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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

JURID - Farmácia terá de indenizar. [22/01/10] - Jurisprudência


Farmácia de manipulação erra e terá de indenizar.
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

Processo nº 001.04.018599-1

Ação: Indenização por Danos Morais

Autor: Neirilde de Holanda Medeiros

Réu: Namastê Farmácia de Manipulação

SENTENÇA

Ementa: Responsabilidade civil. Farmácia de manipulação. Dano moral decorrente de internação do filho da demandante após superdosagem de medicamento manipulado. Responsabilidade objetiva do prestador de serviços. Art. 14, da Lei nº 8.078/90. Presença dos requisitos legais. Registros médicos que evidenciam o nexo de causalidade entre as reações adversas do paciente e o medicamento administrado. Internação em UTI. Laudos laboratoriais de instituições públicas que apontam concentração de princípio ativo superior a 500% da prescrição médica. Relação de consumo. Inversão do ônus da prova. Procedência do pedido.

Vistos etc.,

Trata-se de ação ordinária proposta nos seguintes termos: a) a demandante adquiriu junto à farmácia de manipulação requerida 20 comprimidos de clonidina 0,070mg, conforme prescrição médica, os quais seriam administrados a seu filho, menor impúbere à época dos fatos; b) após receber a primeira dose, o filho da demandante apresentou sintomas como taquicardia, sonolência e retardo nos movimentos, vindo a ser internado por três dias em Hospital; c) uma amostra do medicamento foi encaminhada ao laboratório da UFRN que concluiu que a concentração era de 0,35mg; outra amostra encaminhada ao laboratório LACEN, da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, que emitiu laudo pericial constatando concentração de 0,63mg; d) pugna pela condenação ao pagamento de danos morais.

Em contestação, o demandado alega: a) a indenização pretendida não poderia ser vinculada ao salário mínimo; b) os sintomas descritos são reações adversas previsíveis no caso da substância prescrita ao paciente, o que levou a ANVISA a posteriormente suspender o uso e comercialização da substância, a qual não se presta à finalidade pretendida pelo médico prescribente; c) não há evidências que o hospital tenha diagnosticado intoxicação por superdosagem de clonidina; d) o laudo da UFRN foi realizado por um método que exige utilização de substância de alto custo provavelmente não disponível na universidade à época; e) o laudo do LACEN/PE foi realizado após o vencimento do prazo de validade do medicamento; f) em fiscalização da COVISA foram constatadas condições adequadas de funcionamento da farmácia de manipulação; g) o valor requerido a título de indenização é excessivo e incompatível com o porte empresarial da demandada.

Em réplica, a autora rechaça os argumentos da contestação.

Designada audiência preliminar, não houve acordo entre as partes.

Em audiência de instrução foram inquiridas testemunhas conforme termos de fls. 218/234.

É o relatório.

Inicialmente, entendo dispensável persistir na requisição de informações à UFRN ou realizar prova pericial de qualquer natureza na documentação constante dos autos, tendo por encerrada a instrução processual, haja vista a possibilidade de deslinde da questão de mérito mediante a utilização da regra interpretativa de inversão do ônus da prova, além do postulado de responsabilidade civil objetiva do prestador de serviços, ambos previstas na Lei nº 8.078/90 e aplicáveis às relações de consumo como a descrita nos presentes autos.

O cerne da pretensão autoral consiste em demonstrar que em face da administração de medicamento manipulado na farmácia demandada o filho da autora sofreu efeitos colaterais graves que levaram à sua internação hospitalar por três dias, inclusive em leito de UTI.

A demandante sustenta que houve erro por parte da farmácia ao manipular a substância clonidina, o que gerou a produção de comprimidos com dosagem superior aos 0.07 mg prescritos pela médica ao paciente.

A complexidade fática da presente demanda repousa na circunstância de que o medicamento manipulado não foi trazido aos autos, inviabilizando, assim, a realização de perícia judicial nos mesmos com vistas a constatar o suposto erro de manipulação.

Ocorre que a autora instruiu a petição inicial com dois laudos emitidos por instituições oficiais, a saber a UFRN (fl. 37) e o Laboratório LACEN, vinculado à Secretaria de Saúde de Pernambuco (fls. 38/40).

O primeiro laudo foi elaborado por requisição da equipe médica que atendeu o paciente no PAPI; o segundo, por requisição do representante do Ministério Público à Secretaria de Saúde do RN.

Caso a relação entre as partes fosse de caráter estritamente civil, a distribuição do ônus da prova, fundada no art. 333, do CPC, seria desfavorável à demandante, à qual caberia produzir, em juízo, prova pericial sob a garantia do contraditório, demonstrando a irregularidade na manipulação do princípio ativo do medicamento.

Ocorre que a pressente relação jurídica é qualificada como consumerista e, nos termos do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, impõe-se reconhecer em favor da autora a inversão do ônus probatório, uma vez caracterizadas satisfatoriamente sua hipossuficiência e a verossimilhança das alegações contidas na petição inicial, o que se verifica no caso concreto.

Além da inversão do ônus probatório, o reconhecimento de que a presente relação jurídica submete-se às regras do subsistema normativo do direito do consumidor atrai para a farmácia de manipulação a responsabilidade objetiva do prestador de serviço, prevista no art. 14 da legislação referenciada:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."

Nesse sentido, destacam-se precedentes jurisprudenciais que impõem às farmácias de manipulação responsabilização objetiva pelos danos ocasionados em virtude da ingestão das substâncias manipuladas:

"Ementa: Apelação Cível. RESPONSABILIDADE CIVIL. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ERRO NO AVIAMENTO DE RECEITA. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Aplicação da Lei 8078/90. Farmácia de manipulação apelada que foi contratada para fazer fármaco similar ao medicamento importado de que necessita a apelante. Prova dos autos que demonstra claramente que o medicamento produzido não atendeu à finalidade a que se destinava causando danos à apelante. Relação de consumo de que decorre a responsabilidade objetiva da apelada. Inteligência do art. 14 do CDC. Fato do serviço. Aferição do dano e do nexo causal que defluem irrefutáveis da prova dos autos. Ordem consumerista que impõe às farmácias de manipulação se inteirar acerca dos medicamentos que aviam, avaliar a nocividade do produto, a segurança de seu uso, prestando, enfim, todas as informações necessárias ao consumidor, deixando de ser mero executor da prescrição médica, para assumir seu lugar na cadeia de fornecimento que solidariamente assume o risco da atividade empresarial. Deveres de qualidade a segurança. Princípios da vulnerabilidade do consumidor, transparência máxima e boa-fé objetiva. Subsunção da conduta do fornecedor às normas dos arts. 24, 8º c.c 4º I, 4º caput e 4º III CDC. Laudo pericial que se mostra incongruente com os demais elementos de convicção constantes dos autos, devendo, pois, ser afastado. Danos morais, fixados com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença reformada.Recurso provido. "

(TJRJ - .Apelação Cível nº 2007.001.38256, Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia, Julgamento: 14/08/2007)

"FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ERRO NA DOSAGEM DE MEDICAMENTO. ATRASO NO TRATAMENTO MEDICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA . DANO MORAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ERRO NA DOSAGEM DE MEDICAMENTO. ALEGAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DA DOSAGEM DO PRINCÍPIO ATIVO NÃO PERCEBIDA PELA AUTORA QUE FEZ USO DO MEDICAMENTO POR 35 DIAS. ATRASO NO TRATAMENTO MÉDICO. NECESSIDADE DE SUPRIR A DEFICIÊNCIA DA SUBSTÂNCIA COM AUMENTO DA DOSAGEM ANTERIORMENTE PRESCRITA. CÁPSULAS E FRASCO DO MEDICAMENTO ACAUTELADOS NO JUÍZO. O RÉU NÃO SE DESINCUMBIU DE COMPROVAR A INEXISTÊNCIA DO DEFEITO OU A CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA OU DE TERCEIRO, NA FORMA DO § 3º DO ART. 14 DO CDC. CONFIGURADOS O S DANOS MORAL E MATERIAL. ARBITRAMENTO DO DANO MORAL EM R$ 1.000,00, VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO DANO EXPERIMENTADO, CONSIDERANDO AINDA QUE A AUTORA FALTOU COM A RECOMENDÁVEL DILIGÊNCIA, POR DEIXAR DE VERIFICAR AS ESPECIFICAÇÕES DO FRASCO ANTES DE UTILIZAR O MEDICAMENTO.PROVIMENTO DO RECURSO."

(TJRJ - APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.001.26375, RELATORA: DES. LEILA MARIANO, Julgamento: 25/06/2008)

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ERRO NA DOSAGEM DO REMÉDIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS E MATERIAIS COMPROVADOS. DEVER DE INDENIZAR. QUANTIFICAÇÃO. HONORÁRIOS.O Autor adquiriu na empresa Ré o medicamento receitado por seu médico e, em seguida a aplicação, sofreu intensa queimadura e edema na área afetada.O conjunto probatório não deixa qualquer dúvida quanto à negligência na conduta da Ré, bem como o erro grosseiro na formulação do medicamento comercializado pela mesma que ocasionou danos ao Autor.A indenização deve ser fixada com razoabilidade, diante das circunstâncias do caso concreto, não representando uma vantagem pecuniária para o ofendido, nem caracterizando o enriquecimento sem causa, afigurando-se ínfima a fixação da quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais).A verba honorária foi fixada com razoabilidade em 10% sobre o valor da condenação não merecendo qualquer reparo.RECURSO PROVIDO, EM PARTE. "

(TJRJ - DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 17/01/2007, Apelação Cível nº. 2006.001.62850)

Os elementos coligidos pela demandante são suficientes a demonstrar, mediante juízo de verossimilhança, que a internação do paciente deveu-se a superdosagem pela substância clonidina e que as cápsulas manipuladas pela demandada possuíam quantitativo superior de referido princípio ativo.

Nesse sentido, colhe-se do prontuário médico os seguintes registros:

"11/12/02 - Menor admitido com história de agitação psicomotora há cinco horas seguida por sonolência. É portador de distúrbio do crescimento (déficit de hormônio do crescimento/hipotireoidismo) fez uso de clonidina (0,007mg) como dose única, após a qual passou a apresentar sonolência e, sendo atendido no SAU Promater evoluindo com bradicardia e hipotensão, daí encaminhado para UTI (TA= 90x60mmHg)." (fl. 24)

"12/12/02 - HD: - Intoxicação exógena por clonidina (...) Centro de intoxicação do RS (...) 0,1 mg - relato de intoxicação com esta dose (...) Obs.: a medicação foi manipulada e será revista a dosagem" (fl. 26/26v.)

"12/12/02 - 5. solicito avaliação da dosagem da medicação (clonidina manipulada)" (fl. 28v.)

"13/12/02 - Menor proveniente da UTI, com quadro de intoxicação exógena de clonidina, com evolução satisfatória, com melhora clínica porém ainda pouco sonolento." (fl. 36)

Resta evidenciada a gravidade do quadro clínico do paciente, que inclusive fez necessária sua internação da UTI, além de constar registros de que a equipe médica responsável pelo atendimento manteve contato com centro de intoxicação no Rio Grande do Sul, sugerindo quadro de intoxicação por clonidina e solicitou expressamente por duas ocasiões a avaliação da dosagem do medicamento manipulado.

Em depoimento em juízo, a médica TÂNIA MARIA NEGREIROS ROSADO LOPES, responsável pela prescrição do medicamento para o filho da demandante, teceu comentários sobre os efeitos da superdosagem de clonidina, além de narrar detalhes do atendimento do paciente e da suspeita de intoxicação por superdosagem do medicamento:

"que referido medicamento em casos de superdosagens pode levar a quadro de hipotensão e bradicardia; que a dose recomendada para o paciente era de 0,116mg; que foi prescrito pela testemunha, dose de 0,070mg; que foi advertido à genitora do paciente de possível efeito colateral consistente em sonolência leve; que no dia seguinte a primeira dose de medicamento, a genitora do paciente ligou para a testemunha relatando o caso de sonolência profunda do mesmo, tendo sido orientada a conduzir de imediato a um pronto socorro; que a testemunha seguiu para o hospital PAPI, onde o paciente estava sendo atendido e acompanhou quando os médicos de plantão, após contato com o centro de toxicologia de Porto Alegre-RS, diagnosticaram possível intoxicação por superdosagem de clonidina, iniciando os procedimentos adequados para a reversão do quadro clínico; que o paciente esteve internado em leito de terapia intensiva ou semi-intensiva, vindo a se recuperar posteriormente; que após o incidente o paciente foi atendido pela testemunha em uma única ocasião; que a equipe médica do hospital PAPI encaminhou uma amostra dos comprimidos administrados ao paciente para o laboratório da UFRN" (fl. 29)

A respeito de ocorrências similares em casos de superdosagem pela substância, a depoente afirmou:

"que a dose de 0,070mg prescrita pela testemunha pode ser descrita como "subfarmacológica" para o caso em questão, e não levaria o paciente a apresentar os sintomas verificados no caso concreto; que no entanto, em tese, a testemunha não tem como precisar qual dosagem limite excluiria o risco da ocorrência dos sintomas descritos na petição inicial, destacando que 0,100mg por metro quadrado seria o limite adotado pela literatura em vigora à época, para esta indicação; que a testemunha teve conhecimento de vários casos de superdosagem de clonidina, inclusive com um óbito registrado no Distrito Federal; que referidos fatos foram posteriores ao atendimento do paciente Rafael; que referidos fatos levaram os órgãos competentes a suspender a utilização da clonidina para tratamentos endocrinológicos, permanecendo como teste;" (fl. 20)

Por sua vez, o laudo elaborado pelo Departamento de Farmácia da UFRN em 27/01/2003, ainda durante a validade do medicamento, é conclusivo quanto à concentração do princípio ativo superior em mais de 500%, chegando a 0,35mg, quando o prescrito era 0,07mg:

"PRODUTO: CÁPSULAS DE CLONIDINA 0,07 mg (20 UNIDADES); LOTE: Nº da Fórmula 25.894; DAT. FAB.: 09/12/02; DATA VAL.: 90 DIAS; FABRICANTE: A FORMULA Farmácia de Manipulação; (...) RESULTADO DA ANÁLISE - TEOR: 502,81% (0,35mg de clonidina por cápsula) Método espectrofotométrico a 420nm (FARMACOPEIA BRITÂNICA 1993) CONCLUSÃO: INSATISFATÓRIA" (fl. 37)

Já o laudo elaborado pelo LACEN/PE é enfático em apontar as seguintes irregularidades na amostra submetida a exame:

"RÓTULO EM DESACORDO COM A RESOLUÇÃO RDC Nº 33 DE 19 DE ABRIL DE 2002, ITEM 4.5.33"

"Nome do Ensaio: IDENTIFICAÇÃO DE CLONIDINA; Referência: USP 26; Resultado: POSITIVO"

"Nome do Ensaio: TEOR DE CLONIDINA; Valor de Referência: 90 a 110% DA QUANTIDADE DECLARADA; Referência: USP 26; Resultado: 0,63mg +/-0,01 mg/ CÁPSULA OU 902,85% DA QUANTIDADE DECLARADA; Conclusão do Ensaio: INSATISFATÓRIO"
(fls. 38/40)

Em relação aos laudos periciais, muito embora tenham sido unilaterais e extraprocessuais, foram emitidos por instituições públicas de notável respeitabilidade, dispondo, o Setor de Farmácia da UFRN, dos melhores equipamentos e profissionais de nosso Estado, assim como o Laboratório LACEN/PE, que é uma referência na área para toda a Região Nordeste.

Os questionamento e críticas feitos pelo demandado aos laudos emitidos, muito embora pertinentes em alguns aspectos procedimentais, devem ser recebidos com reservas, a ponto de não retirar por completo a validade de referidos elementos probatórios, notadamente diante da já referenciada inversão do ônus da prova e da impossibilidade material de repetição dos exames passados mais de sete anos da manipulação do medicamento.

Nesse diapasão, caberia à demandada, tão logo tivesse conhecimento dos fatos, por ocasião da citação no âmbito dos Juizados Especiais, ter adotado a cautela de realizar o procedimento cautelar de produção antecipada de provas, requisitando a apresentação da substância em juízo para que fosse submetida a análise pericial em sede judicial, como forma de preservar a situação fática e se resguardar contra a alegação de erro na manipulação do princípio ativo.

A inércia do demandado nesse sentido certamente contribuiu sobremaneira para a deficiência do quadro probatório que ele mesmo alega.

Por outro lado, muito embora sem o crivo do contraditório, ambos os laudos foram emitidos por instituições públicas, circunstância que conduz à presunção de validade dos mesmos, diante da improvável influência direta da interessada em eventual manipulação dos resultados.

Particularmente em relação ao segundo laudo, emitido pelo Laboratório LACEN, o mesmo se reveste de caráter oficial, por ter sido requisitado por uma das Promotorias de Justiça de nosso Estado à Secretaria de Saúde do RN, a qual repassou o material a ser analisado ao LACEN, vinculado à Secretaria de Saúde de Pernambuco, que mediante o ofício de fl. 39, encaminhou o laudo à Secretaria de Saúde do RN.

As ilações a respeito da possibilidade de que a autora tenha alterado as condições do medicamento (item 25 da contestação, fls. 50/51) são reprováveis e não merecem consideração, notadamente por não se basearem em qualquer evidência concreta.

Do mesmo modo, a alegação de que a UFRN não dispunha, à época, de reagentes necessários à realização do exame pela metodologia relatada no laudo pericial não se funda em qualquer elemento concreto de prova, e parte do pressuposto frágil de que o alto custo de referido material infirma a veracidade das informações prestadas pela perita que subscreve o laudo.

Igualmente, no que pertine ao laudo do LACEN/PE, o demandado sustenta que a perícia realizada em medicamento como prazo de validade vencido ensejaria resultado deturpado, sem, no entanto, demonstrar com base em qualquer elemento probatório apto que o prazo de validade vencido contribui concretamente para aumentar ou reduzir a concentração do princípio ativo de referida substância.

Com essas considerações, e analisando os elementos probatórios coligidos à luz da responsabilidade objetiva do fornecedor e da inversão do ônus da prova em favor do consumidor, considero que restou inquestionável que a demandante adquiriu medicamentos na farmácia demandada, administrando-o a seu filho, o qual, logo em seguida, apresentou reações adversas que deram ensejo à sua internação em UTI e que a perícia realizada em amostras do medicamento demonstraram dosagem superior à prescrita.

O encadeamento dos fatos descritos no parágrafo anterior evidenciam a presença dos pressupostos legais da responsabilização do fornecedor, a saber, a presença do dano moral da demandante, diante do sofrimento psicológico causado pela internação hospitalar de seu filho, bem como o nexo de causalidade de referido dano e o ato atribuído à demandada, diante das evidência probatórias que ligam as reações adversas de que foi vítima o paciente à ingestão do medicamento manipulado pela demandada.

No que pertine ao valor da indenização a ser fixada, a doutrina mais abalizada e a jurisprudência majoritária destacam que referido quantum deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, revestindo-se de caráter não só punitivo ou meramente compensatório, mas também de cunho didático, de modo a desestimular no causador do dano a persistência em comportamentos que possam vir a causar lesões similares, sem entretanto, acarretar à vítima um enriquecimento sem causa. Tal valor deverá mostrar-se proporcional às condições econômicas do demandado, que no caso em análise, é o maior banco privado brasileiro.

A doutrina de Carlos Alberto Bittar(1) leciona a respeito da matéria nos seguintes termos:

"(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante"

No caso presente, a autora requer indenização no patamar de 300 salários mínimos, a qual se mostra desproporcional ao dano causado, notadamente em se verificando que a pretensão analisada não é da criança a quem foi administrado o medicamento irregularmente manipulado, mas à sua genitora, que sofreu reflexamente com o incidente.

A análise dos elementos do caso concreto, notadamente o grau de comprometimento da saúde do paciente e a natural angústia que toda a situação gerou na sua genitora, indica que a fixação da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mostra-se razoável à reparação do dano moral experimentado pela mesma.

Isto posto, julgo procedente o pedido para condenar NAMASTÊ - FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO (A FÓRMULA) ao pagamento de indenização por danos morais em favor de NEIRILDE DE HOLANDA MEDEIROS, no valor de R$ 5.000,00, (cinco mil reais), a ser corrigida monetariamente pela Tabela 1 da Justiça Federal, a partir da publicação da presente sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (13/09/2004).

Custas e honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% do valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC), a serem suportados pela parte ré.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Certificado o trânsito em julgado, arquive-se com baixa na distribuição.

Natal/RN, 16 de dezembro de 2009.

Otto Bismarck Nobre Brenkenfeld
Juiz de Direito



Notas:

1 - BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.233). [Voltar]



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