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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

JURID - Apelação criminal defensiva. Tentativa de roubo simples. [04/12/09] - Jurisprudência


Apelação criminal defensiva. Tentativa de roubo simples.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CRIME

SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70031720576

COMARCA DE VIAMÃO

APELANTE: LUCIANO BORBA DUTRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO

APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. TENTATIVA DE ROUBO SIMPLES. PRELIMINAR DE NULIDADE DA INSTRUÇÃO POR OFENSA AO ARTIGO 212, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL REJEITADA. NEGATIVA DE AUTORIA. PROVA SUFICIENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. DESCABIMENTO.

Preliminar rejeitada, à unanimidade.

Recurso parcialmente provido, por maioria.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar. Por maioria, em dar parcial provimento ao recurso ao fim de, mantida a condenação, reduzir a pena privativa de liberdade para dois (02) anos e dois (02) meses de reclusão, confirmando quanto ao mais a sentença, vencido o Desembargador Sylvio Baptista Neto que nega provimento.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE E REVISOR) E DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA.

Porto Alegre, 29 de outubro de 2009.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO,
Relator.

RELATÓRIO

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO (RELATOR)

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra LUCIANO BORBA DUTRA, 26 anos, como incurso nas sanções do artigo 157, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, em razão da prática de fato assim narrado na inicial acusatória:

No dia 10 de abril de 2006, por volta das 04h30min, na Rua Oito, nº 51, Bairro Dois Irmão, nesta Cidade, o denunciado, mediante violência, consistente em socos e tentativa de estrangulamento, desferidos contra a vítima Marco Antônio Castro Nunes, tentou subtrair, para si, um aparelho de televisor e objetos de valor que se encontravam no interior da residência.

Na oportunidade, o denunciado, durante a madrugada, bateu na porta da residência e, quando a vítima abriu, foi atingida por socos desferidos pelo acusado. A seguir, o denunciado continuou agredindo a vítima e deu voz de assalto, dizendo que queria a televisão. A vítima foi socorrida pelo seu irmão e restou lesionada, conforme auto de exame de corpo de delito da fl. 07 do expediente.

O delito apenas não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, uma vez que o irmão da vítima, alertada pelos gritos desta, interveio, fazendo com que o acusado fugisse do local, sem levar a "res".

Denúncia recebida em 2 de julho de 2007 (f. 24).

Pessoalmente citado (f. 42), o réu foi interrogado em presença de Defensor Público (f. 43).

Defesa prévia oferecida (f. 47).

No curso da instrução, foram inquiridos Marco Antônio Castro Nunes (f. 56), Paulo César de Castro Nunes (f. 71), Renata Cristina Fontoura Costa (f. 72) e Izabel Cristina da Silva (f. 81).

Decretada a revelia do réu (f. 79).

Debates orais em audiência (f. 79).

Antecedentes criminais certificados (f. 82).

Sentença proferida (f. 84), a qual condenou o réu como incurso nas sanções do artigo 157, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, às penas de três (03) anos e três (03) meses de reclusão, em regime aberto, e pecuniária de vinte e cinco (25) dias-multa, à razão diária mínima.

Concedido o direito de apelar em liberdade.

Publicação da sentença em 8 de maio de 2009 (f. 91).

Intimado pessoalmente da sentença (f. 99), o réu apela. Razões (f. 102) e contra-razões (f. 110) oferecidas.

Subida dos autos.

Neste grau, parecer da ilustre Procuradora de Justiça Dra. Berenice Feijó de Oliveira, no sentido o desprovimento (f. 123).

Autos conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO (RELATOR)

Em defesa pessoal, o réu negou a prática do crime imputado. Disse que a vítima desferiu um soco no interrogando tendo revidado, sendo que foram apartados pelo irmão de Marco, e que está a ser acusado em falso em razão de o ofendido não gostar dele(1). Em apoio, a defesa técnica está a arguir, em preliminar, nulidade da instrução por ofensa ao artigo 212, do Código de Processo Penal e, no mérito, a pedir absolvição por insuficiência de provas, redução da pena-base, maior redução pela forma tentada e isenção da multa. Prequestiona o artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal.

Veja-se como a sentença(2) analisou o mérito, concluiu pela condenação e aplicou as penas(3):

(...)

Ab initio, examino a prefacial:

Por óbvio, que o juiz não pode ser impedido de perguntar. Excrescência seria o contrário. Juiz para quê? Ao contrário do alegado pela defesa, a única modificação havida com a reforma processual foi o fim da prática anacrônica de as partes formularem perguntas ao juízo, para que este perguntasse às testemunhas. Agora a pergunta é direta. Apenas isto. Ademais, de modo a garantir à ampla defesa as perguntas são realizadas a fim de permitirem melhor compreensão dos fatos.

Superada a preliminar, passo à análise do mérito.

A materialidade do fato está comprovada pelo registro de ocorrência policial (fls. 08/09), bem como pelos demais elementos probatórios constantes nos autos.

A autoria, por sua vez, está igualmente lisamente comprovada.

O réu, ao ser ouvido em Juízo (fls. 43/44), como sói acontecer negou a prática delituosa, afirmando:

"Não é verdadeira a acusação feita na denúncia. VI e VII_ Refere que brigou com a vítima no dia do fato, mas no turno da tarde e que já havia discutido com a vítima em data anterior, e sempre que passavam um pelo outro a vítima sempre "mexia" com o depoente. No dia do fato a vítima desferiu um soco no interrogando tendo o mesmo revidado. Foram apartados pelo irmão da vítima. O depoente não deu voz de assalto a vítima. Acha que a vítima fez a acusação porque não gosta do depoente. VIII_ Está sendo processado por assalto. Pelo Ministério Público: Ausente. Pela Defesa: A agressão ocorreu em via pública, na entrada do Bairro Valença."

A vítima Marco Antônio Castro Nunes, ao ser ouvido em Juízo (fl. 56), assentou que:

"Refere que o réu foi à casa do depoente para assaltá-lo, onde, na ocasião, o depoente estava em casa. O réu chegou á casa do depoente, anunciou o assalto e desferiu um soco em direção à face do depoente. O réu pedia os objetos que estavam no interior da casa do depoente para vender e comprar drogas, mas não pegou nenhum objeto, porque o depoente revidou as agressões e entraram em luta corporal. Quando estavam em luta corporal, o depoente gritou e seu irmão apareceu, tendo o réu fugido. O irmão do depoente mora aos fundos de sua casa. O nome de seu irmão é Paulo César de Castro Nunes. O depoente já tinha ouvido na falar na Delegacia que o réu tem antecedentes por roubos. Nunca foi ameaçado pelo réu. Nunca tinha brigado com o réu e sequer tinha falado com o mesmo anteriormente ao fato."

Tudo demonstrado através da prova testemunhal.

Paulo César de Castro Nunes, irmão da vítima Marco, ao ser ouvido em Juízo (fl. 71), assentou que:

"Lida a denúncia, diz que mora no mesmo terreno que o irmão, em outra casa, e ouviu o pedido de socorro dele, e quando chegou na casa seu irmão estava ensangüentado e o réu estava lhe dando "uma gravata'. Queria levar a televisão. Não viu o réu armado com faco ou revólver. Ele fugiu sem levar nada. Já o conhecia e ele parecia estar "chapadão". Não não havia nem uma inimizade entre o réu e a vítima. Pelo Ministério Público: Ausente. Pela Defesa: O réu não apresentava lesão física. Foi o seu irmão que disse que o réu queria pegar a televisão. O réu não disse nada a respeito da televisão que o depoente ouvisse. Não lembra de o réu ter falado nada. Desconhecia alguma briga anterior entre o réu e a vítima. Desconhece existência de divida de seu irmão para com o réu."

As testemunhas Renata Cristina Fontoura Costa e Izabel Cristina da Silva, ao serem ouvidas em Juízo (fls. 72 e 81), nada disseram acerca dos fatos, pois foram apenas testemunhas abonatórias da conduta do imputado.

Releva consignar que, ao contrário do alegado pela defesa, a prova dos autos é suficiente para juízo condenatório.

A vítima assentou de maneira clara a forma com que o réu adentrou em sua residência e de lá tentou subtrair mediante violência empregada através de socos - luta corporal - a sua televisão.

Ademais, a identificação do réu perante a distante autoridade policial foi legítima e embasada no próprio conhecimento do imputado por parte da vítima, haja vista que residiam próximos, sendo que conforme relatou o ofendido, o algoz era conhecido nas redondezas pela prática reiterada de delitos.

No mais, ao contrário do que assentou a Douta Defesa Pública, as teses acusatórias restaram fundamentadas através do depoimento da vítima em Juízo. Neste sentido não há contradições em seus depoimentos prestados na fase policial e em Juízo.

Cabe frisar que a prova produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa foram fortes e convincentes no sentir desta julgadora, não merecendo, portanto, prosperar as teses levantadas pela Defesa Pública. Neste ponto, quem não demonstrou nada acerca do alegado foi o próprio réu, o qual não demonstrou qualquer fundamentação das suas alegações, resumindo-se, tão e somente refutá-las como se assim pudesse afastar a autoria dos fatos a si atribuídos.

Saliento que nos delitos contra o patrimônio, cometidos mediante violência ou grave ameaça, sem a presença de testemunhas oculares, o depoimento da vítima, rico em detalhe, como ocorre in casu, é forte elemento para a formação de um juízo condenatório, sendo que não se vislumbra nos autos nenhum motivo pelo qual a vítima incriminaria o réu se efetivamente não tivessem praticado o delito em questão, não havendo nenhuma suspeita de que seu depoimento não se revista de credibilidade.

Para ilustrar o entendimento acima esposado, trago à colação as seguintes ementas:

PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO PRATICADO CONTRA A ECT, ART. 157 DO CP - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO TENTADO - IMPOSSIBILIDADE - SIMULAÇÃO DO PORTE DE ARMA DE FOGO - GRAVE AMEAÇA - RECURSO NÃO PROVIDO - CONDENAÇÃO CONFIRMADA. 1. Autoria e materialidade delitivas demonstradas por meio do boletim de ocorrência e dos depoimentos da vítima, que apontou com segurança ter sido o acusado o autor do crime, esclarecendo, de forma precisa e coesa, as circunstâncias em que os fatos ocorreram. 2. A palavra da vítima, quando se trata de demonstrar a ocorrência de subtração e de comprovar a autoria no crime de roubo, é de suma valia. 3.A grave ameaça integrante do tipo do art. 157 do Código Penal pode ser exteriorizada por meio de palavras, ou seja, com a simples atemorização pelo porte de arma de fogo, ainda que simulado, de modo a anular a capacidade de resistência da vítima. 4. A consumação do crime de roubo se deu no momento em que o acusado subtraiu efetivamente as encomendas, afastando o bem da esfera de vigilância e disponibilidade da vítima, assegurando para si a posse tranqüila, desvigiada e incontestável da residência. Dessa forma o resultado da ação criminosa foi obtido por completo, não havendo portanto, que se cogitar a figura tentada do delito. 5. Considerando a natureza do crime e ostentando o acusado antecedentes criminais, a denotar a personalidade voltada para a prática delitiva, impõe-se a exasperação da pena e o regime prisional inicial fechado. Sentença mantida em seu inteiro teor. (Apelação Criminal nº 98.03.099585-5/SP (00047954), 5ª Turma do TRF da 3ª Região, Relª. Juíza Ramza Tartuce, Revisor Juiz Fábio Prieto. j. 21.09.1999, Publ. DJ 09.11.1999, p. 511).

Isto Posto, julgo procedente a denúncia, para condenar o réu LUCIANO BORBA DUTRA, acima qualificado, nas sanções do artigo 157, "caput", na forma do artigo 14, II, do Código Penal.

O réu é primário, ostentando, porém, maus antecedentes. Personalidade voltada pra a senda criminosa. Conduta social abonada por testemunhas. Circunstâncias sem elementos para aferição. Motivo inerente à espécie: lucro fácil. Conseqüências normais a espécie: intranqüilidade social que já se encontra abalada pela prática reiterada de delitos, de espécies semelhantes e distintas. A vítima em nada contribuiu para a prática do delito. O réu tinha condições de entender a ilicitude do fato e de determinar-se segundo este entendimento.

Sopesadas as balizadoras do artigo 59 do Codex Penal, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Tendo em vista que o fato se deu na sua forma tentada, reduzo a pena até aqui aplicada em 1 (um) ano e 01 (um) mês, levando-se em conta o iter criminis percorrido pelo imputado, restando definitiva a reprimenda em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão por inexistirem outras causas modificadoras da sanção.

Quanto à sanção pecuniária, levando em conta a gravidade do fato e as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena de multa em 25 (vinte cinco) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trinta-avos) do salário mínimo vigente à época do fato.

O regime para cumprimento da pena será o aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Concedo ao réu o direito de apelar em liberdade, levando-se em conta que respondeu todo o processo solto, e também pelo fato de que não é necessária a sua segregação para recorrer.

Custas pelo réu, suspensa a exigibilidade, na forma do art. 12 da Lei nº 1060/50.

(...)

Estou em desacolher a preliminar defensiva. Explico.

Com efeito, o artigo 212, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.690/2008(4), é altamente sugestivo de que o juiz instrutor deva formular apenas perguntas complementares e após as perguntas das partes, como sustentado pela defesa. E isso parece ser conforme a meta optata da reforma processual operada pela lei em questão: enveredar pelo sistema acusatório.

Aliás, essa modificação poderia ser considerada o próprio cerne da alteração legislativa, se atentássemos para as observações de Aury Lopes Jr.(5), que seguem transcritas:

É importante destacar que a principal crítica que se fez (e se faz até hoje) ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da imparcialidade), pois este deve resignar-se com as conseqüências de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado. Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelou-se (através da inquisição) um gravíssimo erro.

O mais interessante é que não aprendemos com os erros, nem mesmo com os mais graves, como foi a inquisição. Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz, a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa "postura ativa" por parte do juiz (muitas vezes invocando a tal "verdade real", esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito), proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e "juizados de instrução" etc.

Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma, pois, como diria TOCQUEVILLE: uma vez que o passado já não ilumina o futuro, o espírito caminha nas trevas.

(...)

Frente ao inconveniente de ter que suportar uma atividade incompleta das partes (preço a ser pago pelo sistema acusatório), o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética e não destruí-la, com a atribuição de poderes instrutórios ao juiz. O Estado já possui um serviço público de acusação (Ministério Público), devendo agora ocupar-se de criar e manter um serviço público de defesa, tão bem estruturado como o é o Ministério Público. É um dever correlato do Estado para assim assegurar um mínimo de paridade de armas e dialeticidade.

E, mais adiante(6):

(...)

Então, no que se refere aos sistemas, o ponto nevrálgico é a identificação de seu núcleo, ou seja, do princípio informador, pois é ele quem vai definir se o sistema é inquisitório ou acusatório, e não os elementos acessórios (oralidade, publicidade, separação de atividades etc.).

Como afirmamos anteriormente, o processo tem como finalidade (além do explicado no Capítulo I) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime sempre é passado, logo, fato histórico), de modo que a gestão da prova é erigida à espinha dorsal do processo penal, estruturando e fundando o sistema a partir de dois princípios informadores, conforme ensina JACINTO COUTINHO:

- Princípio dispositivo: funda o sistema acusatório; a gestão da prova está nas mãos das partes (juiz espectador).

- Princípio inquisitivo: a gestão da prova está nas mãos do julgador (juiz ator [inquisidor]); por isso, ele funda um sistema inquisitório.

(...)

Assim posta a questão, deve-se reconhecer a importância do tema no contexto da reforma introduzida. Apesar disso, há quem interprete o dispositivo de modo diverso. Veja-se opinião manifestada por Luiz Flávio Gomes e outros(7):

(...)

A leitura apressada deste dispositivo legal pode passar a impressão de que as partes devem, inicialmente, formular as perguntas para que, somente a partir daí, possa intervir o juiz, a fim de complementar a inquirição. Não parece ser exatamente assim. Basta ver, por exemplo, a redação do art. 188 do CPP, a determinar que, no interrogatório, de início as perguntas são formuladas pelo juiz que, depois, consultará às partes se há algo a ser esclarecido. E mesmo a atual redação do art. 473 do CPP, que, no plenário do júri, determina a primazia do juiz de colher o depoimento da vítima e das testemunhas, para depois facultar às partes a formulação de perguntas. Afrontaria mesmo nossa tradição conceder-se, desde logo, a palavra às partes, para que o juiz, por último, pudesse perguntar à testemunha. Melhor que fiquemos com a fórmula tradicional, arraigada na praxis forense, pela qual o juiz dá início às suas indagações para, depois, facultar às partes a possibilidade de, também, inquirirem a testemunha, desta feita diretamente, sem a necessidade de passar, antes, pelo filtro judicial.

A contundente observação revela que a alteração em comento, ainda que fundamental para adoção do sistema acusatório - como pretendo haver demonstrado através da citação à doutrina de Aury Lopes Jr. -, foi tímida e incoerente, estimulando mesmo a contra-implementação e manutenção da praxe forense, sendo possível antever que grassará sério dissídio jurisprudencial, provavelmente resolvido pela manutenção do status quo, o que não deixa de ser lamentável.

De qualquer modo, por ora, prefiro reconhecer que a nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz deva formular apenas perguntas complementares e, como regra, após as perguntas das partes. E, nessa hipótese, carece estabelecer qual a sanção para o descumprimento da norma. Pois a sanção não pode ser outra senão a nulidade do ato processual atípico.

Dita nulidade, aliás, foi reconhecida em precedente do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:

HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO.

JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.

1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos.

2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato, consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade.

3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.

4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar, anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.

(HC 121216/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)

No entanto, tenho que se trata de nulidade sanável (ou relativa), prevista no artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal, tendo em vista que, como regra, se estará a tratar de simples inversão - se o juiz pode reperguntar, após as perguntas das partes, é o que se verifica - na ordem das perguntas, violação de formalidade essencial de ato essencial do processo.

As nulidades sanáveis, porém, devem ser arguidas na primeira oportunidade que surge, sob pena de sanação(8). E, considerando o disposto no artigo 571 do Código de Processo Penal(9) e sua adaptação possível ao novo rito(10), tenho que essa oportunidade é a própria audiência de instrução, debates e julgamento(11).

E não poderia ser diferente na medida em que não é próprio admitir a arguição de nulidade por quem implicitamente aceitou os efeitos da atipicidade da forma processual, o que constitui outra hipótese de sanação(12), contribuindo(13) para a anulação do ato com o seu silêncio, para depois disso tirar proveito em eventual condenação.

Note-se que, no precedente do Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público requereu a observância da formalidade na própria audiência de instrução e tomou medidas em tempo oportuno para garantir a adequação formal do ato de instrução. Por isso que a nulidade por vício formal foi declarada, independentemente da cogitação de prejuízo(14), a meu sentir. E nesse contexto é que deve ser seguido o precedente.

No caso concreto, por ocasião da oitiva das testemunhas Paulo e Renata(15), a defesa não manifestou protesto algum - matéria já preclusa, a meu sentir -, vindo a fazê-lo somente após ouvida Izabel(16), em debates orais - a pedir a nulidade das audiências(17). Pois bem, ainda que em tempo, esta última audiência não acarretou qualquer prejuízo ao réu, eis que a testemunha ouvida era da defesa e nada esclareceu acerca do fato.

Em razão do exposto, estou em reconhecer presente o vício formal, mas rejeitar a arguição de nulidade, por considerar que o mesmo não acarretou qualquer prejuízo ao réu, sempre a recordar que o princípio da instrumentalidade das formas rege todo o processo penal e, em especial, o capítulo das nulidades.

No mérito, estou em manter a condenação por seus próprios fundamentos, que não são desautorizados pelo arrazoado recursal.

Basta ver que, desde primeira hora, de forma segura e desinteressada, o ofendido apontou Luciano como autor da tentativa de roubo, narrando que o réu, ao chegar em sua residência desferiu-lhe um soco e anunciou o assalto(18), versão que veio corroborada por Paulo(19). E não vejo razões para suspeitar de erro ou má-fé, no caso concreto. Não é crível que Marco e Paulo, pessoas conhecidas do réu, fossem acusá-lo em falso, expondo-se ao risco de represálias e arrostando os riscos de uma denunciação caluniosa.

Ademais, a alegação do réu, de que está a ser acusado injustamente, em razão de desentendimentos com o ofendido, não veio demonstrada; aliás, restou afastada pelos ditos de Renata - testemunha da defesa -, a qual disse desconhecer qualquer inimizade entre réu e ofendido(20). De sorte que não há margem à dúvida pretendida implantar.

A condenação vai mantida.

Com relação à pena privativa de liberdade, adoto a análise das circunstâncias judiciais operada em sentença, mas dela afasto as notas negativas sobre antecedentes e personalidade - vez que não é possível agravar a pena em razão de processos em andamento, sem trânsito em julgado(21). Levando em conta o emprego de violência e a consumação de lesões corporais, todavia, mantenho a base fixada pela sentença: quatro (04) anos e quatro (04) meses de reclusão.

Mas estou em prover o pedido de maior redução pela forma tentada. Com efeito, a pena foi reduzida em um quarto (1/4), quando deveria ser de pelo menos um terço (1/3). Considerado o iter criminis percorrido - o réu deu voz de assalto e entrou em luta corporal com o ofendido, mas não logrou sequer submetê-lo, muito menos por a mão no que pretendia roubar, embora consumasse as lesões - reduzo a pena de metade, tornando-a definitiva em dois (02) anos e dois (02) meses de reclusão, na ausência de outras causas de aumento ou diminuição da pena.

A multa aplicada guarda proporção com a pena privativa de liberdade ora fixada, sendo mantida.

O regime permanece sendo o aberto.

Nego o pedido de isenção de multa. Quando atuei na Sexta Câmara Criminal, durante algum tempo, rendi-me à orientação nela firmada pela Apelação Criminal n. 70006174155, relator o Desembargador Marco Antonio Bandeira Scapini, julgamento realizado em 21 de agosto de 2003. Posteriormente, revisei esse entendimento, que não encontrou eco na jurisprudência deste Tribunal nem na do Superior Tribunal de Justiça. Vejam-se, por exemplo:

CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO. APLICAÇÃO AO FURTO QUALIFICADO PELA MESMA CIRCUNSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE DA MENORIDADE. FIXAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231/STJ. PENA DE MULTA. ISENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. RECURSO PROVIDO.

I. Viola o princípio da legalidade a aplicação da majorante do crime de roubo, resultante do concurso de pessoas, ao crime de furto qualificado pela mesma circunstância.

II. Tendo o Tribunal a quo, apesar de reconhecer a presença da circunstância qualificadora do crime de furto, recorrido aos princípios da proporcionalidade e da isonomia para aplicar dispositivo legal estranho ao fato, assume papel reservado pela Constituição Federal ao parlamento.

III. Como não existe paralelismo entre os incisos I, II e III do § 4º do art. 155 do Código Penal com os demais incisos do § 2º do art. 157 do Estatuto Repressivo, a fórmula aplicada resultaria numa reprimenda diferenciada para indivíduos que cometem furto qualificado naquelas circunstâncias, o que é inconcebível.

IV. Não se admite a redução da pena abaixo do mínimo legal, ainda que havendo incidência de atenuantes relativas à menoridade do agente e à confissão espontânea. Incidência da Súmula 231/STJ.

V. A multa é uma sanção de caráter penal e a possibilidade de sua conversão ou de sua isenção viola o princípio constitucional da legalidade.

VI. Na ausência de previsão legal, restando comprovada a pobreza do condenado, a pena de multa deve ser fixada em seu patamar mínimo, mas nunca excluída.

VII. Recurso provido.

(Resp n. 810.811 - RS, Quinta Turma do STJ, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 11.04.2006, obtido em pesquisa no sítio do STJ, publicação DJ: 08.05.2006)

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PROVA. ROUBO. PALAVRA DA VÍTIMA COM RECONHECIMENTO EFETIVADO. VALOR. Em termos de prova convincente, a palavra da vítima, evidentemente, prepondera sobre a do réu. Esta preponderância resulta do fato de que uma pessoa, sem desvios de personalidade, nunca irá acusar desconhecido da prática de um delito, quando isto não ocorreu. E quem é acusado, em geral, procura fugir da responsabilidade de seu ato. Tratando-se de pessoa idônea, sem qualquer animosidade específica contra o agente, não se poderá imaginar que ela vá mentir em Juízo e acusar um inocente. Foi o que ocorreu no caso em julgamento. Os apelantes foram reconhecidos pelas vítimas que, também, informaram sobre o assalto. Além disso, suas declarações receberam apoio de indícios trazidos por outras testemunhas e até por apreensão de objeto roubado em poder de um dos assaltantes.

ROUBO. QUALIFICADORAS. CONCURSO DE PESSOAS. EMPREGO DE ARMA. CARACTERIZAÇÃO. Provado que o crime foi cometido mediante o concurso de duas ou mais pessoas, edificada está a qualificativa. O que importa, na caracterização daquela majorante, é que os agentes, no mínimo dois, estejam presentes no local da subtração e dela participem, ainda que em ações isoladas. Foi o que aconteceu, como afirmaram as vítimas. Com relação ao emprego da arma, porque ele não deixa vestígios, não tem sentido uma argumentação sobre a necessidade da apreensão e exame da mesma. Exigir, como prova da qualificadora, aquela situação, é consagrar a absurda exceção ao brocardo segundo o qual ninguém pode tirar vantagem de sua própria torpeza: bastará o réu fugir com a arma ou, de qualquer modo, dar-lhe um sumiço, para se beneficiar. A prova, no caso, pode ser feita por qualquer meio lícito. E aqui foi feita pelo testemunho das vítimas, dizendo que os assaltantes estavam armados e a usaram na ameaça e na agressão.

PENA. MULTA. ISENÇÃO NO PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. A imposição da pena de multa é decorrência de dispositivo legal penal e, portanto, obrigatória. Quando o réu é condenado por crime, no qual há dupla cominação, prisão e multa, tem-se que aplicar as duas necessariamente. As questões relativas à isenção, forma de pagamento, ou outras possíveis, devem ser discutidas no juízo da execução penal. Do mesmo modo com relação às custas do processo.

DECISÃO: Apelos defensivos parcialmente providos. Apelo ministerial provido. Unânime.

(APC n. 70012776688, Sétima Câmara Criminal, TJ/RS, rel. Des. Sylvio Baptista, j. em 24.11.2005, obtido em pesquisa no sítio do TJ/RS)

Com efeito, não há previsão legal para a isenção da pena de multa e os efeitos nocivos de sua imposição restam neutralizados pela impossibilidade de sua conversão em pena de prisão e pela ausência de ação de cobrança quando se trate de valor irrisório.

POSTO ISSO, voto no sentido de rejeitar a preliminar e dar parcial provimento ao recurso ao fim de, mantida a condenação, reduzir a pena privativa de liberdade para dois (02) anos e dois (02) meses de reclusão, confirmando quanto ao mais a sentença.

PM

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (PRESIDENTE E REVISOR)

Divergindo do ilustre Relator, vou manter a punição da sentença. Ela está adequada aos fatos, pois o recorrente invadiu a casa da vítima e começou a agredi-la, para lhe roubar bens. Só foi detido, porque a primeira gritou por socorro e foi acudida pelo irmão, fazendo com que o apelante fugisse do local.

DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA

Com o Relator.

DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - Presidente - Apelação Crime nº 70031720576, Comarca de Viamão: "À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR. POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO AO FIM DE, MANTIDA A CONDENAÇÃO, REDUZIR A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PARA DOIS (02) ANOS E DOIS (02) MESES DE RECLUSÃO, CONFIRMANDO QUANTO AO MAIS A SENTENÇA, VENCIDO O DESEMBARGADOR SYLVIO BAPTISTA NETO QUE NEGAVA PROVIMENTO."

Julgador(a) de 1º Grau: ANDREA MARODIN FERREIRA HOFMEISTER

PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 25/11/2009



Notas:

1 - (f. 43 - 44)Voltar

2 - (f. 84)Voltar

3 - Sentença extraída do site TJ/RSVoltar

4 - CPP: Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.Voltar

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. 5 - (Lopes Jr., Aury, in DIREITO PROCESSUAL PENAL e sua Conformidade Constitucional, Ed. Lumen Juris, RJ:2008, 3ª ed., primeiro volume, pp. 58-59)Voltar

6 - (obra citada, pp. 70-72)Voltar

7 - (Gomes, Luiz Flávio; Rogério Sanches Cunha; Ronaldo Batista Pinto. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito: novo procedimento do júri... São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 302)Voltar

8 - CPP: Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas: I - se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; (...)Voltar

9 - CPP: Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas: (...) II - as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e Vll do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500; III - as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verificadas depois desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes; (...)Voltar

10 - Seu texto não foi revisto pela reforma.Voltar

11 - Assim como previsto para as nulidades em segundo grau de jurisdição, conforme o mesmo artigo 571 do CPP: (...) VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem."Voltar

12 - CPP: Art. 572. (...) III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.Voltar

13 - CPP: Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.Voltar

14 - Motivo que havia sido invocado pelo segundo grau para afastar a arguição.Voltar

15 - (f. 70-72)Voltar

16 - (f. 81)Voltar

17 - (f. 80)Voltar

18 - (f. 08, 10 e 56)Voltar

19 - (f. 71)Voltar

20 - (f. 72)Voltar

21 - (f. 82-83)Voltar




JURID - Apelação criminal defensiva. Tentativa de roubo simples. [04/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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