/88), as provas ali produzidas são válidas para subsidiar o oferecimento de denúncia, sem que isto caracterize investigação criminal pelo Parquet.

2- Da Inépcia da Denúncia:

Em que pese a alegação de inépcia da denúncia por ausência de descrição fático-narrativa do suposto crime, verifico que a mesma preenche todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, que prevê que

"a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

In casu, depreende-se do teor da peça acusatória que o Promotor de Justiça, ao descrever a conduta criminosa, não deixou de atentar à exposição dos fatos com todas as suas circunstâncias, inclusive, demonstrando a contribuição de cada um dos autores do crime e o risco do dano ambiental.

Assim se manifestou o órgão da acusação (fls. 31/38):

(...)

Na época de instalação do referido empreendimento, ou seja, no ano de 2001, o denunciado Ricardo Belo Couto era o prefeito municipal de Alto Rio Doce e em nome do município alugou da denunciada Terezinha Aparecida de Paiva um terreno situado no lugar denominado Fundão, zona rural deste município e comarca, onde construiu um piso e instalou rede de água para que os denunciados Lauro, Sérgio, Carlos Roberto, José Geraldo, Mariza, Neuza, André e Júlio Gomes, todos proprietários de açougues neste município, fizessem o abate de bovinos e suínos, para que a carne obtida fosse vendida à população local.

Do ano de 2001 para cá, inclusive durante todo o mandato do denunciado Wilson Gonçalves Teixeira Filho no cargo de prefeito municipal de Alto Rio Doce, 2005 a 2008, funcionou e vem funcionando o referido "matadouro", onde são abatidos os animais e todos desejos (sic) produzidos são jogados diretamente no córrego Fundão, poluindo suas águas.

(...)

No laudo fornecido pelo técnico do IMA é fácil constatar as diversas irregularidades sanitárias e ambientais cometidas no abate dos animais, Verifica-se que o matadouro está situado em área de preservação permanente (menos de trinta metros de curso d'água), sendo que os dejetos são jogados no Córrego Fundão, afluente do Rio Xopotó, sem qualquer tratamento. O empreendimento não possui licenciamento ambiental e nem outorga para utilização de recursos hídricos. Também não são respeitadas normas sanitárias relacionadas ao abate de animais, sendo feridas todas as normas contidas no Decreto federal 30.691 de 29.03.1952, que estabeleceu o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal.

(...)

Importante destacar que o lançamento de dejetos diretamente no Córrego Fundão sem qualquer tratamento, causou o aumento da concentração de matéria orgânica no curso d'água, favorecendo a depleção de oxigênio dissolvido no meio aquático, com mortalidade de espécies aquáticas. Anote-se, ainda, que o aporte de surfactantes (detergentes) normalmente utilizados na limpeza do local prejudica o desenvolvimento de microorganismos aquáticos, aumentando a turbidez da água, com prejuízo para a penetração de luz.

(...)

Vê-se, pois, que a exposição do fato não deixou de errar sequer com um dos requisitos estampados no art. 41 do Código de Processo Penal, embora não tenha informado o nível de poluição ocorrida

A respeito do tema, preleciona Julio Fabbrini Mirabete (in Processo Penal, 13ª ed., 2001, p. 126):

"[...] se a peça, ainda que concisa, contém os elementos essenciais, a falta ou omissão de circunstância não a invalida. (...), isso porque a deficiência da denúncia que não impede a compreensão da acusação nela formulada não enseja a nulidade do processo [...]".

O Supremo Tribunal Federal também não destoa do entendimento:

"PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - AUSÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL - NÃO-INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS - SÓCIOS-GERENTES QUE ALEGADAMENTE NÃO EXERCEM A ADMINISTRAÇÃO DE FATO - DENÚNCIA QUE PERMITE O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - ORDEM DENEGADA - I - O inquérito policial é prescindível para o oferecimento da denúncia pelo dominus litis, porquanto o referido procedimento não constitui o único meio de elementos de convicção. II - Peça acusatória que, no caso, observou os requisitos do art. 41 do CPP, permitindo o exercício do contraditório e da ampla defesa. III - Impossibilidade de trancamento da ação penal na via eleita. IV - Ordem denegada" (STF - Habeas corpus nº 89856/RJ, 1ª Turma, Relator Min. Ricardo Lewandowski, p. DJU 18.05.2007, p. 00083) - grifei.

Ainda sobre o assunto, a jurisprudência extraída da obra Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 172, de Julio Fabbrini Mirabete:

"Se a peça acusatória narra, ainda que concisamente, os fatos principais contra os quais deve o réu se defender, não há que falar em inépcia" (RT 753/611).

"A deficiência da denúncia que não impede a compreensão da acusação nela formulada não enseja a nulidade do processo" (STF - RT 608/445).

Nesta senda, não se há de falar em inépcia da denúncia, a qual descreve, de modo geral e abrangente os elementos essenciais ao conhecimento dos fatos criminosos, adequando a conduta dos agentes ao respectivo tipo penal, não restando violados os princípios da ampla defesa e do devido processo legal.

Tendo a exordial acusatória, in casu, narrado de forma clara e precisa os fatos criminosos, e contemplado os elementos essenciais ao conhecimento dos fatos imputados aos denunciados/ora pacientes, propiciando, por conseguinte, o exercício de ampla defesa por parte dos acusados, não há que se falar em prejuízo, não há que se falar em nulidade, não há que se falar em inépcia e conseqüente rejeição da denúncia.

Destarte, não vislumbro a ocorrência de inépcia da denúncia, conforme alegam os impetrantes.

3- Da Falta de Justa Causa:

Os pacientes foram denunciados pela prática de crime ambiental, tipificado no artigo 54, caput, da lei 9605/98.

Prima facie, insta salientar que o trancamento da ação penal só é possível em casos excepcionais, ou seja, quando manifestamente indevido o ajuizamento da ação.

Todavia, verifica-se da impetração que a mesma procura atalhar, por via imprópria, a absolvição dos pacientes com base em argumentos que poderão ser contestados durante a instrução criminal.

De toda sorte, é sempre bom lembrar que, para fins de deflagração de ação penal, a exigência é que haja indícios suficientes de autoria, e não prova cabal da mesma, servindo esta última para embasar uma eventual condenação.

Sabe-se que o trancamento da ação penal, por falta de justa causa, somente é cabível nas excepcionais hipóteses em que, pela mera exposição dos fatos, constata-se que a conduta do agente é penalmente atípica ou que não haja qualquer indício de que tenha sido o paciente autor do fato.

Neste sentido:

"Cabe verificar em habeas corpus a inexistência de circunstância essencial à tipicidade da imputação afirmada na denúncia, quando a desminta, no ponto, prova documental inequívoca" ( RT 708/414 ).

"Habeas corpus por falta de justa causa. A sua concessão, quando a ausência de criminalidade do fato imputado ao paciente independer de instrução criminal, não importa que implique 'absolvição sem processo': ao contrário, o que os princípios e a Constituição não toleram é a condenação sem processo (CF, art. 5º, LIV e LVII)"( STF, 1ª Turma. - HC nº 76.959-7 - Rel. Min. Sepúlveda Pertence ).

"HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - EXAME DE PROVA - INVIABILIDADE DE ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO EM HABEAS CORPUS - ORDEM DENEGADA. Nas hipóteses de pedido de trancamento da ação penal, os tribunais vêm proclamando que a falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando resultar de pronto a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade. Se a conduta do paciente depender de exame do conjunto fático-probatório para evidenciar a existência de ilícito penal, ou não, no Writ não se encontra campo adequado para tal análise." (TAMG - HC n. 0347851-3 Rio Pardo de Minas - 2ºC.Crim. - Rel. Juíza Maria Celeste Porto - J. 4/9/2001).
Ademais, extrai-se do voto do eminente Desembargador Alexandre Victor de Carvalho exarado no HC 1.0000.08.481619-8/000,

"Assim, para se trancar uma ação penal com fulcro na atipicidade da conduta, há de existir, de modo claro e insofismável, a demonstração do não enquadramento do comportamento delitivo imputado ao paciente a um determinado tipo incriminador (...)."

Todavia, isto não ocorre no caso em tela, uma vez que existem indícios, demonstrados pelo laudo pericial realizado pelo IMA, de que a poluição realmente ocorreu (fls. 53/58).

Evidente, portanto, que diante da existência de lastro probatório mínimo, constituindo o fato narrado na denúncia, em tese, infração penal disposta na lei 9605/98 e, não havendo, prima facie, causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, a continuidade da ação penal faz-se necessária.

Destarte, não vislumbrando a alegada inépcia na denúncia ofertada pelo digno Promotor, existindo, a meu ver, indícios suficientes de autoria a autorizar uma colheita de provas mais aprofundada, a fim de trazer à tona os responsáveis e não restando patente a atipicidade da conduta, não há que se falar em trancamento da ação penal.

Após o devido processo legal, acaso reste provada a inocência dos ora pacientes, por óbvio que os mesmos deverão ser absolvidos. O que se afigura impossível, contudo, é esta análise aprofundada em sede de habeas corpus.

Junte-se a isso o fato de que, diante do contido no artigo 569 do Estatuto Processual Penal, as eventuais omissões da denúncia podem ser supridas a todo tempo, desde que antes da sentença, não acarretando a inépcia da inaugural.

4- Do Termo de Ajustamento de Conduta:

Consta dos autos às fls. 59/63 que em 09/05/2005 o Ministério Público Estadual firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o então prefeito municipal à época, Wilson Gonçalves Teixeira Filho, ora paciente.

Todavia, afere-se da denúncia e do laudo pericial realizado pelo IMA, em agosto de 2008, (fls. 91/93) no novo matadouro, que as obras estão inacabadas e que as normas técnicas ambientais e sanitárias não estão sendo seguidas, bem como que o abate dos animais continua acontecendo de forma irregular, causando dano ambiental.

Ademais, partilho do entendimento de que a existência de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, por si só, não obsta a instauração da ação penal. É que estamos falando de responsabilidades em esferas independentes, ou seja, o fato de haver um acordo na esfera administrativa não torna a conduta praticada atípica e não impede a responsabilização dos agentes pelo dano causado na seara penal.

Nesse sentido:

DIREITO PENAL - CRIME AMBIENTAL - ART. 54, DA LEI Nº 9.605/98 - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL - NÃO-OCORRÊNCIA - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA - POSSIBILIDADE - PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL - REDUÇÃO DAS PENAS - NECESSIDADE. I - A celebração de Termo de Ajustamento de Conduta não tem o condão de, por si só, impedir a deflagração da ação penal, ou de afastar a responsabilidade criminal dos apelantes, uma vez que as esferas são distintas e independentes. II - A Lei 9.605/98, regulamentando dispositivos constitucionais, prevê, de forma inequívoca, a possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica por danos ao meio ambiente. III - Verificada a exacerbação das penas em razão da rígida análise das circunstâncias judiciais, impõe-se a sua redução, pelo Tribunal, com o reexame destas.

(TJMG - autos 1.0223.06.202025-8/001(1) - Rel. Adilson Lamounier - data: 30/06/2009). (grifo nosso).

Evidente, portanto, que há que se falar em ilegalidade na decisão que recebeu a denúncia.

5- Conclusão:

Com essas considerações, acolho o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça e DENEGO A ORDEM.

Sem custas.

O SR. DES. DOORGAL ANDRADA:

VOTO

Peço vista.

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NOTAS TAQUIGRÁFICAS

04/11/2009

O SR. DES. PRESIDENTE:

O julgamento deste feito foi adiado na sessão anterior, a pedido do Desembargador Primeiro Vogal, após o Relator denegar a ordem.

O SR. DES. DOORGAL ANDRADA:

VOTO

Trata-se de habeas corpus interposto por José Roberto de Mendonça Júnior e outros, em favor de RICARDO BELO COUTO e WILSON GONÇALVES TEIXEIRA FILHO aos argumentos que estariam sofrendo constrangimento ilegal ao serem denunciados pela prática, em tese, por crime ambiental.

Preliminarmente, os impetrantes alegam que o inquérito policial fora feito em desacordo com o que preceitua a Carta Magna ao ser usurpada a competência investigativa exclusiva da polícia judiciária pelo Ministério Público.

Sustentam a inépcia da denúncia por ausência de descrição fá-tico-narrativa; a ausência de justa-causa tendo em vista ser o crime de poluição ambiental por já ser o local extremamente poluído e o um dos denunciados ter assinado Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público, por fim, afirma a ausência de dolo na conduta dos pacientes.

Prefacialmente, cumpre-me ressaltar que o conjunto probatório pré-processual que originou o processo fora colhido através de procedimento investigatório presidido e conduzido pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

Temos, ab initio, lembranças aqui da teoria dos frutos da árvore envenenada, também conhecida como "the fruits of poisonous tree".

Com tais considerações, peço vênia ao e. Relator para divergir acerca da rejeição da preliminar argüida.

Vislumbro nulidade insanável no processo, alertando que na legislação penal brasileira está previsto investigação criminal apenas com abertura de inquérito policial.

- Sobre a inconstitucionalidade:

No meu modesto entendimento, tão logo o Ministério Público passou a ter conhecimento de fato, em tese, criminoso, deveria requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito, na forma do CPP.

Noutra linha, o nosso sistema judicial-criminal concentra toda a investigação criminal nos órgãos de segurança pública, como a polícia civil e a polícia federal, tudo em conformidade com o artigo 144, incisos I e IV, da Carta Magna. Ou seja, somente o Poder Executivo, através de seus órgãos, tem autorização do constituinte para investigação penal no Brasil.

Assim, diz a Constituição Federal:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado (...) através dos seguintes órgãos:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifamos)

Visto, portanto, que, se concedêssemos inconstitucionalmente o poder de investigação penal ao Ministério Público, estaríamos permitindo que o órgão usurpasse função exclusiva do Poder Executivo e exercesse a segurança pública, furtando-se do controle do Poder Judiciário.

A Constituição Federal traz os limites de atuação do Ministério Público em seu artigo 129, VIII. In verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; (grifamos).

Outra agravante é que o MP ao iniciar um Procedimento Administrativo com força de Inquérito Policial sequer obedece às regras do Código de Processo Penal afetas ao Inquérito Policial, pois, via de regra, não interroga o réu e nem solicita ao juiz a prorrogação do prazo para a investigação, conforme artigo 10, parágrafo 3º, do CPP.

- A democrática tripartição de poderes:

O texto constitucional e a lei processual foram sábios ao não dar o poder de polícia e atribuições de investigação ao Ministério Público, pois, a tripartição de poderes no Brasil é muito clara, diferentemente dos países parlamentaristas, nos quais não há uma nítida divisão de poderes.

A centenária tradição constitucional brasileira, reafirmada na Assembléia Nacional Constituinte em 1988, sempre foi a de uma República Federativa Presidencialista, definindo bem a função dos três poderes, diferentemente do continente europeu em vários países, onde o Ministério Público e a Magistratura são uma só carreira e é dada ao juízo de instrução a faculdade de investigar os crimes.

Cumpre dizer que, nos Estados Unidos da América, por exemplo, o Ministério Público ainda é órgão vinculado do Poder Executivo e, portanto, em diversas oportunidades a lei lhe concede autorização para proceder à investigação criminal, tal como as polícias.

Data venia, as interpretações que se fazem tendentes a atribuir ao MP o poder de polícia judiciária surgem da minoritária corrente chamada de "direito alternativo" ou, em decorrência também, infelizmente, da politização ou concentração judicial de poderes, sendo que nenhuma das linhas de pensamentos entendemos que seja prudente ao Judiciário adotar, sob pena de travar sua própria independência e ir contra a Constituição Federal de 1988.

"Convém lembrar que, no alto da hierarquia legislativa, predomina, soberana, a Lei Magna, a Constituição do Brasil, com domínio geográfico e domínio de competência sobrepostos aos domínios de todas as demais leis. Contra a Constituição Federal, nenhuma lei prevalece, nenhuma impera." (Telles Júnior,Godofredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, citado por Führer, Maximilianus Clúdio Américo. Manual de direito público e privado. - 16.ed.rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007).

- Ofensa ao Código de Processo Penal:

No mesmo sentido, o Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, é claro e autoriza somente à autoridade judiciária presidir o inquérito policial sob o controle do Poder Judiciário, conforme o parágrafo primeiro do artigo 10.

Data venia, em nenhum momento, a Constituição Federal ou o CPP concedem autorização ao Ministério Público para investigar ilícitos penais. Aliás, esse trabalho de investigação técnica requer preparação, treinamento e estudos apropriados oferecidos somente nas academias das polícias civil e federal.

Alguns argumentam que, se o Órgão Ministerial pode denunciar, pode então fazer o "menos" que é investigar. Se fossemos neste raciocínio desconexo, sem fundamento técnico-jurídico, também afirmaríamos que se o magistrado pode receber a denúncia, o "menos", pode o "mais", ou seja, denunciar, o que seria um absurdo sustentar.

Ora, se o MP é autor do Inquérito Policial, poderíamos imaginar um magistrado requisitando do Ministério Público a abertura de inquérito e investigações criminais tal qual determina o Código de Processo Penal em relação à autoridade policial?

Ademais, poderá o cidadão deixar de ir à delegacia de polícia para se dirigir às promotorias de justiça e requerer a abertura imediata de Inquérito Policial para todos os crimes, como fazem as autoridades policiais? Evidente que não! Estará o Ministério Público obrigado a instaurar Inquérito Policial de ofício ante toda notitia criminis, como os delegados de carreira são obrigados?

A garantia do cidadão de ver respeitados os seus direitos determina os limites da investigação e é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Do contrário, continuaremos a assistir nos noticiários que entidades públicas e particulares, tais como a ABIN (Agência Nacional de Inteligência), a PM (Polícia Militar), detetives particulares, Ministério Público, Corregedorias, permanecerão exercendo funções de investigações criminais contra cidadãos comuns, autoridades, magistrados, governantes, etc. Portanto, o Poder Judiciário tem o dever e a obrigação de fazer prevalecer os limites estabelecidos na Constituição Federal e os preceitos do Código de Processo Penal.

"Considerando-se, ainda que de forma aqui intencionalmente simplificada, o Estado de Direito não no sentido meramente formal, isto é, como "governo das leis", mas, sim, como "ordenação integral e livre da comunidade política" (esta a formulação de H-.P. Schneider, in: REP nº.7, 1979, p.23.), expressão da concepção de um Estado material de Direito, no qual, além da garantia de determinadas formas e procedimentos inerentes à organização do poder e das competências dos órgão estatais, se encontram reconhecidos, simultaneamente, como metas, parâmetro e limites da atividade estatal, certos valores, direitos e liberdades fundamentais, chega-se fatalmente à noção - umbilicalmente ligada à idéia de Estado de Direito - de legitimidade da ordem constitucional e do Estado". ( Sarlet, Ingo Wolfang - A eficácia dos direitos fundamentais. 7.ed. rev.atual e ampl. - Porto Alegre: Livraria do advogado ED., 2007.)

- Hierarquia das leis:

No mesmo sentido, reforçando todo o arcabouço jurídico nacional que não concede direito ao MP de presidir a investigação criminal, fora apresentado o Projeto de Decreto Legislativo nº. 128/2007, de relatoria do Deputado Marcelo Itagiba, no sentido de sustar a aplicação do dispositivo constante na ilegal Resolução nº. 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público, CNMP, a qual prevê a instauração do procedimento investigatório referente a ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial, sendo que tal matéria deve, data venia, ser tratada em lei, jamais por Resolução.

Guardadas as devidas proporções, se entendermos como constitucional a Resolução nº. 20/2007 do CNMP, que regulamentou a atuação do Ministério Público no Processo Penal, concedendo-lhe poderes que a Constituição Federal não previu, seria o mesmo que admitir uma Resolução do Comando da Polícia Militar regulamentando a participação dos policiais militares nas investigações criminais comuns.

Tal projeto pugna pelo afastamento do referido diploma, por entender que o Conselho Nacional do MP, ao editar atos normativos dispondo sobre o poder investigatório do Ministério Público, estaria usurpando funções dos demais poderes, em nítida afronta aos ditames constitucionais. In verbis:

"No entanto, a despeito do limite claramente posto pelo constituinte, em grave ofensa ao regime jurídico vigente, mormente quanto às competências exclusivamente reservadas às polícias, extrapola-as avocando-as para si, por resolução de seu Conselho, a competência para a instauração de inquéritos policiais e o controle interno das polícias. (...)

(...) Está clara, pois, no Texto Constitucional, a competência exclusivamente reservada à polícia para a instauração de inquéritos policiais, configurando excesso normativo, mormente por regramento de natureza secundária, estender esta competência aos órgãos do Ministério Público. Ainda mais em se tratando de ato normativo editado pelo próprio órgão ministerial. (...)

(...) O dispositivo questionado, fácil ver, inova a ordem jurídica, ilegitimamente, pois cria direito novo ao estabelecer prerrogativa inexistente na lei a membros do Ministério Público, em detrimento de competências constitucionais reservadas aos órgãos policiais, ofendendo vários dispositivos constitucionais, entre os quais - o Princípio da Separação dos Poderes.

Fere o princípio segundo o qual só a lei formal pode criar direitos e impor obrigações, positivas ou negativas (CF, art. 5º, inciso II), assim como, despreza o Princípio da Legalidade ao qual o Ministério Público também deve obediência (art. 37, caput), por se tratar de Princípio da Administração Pública. Ademais, usurpa a competência do Poder Legislativo (CF, art. 2º, caput), ao legislar mediante resolução, incorrendo em abuso do poder regulamentar pelo Executivo com graves implicações no plano jurídico-constitucional." (grifamos)

- Inquérito Penal x Ação Penal:

O inquérito Policial não pode ser considerado prolongamento da ação penal. Outrossim, a Constituição Federal dá ao Ministério Público autorização apenas para dirigir a ação penal, conforme artigo 129, I, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Neste sentido, precedentes desta Corte:

"PCO - CRIME CONTRA PREFEITO - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CRIMINAL - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E INVESTIGAÇÕES PROMOVIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE. Tendo em vista que não há no ordenamento jurídico norma expressa que atribua ao ""Parquet"" competência para promover investigações preliminares na área criminal, e ante os inconvenientes que esse procedimento acarreta, impõe-se o reconhecimento da ilegitimidade do Ministério Público para deflagrar o processo criminal com base em expedientes produzidos pelo referido órgão no âmbito administrativo". (Data da publicação 15/02/2006, Relator Des. Paulo Cézar Dias).

"PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÃO PROCEDIDA PELO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE - ASSUNÇÃO DE ATIVIDADES POLICIAIS EM CRIMES PRATICADOS POR PREFEITOS MUNICIPAIS - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA. No texto da Carta Política nada há que possa ensejar premissa para que o ""Parquet"" assuma atribuições de natureza policial. Quando assim procede, assume o órgão de acusação postura que compromete sua isenção, até mesmo na perspectiva de fiscal da lei, porque estaria como que a avaliar sua própria conduta, prejudicando suas atribuições, notadamente as assentadas no art. 129 da Constituição Federal". (Data da publicação: 11/07/2006, Relator Erony da Silva).

Coadunando os entendimentos acima referidos, os julgados PCO nº 1.0000.06.435910-2/000, PCO nº 1.0000.03.402919-9/000, PCO nº 1.0000.08.475007-4/000, todos deste Tribunal de Justiça.

É até dado ao Ministério Público o direito de oferecer a denúncia dispensando o inquérito policial, mas desde que tenha elementos suficientes para isso. O inquérito policial é privativo da carreira de Delegado de Polícia, como prevê de modo claro a Constituição Federal de 1988.

Lembramos ainda, que, ao se deparar com fato criminoso num inquérito civil, há que ser investigado o fato nos termos dos Códigos Processuais.

- A tradição do constitucionalismo brasileiro:

Desde a primeira Constituição Federal da nossa República, de 1891, o Ministério Público é "parte" em toda a estrutura jurídico-penal e, assim sendo, não é moral e nem razoável atuar como "parte" e presidente das investigações a um só tempo.

"Há grande debate, não se encontrando uniformidade na legislação, em torno da autoridade que deve dirigir a investigação criminal. (...)."

"(...) À polícia cabe, em um ou outro sistema, a incumbência de realizar os atos da investigação, agindo sob a direção do juiz ou do promotor. O Brasil, que desde o Império entregou à polícia o poder de investigar, caminhou em sentido inverso ao da inclinação mundial que coloca nas mãos do Ministério Público a supervisão da atividade investigatória." ( Fernandes, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional - 2 ed. rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000).

A Assembléia Nacional Constituinte através de sua soberania legitimou a existência do Poder Judiciário e é nela que está seus limites de atuação.

A mesma Constituição de 1988, desde a sua promulgação há 21 anos atrás, recepcionou integralmente o nosso Código de Processo Penal e não houve qualquer Emenda Constitucional que abolisse da autoridade policial as suas atribuições ou que estendesse ao Ministério Público o poder de polícia judiciária. Além da polícia judiciária, temos autorizados pela Constituição Federal apenas as investigações criminais pela CPI, IPM e TCO.

Nesse sentido, o estudo do renomado Antonio Scarance Fernandes, em seu Processo Penal Constitucional, 2000, p. 243/244

[...]em síntese, a Constituição atribuiu à polícia a função de investigar as infrações penais, mas, na linha da tendência universal, previu o seu controle pelo Ministério Público e, por outro lado, restringiu, em parte, seus poderes de polícia em prol de maior garantia às pessoas presas ou submetidas a inquérito.

O novo panorama descortinado pelo texto constitucional tem suscitado avanço do Ministério Público na fase investigativa[...]

Não se trata, contudo, de atividade que substituiria integralmente a atividade de polícia judiciária, exercida pela autoridade policial, prescindindo-se do inquérito policial. Pela própria Constituição Federal, sem exclusividade, incumbiu-se aos delegados de carreira exercer a função de polícia judiciária (art. 144, §4.º). Não foi a norma excepcionada por outro preceito constitucional. O que permitiu o art. 129, inc. VII, é acompanhamento do inquérito policial pelo promotor de justiça.

O avanço do Ministério Público em direção à investigação representa caminho que está em consonância com a tendência mundial de atribuir ao Ministério Público, como sucede em Portugal e Itália, a atividade de supervisão da investigação policial. Entre nós, contudo, depende-se ainda de previsões específicas no ordenamento jurídico positivo, evitando-se incerteza a respeito dos poderes do promotor durante a investigação.

- A grave volta do "direito penal de autor":

O direito moderno evoluindo desde a Revolução Francesa de 1789 e, sobretudo, com a derrocada do fascismo e do nazismo na primeira metade do século XX, não admite que investigações policiais sejam feitas em desrespeito aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade, sem falar que o direito deve caminhar lado a lado com a ética e a transparência.

Lamentavelmente, as investigações trazidas pelo Ministério Público - como é o caso - (em sua quase unanimidade), ferem o Estado Democrático. Preceitua o direito penal e processual penal para as investigações criminais que o Estado deve agir de ofício e obrigatoriamente ao receber uma notitia criminis. Porém, o Ministério Público quando investiga não observa a impessoalidade e passa a escolher as pessoas ou autoridades que lhe interessa investigar.

Ainda que pudesse o Ministério Público substituir a Autoridade Policial, se escolhe de modo não impessoal e não imparcial quais pessoas deseja investigar, afasta-se da previsão processual penal de investigar de ofício e de forma vinculada todas as notitias criminis que lhe chegam, ingressando na seara do "direito penal de autor" e se afastando perigosamente do "direito penal de fatos", que é uma garantia de todos os cidadãos brasileiros em face da Constituição.

Esse modelo jurídico e essa prática crescente de atuação do Ministério Público, data venia, deturpam o sistema judiciário brasileiro, desprezando garantias asseguradas nos regimes democráticos. Isso porque o Ministério Público age sem limite e sem barreiras legais, já que não existe previsão específica para investigar e também se nega a observar a lei do inquérito policial (CPP).

Ora, vivendo a humanidade no alvorecer do 3º milênio não é concebível que o Judiciário brasileiro permita que a sociedade fique submetida a práticas jurídicas com resquícios e caprichos que renovam as tristes lembranças do "direito penal do inimigo" que vigorava no direito penal na era soviética, na legislação da Alemanha nazista e nos tempos de Mussolini na Itália. O Estado escolhia pessoas, e ignorava fatos, para investigar e processar.

A respeito do "direito penal de autor", o Juiz Federal Nivaldo Brunoni (Revista e Doutrina do TRF da 4ª Região. "Ilegitimidade do Direito Penal de Autor à luz do princípio de culpabilidade". Publicação: 19/12/2007) nos ensina que

"por ser inferiorizado e perigoso, como nas hipóteses do sujeito nocivo para o povo e do delinquente habitual, o autor deve ser punido ou neutralizado porque representa um perigo à sociedade. Neste sentido, o direito penal de autor foi acunhado de direito penal de ânimo".

O Estado deve agir com todos da mesma forma, pois todos são iguais perante a lei. No mesmo raciocínio contrário à permissão de o Estado escolher algumas pessoas que mereçam ser processadas e punidas, de forma discricionária e não impessoal, são os ensinamentos de Raúl Zaffaroni e José Enrique Pierangeli (Manual de Direito Penal Brasileiro, Ed. RT, 1997, p. 124)

"sabemos que, na prática, o sistema penal e seu regime de filtros fazem com que o direito penal de ato não se realize plenamente em nenhum país. Sem embargo, uma coisa é constar esse dado de realidade, e outra, muito diferente, é sustentar teorias que não só não tratem de conter ou controlar a deformação do direito penal de ato [...]"

- A questão ponderação entre princípios:

Nos alerta o ilustre Ministro do STF Eros Grau, no artigo publicado na Revista "Justiça e Cidadania" (Edição 108, julho de 2009), sobre os perigos decorrentes da ponderação entre princípios constitucionais interpretar o direito é formular juízos de legalidade, ao passo que a discricionariedade é exercitada mediante a formulação de juízos de oportunidade. Juízo de legalidade é atuação no campo da prudência, que o intérprete autêntico desenvolve contido pelo texto. Ao contrário, juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente pelo agente. Uma e outra são praticadas em distintos planos lógicos.

[...] A interpretação do direito é inicialmente produção de normas jurídicas gerais. A ponderação entre princípios apenas se dá posteriormente, quando o intérprete autêntico decidir o caso, então definindo a solução que a ele aplica. A atribuição de peso menor ou maior a um ou a outro princípio é, então, opção entre indiferentes jurídicos, exercício de discricionariedade, escolha subjetiva estranha à formulação, anterior, de juízos de legalidade.

[...]Daí que os juízos de ponderação entre princípios de direito extirpam seu caráter de norma jurídica. Pretendo afirmar, com isso, que os princípios de direito não podem, enquanto princípios, ser ponderados entre si. Apenas valores podem ser submetidos a essa operação.

[...]Juízes, especialmente os chamados juízes constitucionais, lançam mão intensamente da técnica da ponderação entre princípios quando diante do que a doutrina qualifica como conflito entre direitos fundamentais. Como, contudo, inexiste, no sistema jurídico, qualquer regra ou princípio a orientá-los a propósito de qual dos princípios, no conflito entre eles, deve ser privilegiado, essa técnica é praticada à margem do sistema, subjetivamente, de modo discricionário, perigosamente. A opção por um ou outro é determinada subjetivamente, a partir das pré-compreensões de cada juiz, no quadro de determinadas ideologias. Ou adotam conscientemente certa posição jurídico-teórica, ou atuam à mercê dos que detém o poder e do espírito do seu tempo, inconscientes dos efeitos de suas decisões, em uma espécie de "vôo cego", na expressão de RÜTHERS. Em ambos os casos, essas escolhas são perigosas.

O que há em tudo de mais grave é, no entanto, a incerteza jurídica aportada ao sistema pela ponderação entre princípios. É bem verdade que a certeza jurídica é sempre relativa, dado que a interpretação do direito é uma prudência, uma única interpretação correta sendo inviável, a norma sendo produzida pelo intérprete. Mas a vinculação do intérprete ao texto - o que excluiria a discricionariedade judicial - instala no sistema um horizonte de relativa certeza jurídica que nitidamente se esvai quando as opções do juiz entre princípios são praticadas à margem do sistema jurídico. Então a previsibilidade e calculabilidade dos comportamentos sociais tornam-se inviáveis e a racionalidade jurídica desaparece.

[...]

A submissão de todos nós a essa tirania é tanto mais grave quanto se perceba que os juristas - em especial os juízes -, quando operam a ponderação entre princípios, fazem-no, repito, para impor os seus valores, no exercício de pura discricionariedade. (grifamos)

No caso em exame, entendemos que os preceitos constitucionais de publicidade, impessoalidade, moralidade e legalidade do ato administrativo não podem ser afastados na aplicação do fato examinado.

- ADIn nº 4271-8 no STF:

Valiosas são também as manifestações da Advocacia-Geral da União (na ADIn nº 4271-8) recém protocoladas no STF em 18/08/2009 pelo então advogado-geral da União, Dr. José Antônio Dias Toffoli (atual Ministro do STF) que repudia a tese de o Ministério Público presidir ação penal.

Colacionamos alguns dos principais trechos:

"[...] A redação dada pelo Constituinte originário aos transcritos dispositivos não deixa dúvidas de que o mesmo, ao tempo em que concedeu atribuição institucional ao Ministério Público para promover procedimentos investigatórios e inquisitórios na proteção de direitos difusos e coletivos - todos de natureza civil -, outorgou às polícias Federal e Civil dos Estados a competência para as atividades de polícia judiciária.

Ao fazer menção à lição de Álvaro Lazzarini, a fim de diferenciar os conceitos de "polícia administrativa" e "polícia judiciária", Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que "a linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito paramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a polícia judiciária que age."

Observa-se, pois, que as funções de polícia judiciária se preordenam à apuração - para fins de repressão - dos ilícitos penais. Nesse ponto, o texto Constitucional é taxativo ao afirmar que esta função de apuração de infrações penais é dos órgãos elencados no art. 144, da Carta Magna.

[...]

Ora, partindo-se do limite interpretativo imposto pela literalidade do texto dos citados arts. 129 e 144 da Carta Maior, revela-se evidente que não se pode considerar implícita uma competência quando a Constituição a outorgou - de modo explícito - a outro órgão.

Noutras palavras, o que se pretende afirmar é que não é lícito sustentar a prevalência da tese segundo a qual "quem pode o mais, pode o menos", em um campo em que o Constituinte declarou a sua vontade e consignou, diretamente a outro órgão, a atribuição que o Ministério Público pretende ver englobada.

A esse respeito, faz-se oportuna a referência ao interessante e minucioso artigo de Luis Guilherme Vieira:

"Não é pelo fato de o Ministério Público poder o mais (controle externo das atividades da polícia judiciária e legitimidade ativa para promover os processos de natureza penal pública) que o legislador, implicitamente ('teoria dos poderes implícitos'), lhes conferiu poder o menos (investigar crimes), em virtude de limitações legais (explícita limitação àqueles argumentos sofistas). São singelas regras, demarcadas por claras linhas divisórias, que hão de ser respeitadas em uma República que se pretende oxigenada. Nos países democráticos, cada cidadão exerce sua missão na sociedade, com independência funcional, mas dentro dos hígidos parâmetros constitucionais e legais, não se permitindo que um invada as funções do outro. Devem, todos, sim, trabalhar como um time, com vista a atingir o fim almejado: salvaguardar o Estado de Direito Democrático. " (sem destaques no original)."

[...]

Não obstante as considerações doutrinárias e as referências jurisprudenciais a respeito do tema, cabe consignar que, no âmbito do Congresso Nacional, já houve Proposta de Emenda Constitucional (PEC n°197/2003 - Dep. Antonio Carlos Biscaia) que pretendia alterar a redação, no texto da Lei Maior, do inciso VIII, do art. 129, incluindo entre as atribuições do Ministério Público a possibilidade de realizar investigação criminal.

Afigura-se importante a menção a tal proposição legislativa, pois a intenção de modificar o texto da Carta Magna, a fim de incluir a aludida atribuição ao Ministério Público, revela bem que a atual conformação constitucional não legitima o exercício dessa competência seja exercida pelo Parquet.

[...]

O controle externo das atividades da polícia judiciária é incumbência constitucional do Ministério Público. Da mesma maneira, na condução do inquérito policial, a função ministerial pública assume extrema relevância, pois através dela é que se processa esse controle sobre a atividade de investigação, realizada pela polícia judiciária. À autoridade judiciária cabe apenas o poder de aceitar - ou não - o pedido de arquivamento do inquérito policial conduzido pela autoridade policial, sob controle do Ministério Público (CPP, art. 28). Nas hipóteses de competência do chefe do Ministério Público (Procurador-Geral de Justiça ou Procurador-Geral da República), ou mesmo nos casos em que essa autoridade ratifica a manifestação de arquivamento anteriormente consignada, o pedido deve ser acatado pelo órgão judiciário.

Afigura-se pertinente destacar que são funções do Ministério Público o controle e a fiscalização da atividade policial, não se apresentando legítimo que esse órgão controlador assuma as atribuições do órgão controlador a fim de realizá-las. Nesse caso, a atividade ministerial estaria a salvo de qualquer controle externo, o que não se compactua com a estrutura do Estado Democrático de Direito.

[...]

Acresça-se que o acerto do perfil constitucional acerca da investigação criminal - de natureza acusatória - que destina à polícia judiciária a condução de tal tarefa, possui também relação estreita com a manutenção da imparcialidade do membro titular da ação penal, no caso, o órgão ministerial público. Acerca do tema, vale consignar, uma vez mais, as lições precisas - e incisivas - de Maurício Zanóide de Moraes:

"(...) Não pode o Ministério Público proceder a diligências preliminares e diretamente conduzidas e executadas por ele para, ao final de seu trabalho, julgar se este seu próprio trabalho (investigativo), sua própria atividade foi boa ou ruim, ou seja, se os seus atos de investigação produziram ou não elementos de convicção suficientes e legitimadores de uma acusação com justa causa. Parece um tanto difícil ao ser humano reconhecer que um trabalho por ele mesmo empreendido não seja bom o suficiente para ele próprio iniciar uma ação penal. (...)"

[...]

Os paralelos que se pretendem fazer com os sistemas jurídicos europeus, que atribuem ao Ministério Público a função de investigar crimes, desconsideram que a estrutura orgânica da persecução penal do velho continente tem por base o sistema dos juizados de instrução, figura jurídica estranha ao perfil acusatório existente na estrutura jurídico-criminal pátria. A respeito da sistemática alienígena, esclarecedoras as palavras de Luis Guilherme Vieira:

"Como se vê, ainda que inquisidor no Velho Mundo, não resta o publico ministério senhor absoluto do procedimento; as provas que colhe na sua atividade investigatória são submetidas a juiz e se estabelece contraditório antes mesmo da instauração do processo, ao contrário do que vem fazendo em terras patrícias, onde a promotoria instaura o procedimento, decide que diligências e inquirições realizar (e as realiza ao seu talante), mantém a defesa técnica ao largo da investigação e, ao fim e ao cabo, oferece denúncia com base unicamente nesse inquérito ministerial secreto (por eles batizado de procedimento investigatório ou administrativo criminal, como se o eufemismo fosse capaz de suavizar o escopo precípuo, que é a promoção, às avessas, do inquérito policial), com cores da Inquisição e de Kafka, temperado à moda de ditadura militar nacional, do qual, durante o andamento, a ninguém dá satisfações."

Embora haja substanciosas manifestações doutrinárias nacionais em favor da sistemática dos juizados de instrução - e até propostas legislativas nesse sentido -, não se pode desconsiderar que legem habemus, respaldando todo o sistema persecutório acusatório. Nessa estrutura são inconfundíveis as funções de investigação, acusação e julgamento, devendo ser repelidas quaisquer tentativas de inversão em tal sistemática.

[...]

Isto demonstra que o legislador federal entendeu que os mecanismos atacados estão perfeitamente englobados no sentido de controle externo da atividade policial imposta pela Lei fundamental, ou seja, atendem perfeitamente a intenção do constituinte no sentido de impor um sistema de freios e contrapesos sobre essas atividades.

[...]

Assim, objetivando o controle externo da atividade policial, com vistas à implementação de um sistema de freios e contrapesos, fica afastada a alegação da requerente no sentido de que os incisos I e II do art. 9º da Lei Complementar n° 75, de 1993, provocariam "incontroláveis conflitos com o Poder Executivo, ao qual são subordinadas as polícia federal, dos Estados e do Distrito Federal"."

- Sobre o caso em exame:

Apenas a título de ilustração, se fossemos descer ao exame da denúncia (fls. 31/38) verificaríamos a sua inépcia, pois, quando narra os fatos afirma que

"a grande maioria da carne vendida nos mais diversos açougues deste país, principalmente municípios do interior, não passam por nenhum tipo de inspeção sanitária...". "Fato bastante comum e que acontece aqui em Alto Rio Doce é o abate de animais em meio a pastos e outros locais impróprios...". (Grifamos)

Ou seja, o Ministério Público apontou a existência de vários locais onde se cometem irregularidades, mas, em seguida, contraditoriamente, denunciou um suposto crime ambiental apenas no "matadouro" do terreno da denunciada Terezinha Aparecida de Paiva. (Grifamos)

A omissão processual do parquet incorre no desrespeito ao artigo 41 do Código de Processo Penal. Portanto se alegou existência de vários locais tem que denunciá-los. Em direito, e, sobretudo criminal, toda palavra tem valor e merece a atenção redobrada.

Quanto ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), trata-se de mero ajuste de natureza civil e processual civil, sem nenhum efeito na esfera penal, até porque se entendesse que houvera a ocorrência de crime àquela época o Ministério Público, teria que ter requisitado abertura de inquérito policial para investigação penal, e não fez. Inexistiu-se crime à época, permanece o mesmo fato que sequer foi investigado.

Cabe lembrar, "data vênia", que o TAC não é excludente de ilicitude.

- Dispositivo final:

Os autos se amoldam num quadro de nulidade absoluta, pois fere diretamente o texto constitucional e princípios consagrados como fundamentais, ante a coação ilegal levada a efeito pelo Ministério Público, não tendo ainda nem a CF/88 nem a legislação infraconstitucional atual, concedido ao MP tais poderes.

Diferente seria se, no exercício do controle externo da polícia, o Ministério Público acompanhasse a investigação presidida pela Autoridade Policial.

Porém, no caso em exame, inexiste sequer a participação da polícia judiciária, por menor que seja nos atos investigatórios, pré-processuais.

Diz a Constituição Federal de modo bem claro que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" (artigo 5º, LVI, CF/88).

Mais uma vez lembramos que o direito penal está preso à legalidade estrita, não havendo com clareza no CPP ou na Constituição Federal autorização para investigação presidida pelo Ministério Público.

Assim sendo, apresento divergência e acolho a preliminar arguída para anular o recebimento da denúncia, e trancar a ação penal, em face de todos os acusados, ante à nulidade e das investigações criminais realizadas pelo Ministério Público.

O SR. DES. EDUARDO BRUM:

VOTO

Acompanho o Relator para denegar a ordem.

SÚMULA: DENEGADO O HABEAS CORPUS, VENCIDO O DESEMBARGADOR PRIMEIRO VOGAL.




JURID - Habeas corpus. Crime ambiental. Poluição. [08/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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