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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

JURID - Revenda é condenada. [30/11/09] - Jurisprudência


Revenda é condenada por vender automóveis com hodômetro adulterado.
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Autos nº 038.07.010401-5

Vistos etc.

JUCELEI DINKOSKI, brasileiro, casado, gerente, residente e domiciliado na rua Prudente de Moraes, nº 970, casa 2, em Joinville - SC, ajuizou AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS e MATERIAIS contra MOTOR PLACE COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, estabelecida na avenida Santos Dumont, nº 1.355, bairro Santo Antônio, em Joinville, alegando ter adquirido da ré o auto "Ford/EcoSport XLT 1.6", placas MDN - 3262, ano modelo 2004, que registrava, no hodômetro, 39.600 quilômetros rodados, sendo oferecido para venda como veículo semi-novo.

Atraído pelo fato de o automóvel ter baixa quilometragem, acabou fechando negócio em 27.10.2006. Acontece que, ao levar o carro para fazer a revisão recomendada pela fábrica, aos 40.000 quilômetros, na autorizada da marca Ford, em Joinville, descobriu, pelo sistema interligado, que o veículo já deveria ter rodado em torno de 133.000 quilômetros. Incrédulo, recebeu das mãos do atendente todo o histórico de revisões anteriores no mesmo automóvel, sendo que a última havia sido feita aos 92.395 quilômetros, em 15.09.2005.

Dizendo-se enganado pela adulteração da quilometragem registrada no painel e explicando que o valor do carro deprecia consideravelmente quando já estiver muito rodado pelo próprio desgaste decorrente da utilização excessiva, invocando disposições do Código de Defesa do Consumidor, requereu o ressarcimento dos danos materiais decorrentes da depreciação, bem como a condenação da acionada no pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 12.000,00. Pediu também a condenação da ré a suportar os ônus sucumbenciais. Valorou a causa e encartou documentos (fls. 12/35).

Formalizada a relação compositiva da lide com a citação válida, a ré apresentou resposta na forma de contestação (fls. 41/47), arguindo, em preliminar, ilegitimidade passiva ad causam porque não praticou qualquer expediente ilícito para incrementar as chances de revenda do veículo. Afirmando inexistir dano moral a ser indenizado, requereu a declaração de improcedência do reclamo inicial.

Por ocasião da audiência de instrução e julgamento, dispensados os depoimentos pessoais, as partes pelejaram o julgamento conforme o estado do processo.

Os autos vieram-me conclusos para análise.

Esse é o relatório.

D E C I D O.

A distorção entre a realidade da utilização do carro desde que saiu da loja, "0 km", e o que informava o hodômetro é irrecusável, perceptível pela análise conjunta do documento de fls. 21 (nota especificada da revisão do auto "EcoSport" aos 92.395km, em setembro de 2005) e o certificado de garantia de veículo usado que a ré emitiu em 27.10.2006, no qual se registrou que o carro havia rodado apenas 39.600 quilômetros (fls. 14).

É consabido que o vendedor assume a responsabilidade de suportar eventuais vícios ou danos originados das relações de consumo, ainda que não tenha dado causa ao ato lesivo (TJSC - Ap. Cível nº 99.016112-9, de Blumenau, Primeira Câmara de Direito Civil, rel. Des. WILSON AUGUSTO DO NASCIMENTO, j. em 27.08.2002), nem dele tivesse conhecimento (TJSC - Apelação Cível nº 2006.009072-2, da Capital, Quarta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. MONTEIRO ROCHA, j. em 26.06.2008). Daí porque não se há falar em ilegitimidade passiva da ré.

"Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do CDC, a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia contratual. Nessas condições, uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia contratual, o consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta garantia" (STJ - Recurso Especial nº 967.623/RJ, Terceira Turma, unânime, relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, j. em 14.06.2009). No caso dos autos, a aquisição do automóvel deu-se em 27.10.2006 (contrato - fls. 14), momento em que a fornecedora conferiu garantia de 90 dias ou 3.000km (o que ocorresse primeiro) de funcionamento do motor, caixa de câmbio e diferencial do veículo negociado. Como não há prova de que os 3.000km deram-se antes dos 90 dias, a noventena contratual deve ser acrescida da legal. Operado o cálculo aritmético, o último dia para o consumidor reclamar pelos vícios aparentes (CDC, art. 26, II) caducaria em 25.04.2007. Mas o consumidor não tardou para buscar o reconhecimento do seu direito ao propor a ação em 28.03.2007 (fls. 02), ou seja, antes do término do prazo decadencial.

A informação errônea sobre característica essencial do veículo demonstra que o fornecedor desprezou o princípio consumerista da transparência, já que era seu dever prestar informação completa e exata sobre o produto vendido ao consumidor, sob pena de responder por falha da informação. O fato de o consumidor não ter sido prévia e devidamente cientificado de que o veículo que adquiriu teve o medidor de distância em quilometragem adulterado foi decisivo para criar a expectativa legítima e razoável (princípio da confiança) de que o desgaste, pelo uso, era bem menor do que o real, fator crucial, segundo pude compreender, para que vingasse o negócio entre as partes.

Optou o autor por requerer a condenação da ré no abatimento do preço do produto (é a ação quanti minoris dos civilistas), o que consiste num direito seu (CDC, art. 18, § 1º, III). Como no procedimento do Juizado Especial não é possível prolatar-se sentenças ilíquidas (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95), penso razoável deduzir-se, do valor praticado no negócio sacramentado entre as partes, o correspondente a 20%. Esta depreciação deve compensar o desinteresse que alguém pudesse ter na compra de um veículo já bastante rodado e, noutro viés, até servir de incentivo para que se passe a ver com bons olhos uma compra como essa, até porque os valores praticados em negócios envolvendo veículos usados é, como regra, regido por preços médios tabelados (FIPE, por exemplo).

A ducha de água fria que o autor - confiante ao adquirir o produto porque satisfeitos os requisitos da informação e da qualidade - recebeu ao constatar que o EcoSport já havia rodado mais de três vezes a quilometragem que ele imaginava que tivesse percorrido (40.000 quilômetros) e que foi o que lhe atraiu para apertar as mãos do vendedor ao sinalizar a concretização da compra consiste em algo bem mais intenso do que simples aborrecimento do cotidiano. Consiste num misto de frustração e revolta contra aquele que deu de ombros aos seus direitos como consumidor, com influência direta na psique do indivíduo que se vê diante às voltas com isso. De uma hora para outra, o entusiasmo refletido pela compra dum acalentado automóvel se esvazia de pronto. O que era alegria passou a ser encarado como estorvo. O que era visto como um negócio interessante passou à condição de mico.

Como a indenização por danos morais deve prestar-se a servir tanto de compensação para o lesado quanto de reprimenda ao causador do dano, tem-se, de um lado, o empolgado Jucelei, que já não vê o seu EcoSport com o mesmo brilho nos olhos de outrora, e, de outro, a ré, concessionária de automóveis novos e que também comercializa veículos seminovos, irradiando credibilidade em seus negócios, inclusive por ser uma concessionária autorizada da rede Chevrolet. Partindo-se da premissa de que não foi nenhum dos seus funcionários que "rejuveneceu" o já tão rodado EcoSport, ao menos deveria ter mais cuidado ao examinar os veículos usados que recebe com o propósito de revender. O desgaste pelo uso deixa sinais visíveis, principalmente para peritos bem treinados como certamente a ré mantém em seu quadro funcional. Se não enxergou isso foi porque não quis. Nesta perspectiva, hei por bem quantificar os danos morais em prol do autor em R$ 5.000,00, que, sem implicar em ganho demasiado ao prejudicado, deve servir a incutir nos gestores da ré o estímulo para rever a sua forma de atuação junto ao seu público consumidor.

À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS e MATERIAIS proposta por JUCELEI DINKOSKI contra MOTOR PLACE COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA, condenando o réu a pagar ao autor o equivalente a 20% do valor negociado pela compra do auto "Ford EcoSport". O valor deverá ser apurado mediante simples cálculo e deverá ser corrigido monetariamente da data em que ocorreu o pagamento do automóvel, com incidência de juros de mora, a contar da citação, à taxa de 1% ao mês.

Condeno a ré, ainda, no pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00, atualizado a partir da data desta sentença e acrescido de juros de mora a partir da citação (TJSC - Apelação Cível nº 2002.026887-4, de Brusque, Segunda Câmara de Direito Civil, rel. Des. LUIZ CARLOS FREYESLEBEN, j. em 12.04.2007; Segunda Turma de Recursos - Ap. Cível nº 2008.200756-7, de Blumenau, unânime, rel. Juiz ROBERTO LEPPER, j. em 16.12.2008).

Em primeiro grau de jurisdição, incabível é a condenação do vencido a suportar o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº 9.099/95).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Joinville, 26 de novembro de 2009

ROBERTO LEPPER
Juiz de Direito



JURID - Revenda é condenada. [30/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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