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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

JURID - Recurso especial. Furto de fios condutores de energia. [15/12/09] - Jurisprudência


Recurso especial. Furto de fios condutores de energia elétrica. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.094.301 - RS (2008/0219382-0)

RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO: ANTÔNIO CARLOS XAVIER

ADVOGADO: LUIZ ALFREDO SCHUTZ - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO DE FIOS CONDUTORES DE ENERGIA ELÉTRICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. RECURSO PROVIDO.

1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.

3. O furto de fios condutores de energia elétrica, avaliados em R$ 125,00, apesar do pequeno valor, não se mostra inexpressivo, em virtude do desvalor da ação, pois a subtração deles pode ocasionar a interrupção do fornecimento da energia elétrica, gerando uma significativa lesão ao bem jurídico tutelado.

4. Recurso especial provido para, anulando o acórdão e a sentença, inclusive, determinar o retorno dos autos ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre/RS para que outra sentença seja proferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2009(Data do Julgamento).

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal.

Consta dos autos que o recorrido foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 155, § 4º, inciso IV, do CP em razão de ter subtraído 25 metros de fios condutores de energia elétrica, de propriedade particular, avaliados em R$ 125,00. No entanto, a sentença absolveu o acusado com fulcro no art. 386, III, do CPP.

Inconformado, o Ministério Público estadual apelou requerendo a condenação do acusado nos termos da denúncia, tendo o Tribunal a quo negado provimento ao recurso, restando assim ementado (fl. 116):

Furto. Princípio da Insignificância. Lesão potencial: res furtiva no valor de R$ 125,00 não justifica a movimentação de uma máquina cara, cansativa, abarrotada e cruel, como o Judiciário. Cuida-se de valor que dispensa a insurgência punitiva - última ratio da interferência controladora estatal.

Negaram provimento ao apelo acusatório (por maioria).

No presente recurso especial, o Parquet sustenta negativa de vigência do art. 155, § 4º, inciso IV, do CP. Alega que o Tribunal de origem, "ao negar provimento ao apelo acusatório, ao argumento de que a conduta imputada ao réu não constitui crime, acabou por negar vigência ao artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal, pois o fato narrado enquadra-se perfeitamente à figura típica do delito em tela" (fl. 131).

Requer o provimento do presente feito para que seja anulado o acórdão recorrido e que seja condenado o acusado nos termos da denúncia oferecida.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 142/143.

O Ministério Público Federal, em parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República ALCIDES MARTINS opinou pelo provimento do recurso especial (fls. 154/158).

É o relatório.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

Como relatado, pretende o recorrente que, ao caso, seja afastada a aplicação do princípio da insignificância para o reconhecimento da tipicidade da conduta, em razão de ter o recorrido subtraído fios condutores de energia elétrica, avaliados em R$ 125,00.
O tema a respeito da aplicação do referido princípio é assaz controvertido, tanto na doutrina como na jurisprudência pátria.

A moderna doutrina (Teoria Constitucionalista do Delito) desmembra a tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, em três aspectos: o formal ou objetivo, o subjetivo e o material ou normativo.

A tipicidade formal consiste na perfeita subsunção da conduta do agente ao tipo (abstrato) previsto na lei penal, possuindo como elementos: a conduta humana voluntária, o resultado jurídico, o nexo de causalidade e a adequação formal.

O aspecto subjetivo do fato típico expressa o caráter psicológico do agente, consistente no dolo.

A tipicidade material, por sua vez, implica a verificação se a conduta - subjetiva e formalmente típica - possui relevância penal, em face da significância da lesão provocada no bem jurídico tutelado, observando-se o desvalor da conduta, o nexo de imputação e o desvalor do resultado, do qual se exige ser real, transcendental, intolerável e grave (significante).

Nesse contexto, o princípio da insignificância, cuja análise deve ser feita à luz dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima, tem assento exatamente na análise da tipicidade material e implica, caso acolhido, a atipicidade da conduta. Na lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT, "é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal" ("Código Penal Comentado", 3ª edição atualizada, São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p. 6).

Duas são as hipóteses de insignificância: a insignificância da conduta (aceitação social) e a insignificância do resultado (lesão relevante). Ensina o Professor Luiz Flávio Gomes:

No delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: "Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena - detenção de 1 a 6 meses"), quem arremessa contra um ônibus em movimento um bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: "Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena - reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa"), quem joga um copo d´água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante.

Nessas hipóteses, o risco criado (absolutamente insignificante) não pode ser imputado à conduta (teoria da imputação objetiva em conjugação com o princípio da insignificância). Estamos diante de fatos atípicos.

No delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal.

Significa dizer que a intervenção do direito penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano impregnado de significativa lesividade. Não havendo, outrossim, a tipicidade material, mas apenas a formal, a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.412/SP, da relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, concluiu, para a incidência do princípio da insignificância, ser necessária a incidência de quatro vetores, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Segundo o relator, "O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social" (HC 84.412/SP, DJ de 19/11/04).

No caso posto em análise, entretanto, tenho por inaplicável o referido princípio. Trata-se de subtração de fios condutores de energia elétrica, avaliados em R$ 125,00 (cento e vinte e cinco reais), que, conforme a denúncia (fl. 4), "não puderam ser mais reaproveitados, suportando a vítima o prejuízo de arcar com a instalação de novos condutores de energia".

Com efeito, a conduta descrita se subsume à definição jurídica do crime de furto e se amolda à tipicidade subjetiva (dolo), portanto, punível. Ressalta-se, ainda, o desvalor da ação, o furto de fios condutores de energia elétrica pode ocasionar a interrupção do fornecimento desta, gerando enormes danos às pessoas lesadas. Deve-se, assim, valorar o resultado jurídico, ou seja, a lesão ao bem jurídico tutelado.

Desse modo, não se mostra inexpressivo o furto de fios condutores de energia elétrica, avaliados em R$ 125,00, e sim de pequeno valor.

Nesse sentido, confiram-se:

HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO TENTADO. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA EM PRIMEIRO GRAU. RES FURTIVA DE PEQUENO VALOR (DUAS GARRAFAS DE UÍSQUE AVALIADAS EM R$ 90,00). INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. A conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. O delito em tela - tentativa de subtração de duas garrafas de uísque da marca ballantines avaliadas no valor total de R$ 90,00 (noventa reais) -, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.

2. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a gravidade da conduta.

3. Ordem denegada. (HC 134.598/PE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 3/8/09)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. R$ 70,00 (SETENTA REAIS) EM ESPÉCIE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR PEQUENO, MAS NÃO ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte, nos crimes de furto, valoriza a distinção entre ínfimo e pequeno valor, atribuindo apenas às condutas que tiveram aquele por objeto material a atipicidade.

2. Na hipótese, foram furtados R$ 70,00 (setenta reais), valor que, embora parco, não é ninharia a ponto de ser tido como um indiferente penal.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRgREsp 1.001.333/RS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, DJ de 1º/12/08)

Assim, considerando a reprovabilidade do comportamento e a lesão ao bem jurídico tutelado, impõe-se, no presente caso, a inaplicabilidade do princípio da insignificância.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a aplicação do princípio da insignificância e, em consequência, anular o acórdão e a sentença, inclusive. Determino o retorno dos autos ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre/RS para que outra sentença seja proferida.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0219382-0 REsp 1094301 / RS

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 20700448552 70023470958 70025387101

PAUTA: 17/11/2009 JULGADO: 19/11/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO: ANTÔNIO CARLOS XAVIER

ADVOGADO: LUIZ ALFREDO SCHUTZ - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Brasília, 19 de novembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 930245

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 14/12/2009




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