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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

JURID - Servidora pública perde cargo. [11/11/09] - Jurisprudência


Servidora pública perde cargo por omitir dados.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2004.72.00.009707-0/SC

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA

: UNIÃO FEDERAL

RÉU: ACCR CONSTRUÇÕES LTDA/

ADVOGADO: OLAVO RIGON FILHO

RÉU: FUNDAÇÃO DE AMPARO TECNOLÓGICO AO MEIO AMBIENTE - FATMA

RÉU: CARMEN LUCIA CAPELA DOS REIS

ADVOGADO: ARTUR MARQUES

RÉU: MARCELO NEVES GAROFALO

ADVOGADO: JAYSON NASCIMENTO

RÉU: MUNICIPIO DE FLORIANOPOLIS

ADVOGADO: NORTON MAKOWIECKY e outro

RÉU: IPUF INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANOPOLIS

ADVOGADO: ITAMAR PEDRO BEVILAQUA e outro

SENTENÇA

1. RELATÓRIO.

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ACCR CONSTRUÇÕES LTDA., FATMA, IPUF, MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, CARMEM LUCIA CAPELA DOS REIS e MARCELO NEVES GAROFALO, em razão da degradação causada ao meio ambiente, em área de preservação permanente, pela implantação de um condomínio multifamiliar residencial no Canto da Lagoa, em Florianópolis, em virtude de atos e omissões de responsabilidade dos réus.

Segundo o autor, os fatos se deram da seguinte forma: [a] em 19/07/2007 foi protocolado na SUSP um pedido de consulta de viabilidade para "construção de condomínio multifamiliar residencial", em terreno situado à Rua Laurindo Januário da Silveira, s/n, no Canto da Lagoa da Conceição, sem que houvesse a prova de domínio; [b] no dia 21/01/2002, a SUSP aprovou o Projeto n. 49821, de responsabilidade da ré ACCR, referente à construção do empreendimento denominado Residencial Canto da Lagoa, a ser implantado na área referida, então classificada pela secretaria municipal como ATR-1, com base na Lei n. 2193/85, que peca por inadequação em relação às legislações ambientais federal e estadual, e, além disso "o requerente não possui a inscrição de ocupação das terras de marinha naquele local" (fl. 9); [c] o IPUF emitiu o parecer de n. 1158/2001, no qual indica a área adjacente à lagoa como "área verde de lazer", em afronta ao Código Florestal e à legislação estadual de proteção ambiental, "além de afirmar que as terras de marinha incluíam-se no imóvel"; [d] em 29/12/2001, a ré ACCR protocolou junto à FATMA pedido de LAP, solicitando a dispensa da LAI, além de endereçar o seu pedido "aos cuidados" da ré CARMEM, que não é e nunca foi diretora Geral nem Diretora de Licenciamento ambiental, de forma que ela agiu rapidamente em benefício da empresa Ré, pois a FATMA expediu para ela em oito dias (04/01/2002) a LAP n. 01/2002 com dispensa da LAI e com prazo de validade de 24 meses, com base no ágil parecer técnico da ré CARMEM; [e] posteriormente foi descoberto o ilícito procedimental, conforme destaca a Comunicação Interna/PROJUR n. 48/02, informando que não existe despacho determinando a análise do licenciamento pela ré CARMEM; [f] foi instaurado inquérito civil público de n. 1680/02, a partir de representação verbal em 08/01/2002 indicando irregularidades e risco para a região da Lagoa da Conceição; [g] em decorrência de requisição datada de 09/01/2002 deste MPF, a SUSP realizou vistoria no local e informou, por meio do ofício 9/2002 de 11/01/2002, que "não há curso de água perene" e "não percebemos também corte de árvores"; [h] a FATMA, também atendendo à requisição do MPF, realizou vistoria no local em 22/01/2002, constatando, segundo o Relatório Técnico de Inspeção nº 12-2002, a presença de curso d'água e lençol freático aflorante, além de classificar o solo de forma diversa da LAP e concluiu que houve aterro do trajeto original das águas de montante da encosta do morro do Canto da Lagoa, que formava uma pequena área de banhado, sem o devido licenciamento, assim, a FATMA suspendeu temporariamente os efeitos da LAP n. 1/2002 e, após, determinou a sua revisão; [i] "em vistoria conjunta entre técnicos desta Procuradoria da República, da Federação das Entidades Ecológicas Catarinenses (FEEC), da FLORAM e da SUSP, em 24/02/2002, no local objeto da presente ação, constatou-se a realização de aterro de área úmida em parte de terreno, a supressão de vegetação de restinga e o início de obras de terraplanagem e/ou drenagem" (fl. 12); [j] a FATMA não providenciou a recuperação ambiental do local; [h] em decorrência de várias "irregularidades na expedição de licenças ambientais semelhantes, foi instaurado Procedimento Administrativo Disciplinar na FATMA, com os ora Réus CARMEM e MARCELO, sendo-lhes aplicada pena de suspensão".

Com base nestes fatos foram feitos os seguintes pedidos na inicial:

"Requer, a final seja julgada PROCEDENTE esta ação civil pública, para que:

e) Sejam os réus condenados, solidariamente, à recuperação ambiental da área em comento, na forma a ser apontada por perícia e através de projeto específico custeado pelos Réus e aprovado pelo IBAMA, apresentando comprovação das medidas adotadas em prazo e sob pena de multa diária a serem ficados por V. Exa.;

a) Sejam os réus condenados, solidariamente, ao pagamento de pena pecuniária a ser fixada por esse Juízo, considerando os danos perpetrados e o tempo que se fez necessário para sua recuperação, além do risco de agravamento de poluição na Lagoa da Conceição (dano moral). Requer seja esta pena pecuniária convertida em bens de uso para a fiscalização do IBAMA;

b) Seja determinado à FATMA e ao Município de Florianópolis, este através de sua Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos, o cumprimento rigoroso das legislações federal e estadual ambientais em vigor, bem como das Resoluções do CONAMA, abstendo-se os Réus de deferirem licenças ambientais e/ou alvarás de construção em desconformidade com tais regras legais (obrigação de não fazer);

c) Seja condenado o IPUF em obrigação de fazer, concernente na adequação de seus pareceres e anteprojetos-de-lei municipais às legislações federal e estadual em vigor, bem como aos regulamentos das mesmas, especialmente Resoluções do CONAMA, apresentando em Juízo prova das providências administrativas adotadas para tanto, em prazo e sob pena de multa diária a serem fixados por V. Exa.;

d) Seja o Município de Florianópolis condenado à divulgação da sentença deste feito, em jornal de grande circulação em Santa Catarina, visando dar a esta ação ambiental um caráter educativo mais amplo;

e) Sejam os réus particulares, CARMEM e MARCELO, também condenados pela prática de atos de improbidade administrativa, com fixação multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada um, em benefício do Comitê de Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição, para utilização em projeto de educação ambiental;

f) Sejam os Réus particulares ainda condenado à perda dos cargos públicos, suspensão dos direitos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, nos termos da Lei nº 8.429/92, art. 12, inciso III;"

Com a inicial foram apresentados os documentos de fls. 25/169.

Manifestações do IBAMA e da UNIÃO às fls. 172, 174 e 175/176.

Na decisão de fls. 177/179 foi determinada a retificação da autuação para inclusão do IBAMA e da UNIÃO no pólo ativo, tendo sido deferida a antecipação de tutela, nos seguintes termos:

"Em face do exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para:

a) decretar a impossibilidade de utilização da área objeto da ação, sem o atendimento às legislações ambientais federal e estadual em vigor;

b) determinar à ACCR Administração e Participações Ltda. para que se abstenha de suprimir a vegetação da área, ou de impedir a sua regeneração natural;

c) determinar à Fundação do Meio Ambiente - FATMA e ao Município de Florianópolis que se abstenham de deferir licenças ambientais ou alvarás de construção nas hipóteses de áreas ou formas de vegetação protegidas pelas legislações ambientais federal ou estadual e sua regulamentação, independentemente do zoneamento municipal, salvo quando este seja mais restritivo para o uso e ocupação do solo;

d) determinar ao Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - IPUF que observe/utilize em seus pareceres as legislações ambientais federal e estadual, bem como as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em detrimento da legislação de uso e ocupação do solo do município de Florianópolis, salvo se o zoneamento municipal for mais restritivo que as regras dos demais entes públicos".

Interposto agravo de instrumento contra referida decisão (fls. 197/208), este foi convertido em retido pelo Tribunal, conforme cópia de fls. 508/536.

Citados os réus, foram apresentadas contestações, pela FATMA às fls. 188/196, por MARCELO às fls. 212/221, por CARMEM às fls. 224/274, pela ACCR Construções Ltda. às fls. 275/398, pelo IPUF às fls. 402/413, e pelo Município de Florianópolis às fls. 414/424.

Réplica do MPF às fls. 426/438.

Intimadas as partes para especificarem as provas que pretendiam produzir (fl. 425), foi deferida a produção de prova pericial, com apresentação de quesitos pelo Juízo (fl. 445).

Apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos, pela ré ACCR às fls. 452/461, pela FATMA às fls. 466/469, pelo MPF às fls. 476/477.

Pela decisão de fls. 471 e vº foi declinada a competência para o presente Juízo.

Agravo Retido apresentado pela Ré ACCR às fls. 491/492.

Ata de audiência de conciliação às fls. 493/494, a qual restou inexitosa.

Às fls. 495/497 consta decisão rejeitando as preliminares arguidas pelos réus.

Agravo Retido apresentado pela ré ACCR às fls. 553/560.

Laudo pericial apresentado às fls. 576/640.

Manifestações acerca do laudo pericial, pelo MPF às fls. 643/655, pelo IBAMA às fls. 657/659, pela União às fls. 661/664, pela ré FATMA à fl. 672, pelo réu IPUF às fls. 674/680, pela ré ACCR Construções Ltda. às fls. 686/756, e pelo réu MARCELO às fls. 758/759.

A ré CARMEM deixou transcorrer in albis o prazo da intimação para manifestação acerca do laudo pericial (fl. 779v).

Os peritos apresentaram esclarecimentos acerca do laudo pericial às fls. 782/808.

Manifestações acerca da complementação do laudo pericial, pelo MPF às fls. 811/814, pelo IBAMA às fls. 819/821, pela União às fls. 822/823, pela ré ACCR Construções Ltda. às fls. 828/859, pelo réu MARCELO às fls. 860/862 e pelo réu IPUF à fl. 867.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

2.1. Das preliminares.

As preliminares levantadas pelos réus já foram objeto das decisões de fls. 495/497 e 545/546, as quais restaram integralmente rejeitadas.

Portanto, não cabe qualquer discussão, neste momento processual, acerca das referidas questões.

2.2. Do mérito.

Do ponto de vista jurídico, a proteção ambiental constitucional genérica prevista no art. 225 (= "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (GRIFEI)) é acompanhada da ordem para que toda a atuação dos agentes econômicos seja fundada, dentre outros, no princípio de preservação do meio ambiente ("Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (..) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.03. Redação Anterior: VI - defesa do meio ambiente;).").

Além disso, o interesse da coletividade, enquanto limite ao direito individual, também decorre da função social da propriedade ("Art. 5º: (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social"), que se plasma, por exemplo, no novo Código Civil, em dever de obediência aos regulamentos administrativos (= "Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos"), que, descumprido, implica demolição da obra (= "Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos").

O cerne da questão está na constatação se a área de implantação do condomínio multifamiliar residencial, denominado Residencial Canto da Lagoa, está localizada em área de preservação permanente; bem como na verificação da regularidade das licenças ambientais concedidas pela FATMA.

A Ré ACCR alega que sequer chegou a iniciar a execução do empreendimento imobiliário no imóvel, tendo promovido, numa pequena área, somente atos introdutórios à instalação do canteiro de obras, e após a suspensão da licença ambiental não promoveu mais nenhuma intervenção no local. Aduz que em seu projeto, foram respeitados os 33 metros da faixa de marinha, bem como uma outra faixa de 18 metros destinada ao sistema viário a ser implantado na região. Quanto ao encaminhamento do pedido de licença ambiental à ré CARMEM, aduz que assim foi efetivado por orientação prévia colhida na própria FATMA. Alega que a licença ambiental concedida pela FATMA não apresenta irregularidade, visto que a FLORAM e o IPUF não registram qualquer curso d'água na região em questão, mas tão somente uma vala de drenagem.

Passo à análise das alegações.

2.2.1. Terreno de Marinha.

Inicialmente cumpre-nos observar se o terreno objeto da presente demanda está ou não situado em terreno de marinha.

De fato, consoante se depreende de legislação específica (Decreto-Lei n. 9760/46), terrenos de marinha são aqueles que se encontram "em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés (art. 2º)."

Necessário, então, estabelecer-se a linha do preamar-médio para que se averigue a existência de terreno de marinha.

Preliminarmente, os experts do juízo não responderam expressamente se o imóvel se localizava em terreno de marinha (item 5.1. - item "b" - fl. 594).

Contudo, após requerimentos das partes, esclareceram que "O terreno em comento está situado parcialmente em terreno de marinha." (item 2 - fl. 783).

Conforme manifestação técnica da GRPU/SC à fl. 663, o imóvel da requerida ACCR está inserido em área de marinha e seus acrescidos na proporção de 2.833 m², limitando-se por um lado com a Linha Limite de Marinhas - LLM, e de outro, com a Lagoa da Conceição.

Assim, não há mais o que se discutir a respeito. Efetivamente, parte do terreno é, de fato, área de marinha e, portanto, bem da União, conforme o que dispõe o art. 20, inciso IV, da Constituição Federal.

2.2.2. Área de Restinga.

No tocante à proteção das Restingas, visualizo a existência de dois regimes jurídicos distintos no tempo cujo divisor foi a promulgação da Lei 11428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.

Antes da lei da Mata Atlântica, a única restrição legal era a prevista no Código Florestal (Lei 4771/1965), que expressamente qualificava como zona de proteção a área de preservação permanente constituída por restingas enquanto fixadoras de dunas, nos seguintes termos:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

[...]

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras

b) a fixar as dunas

Havia, também, a previsão legal contida na Lei 7661/1988, que, por sua vez, remetia tal proteção à realização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (art. 3º, I), cuja regulamentação só se deu pelo Decreto 5300/2004.

A partir da lei 11428/2006, as Restingas, por si só, passaram a ser consideradas Mata Atlântica para efeitos de proteção, subsumindo-se ao novo regime legal, que possui diversas hipóteses de restrições e exceções, conforme o tipo de zona (urbana ou não) e estágio da mata.

Veja-se:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. (GRIFEI)

No caso concreto, os peritos judiciais afirmaram "Como verificado durante a perícia, aproximadamente dois terços do imóvel está sujeito a alagamento por subida do lençol d'água. Na área em que foi realizada a perícia foram encontradas algumas características de restinga (segundo a definição acima)" (item 5.1., "b" - fl. 594), referindo-se à Resolução CONAMA nº 261, de 30 de junho de 1999. (grifei)

Acrescentaram, ainda, que "Na vegetação que estava presente no terreno durante o dia da perícia foram encontradas algumas espécies vegetais (gramíneas, ciperáceas, arbóreas e herbáceas) que são típicas de áreas de restinga, áreas alagadas e de mata atlântica, assim como espécies exóticas." (resposta ao quesito 13 da FATMA - fl. 609). (grifei)

Em resposta ao quesito suplementar da ré ACCR à fl. 688 (f. O imóvel da ré tem características geomorfológicas de restinga?), os peritos esclareceram:

"Sim. As características geomorfológicas no imóvel da ré indicam terreno a partir do qual os cordões arenosos que formaram a restinga, que neste quesito é considerada exclusivamente como feição geomorfológica, encontraram apoio no maciço cristalino do Morro do Badejo (cf. fl. 384) para se expandir lateralmente, constituindo a restinga, propriamente, que liga a Ponta do Retiro, na praia da Joaquina e o Pontal do Campeche, e isolando as águas que formam hoje a Lagoa da Conceição e a Lagoinha Pequena. Sobre os depósitos então formados, campos de dunas se desenvolvem sobre a restinga, afetando o terreno em comento."

Em resposta ao quesito suplementar da ré ACCR à fl. 688 (h. O imóvel da ré tem características geomorfológicas de duna?), os peritos esclareceram:

"Sim. Parte do imóvel, em sua porção superior, é ocupada por feição geomorfológica denominada duna de cavalgamento, ou rampa arenosa, ou ainda rampa de dissipação, formada por sedimentos eólicos pedogenizados, de idade quaternária, tal como relatado no Laudo Pericial (cf. fls. 582 e 583)."

A insurgência da ré ACCR de que inexistem dunas no local não procede, sendo, portanto, desnecessária a vistoria judicial no local, eis que os peritos foram claros ao dispor que no imóvel periciado foram encontradas "dunas pleistocênicas", formadas por areias eólicas pedogenizadas, conforme fl. 583 do laudo pericial e resposta ao quesito suplementar de fls. 785/786 (item "i").

À fl. 583, os peritos complementam:

"Esses materiais estão mapeados ao longo de todo o litoral do Estado de Santa Catarina, e são citados como dunas pleistocênicas; rampas de dissipação, e rampas arenosas, segundo os autores e o local estudado. No caso específico da área em questão, trata-se de rampas de dissipação, ou rampas arenosas (também chamadas de dunas de cavalgamento: dunas que recobriram parcialmente as encostas de morros graníticos no litoral de Santa Catarina), desenvolvendo, consequentemente, morfologia de encosta, em função do retrabalhamento das areias eólicas pelo escoamento superficial ao longo do tempo."

Assim, conclui-se que o imóvel da ré ACCR está localizado em área de preservação permanente, em razão da vegetação e geologia do local, conforme o que prevê o Código Florestal:

Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1o As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil.

§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por


II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:(...) f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

Desse modo, conclui-se que a licença ambiental concedida à ré ACCR para a construção do Residencial Canto da Lagoa não obedeceu as normas ambientais cogentes, já que se trata de terreno de marinha e área de preservação permanente.

2.2.3. Curso D'água.

Sustenta o MPF na inicial que "O imóvel pretendido para a implantação do Residencial Canto da Lagoa é considerado pela legislação em vigor como non aedificandi em sua maior parte, e sua vegetação como de preservação permanente, nos termos da Lei nº 4771/65 (Código Florestal) (...)", em razão de estar situado ao longo curso d'água e ao redor da Lagoa da Conceição.

De fato, as margens dos cursos d'água são consideradas áreas de preservação permanente pelo Código Florestal, Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação que lhe dá a Lei n. 7.803, de 18 de julho de 1989, verbis:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

(...)


Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Assevera a ré ACCR que no local inexiste curso d'água, mas sim uma vala de drenagem que originariamente percorria toda a extensão do imóvel vizinho ao da ré, até desaguar na Lagoa da Conceição, conforme parecer técnico nº 002/01 emitido pela FLORAM, nos autos do Processo nº 551/00FL (fls. 292/293). Aduz, ainda, que "nem na FLORAM e nem no IPUF há o registro de qualquer curso d'água na região em questão" (fl. 295).

A questão, então, resume-se a verificar a existência ou não de curso d'água no imóvel da ré ACCR.

Na via administrativa, após parecer emitido pelo IPUF - Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - sobre o sistema viário e zoneamento do imóvel em questão (fl. 46), a SUSP - Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos de Florianópolis - aprovou o Projeto de construção do Residencial Canto da Lagoa (fl. 49), não havendo menção a recursos hídricos.

Posteriormente a FATMA concedeu licença ambiental para a ré ACCR (fls. 79/80), com base no parecer técnico elaborado pela ré CARMEM, no qual conclui que "não foi constatado nenhum recurso hídrico no local" (fls. 76/78).

Após ofício encaminhado pelo MPF, a FATMA realizou vistoria no local do imóvel, conforme relatório técnico de inspeção nº 012/2002 (fls. 84/104), na qual consta:

"- dentro da propriedade da ACCR, junto ao vértice direito extremante com a propriedade do Sr. Marcelo Frugoli, existe um curso d'água que conduz as águas provenientes de montante da encosta do morro do Canto da Lagoa, passando pela tubulação que passa sob a Rua Laurindo Januário da Silveira, conforme fotos em anexo;

(...)

- o solo original do imóvel, após o bambuzal, é areno siltoso, apresentando lençol freático aflorante;

- na extrema direita do imóvel, na mesma direção do bambuzal, foi constatado a existência de um curso d'água, cujo trajeto a montante percorre na propriedade extremante do Sr. Marcelo Frugoli, conforme fotografias em anexo;

- na propriedade da ACCR, o curso d'água foi desviado para dentro de uma tubulação em PVC 100 mm, e enterrada em aproximadamente trinta metros, fazendo com que esta água se espalhasse superficialmente na propriedade, conforme fotografias em anexo;

- nos fundos do imóvel, junto ao vértice esquerdo, desemboca o curso d'água na Lagoa da Conceição, que exige a manutenção da faixa da Área de Preservação Permanente - APP, sobre o imóvel da ACCR."

Diante da conclusão da FATMA de que houve aterro do trajeto original das águas de montante da encosta do morro do Canto da Lagoa, sem o devido licenciamento dos órgãos ambientais competentes, a FATMA determinou a suspensão da LAP nº 001/2002 concedida à ré ACCR.

O MPF narra na inicial a realização de vistoria conjunta entre técnicos da Procuradoria da República, da Federação das Entidades Ecológicas Catarinenses - FEEC, da FLORAM e da SUSP, em 02/2002, no entanto, não consta dos autos o referido documento.

Os peritos judiciais, por sua vez, constataram:

"a) Existe um curso d'água na área litigiosa? Se positiva a resposta, houve alteração nesse canal d'água?

- Sim, ressalvado o fato de que se trata de curso intermitente, associado a um banhado. O referido banhado foi obliterado pelo aterro efetuado no local, barrando o escoamento." (fl. 594)

"35. As fotos aéreas constantes no processo (ou qualquer outra) evidenciam diretrizes de drenagem sobre o imóvel da ré?

- Sim. As fotografias aéreas de 1975, 1978 e 2000 atestam existência de depressão topográfica e de banhados no local." (fl. 602).

"3) Pode o Sr. Perito esclarecer se transversalmente à Rua Laurindo Januário da Silveira, s/n Canto da Lagoa, frente a área de propriedade da ACCR, existe um corpo d'água proveniente da encosta daquele morro?

- Sim, trata-se de curso d'água sujeito à intermitência durante períodos de estiagem." (fl. 607)

"21) Pode o Sr. Perito confirmar se o aterro mecânico promoveu alteração no corpo de águas proveniente de montante da Rua Laurindo Januário da Silveira?

- Sim. Foi obliterado o banhado, localizado em depressão topográfica a jusante do bambuzal." (fl. 611)

"22) Pode o Sr. Perito confirmar se realmente a área aterrada se tratava de parte/segmento do corpo de águas proveniente de montante?

- Sim. Trata-se de banhado alimentado pelas águas de montante." (fl. 611)

"24) Quais os impactos ambientais constatados no local?

- Aterro de banhado e obstrução do curso natural das águas que drenam o terreno." (fl. 612).

Não remanesce dúvida, assim, quanto à existência de curso d'água no local, como também é incontroversa a realização do aterro mecânico pela ré ACCR, não tendo esta negado a obra, conforme resposta dada pelo assistente técnico da ré ao quesito 4.18 (fl. 744), verbis: "Na área objeto do licenciamento ambiental foi promovido pela ré, junto ao bambuzal, na porção distal da área peneplanizada, oriunda da deposição dos sedimentos arenosos provenientes da feição lagunar, um aterro mecânico com cerca de 150m² (...)".

Na hipótese, o curso d'água em questão exige a observação de uma faixa ciliar de 30 m (trinta metros), não considerada pela FATMA por ocasião da concessão de licença ambiental para o empreendimento da ré ACCR no local.

Outrossim, a ré ACCR não apresentou licença ambiental para a realização do aterro mecânico em parte do terreno.

Ressalta-se que mesmo estando em área urbana e habitada, os cursos d'água não perdem a proteção jurídica contida no Código Florestal, como, aliás, há expressa previsão na Lei. Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. ART. 2º, § ÚNICO, DA LEI Nº 4771/1965, (CÓDIGO FLORESTAL). ART. 14, § 2º DA LEI Nº 11.428/2006. 1. A redação do parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal é de clareza meridiana ao asseverar que mesmo nas áreas urbanas devem ser respeitados os seus limites de preservação. Assim, evidenciada a submissão do Rio Itajaí-Açu e adjacências terrestres, nas quais se encontra o empreendimento imobiliário discutido, ao limite de cem metros para a preservação da mata ciliar, não podem subsistir as licenças concedidas pelas autoridades municipais em manifesto confronto com tal diretriz. 2. A legislação de regência da ação humana sobre o bioma da Mata Atlântica a teor do previsto no § 2º, artigo 14, Lei nº 11.428/2006, diz que para o corte de vegetação no estágio médio de regeneração, situada em área urbana, além da autorização municipal, deve haver anuência prévia do órgão ambiental estadual fundamentada em parecer técnico. (TRF4, AG 2008.04.00.035126-9, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 09/02/2009)

De se ver, portanto, que não foram respeitadas as normas ambientais pelos réus quando da concessão de licença ambiental para construção em área de preservação permanente, bem como por ocasião da realização de aterro e obstrução de curso d'água no imóvel da ré ACCR.

2.2.4. Danos Ambientais.

A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, não conceitua dano ambiental, limitando-se a definir degradação ambiental e poluição, da forma que segue:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

(...)


II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A doutrina, todavia, tem proposto conceitos para o dano ambiental ou ecológico. Transcrevo o conceito formulado por José Afonso da Silva (in Direito Ambiental Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000; p. 265): "Dano ecológico é qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de direito público ou privado".

Assim, ao menos para a solução da controvérsia sob exame, o dano ambiental pode ser compreendido, a partir da combinação de elementos extraídos da legislação e da doutrina, como a lesão causada ao meio ambiente por ação ou omissão de pessoa física ou jurídica, representada por prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar da população, pela criação de condições adversas às atividades sociais e econômicas, e pelo desfavorecimento à biota e às condições do meio ambiente.

Para ensejar a responsabilização civil do causador do dano ambiental não se exige prova cabal da lesão ao meio ambiente, mas apenas de sua probabilidade ou da simples ameaça ao bem ambiental, máxime porque, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

In casu, do exposto nos itens anteriores verifica-se que o Município de Florianópolis, o IPUF e a FATMA, órgãos que tem o poder-dever de proteção do meio ambiente, deixaram de cumprir a obrigação legal disposta no art. 23 da CRFB, ao emitirem pareceres e licenças ambientais em desacordo com a legislação vigente.

Outrossim, a proteção ao meio ambiente está assegurada constitucionalmente no art. 225 da Carta Magna, onde expressamente consta a incumbência do Poder Público na defesa e preservação do meio ambiente, verbis:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;


IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;


VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.


§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

(...)."

Os pareceres e licenças emitidos pelos réus, bem como a legislação municipal, não podem, de forma alguma, restringir a proteção ambiental derivada do texto constitucional e da legislação federal. Assim, a norma municipal será inconstitucional se invadir matéria federal ou se desbordar da sua competência e será ineficaz quando, em sede de competência concorrente, expedir normas incompatíveis com princípios gerais estipulados em normas federais ou estaduais.

Nesse sentido o entendimento do e. TRF4:

EMENTA: MATA ATLÂNTICA. SUPRESSÃO. IBAMA. FATMA. ASSISTENTES LITISCONSORCIAIS. CF, ART. 225, CAPUT, LEIS 6.938, DE 31.8.81 E 4.771, DE 15.9.65, DEC. 750, DE 10.2.93. 1. Empresas particulares e públicas têm interesse jurídico para coadjuvarem em processo na qualidade de assistentes litisconsorciais, haja vista que suas atividades pressupõem supressão de Mata Atlântica, sob licença dos réus, órgãos ambientalistas. 2. Não pode haver extinção do processo (art. 269, inc. III, do CPC) em virtude de acordo com autarquia estadual, caso o IBAMA, autarquia federal, não haja concordado, nem tampouco os assistentes litisconsorciais intimados para se manifestar sobre ele. 3. A competência para supressão de Mata Atlântica decorre de lei específica para tal ato, nos termos do art. 225, inc. III, da CF. 4. O Poder Público não tem competência para suprir essa competência por ato administrativo - licença, ou por decreto ou regulamento, resoluções e atos normativos do mesmo gênero, sob pena de violação ao princípio da legalidade e separação de poderes. 5. A competência administrativa do Poder Público quanto à matéria ambiental não confunde com a legislativa. Aquela tem caráter de preservação e proteção ao meio ambiente em todas as esferas. Esta estabelece normas gerais à União e suplementar aos Estados, no âmbito de suas particularidades, nos termos do art. 24, pars. 1º ao 4º, da CF. 6. A "autorização do poder público executivo federal" para supressão de mata (art. 3º do Código Florestal) é pressuposto para autorização legislativa do art. 224, inc. III, da CF, pois a lei não se contradiz com a norma que lhe dá fundamento de validade, ou seja, a Constituição Federal, (...). (TRF4, AC 96.04.43429-2, Quarta Turma, Relator Carlos Alberto da Costa Dias, DJ 21/07/1999)

Superada a questão atinente à impropriedade dos pareceres e licenças ambientais emitidas pelos réus Município de Florianópolis, IPUF e FATMA, passo à análise dos danos ambientais propriamente ditos, na área objeto da presente demanda.

Os peritos judiciais afirmaram que os impactos ambientais constatados no local foram: "Aterro de banhado e obstrução do curso natural das águas que drenam o terreno." (fl. 612).

Aduziram ainda, que, os prováveis danos ao meio ambiente lagunar com a efetivação da construção do empreendimento Residencial Canto da Lagoa seriam: "Risco de poluição devido a proximidade do lençol d'água e alteração do aporte de material de origem terrestre (matéria orgânica e sedimentos)." (fl. 612).

Quanto à recuperação da ambiental da área, aduziram os peritos que a possibilidade existe, através da "desobstrução do banhado, com retirada do aterro e reconstituição da drenagem natural do terreno." (fl. 612).

Assim, tratando-se de área de preservação permanente, os réus têm o dever constitucional de recuperá-la, independentemente inclusive de terem sido os causadores do dano (obliteração de banhado e obstrução do curso natural das águas que banham o terreno).

Dessa forma, ainda que inicialmente tenha sido expedida autorização pela FATMA, não há como afastar a conclusão de que a irregularidade da ocupação, do ponto de vista ambiental, por se tratar de terreno de marinha e área de preservação permanente, constitui fundamento suficiente para a condenação dos réus na recomposição da área degradada.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E A SUA RECUPERAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA.

- A área em questão é definida como de preservação permanente, tendo sido demonstrado nestes autos que houve degradação de recursos naturais. O laudo pericial constatou que o réu edificou sobre restinga fixadora de dunas uma casa de alvenaria, de modo que foi retirada a vegetação nativa para a construção da casa. Assim, ficou claramente evidenciada a degradação ao meio ambiente.

- De outro lado, o direito de propriedade não possui caráter absoluto. Prestigiar, em casos como o presente, o direito de propriedade é comprometer à preservação do meio ambiente.

- Ademais, a área em questão constitui-se em terreno de marinha, consoante esclareceu o laudo pericial, sendo necessária autorização para sua utilização, autorização que, na hipótese, seria inviável em face da caracterização da área como de preservação permanente.

(TRF4, AC 2002.04.01.025208-0, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado em 13/09/2006).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRAIAS E DUNAS. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES. POSSIBILIDADE.

I - É cabível a antecipação dos efeitos da tutela, em ação civil pública que visa à remoção de estabelecimento comercial construído em área de praias e dunas, zona de proteção permanente, propriedade da União e bem de uso comum do povo, para que as suas atividades sejam paralisadas. Impede-se, dessa forma, que as operações usuais continuem a causar danos ao meio ambiente, maiores do que os já constatados.

II - Em sendo a remoção do estabelecimento indevidamente construído o objeto da lide, não se mostra razoável, em agravo de instrumento, determinar-se a imediata demolição do estabelecimento, sob pena de tornar irreversível a medida antecipatória.

(TRF4, AG 2002.04.01.056361-9, Quarta Turma, Relator do Acórdão Valdemar Capeletti, publicado em 02/07/2003).

2.2.5. Da improbidade administrativa.

O § 4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) estabelece que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, isso sem prejuízo da ação penal cabível.

O dispositivo constitucional foi disciplinado pela Lei nº. 8.429/92, que abrange os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual (art. 1º).

O art. 2º considera agente público, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior (art. 1º). E, mais, o art. 3° estende as disposições da lei de improbidade àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A Lei de Improbidade dividiu os atos de Improbidade Administrativa em três categorias: (a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) os que causam prejuízo ao Erário (art. 10) e; (c) os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).

De acordo com a categoria do ato de improbidade, o art. 12 estabelece a pena respectiva, que deve ser graduada levando-se em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica.

Fundamentado nessas bases legais, passo à análise dos atos tidos pelos réus CARMEM e MARCELO como infringentes ao deveres de probidade.

Sustenta o MPF na inicial que "Os réus CARMEM e MARCELO violaram frontalmente o mandamento do artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8429/92 ao participarem da emissão de Licença Ambiental Prévia que contrariou os dispositivos legais já transcritos." (fl. 20), requerendo, o imediato afastamento de ambos da Administração e, ao final, a perda dos cargos públicos.

Relata o MPF que, em 29/12/2001, a ré ACCR protocolou junto à FATMA pedido de LAP, solicitando a dispensa da LAI, além de endereçar o seu pedido "aos cuidados" da ré CARMEM, que não é e nunca foi diretora Geral nem Diretora de Licenciamento ambiental, de forma que ela agiu rapidamente em benefício da empresa Ré, pois a FATMA expediu para ela em oito dias (04/01/2002) a LAP n. 01/2002 com dispensa da LAI e com prazo de validade de 24 meses, com base no ágil parecer técnico da ré CARMEM; que posteriormente foi descoberto o ilícito procedimental, conforme destaca a Comunicação Interna/PROJUR n. 48/02, informando que não existe despacho determinando a análise do licenciamento pela ré CARMEM; e ainda, que em decorrência de várias "irregularidades na expedição de licenças ambientais semelhantes, foi instaurado Procedimento Administrativo Disciplinar na FATMA, com os ora Réus CARMEM e MARCELO, sendo-lhes aplicada pena de suspensão".

A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo réu MARCELO foi rejeitada pelo Juízo "por versar questões relacionadas ao mérito" (fls. 495/496).

A preliminar de cerceamento de defesa levantada pela ré CARMEM foi rejeitada à fl. 496, com base no entendimento do STJ exarado no REsp 422798/SP.

No mesmo sentido, cito o seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADEQUAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.

1. (...)

4. O entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência admite a adequação/compatibilidade do ajuizamento de ação civil pública (Lei 7.347/85) nas hipóteses de atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92.

5. "Vem se firmando o entendimento de que a ação judicial cabível para apurar e punir os atos de improbidade tem a natureza de ação civil pública, sendo-lhe cabível, no que não contrariar disposições específicas da lei de improbidade, a Lei 7.347, de 24-7-85. É sob essa forma que o Ministério Público tem proposto as ações de improbidade administrativa, com aceitação da jurisprudência (...).

Essa conclusão encontra fundamento no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, que ampliou os objetivos da ação civil pública, em relação à redação original da Lei 7.347, que somente a previa em caso de dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O dispositivo constitucional fala em ação civil pública 'para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos'. Em conseqüência, o artigo 1º da Lei nº 7.347/85 foi acrescido por um inciso, para abranger as ações de responsabilidade por danos causados 'a qualquer outro interesse difuso ou coletivo'.

Aplicam-se, portanto, as normas da Lei nº 7.347/85, no que não contrariarem dispositivos expressos da lei de improbidade." (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "Direito Administrativo", Ed. Atlas, 15ª ed., 2003, pág. 693).

6. Precedentes do STJ.


7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(REsp 515.554/MA, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2006, DJ 19/06/2006 p. 99)

No mérito, o réu MARCELO alega que não participou do trâmite administrativo relativo ao pedido de licença ambiental da ré ACCR, aduzindo que sempre agiu de forma imparcial, zelando pela eficiência dos serviços públicos prestados. Aduz, ainda, que o processo administrativo disciplinar contém nulidade insanável em razão de ter sido quebrado o sigilo da sindicância que lhe deu origem (fls. 212/219).

A ré CARMEM, por sua vez, alega que emitiu parecer de acordo com o entendimento da FLORAM e em conformidade com as prerrogativas de seu cargo de Técnica de Controle Ambiental. Aduz que o processo URB 1169, referente ao Residencial Costa da Lagoa, foi a ela distribuído pelo réu MARCELO, à época Gerente de Licenciamento Ambiental da FATMA, levando em conta seu prévio conhecimento do local. Sustenta, ainda, ser absurda a suspeita de lisura no referido processo, pois o encaminhamento de processos de licenciamento a determinados técnicos é comum e legal; bem como que o fato de a servidora atender com presteza os requerimentos dos cidadãos obedece a determinação constitucional do art. 37. Por fim, aduz que apenas emitiu parecer técnico, cujo conteúdo não é vinculante para a FATMA, o qual poderia ou não ter sido aprovado pelo diretor, que é o responsável pela emissão da licença (fls. 222/233).

O relato feito pelo MPF na inicial resta comprovado pelos documentos acostados aos autos, quais sejam:

- 28/12/2001 - Pedido de Licença Ambiental pela empresa ACCR, encaminhado à FATMA, aos cuidados da ré CARMEM (fls. 57/72);

- Parecer técnico interno, emitido pela ré CARMEM (fls. 76/78);

- 04/01/2002 - Concessão da LAP nº 001/2002 pela FATMA, assinada pelo Diretor do Controle da Poluição, em exercício, Carlos Alberto Pessanha Gonzaga, e pela ré CARMEM LÚCIA CAPELA DOS REIS (fls. 79/80);

- 23/01/2002 - Relatório Técnico de Inspeção nº 012/2002, realizado pela FATMA, concluindo pela suspensão da LAP nº 001/2002, por ter sido constatado que a requerente ACCR violou regras jurídicas de uso, gozo e proteção ao meio ambiente (fls. 84/104);

- 08/03/2002 - Pedido da PROJUR, da FATMA, de apuração de irregularidades constatadas em procedimentos administrativos de licenciamentos ambientais nos quais atuou a ré CARMEM (fls. 105/110);

- 20/05/2002 - Parecer PROJUR nº 084/02, relativo ao processo administrativo URB-1169/CRF da empresa ACCR, opinando pela revogação da LAP nº 001/2002 (fls. 112/120);

- 04/09/2002 - Informação acerca da instauração de processo administrativo disciplinar referente aos réus CARMEM e MARCELO (fls. 123/125);

- 21/11/2003 - Ofício da FATMA encaminhando cópias das Portarias 043/03 e 044/03, que estabeleceram pena de suspensão de 30 dias para a servidora CARMEM e de 15 dias para o servidor MARCELO em razão do término dos processos administrativos disciplinares FTMA 1243/020 e PPGE nº 1988/02 (fls. 165/166);

- Relação de licenças/autorizações envolvidas com o processo administrativo disciplinar (fl. 169).

O réu MARCELO não trouxe aos autos prova documental das suas alegações.

A ré CARMEM, por sua vez, juntou aos autos:

- Cópia do Parecer Técnico da FLORAM, emitido em 2001, referente ao imóvel extremante ao da ré ACCR, no qual consta a existência de uma vala de drenagem, bem como a impossibilidade de se definir exatamente o trajeto original do curso d'água sobre o terreno (fls. 251/252);

- 07/05/2002 - Relatório Preliminar da Comissão de Sindicância Sigilosa (fls. 253/257);

- 03/01/2003 - Publicação no Diário Oficial do ato de exoneração de servidores da Fundação do Meio Ambiente, dentre os quais, Victor Eduardo Gevaerd (fl. 261);

- 10/02/2003 - Parecer PROJUR nº 004/03, referente Processo Administrativo URB-1169/CRF Residencial Canto da Lagoa, firmado pelo procurador Victor Eduardo Gevaerd (fls. 262/274).

Inicialmente, no tocante à alegação da ré CARMEM de que "todas as alegações do MPF relativas a possíveis atos de improbidade administrativa foram infundadas e incoerentes, tendo por base o parecer de um advogado Dr. Vitor Eduardo Gevaerd, que na data que o exarou não possuía mais competência para tanto, eis que não mais ocupava o cargo de Procurador Jurídico da FATMA, conforme portaria de exoneração em anexo." (fl. 231), verifico que o parecer exarado em data posterior à exoneração do referido procurador trata-se apenas de um relato dos fatos relativos ao Processo Administrativo URB-1169/CRF Residencial Canto da Lagoa (fls. 262/274), e que os pareceres emitidos pelo referido procurador jurídico da FATMA relativos aos atos de improbidade administrativa da ré CARMEM foram emitidos em 08/03/2002 (fls. 105/110) e 20/05/2002 (fls. 112/120), não havendo qualquer mácula nos referidos pareceres.

No parecer exarado pela PROJUR em 08/03/2002 constam registros de atos irregulares verificados em sete processos administrativos de licenciamentos ambientais, todos com a participação da ré CARMEM LÚCIA CAPELA DOS REIS, com requerimento à Diretoria Geral da FATMA da imediata apuração dos fatos com a instauração de sindicância ou processo disciplinar. No processo de licenciamento nº URB 1169/CRF - Residencial Canto da Lagoa - de interesse da empresa ACCR Construções Ltda., constam as seguintes irregularidades:

"No dia 28 de dezembro de 2001 (sexta-feira) a empresa protocolou na FATMA ("A/C Sra. Carmem Lúcia") pedido de licença ambiental prévia, com dispensa de LAI, para o empreendimento Residencial Canto da Lagoa, previsto para ser implantado na Rua Laurindo Januário da Silveira, Porto da Lagoa da Conceição, no município de Florianópolis/SC, (...).

Já no dia 04 de janeiro de 2002, portanto sete dias após protocolado o pedido de licenciamento, e considerando-se que, em 29 (sábado), 30 (domingo), e 31 (feriado), 01 de janeiro de 2002 (feriado), restaram tão somente três dias úteis para realização de vistoria na área, análise dos documentos juntados ao processo, análise do pedido de licenciamento, elaboração de parecer técnico, e, já no dia 04 de janeiro de 2002, o empreendedor tinha em mão a licença ambiental prévia com dispensa de LAI. (...) Destaca-se, ainda, a inexistência de qualquer despacho no processo de licenciamento ambiental, seja de Diretor, seja de Gerente, determinando a servidora Carmem Lúcia Capela dos Reis a análise do mesmo.

O parecer técnico exarado pela servidora Carmem Lúcia Capela dos Reis, decorrente de vistoria realizada na área prevista para implantação do empreendimento, destaca que "não foi constatado nenhum recurso hídrico no local", e que o local possui "vegetação de pastagem". Com base no referido parecer técnico a FATMA expediu a Licença Ambiental Prévia - LAP nº 001/2002 com dispensa de LAI, datada de 04 de janeiro de 2002, firmada por Carlos Alberto Pessanha Gonzaga e Carmem Lúcia Capela dos Reis.

A Gerência de Fiscalização da FATMA, em vistoria realizada na área objeto do licenciamento no dia 22/01/2002, conforme consta do Relatório Técnico de Inspeção nº 012/2002, constatou, dentre outras considerações, que dentro da propriedade existe um curso d'água, "o solo original do imóvel, após o bambuzal, é areno siltoso, apresentando lençol freático aflorante", que na extrema direita do imóvel existe um curso d'água, "na propriedade da ACCR, o curso d'água foi desviado para dentro de uma tubulação em PVC 100 mm, e enterrada em aproximadamente trinta metros, fazendo com que esta água se espalhasse superficialmente na propriedade", e que "nos fundos do imóvel, junto ao vértice esquerdo, desemboca o curso d'água na Lagoa da Conceição, que exige a manutenção da faixa da Área de Preservação Permanente - APP, sobre o imóvel da ACCR."

Em decorrência dos fatos narrados no Relatório Técnico de Inspeção nº 012/2002 a Direção Geral da FATMA suspendeu, temporariamente, os efeitos da Licença Ambiental Prévia - LAP nº 001/2002 (...)". (fls. 105/110).

Já no Parecer da PROJUR em 20/05/2002 (fls. 112/120), o procurador relata uma série de irregularidades que maculam o procedimento administrativo de licença ambiental concedida à ré ACCR (fls. 116/117), ressaltando que no caso específico não poderia ser expedida licença ambiental prévia com dispensa de LAI.

No Relatório Preliminar da Comissão de Sindicância Sigilosa (fls. 253/257) consta que em seu depoimento, a ré CARMEM alegou, quanto ao processo administrativo URB1169 (Residencial Canto da Lagoa), que "já conhecia o local pelo que pôde apressar o processo, baseando-se em parecer da FLORAM". (fl. 254).

O réu MARCELO, em seu depoimento à referida comissão, declarou que "quanto ao processo URB 1169, acredita ter repassado por despacho à servidora Carmem L. Capela dos Reis, pois todos os processos são distribuídos por despacho; que pode ocorrer o processo ser despachado para técnico que já conheça a área ou a pedido eventual do interessado. Porém a prática tem sido evitada, que não licenciou este empreendimento; que a gerência recebe os pareceres técnicos e quando há dúvidas é analisado em conjunto, porém normalmente vale-se de parecer emitido; que o técnico analisa o processo sozinho e pede ajuda quando necessário; que a licença é rubricada pelo gerente com visto do técnico e emitida pelo diretor da área." (fl. 255).

O Diretor de Controle de Poluição à época, Carlos Alberto Pessanha Gonzaga, declarou à Comissão de Sindicância que "Sobre o Processo URB 1169, desconhece ter tramitado com rapidez, e assinou a licença com base no parecer técnico." (fl. 256).

Com o término dos processos administrativos disciplinares FTMA 1243/020 e PPGE nº 1988/02, os réus CARMEM e MARCELO foram punidos com suspensão de 30 e 15 dias, respectivamente, conforme Portarias 043/03 e 044/03 (fls. 165/166).

O Anexo I da Portaria 069/03 da FATMA (fls. 168/169) indica a relação de licenças/autorizações envolvidas com o processo administrativo disciplinar dos réus CARMEM e MARCELO, constando a participação de CARMEM nos sete processos citados, e MARCELO em apenas dois processos (URB 998/CRF e URB 887/CRF).

Quanto ao réu MARCELO, a declaração prestada perante a Comissão de Sindicância, na via administrativa, de que "quanto ao processo URB 1169, acredita ter repassado por despacho à servidora Carmem L. Capela dos Reis, pois todos os processos são distribuídos por despacho;" não é prova suficiente da sua participação no licenciamento ambiental concedido à empresa ACCR, pois o referido despacho, de fato, não existiu e/ou não restou comprovado documentalmente.

A referida declaração também não socorre à ré CARMEM, eis que esta não trouxe aos autos prova documental do alegado despacho de distribuição do processo da ACCR para ela, sendo certo que o referido processo foi encaminhado aos seus cuidados pela própria empresa ACCR (fl. 57).

Assim, embora o réu MARCELO tenha sido punido na via administrativa com pena de suspensão de 15 dias, o fato se deveu a outros processos administrativos, não havendo prova da sua participação no processo de licenciamento da obra da ACCR Construções Ltda., objeto do presente feito, razão pela qual o pedido deve ser julgado improcedente no tocante ao referido réu.

Outrossim, não procede a alegação da ré CARMEM de que emitiu parecer de acordo com o entendimento da FLORAM, eis que o referido parecer, juntado às fls. 251/252, emitido em 2001, referente ao imóvel extremante ao da ré ACCR, indica que "na lateral direita do terreno de quem olha da rua, a presença de uma vala onde drenam as águas pluviais provenientes de uma calha de drenagem a montante da rua onde se observa que esta calha preserva características mais naturais. A partir da rua, a jusante, estas águas são conduzidas para dentro do terreno em questão (extremante da ACCR), através de uma tubulação que passa sob a Rua Laurindo Januário da Silveira. Esta vala, passa primeiramente, no terreno do confrontante lateral direito, em forma de curva, passando logo em seguida para os limites do terreno do requerente (extremante da ACCR) onde passa a apresentar uma configuração retilínea ao longo do mesmo (...)", e ainda, que "Das observações realizadas em campo e, na análise do mapa e das fotografias aéreas referidas acima, não foi possível definir exatamente o trajeto original deste curso d'água sobre o terreno em questão, (...)", enquanto no seu parecer técnico, a ré CARMEM afirmou que: "Não foi constatado nenhum recurso hídrico no local." (fl. 76).

Por fim, o fato dos pareceres técnicos emitidos pelos técnicos ambientais da FATMA não apresentarem conteúdo vinculante, certo é que referidos pareceres devem ser pautados de maneira fidedigna e imparcial, descrevendo as reais características do imóvel, em conformidade com a legislação ambiental vigente, o que não ocorreu no caso concreto.

Dessarte, verifica-se que a ré CARMEM praticou atos ímprobos, posto que lhe era exigida conduta diversa, pelas disposições dos incisos I a XIX do art. 117 da Lei 8.112/90.

O art. 11, I, da Lei nº. 8.429/92 assim dispõe:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

Como restou examinado, a prova é idônea para responsabilizar a ré pelo ato de improbidade com afronta ao art. 11, I, da Lei de Improbidade Administrativa, por favorecimento à empresa ré ACCR em desfavor das normas ambientais vigentes.

A referida lei apresenta um rol de penalidades a serem aplicadas no caso de ofensa ao art. 11, a teor do art. 12, III, desta Lei, a saber:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

(...);

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. (Grifei)

O rol de penas é taxativo e, como tal enseja interpretação restritiva. O que não significa dizer que haja obrigatoriedade de aplicação conjunta de todas as penas, sendo possível dosar a reprimenda, de acordo com a lesão, as circunstâncias da conduta e as características do agente. Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. PROCURADOR DE JUSTIÇA. ART. 31 DA LEI Nº 8.625/93. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE "FUNCIONÁRIO-FANTASMA". ATO ILÍCITO. SANÇÕES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INSUFICIÊNCIA. ART. 12 DA LEI Nº 8.429/97.

(...).

5. Não há necessidade de aplicação cumulada das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/97, cabendo ao julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, avaliar, sob a luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a adequação das penas, decidindo quais as sanções apropriadas e suas dimensões, de acordo com a conduta do agente e o gravame impingido ao erário, dentre outras circunstâncias. Precedentes desta Corte.


(REsp 1019555, Segunda Turma, Relator Min. Castro Meira, DJE 29/06/2009)

A escolha e a cumulação das penalidades devem ser fundamentadas em relação a cada um dos fatos, de forma a cumprir a determinação do art. 93, IX, da CF/1988, e propiciar o direito de ampla defesa. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INTEMPESTIVIDADE - ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL - SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE - CUMULAÇÃO DE PENAS.

(...).

2. Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação, de acordo com fatos e provas abstraídos dos autos, o que não pode ser feito em sede de recurso especial, diante do óbice da Súmula 7/STJ. 3. Recurso especial do réu não conhecido e improvido o do Ministério Público.

(REsp 658389, Segunda Turma, Relatora Min. Eliana Calmon, DJ 03/08/2007)

Ademais, o parágrafo único do art. 12 prescreve que na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Baseado nesses parâmetros, passo à aplicação das sanções à ré CARMEM para examinar os aspectos relacionados à lesão, as circunstâncias da conduta e as características do agente.

Lesão. A ré CARMEM tinha, como de resto todos os servidores públicos têm, dentre outros, deveres de lealdade e honestidade para com a administração pública. Com sua conduta ímproba os violou e denegriu o serviço público e nisso consistiu a lesão para justificar sua responsabilização.

Circunstâncias da conduta. A ré CARMEM, após ter recebido o pedido de licenciamento ambiental da empresa ACCR, o qual fora encaminhado "aos cuidados" da ré, sem que tenha havido qualquer despacho de gerente para distribuição do processo, emitiu parecer técnico em desacordo com a legislação ambiental vigente, deixando de mencionar a existência de recursos hídricos no terreno da empresa, bem como da caracterização deste como terreno de marinha e área de preservação permanente.

Características do agente. A ré CARMEM é servidora que desempenha a função de técnica ambiental na FATMA, tendo se aproveitado da confiança de seus superiores nos pareceres técnicos que emitia para favorecer terceiros, dentre os quais, a empresa ACCR.

Ademais, por esses elementos sopesados, justifica-se impor à ré a perda do cargo público; bem como a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratação com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, todos a teor do art. 12, III, da Lei nº. 8.429/92, porque: (a) não pautou suas ações de acordo com os deveres impostos; (b) não valorizou o serviço público enquanto esteve a ele vinculado; (c) se mostra compatível para evitar o risco de que continue a denegrir a imagem do serviço público; e (d) é incoerente, diante dos fatos apurados administrativa e judicialmente, admitir que possa interferir no processo político ou continuar a obter direta ou indiretamente vantagem do Poder Público.

Justifico as penalidades de suspensão dos direitos políticos e de contratar com o Poder Público no mínimo legal pelo fato de que: (a) a atuação da ré configurou infração aos deveres funcionais como servidor público, mas não importou em enriquecimento ilícito, visto não haver prova nesse sentido, tampouco em danos materiais ao erário; (b) não há notícia de antecedentes que desabonem a conduta da ré, bem como que seja reincidente em quaisquer das condutas reconhecidas nesta sentença; e (c) não embaraçou o trâmite dos processos administrativo e judicial.

Por fim, entendo desnecessária a aplicação da pena de "pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente", visto que a ré será também responsabilizada pela reparação do dano, conforme item a seguir, bem como no fato descrito anteriormente de não haver provas do enriquecimento ilícito da ré CARMEM, nem tampouco de danos materiais causados ao erário.

2.2.6. Da reparação dos danos.

Conforme relatado nos itens 2.2.4. e 2.2.5. supra, restou comprovada impropriedade dos pareceres e licenças ambientais emitidas pelos réus Município de Florianópolis (através da SUSP), IPUF, FATMA e da servidora CARMEM, bem como a irregularidade da ré ACCR na ocupação/construção/aterro do imóvel em questão, por se tratar de terreno de marinha e área de preservação permanente.

A reparação do dano ambiental deve se dar, a princípio, por meio da recomposição do bem ambiental lesado, sendo aplicáveis, subsidiariamente, eventuais medidas compensatórias (substituição do bem ambiental lesado por outro funcionalmente equivalente ou pagamento de indenização em dinheiro). Isso se dá porque a conservação do equilíbrio ecológico (preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações) é, por excelência, o objetivo da ordem jurídica (art. 225, caput, da Constituição da República), e também em face das dificuldades existentes para mensurar a extensão do dano ambiental, parâmetro pelo qual deve se pautar a quantificação da indenização em dinheiro (art. 944, caput, do Código Civil).

A concepção de dano moral ambiental decorre da idéia de que se a lesão à honra de uma única pessoa é passível de reparação, como admite a ordem jurídica pátria (art. 5º, V, X, da Constituição da República e arts. 12, caput, 186 e 927, caput, todos do Código Civil), a lesão à honra da coletividade, composta por pessoas indeterminadas que titularizam, de modo indivisível, o bem ambiental violado (art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor), também deve sê-lo, máxime à vista de sua relevância social.

Tendo em conta a indiscutível importância do bem jurídico tutelado nestes autos (proteção ao meio ambiente por se tratar de terreno de marinha e área de preservação permanente), tenho que, na hipótese, é cabível a condenação cumulativa dos réus ao pagamento de indenização por dano moral ambiental.

O pedido de condenação do Município de Florianópolis a custear a publicação integral da sentença em jornal de circulação regional deve ser deferido, porque a medida tem o condão de promover a conscientização pública para a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, §1º, VI, segunda parte, da Constituição da República).

Assim, devem os réus, à exceção de MARCELO, ser condenados na recomposição da área degradada e indenização dos danos causados, nos seguintes termos:

a) condenação, solidariamente, à recuperação ambiental da área em comento, na forma apontada na perícia e através de projeto específico custeado pelos Réus e aprovado pelo IBAMA, apresentando comprovação das medidas adotadas no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais);

b) condenação, da ACCR e da FATMA, solidariamente, ao pagamento de indenização em decorrência dos danos perpetrados e o tempo que se fez necessário para sua recuperação, além do risco de agravamento de poluição na Lagoa da Conceição (dano moral), no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), a ser revertido em bens de uso para a fiscalização do IBAMA;

c) determinação à FATMA e ao Município de Florianópolis, este através de sua Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos, o cumprimento rigoroso das legislações federal e estadual ambientais em vigor, bem como das Resoluções do CONAMA, abstendo-se os Réus de deferirem licenças ambientais e/ou alvarás de construção em desconformidade com tais regras legais (obrigação de não fazer);

d) condenação do IPUF em obrigação de fazer, concernente na adequação de seus pareceres e anteprojetos-de-lei municipais às legislações federal e estadual em vigor, bem como aos regulamentos das mesmas, especialmente Resoluções do CONAMA, apresentando em Juízo prova das providências administrativas adotadas para tanto, no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais);

e) condenação do Município de Florianópolis à divulgação da sentença deste feito, em jornal de grande circulação em Santa Catarina, visando dar a esta ação ambiental um caráter educativo mais amplo.

2.2.7. Dos honorários advocatícios.

A questão relativa à fixação de honorários advocatícios em sede de ação civil pública é deveras complexa e encontra-se fulcrada, fundamentalmente, nos arts. 17 e 18 da Lei 7.347/85, in verbis:

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos. (Renumerado do Parágrafo Único com nova redação pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

Da leitura de tal diploma legal pode-se extrair que o autor da ação civil pública somente poderá ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte adversa nos casos de comprovada má-fé no manejo da actio.

Já em relação ao réu inexiste previsão legal, prevalecendo, portanto, a regra geral da lei instrumental.

Contudo, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu decisão recentemente no sentido de que tendo a ação civil pública sido ajuizada pelo Ministério Público Federal, não há espaço para condenação em honorários advocatícios, in verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE TERRESTRE. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. SUPRESSÃO DE VIAGENS EM ÔNIBUS CONVENCIONAL. - Em razão da competência da ANTT - que lhe foi legalmente atribuída, para autorizar e regulamentar o serviço de transporte interestadual e internacional de passageiros, já que o art. 175 da Constituição atribui à legislação infraconstitucional competência para delimitar a matéria - é reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam da União. - A legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a adequação da via eleita exsurgem da pretensão de tutela a direito individual homogêneo veiculada na ação. Nesse particular, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, atualmente, tem explicitado que os direitos individuais homogêneos são, por si só, dotados de relevância social. - Mantida sentença quanto a eficácia erga omnes em todo território nacional face as peculiaridades da demanda - Em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, é reconhecida como indevida a supressão de viagens em ônibus convencional, por inobservância da freqüência mínima determinada pela normativa própria, sem qualquer comunicação à agência reguladora. - Reconhecida a responsabilidade da ANTT por omissão na fiscalização do serviço concedido. - A rescisão eventual da permissão por descumprimento da sentença é medida que exorbita a separação dos Poderes - art. 2º da CRFB. - Evidenciado que no curso da lide houve ajustamento de conduta para se coarctar situação fática violado da obrigação legal de prestação de serviço adequado, descabida a condenação a título de indenização coletiva como consectário dos arts. 3º e 13 da Lei n.º 7.347/85.. - A publicação da sentença é medida calcada no princípio da informação, insculpido no art. 6º, III, do CDC - e, no caso dos autos, é justificada pela amplitude dos danos e pela necessidade de fiscalização efetiva das empresas rés no que diz respeito ao cumprimento da obrigação principal. - Afastada a possibilidade de eventual perícia para liquidação do julgado ser suportada pela ANTT. - Tendo a ação civil pública sido ajuizada pelo Ministério Público Federal, não há espaço para condenação em honorários advocatícios, não encontrando guarida no ordenamento jurídico a previsão, encontrada na sentença, de que a verba honorária reverta ao fundo de que trata o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública. (TRF4, APELREEX 2005.72.00.003181-5, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 02/03/2009).

(grifei)

Dentro deste contexto, deixo de condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios em favor do MPF.

3. DISPOSITIVO.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes da inicial, extinguindo o processo com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar os réus:

3.1. Município de Florianópolis, IPUF, FATMA, ACCR Construções Ltda. e Carmem Lucia Capela Dos Reis, solidariamente:

a) à recuperação ambiental da área em comento, na forma apontada na perícia e através de projeto específico custeado pelos Réus e aprovado pelo IBAMA, apresentando comprovação das medidas adotadas no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais);

3.2. FATMA e ACCR, solidariamente:

a) ao pagamento de indenização em decorrência dos danos perpetrados e o tempo que se fez necessário para sua recuperação, além do risco de agravamento de poluição na Lagoa da Conceição (dano moral), no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), a ser revertido em bens de uso para a fiscalização do IBAMA.

3.3. Município de Florianópolis, através de sua Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos, e a FATMA:

a) ao cumprimento rigoroso das legislações federal e estadual ambientais em vigor, bem como das Resoluções do CONAMA, abstendo-se os Réus de deferirem licenças ambientais e/ou alvarás de construção em desconformidade com tais regras legais (obrigação de não fazer).

3.4. IPUF:

a) em obrigação de fazer, concernente na adequação de seus pareceres e anteprojetos-de-lei municipais às legislações federal e estadual em vigor, bem como aos regulamentos das mesmas, especialmente Resoluções do CONAMA, apresentando em Juízo prova das providências administrativas adotadas para tanto, no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais).

3.5. Município de Florianópolis:

a) condenação do Município de Florianópolis à divulgação da sentença deste feito, em jornal de grande circulação em Santa Catarina, visando dar a esta ação ambiental um caráter educativo mais amplo.

3.6. Carmem Lucia Capela dos Reis:

a) à perda do cargo público;

b) à suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 03 (três) anos;

c) à proibição de contratação com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos.

Condeno os réus ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do IBAMA e da UNIÃO, fixados em dez por cento (10%) sobre o valor atualizado da causa para cada um.

Condeno os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, pro-rata.

Eventual recurso interposto será recebido apenas no efeito devolutivo (art. 14, da Lei 7347/1985), valendo o presente como recebimento do mesmo em caso de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade. Preenchidos estes, dê-se vista à parte contrária para apresentação de contra-razões, com posterior remessa ao TRF da 4ª Região.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as baixas necessárias.

Florianópolis, 22 de outubro de 2009.

GUY VANDERLEY MARCUZZO
Juiz Federal



JURID - Servidora pública perde cargo. [11/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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