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terça-feira, 17 de novembro de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Dano moral. Reportagem televisiva. [17/11/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Dano moral. Reportagem televisiva com utilização de câmera escondida.


Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n e 362.500-4/8-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante SUELI AMATO DATRI sendo apelada TV GLOBO LTDA.:

ACORDAM, em Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "REJEITARAM O AGRAVO RETIDO E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores A. C. MATHIAS COLTRO e ERICKSON GAVAZZA MARQUES.

São Paulo, 21 de outubro de 2009.

OSCARLINO MOELLER
Presidente e Relator

VOTO N°: 20294

APEL. N°: 362.500-4/8

COMARCA: SÃO PAULO

APTE. : SUELI AMATO DATRI (AJ)

APDO. : TV GLOBO LTDA

AGRAVO RETIDO - INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA PARA DEMONSTRAR O ABALO PSICOLÓGICO - ADEQUAÇÃO - DESNECESSIDADE - MISTER A COMPROVAÇÃO DO FATO CAPAZ DE ENSEJAR A REPARAÇÃO EXTRAPATRIMÓNIAL - DANO IN RE IPSA - JURISPRUDÊNCIA DO C. STJ - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO RETIDO REJEITADO.

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - REPORTAGEM TELEVISIVA COM UTILIZAÇÃO DE CÂMERA ESCONDIDA - NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DA GARANTIA À INVIOLABILIDADE DA HONRA E DA IMAGEM EM FACE DO DIREITO DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DA INFORMAÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 5°, IV, IX, X, XIV, E ART. 220, § 1º, DA CF - CASO CONCRETO - AUSÊNCIA DE "ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI" - REPORTAGEM INVESTIGATIVA QUE DEMONSTRA O USO E MANEJO DO MEDICAMENTO "LIPOSTABIL" POR ESTETICISTA - PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ OU SENSACIONALISMO - INEXISTÊNCIA DE QUALQUER PROVA CAPAZ DE DESMERECER A HIGIDEZ DA GRAVAÇÃO - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO C. STJ - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECURSO IMPROVIDO.

I

Trata-se de recurso de apelação (fls. 245/254) interposto em ação de ressarcimento de danos proposta por Sueli Amato Datri em face de TV Globo Ltda, julgada improcedente pela r. sentença de fls. 227/239, cujo relatório se adota, por considerar a inexistência de abuso no exercício do direito de informação. Embargos de declaração rejeitados às fls. 243.

Insurge-se a autora, requerendo preliminarmente a apreciação do agravo retido manejado contra o indeferimento da prova pericial para se demonstrar a extensão dos danos psicológicos.

Alega que houve manipulação dos fatos com transformação de todo o material jornalístico em matéria inverídica e sensacionalista, provocando dano à sua imagem.

Aduz que o fato de auto-aplicar uma dose de "lipostabil" não representa qualquer ilicitude, e que o corte na edição retirou a explicação apresentada pela recorrente "quanto à regularidade dos produtos injetados e a necessidade de acompanhamento dos médicos da clínica neste tipo de tratamento" (fls. 248).

Ataca a conotação pejorativa da matéria intitulada "Máfia da Beleza" e do cenário que se criou, semelhante a um flagrante preparado, com a utilização de "câmera escondida".

Argumenta quanto à ocultação da fita original, que seria indício da manipulação da gravação e que "há documentos assinados por médico da clínica que comprovam o atendimento por este profissional" (fls. 51, 192/193), além de testemunhas que declararam terem sido atendidas por médico.

Recurso devidamente processado e respondido.

É o relatório.

II

DECIDO

O agravo retido merece a rejeição e o apelo não procede.

Ab initio, não convence o agravo retido (fls. 203/206) interposto contra a decisão que indeferiu a prova técnica para demonstrar a extensão do abalo psicológico (fls. 213/214), porque é despicienda a prova do dano moral, mister a configuração do fato capaz de ensejá-lo, enquanto a dosimetria do ressarcimento se vincula à existência do fato ilícito e à capacidade de reparação econômica do agente causador.

Proclama o C. STJ: "quanto ao dano moral, em si mesmo, não há falar em prova; o que se deve comprovar é o fato que gerou a dor, o sofrimento. Provado o fato, impõe-se a condenação, pois, nesses casos, em regra, considera-se o dano in re ipsa" (AgRg no Ag 1062888/SP, Rel. Min. SIDNEI BENETI, j. 18.09.08, v.u.).

A lide devolvida a esta sede recursal versa sobre pretensão de indenização por danos morais e materiais, em razão de reportagem exibida no programa de televisão denominado "Fantástico", em 26.08.01, no qual teria sido atrelada a imagem da autora, ora apelante, ao exercício ilegal da medicina, por meio da alegada edição de gravação clandestina. A ré, ora recorrida, se defendeu asseverando que a reportagem de cunho investigativo apenas reproduziu o que de fato ocorreu, notadamente, a auto-injeção pela autora de ácido hialurônico, vitamina C e colágeno, além da sua própria afirmação: "Oh, ta vendo", e mais à frente: "sou eu que vou aplicar". Daí adveio o decreto de improcedência, sob o fundamento da ausência de abuso do direito de informar.

Pois bem. É necessário harmonizar o direito à livre manifestação do pensamento e da informação (art. 5o, IV, IX, XIV, da CF) com o preceito também entalhado na Carta Magna que assegura a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5o, X, da CF).

Isso porque a colisão entre princípios afasta a sobreposição ou o absolutismo, exigindo uma interpretação sistemática e teleológica capaz de contemporizar a incidência dos postulados constitucionais em face do caso concreto.

O art. 220 da Carta Política torna cristalina a necessidade dessa conjugação dos direitos à livre manifestação do pensamento e da informação em cotejo com o da intimidade. Assim preceituando:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV.

No presente caso a questão é saber se o direito de informação, que pertence à própria sociedade e de crucial importância para a Democracia, serviu de palio para a produção de reportagem com animas injuriandi vel diffamandi.

Das provas coligidas não se divisa o escopo meramente ofensivo à imagem da recorrida, nem injusta exibição de circunstância que deu causa.

É incontroverso nos autos o tópico da gravação que demonstra a auto-aplicação e a afirmação da apelante de que "sou eu que vou aplicar", não havendo sensacionalismo, mas demonstração de imagem e som verdadeiros

O interesse público envolvido na reportagem investigativa afasta a impugnação pela realização às escondidas, eis que relevante sua conotação ao menos como indício de cometimento de atos ilícitos ou irregulares, permitindo aos órgãos públicos ter conhecimento de fato passível de apuração e eventual punição.

A edição da gravação, por si só, não representa qualquer abuso, mesmo porque as afirmações mais graves contidas na fita são irrefragáveis, apenas a comprovação de um embuste poderia afastar a higidez da conduta legítima dos profissionais que atuam junto à recorrida. No entanto, inocorrente o dolo da ré, porque a atitude e as palavras pejorativas advieram da própria recorrente.

Tampouco se pode alegar quanto a um "flagrante preparado", porque a reportagem não se presta a tanto, não levando à prisão, apenas suscita à coletividade fato que merece maior reflexão e eventual reprimenda pelos órgãos públicos, não retirando da autora o direito ao contraditório e à ampla defesa, ou mesmo a possibilidade de pugnar pelo direito de resposta, a fim de refutar a ilicitude ou irregularidade de sua conduta.

Malogrou também a recorrente em demonstrar a atuação de profissional na área médica na clínica de estética.

O documento de fls. 51 é apenas um folheto de propaganda, no qual consta após o tópico referente a "tratamentos", nele incluído a aplicação de "lipostabil", um segundo tema denominado: "Médicos e Medicina Alternativa". As fichas de "adesão para programa de estética" juntadas às fls. 192/193 e subscritas pela médica Ana Paula Rodrigues foram produzidas em dezembro de 2001, ou seja, são posteriores à reportagem impugnada, exibida, como já dito, em 26.08.01.

O uso recomendado pela autora, em sua "Nina Estética Center", às pacientes, do medicamento "lipostábil", está concretamente demonstrado pela ficha de adesão (fls. 62 e 72), sem qualquer prescrição médica, sendo certo que esse medicamento é restrito ao uso por médicos. Expressa a recomendação do laboratório, constante na bula juntada pela própria recorrente: "Da usare sotto controllo medico o in ambiente ospedaliero" (fls. 52).

O fato de uma das testemunhas ter declarado que fez *tratamento de estética facial na clínica da autora, sob aplicações e atendimento com uma médica chamada Ana Paula" (fls. 180), afigura-se em elemento de convicção extremamente frágil que não desmerece a gravação combatida.

Contrariamente, repita-se, as fichas de "adesão para programa de estética" produzidas anteriormente à veiculação da reportagem, não demonstram a assinatura de profissional da área médica (fls. 62, 66/67, 72/73), inclusive nas respectivas "fichas de anamnese facial" consta apenas o espaço para subscrição do "esteticista" ou "terapeuta responsável" e do "cliente" {fls. 63, 68, 71 e 74), sem a indicação de prescrição médica para o uso do "lipostabil", que é uma espécie de medicamento (fls. 61).

Não há qualquer documento que prove a atuação, à época da gravação, de.médico que prescrevesse e manejasse o referido medicamento, nenhum facultativo foi chamado pela recorrente para prestar depoimento nos autos.

A denominação dada à reportagem de "Máfia da Beleza", apesar de expressar desaprovação à conduta profissional da recorrente, não pode ser considerada injusta, diante dos fatos que foram noticiados, aos quais flagrantemente deu causa.

Nesse sentido se pronuncia o Colendo Superior Tribunal de Justiça, cujo tópico de ementa abaixo se transcreve:

II - Constatada a hipótese - como no presente caso - de que se sucedeu tão somente a divulgação de notícias de inegável interesse público, ausente ainda evidência de má-fé ou sensacionalismo infundado, por parte do acusado, resta a constatação da presença de simples animus narrandi, inerente à atividade jornalística.

III - Tanto a Constituição Federal (ex vi art. 220, § 1º) como a Lei de Imprensa (art. 27) asseguram o livre, exercício da liberdade de informação, buscando, justamente, assegurar ao cidadão o direito à informação, medida indispensável para o funcionameríto de um Estado Democrático de Direito. Writ concedido. (HC 62390/BA, Quinta Turma, Rel. Min. FELTX-FlSCHER, J. 26.09.06, v.u.)

Finalmente, há de se atentar que a bem lançada e fundamentada sentença do ilustre Juiz Dimas Borelli Thomaz Júnior contem as judiciosas considerações da improcedência, aqui confirmadas, pelo que me permito integrar suas respeitáveis ponderações a este acórdão.

III

Conclusivamente, por meu voto, rejeito o agravo retido e nego provimento ao recurso de apelação.

OSCARLINO MOELLER
RELATOR




JURID - Responsabilidade civil. Dano moral. Reportagem televisiva. [17/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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