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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

JURID - Deficiente será indenizado. [11/01/10] - Jurisprudência


Deficiente físico vai ser indenizado por empresa de transporte coletivo.


Circunscrição: 5 - PLANALTINA

Processo: 2009.05.1.011577-6

Vara: 1401 - PRIMEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE PLANALTINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

PODER JUDICIÁRIO

CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE PLANALTINA

PRIMEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE PLANALTINA

Fórum de Planaltina - DF

Processo (s): 2009.05.1.011577-6

Ação: De Conhecimento P. Sumaríssimo

Requerente: LINDOMAR PEREIRA DOS SANTOS

Requerido(s): GRUPO AMARAL

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

LINDOMAR PEREIRA DOS SANTOS, já qualificado nos autos, propôs a presente ação de conhecimento sob procedimento sumaríssimo em desfavor de GRUPO AMARAL, visando que a empresa requerida seja condenada em danos morais na quantia de R$ 7.500,00.

Para tanto, afirma que: 1- é deficiente físico e usa um aparelho na perna esquerda, fato que o impede de passar pela roleta dos coletivos, porém em 13 de novembro de 2009, quando foi desembarcar do ônibus da empresa requerida, ao tentar descer pela porta dianteira sem passar pela roleta, o motorista do ônibus não atendeu seu pedido, de modo grosseiro solicitou que o autor passasse pela roleta, causando confusão dentro do ônibus; 2- depois, ainda chamou o fiscal da empresa, o DFTRANS e a Polícia Militar no intuito de constrangê-lo ainda mais, fazendo com que perdesse o próximo ônibus.

Designada audiência de tentativa de conciliação, não houve composição amigável - fl. 12.

A Audiência de Instrução e Julgamento transcorreu conforme consta de fls. 19/24, na mesma ocasião à empresa requerida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido, alegando que: 1) que inexiste no caso em apreço qualquer culpa do preposto da empresa a configurar ato ilícito; 2) a peça inicial não identificou o veículo ou o motorista que supostamente participou do ocorrido, somente na audiência de conciliação é que o autor identificou o nº do ônibus e o horário do ocorrido; 3) o autor solicitou inicialmente ao cobrador para descer pela porta da frente, porém este lhe informou que deveria formular o pedido ao motorista, porém o motorista estranhou visto que sempre que o autor usa o coletivo passa pela roleta e nunca havia solicitado a descida pela frente do ônibus, ocasião em que fora informado que somente os obesos e mulheres grávidas ou pessoas com marca-passo possuem permissão para descer pela porta dianteira do ônibus, momento em que o autor se irritou; 4) por diversas vezes o autor passou pela roleta; 5) em momento algum os prepostos da ré ofenderam ou humilharam o autor, os prepostos apenas informaram do procedimento que é realizado por todos os portadores de cartão da Fácil e pelos demais passageiros ressalvadas as exceções previstas.

Este é o breve resumo dos fatos relevantes ocorridos. Dispensado o relatório, nos moldes do artigo 38 da Lei N. 9.099/95, decido.

Dispõe a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal:

"É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

Assim, a responsabilidade do patrão relativamente aos atos culposos, "latu sensu", de seu empregado, é objetiva; razão pela qual, para que surja o dever de indenizar, basta que o empregado esteja a seu serviço, no exercício do trabalho ou por ocasião dele - e cause dano a outrem.

Inicialmente, é necessário fixar-se as normas de direito material que irão regular o fato. Na espécie, entendo que se trata de uma relação jurídica à qual se aplica o Código de Defesa do Consumidor, conforme dispõem seus arts. 2º e 3º. Frise-se, há de ressaltar que é certo que a empresa requerida deve observância estrita aos termos do Código de Defesa do Consumidor, mormente porque atuam no mercado (fornecedor) e busca na pessoa do consumidor o seu destinatário final.

No que tange ao dano moral, sabe-se que o fundamento de sua reparação está no fato de que o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, do bom conceito desfrutado perante a sociedade, de sentimentos que exortam a sua consciência, de valores afetivos, os quais são merecedores de proteção jurídica, não podendo ser impunemente atingidos.

Nesta linha de raciocínio, o ressarcimento desse dano tem função punitiva para o causador do dano e função compensatória para a vítima.

Assim, colocada a questão em termos doutrinários, passemos à análise da hipótese dos autos.

Afirma o requerente que se sentiu humilhado e constrangido por ato grosseiro do motorista do veículo da empresa requerida, que na data informada, ao pegar o coletivo da ré, no momento do desembarque ao tentar descer pela porta dianteira do coletivo, pois não consegue passar pela roleta, em razão de ser deficiente físico e usar um aparelho na perna, teve seu pedido negado; sendo tratado de forma grosseira pelo motorista e pelo fiscal da empresa, causando confusão dentro do ônibus.

Para que o lesado possa ter direito à reparação, necessário se faz conjugar os seguintes pressupostos: a) que sofra dano injusto de caráter pessoal, moral ou patrimonial; b)que seja decorrente de fato de terceiros; c) que haja nexo causal entre o evento e o fato do terceiro.

Portanto, a responsabilidade civil é composta por três elementos indissociáveis, quais sejam: ato ilícito, dano efetivo e nexo de causalidade; aperfeiçoada a trilogia estrutural do instituto, patenteado restará o dever de indenizar. Cumpre ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da responsabilidade objetiva, que dispensa a comprovação da culpa do fornecedor para fins de caracterização do dever de reparar. Todavia, o consumidor deve demonstrar a efetiva ocorrência do dano e do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, para que surja a obrigação de indenizar.

Por seu turno, a obrigação mais importante do transportador, que reside na cláusula de incolumidade, é conduzir o passageiro a salvo, ao seu lugar de destino, devendo tomar todas as providências e cautelas necessárias a fim de evitar qualquer acontecimento funesto ao passageiro.

O autor narra na peça de ingresso fato que dentro de seu contexto fere os padrões médios de urbanidade, predicado visivelmente mais exigível de quem atua no mercado, notadamente no de consumo, fornecendo serviços.

Só para lembrar: O Código de Defesa do Consumidor prevê dentre às Políticas Nacional de Relações de Consumo - Art. 4º: "A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:" e Art. 6º. VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Portanto, é direito do consumidor de são sofrer constrangimento.

Ora, pelo que se percebe no mínimo o requerente foi vítima de tratamento descortês, confira-se o que disse o condutor do veículo: "(...) que no dia ficou com a cabeça quente, e como no dia estava com vontade de ir ao banheiro, desceu do coletivo e entregou o caso para o "despachante", sendo este o representante da empresa; que ficou esquentado em razão do sistema do serviço; que no dia dos fatos acredita que poderia ter atuado de forma diferente, porém foi muito maltratado, entretanto, ainda que se possa disser que atuou de maneira grosseira...(...)".

A conduta do preposto da ré, não se justifica, exigir de forma ríspida, diga-se em tom alto, de forma incisiva para que o requerente passasse pela porta traseira, e exigência desarrazoada para que o promovente, sendo deficiente físico e pelo fato de fazer uso de um aparelho na perna, culminou por eclodir ofensa ao patrimônio moral do requerente eis que além de cuidados especiais que se tem que ter com pessoas debilitadas, certamente se procura um tratamento diferenciado, com maior sensibilidade, já que o autor tem dificuldade de locomoção.

A testemunha, Antônio José Borges - fl. 21, chancela com riquezas de detalhes o transtorno por qual passou o autor, confira-se:

"(...) que o requerente insistia em descer pela porta da frente do coletivo, argumentando com o condutor do coletivo e cobrador de que em razão de sua deficiência teria dificuldade em passar pela roleta; que o fiscal da empresa foi chamado pelo motorista até o coletivo, momento em que informou ao requerente que para que pudesse descer pela porta da frente do coletivo sem passar pela roleta, deveria portar um laudo médico constatando sua impossibilidade de passar pela roleta; ...percebeu ato de autoridade por parte dos funcionários da empresa em relação ao demandante; ... que logo em seguida, também percebeu que o motorista vinha com dois policiais em direção ao coletivo; ...que não possui autorização especial para descer pela porta da frente dos ônibus, que nunca teve qualquer problema em descer pela porta da frente sem passar pela roleta, em razão de sua obesidade; ... que dependendo da deficiência, outros deficientes também utilizam o mesmo procedimento; que o requerente pelo que percebeu possuía dificuldade em passar pela roleta; ... que confirma que na sequência criou-se "um clima, com bate-boca entre as partes"; que o motorista ao se dirigir ao requerente, bradou em tom alto de que ele não poderia proceder daquela maneira, levantando-se da poltrona."

Visando evitar qualquer forma de diferenciação, veio a Lei Distrital nº 2250 de 31 de dezembro de 1998 que instituiu a obrigatoriedade da admissão, pela porta da frente dos veículos do Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal, aos passageiros portadores de necessidades especiais e seus acompanhantes.

Cite-se o magistério de Alexandre de Moraes: "O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja sem relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria..."

Concepção do dever fundamental: alterum no laedere (não prejudique ninguém).

Nessa esteira, é devido o ressarcimento por dano moral se manifesto o prejuízo resultante da dor imputada à pessoa da vítima, em razão de ato cujas conseqüências ofendem, indevidamente, seus sentimentos, provocando tristeza, mágoa ou atribulações na esfera interna pertinente à sua sensibilidade, devendo o arbitramento do montante indenizatório ter por parâmetro, dentre outros aspectos, as condições da vítima e do ofensor, bem como os prejuízos morais sofridos pelo requerente.

Já afirmava IHERING, conforme se vê "in" "Dano Moral e sua Reparação", de AUGUSTO ZENUM, 2ª edição, Forense, pág. 132:

"O ofendido ou vítima deve receber não só pelas perdas materiais, senão, também, pelas restrições ocasionadas em seu bem-estar ou em suas conveniências, pelas incomodidades, pelas agitações, pelos vexames".

Por outro norte, Cumpre salientar que a simples ocorrência do fato narrado na petição inicial, que por sua vez fundamenta o pedido indenizatório, é suficiente para ensejar a reparação dos danos morais, sendo prescindível a demonstração da dor espiritual experimentada. O Superior Tribunal de Justiça vem adotando sistematicamente o entendimento de que "a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (dano "in re ipsa"). Verificado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)" (REsp nº 23.575, DJU de 1º de setembro de 1997, Rel. Ministro César Asfor Rocha).

Incide, na espécie, a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:

"[...] por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores fundamentais. Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si.[...] Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. [...] o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral." (Programa de Responsabilidade Civil/ Sérgio Cavalieri Filho, 6ª ed., Malheiros Editores, 2005, p. 108).

Evidenciado, pois, o dano injusto de caráter imaterial sofrido pelo autor, a autoria deste, de preposto da ré, e o nexo causal entre o primeiro e segundo elementos por conduta imprópria daquele; enfim, a responsabilidade da ré pelos danos morais, resta a fixação do quantum devido.

Acerca da indenização, anote-se não haver na lei critérios objetivos que orientem a fixação do "quantum" reparatório. No entanto, deve-se ter em mente que esta reparação não tem por finalidade estabelecer o chamado "pretium doloris", tampouco o valor para a honra do ofendido, mas sim de proporcionar-lhe uma satisfação de qualquer espécie que, sob o aspecto material, represente uma soma em dinheiro capaz de amenizar a amargura da ofensa e a desestimular a ação do ofensor.

Quanto ao dano moral a ser arbitrado, tenho que o valor deve mostrar-se adequado, atendendo ao binômio: compensação à vítima e punição ao ofensor, a fim de reprimir a conduta lesiva. Daí resulta a indispensável necessidade de serem consideradas as condições econômicas e sociais do agressor, bem como a gravidade da falta cometida, conforme um critério de aferição subjetivo. De outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano sofrido, visando à reparação do abuso.

Considerando, ainda, que o valor arbitrado a título de danos morais não pode ser fonte de enriquecimento ilícito, e diante dos parâmetros adotados pela e. Turmas Recursais, tenho que o valor da indenização no patamar de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) é suficiente para impingir à requerida a correção futura de sua conduta e proporcionar ao requerente bem da vida a compensar o dano sofrido.

Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para condenar a empresa requerida a pagar ao autor a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a título de compensação por danos morais, corrigida a partir desta data, com juros de mora de 1% (um por cento) desde a citação.

Nestes termos, declaro resolvido o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil.

Sem custas e sem honorários advocatícios, consoante disposto nos artigos 54 e 55 da Lei n. 9.099/95.

Alerto a parte devedora de que o pagamento deverá ser efetuado no prazo de 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de incidência de multa no percentual de 10% (dez por cento), nos termos do artigo 475-J do CPC e do Enunciado nº 105, do Fórum Nacional dos juizados Especiais.

P.R.I.

Planaltina, DF, 17 de dezembro de 2009.

José Lázaro da Silva
Juiz de Direito Substituto



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