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terça-feira, 3 de novembro de 2009

JURID - Recurso especial. Ação popular. Anulação de testamento. [03/11/09] - Jurisprudência


Recurso especial. Ação popular. Anulação de testamento. Inadequação da via eleita. Afastamento da multa imposta. Súmula nº 98.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 445.653 - RS (2002/0070597-6)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO PANI BEIRIZ

ADVOGADO: ANTÔNIO PANI BEIRIZ (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRO

RECORRIDO: CARLOS HENRIQUE MORAES FALLEIRO

ADVOGADO: MARCO AURÉLIO PAPALEO

INTERES.: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

INTERES.: VALMIR MARTINS BATISTA

INTERES.: OSMAR ARCÍDIO MAGGIONI

INTERES.: ADROALDO FAGUNDES VIEGAS

INTERES.: ROGÉRIO VIEGAS VIANA

INTERES.: VERA MARIA BASTOS DUARTE DE ALBUQUERQUE

INTERES.: MARIA ANGELINA LAURIA FRUGOLI

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AFASTAMENTO DA MULTA IMPOSTA. SÚMULA Nº 98.

1. O art. 9º do Regimento Interno do STJ dispõe que a competência das Seções e Turmas é fixada em função da natureza da relação litigiosa. No caso, não obstante tratar-se de ação popular, o fato é que a relação em litígio é eminentemente de ordem privada, pois litiga-se a nulidade de um testamento. O interesse da Administração Pública é reflexo, em razão da possível conversão da herança em vacante.

2. Para que o ato seja sindicável mediante ação popular, deve ele ser, a um só tempo, nulo ou anulável e lesivo ao patrimônio público, no qual se inclui "os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico". Com efeito, mostra-se inviável deduzir em ação popular pretensão com finalidade de mera desconstituição de ato por nulidade ou anulabilidade, sendo indispensável a asserção de lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público.

3. No caso, pretende-se a anulação de testamento por suposta fraude, sendo que, alegadamente, a herança tornar-se-ia jacente. Daí não decorre, todavia, nem mesmo em tese, uma lesão aos interesses diretos da Administração. Isso porque, ainda que se prosperasse a alegação de fraude na lavratura do testamento, não se teria, por si só, uma lesão ao patrimônio público, porquanto tal provimento apenas teria o condão de propiciar a arrecadação dos bens do falecido, com subseqüente procedimento de publicações de editais.

4. A jacência, ao reverso do que pretende demonstrar o recorrente, pressupõe a incerteza de herdeiros, não percorrendo, necessariamente, o caminho rumo à vacância, tendo em vista que, após publicados os editais de convocação, podem eventuais herdeiros se apresentarem, dando-se início ao inventário, nos termos dos arts. 1.819 a 1.823 do Código Civil.

5. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório" (Súmula nº 98).

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 15 de outubro de 2009 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Antônio Pani Beiriz ajuizou em face do Município de Porto Alegre, de Carlos Henrique Moraes Falleiro e outros sete réus, ação popular com o escopo de anular escritura pública de testamento, lavrada no 8º Tabelionato daquele Município, no qual constava como disponente Maria Angelina Lauria Frugoli, e como legatário o réu Carlos Henrique Moraes Falleiro. Afirma que o indigitado testamento é fruto de fraude perpetrada pelos réus, e diante da inexistência de herdeiros legítimos, a valiosa herança (cerca de sessenta imóveis) ter-se-ia por jacente, devolvendo-se o acervo hereditário à respectiva municipalidade.

Noticia a inicial que anteriormente fora ajuizada ação de anulação de testamento por José Américo Perrone, afirmando ser sobrinho-neto de Maria Angelina Lauria Frugoli. Porém, o feito foi extinto sem julgamento de mérito por ilegitimidade ativa, tendo em vista que o autor seria parente colateral de 5º grau da falecida, excluído, portanto, da vocação hereditária.

O Município de Porto Alegre, por sua vez, após a citação, exarou concordância com o pedido autoral, passando de réu a assistente do autor.

Em sentença proferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública, foi julgado extinto o feito com resolução de mérito, acolhendo a preliminar de prescrição, nos termos do art. 21 da Lei nº 4.717/65 (fls. 3.179/3.181).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em acórdão relatado pelo e. Desembargador Vasco Della Giustina, afastou a prescrição aventada, mas extinguiu o processo sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita, nos termos da seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO POPULAR. HERANÇA JACENTE.

Autor que move ação popular para declaração de nulidade do testamento, a fim de que a herança deixada pela testadora, seja considerada herança jacente. Interesse do Município no feito, que de réu passa a assistente. Sentença de extinção pelo acolhimento da prescrição. A ação popular visa à prevenção e repressão da vontade danosa da Administração. Não configuração. Inadequação do pedido e do procedimento eleito nesta ação. A impossibilidade jurídica do pedido é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida em qualquer grau de jurisdição. Entendimento do STJ de que a ação popular não está sujeita ao prazo de 05 anos.

APELO CONHECIDO E NEGADO SEU PROVIMENTO. (fl. 3.276)

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados pelo acórdão de fls. 3.298/3.301.

Irresignado, o autor interpôs recurso especial com amparo nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual alega ofensa aos arts. 2º e 3º, da Lei 4.717/65, em síntese, porque o testamento público seria ato sindicável mediante ação popular.

Sinaliza dissídio jurisprudencial em relação à multa aplicada no acórdão proferido nos embargos declaratórios.

Contra-arrazoado (fls. 3.313/3.315), o especial foi admitido (fls. 3.322/3.324).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Por primeiro, cabe afirmar a competência dessa Seção para julgamento do caso. É que o art. 9º, do Regimento Interno do STJ, dispõe que a competência das Seções e Turmas é fixada em função da natureza da relação litigiosa. No caso, não obstante tratar-se de ação popular, o fato é que a relação em litígio é eminentemente de ordem privada, pois litiga-se a nulidade de um testamento. O interesse da Administração Pública é reflexo, em razão da possível conversão da herança em vacante.

Por isso que, nessa ordem de idéia, a competência é mesmo de uma das Turmas de direito privado.

3. A controvérsia jurídica posta em julgamento, como antes afirmado, diz acerca do cabimento de ação popular no caso em que se pretende, mediante essa nobre ação, a anulação de testamento por suposto vício de consentimento.

O acórdão ora hostilizado, lastreado em substanciosos votos, rechaçou a tese autoral, preceituando ser incabível ação popular para tal desiderato.

O voto do relator ancorou-se nos seguintes fundamentos:

Nesse diapasão, sustento a impossibilidade jurídica do pedido justamente por não ser o ato atacado neste processado, ato praticado pela Administração.

Muito pelo contrário, o ato é privado - testamento de viúva sem herdeiros necessários.

É evidente que o próprio Município teria interesse na questão, caso efetivamente o testamento fosse nulo, dada a matéria subjacente dos autos.

Assim, poderia a Municipalidade perquirir a jacência da herança deixada por testamento.

Diante da fundamentação acima exposta, tenho que outra solução não comporta a lide, senão a extinção do feito, mas por impossibilidade jurídica do pedido - uma das condições da ação - nos termos do art. 267, VI do CPC, negando-se provimento ao apelo.

Por outro lado, os bem lançados fundamentos do voto vogal, proferido pelo Desembargador Wellington Pacheco Barros, podem ser assim resumidos:

Diz o parágrafo primeiro: "Consideram-se patrimônio público, para efeito da lei, bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico".

Em verdade, eminente Presidente, a ação popular legitimou alguém como substituto do interesse público existente.

Ora, o que se pretende com esta ação popular? Pretende-se buscar, em verdade, interesses essencialmente privados, em que o ente público, Município de Porto Alegre, teria apenas uma perspectiva de direito. Então, ele não tem bens, poderia a vir a tê-los.

Como o Município de Porto Alegre, nesta visão, teria apenas uma perspectiva de direito, como se tem conhecimento de que o autor desta ação popular era o advogado do apelado, tenta-se, a meu sentir, por vias transversas, por uma ação popular, buscar, em realidade, a proteção de direito essencialmente privado.

Essa não é a visão do legislador. Por isso, por ser de ordem pública, diferentemente do Relator, eu, de ofício, declararia a impossibilidade jurídica do pedido e não enfrentaria a questão da prescrição, que é matéria que se seguiria caso houvesse a possibilidade jurídica.

Então, eu ficaria, tão-somente, por ser matéria de ordem pública, com a extinção do processo por impossibilidade jurídica, afastando a análise de prescrição.

3. A dicção do caput do art. 2º, da Lei nº 4.717/65, "são nulos os atos lesivos", e a do caput do art. 3º, do mesmo Diploma, "os atos lesivos (...) serão anuláveis", revelam, a partir de uma análise detida, a causa de pedir da ação popular.

Cuida-se do binômio "lesividade-ilegalidade" bastante aclamado na doutrina.

Vale dizer, para que um ato seja sindicável por essa nobre ação, deve ele ser, a um só tempo, nulo ou anulável e lesivo ao patrimônio público, no qual se inclui "os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico".

Nesse sentido, é a doutrina de Rodolfo de Camargo Mancuso:

Numa palavra, a causa de pedir, remota, em ação popular, reside na demonstração idônea, pelo autor, de que a lide tem por base um dos interesses difusos que os textos de regência permitem que sejam sindicados nessa sede; (...)

Já no que tange à causa próxima, deve o autor indicar e dar ao menos um início de prova de que um agente público ou autoridade, dentre os indicados no art. 6º e parágrafos da Lei nº 4.717/65, procedendo por ação ou omissão, lesou (ou está na iminência de lesar) o erário público, o meio ambiente ou o patrimônio cultural, lato sensu, ou ainda laborou contra (ou está na iminência de afrontar) a moralidade administrativa. (Ação popular. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 118)

Com efeito, mostra-se inviável deduzir em ação popular pretensão com finalidade de mera desconstituição de ato por nulidade ou anulabilidade, sendo indispensável a asserção de lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público. "Somente essa dupla condição negativa, autoriza a hostilidade do ato pela actio popularis" (HUNGRIA, Nelson, Apud Mancuso. Op. cit. p. 119).

No caso ora em julgamento, pretende-se a anulação de testamento por suposta fraude, sendo que, alegadamente, a herança tornar-se-ia jacente. Daí não decorre, todavia, nem mesmo em tese, uma lesão aos interesses sindicáveis pela ação popular. Isso porque, ainda que se prosperasse a alegação de fraude na lavratura do testamento, não se teria, por si só, uma lesão ao patrimônio público, porquanto tal provimento apenas teria o condão de propiciar a arrecadação dos bens do falecido, com subseqüente procedimento de publicações de editais.

Não há dano direto causado à Administração, nem tampouco lesão frontal a um interesse seu, apenas se, eventualmente, acolhida a tese de nulidade do testamento e não havendo outros herdeiros, portanto sob condições futuras e incertas, apenas nessa hipótese poderá, em tese, haver interesse patrimonial da Administração.

Em realidade, a jacência, ao reverso do que pretende demonstrar o recorrente, pressupõe a incerteza de herdeiros, não percorrendo, necessariamente, o caminho rumo à vacância, tendo em vista que, após publicados os editais de convocação, podem eventuais herdeiros se apresentarem, dando-se início ao inventário, nos termos dos arts. 1.819 a 1.823 do Código Civil.

Pelo sempre rememorado magistério de Carlos Maximiliano "herança jacente consiste na declaração judicial do estado de espera em que se encontra o patrimônio quanto à sucessão causa mortis, em face da não-habilitação de herdeiros e desconhecimento de sua existência", ou simplesmente chama-se jacente "a herança cujos beneficiários ainda não são conhecidos" (Apud. NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 6: direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 106).

Ademais, nem mesmo a declaração de vacância é em si bastante para transferir a propriedade dos bens ao Estado, uma vez que permanece resguardado o interesse dos herdeiros que se habilitarem no prazo de cinco anos, nos termos do art. 1.822 do atual Código Civil.

Assim, escorreito o acórdão recorrido quanto à assertiva de que se trata de mera expectativa de direito do Município de Porto Alegre.

3. Em relação à multa aplicada por interposição dos embargos de declaração, constata-se que o acórdão recorrido está em manifesta dissonância com a jurisprudência da Casa, no sentido de que "embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório" (Súmula nº 98).

4. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, na extensão, dou-lhe provimento, apenas para afastar a multa aplicada na origem.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2002/0070597-6 REsp 445653 / RS

Números Origem: 1198011940 70002234474 70003656204

PAUTA: 15/10/2009 JULGADO: 15/10/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO PANI BEIRIZ

ADVOGADO: ANTÔNIO PANI BEIRIZ (EM CAUSA PRÓPRIA) E OUTRO

RECORRIDO: CARLOS HENRIQUE MORAES FALLEIRO

ADVOGADO: MARCO AURÉLIO PAPALEO

INTERES.: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

INTERES.: VALMIR MARTINS BATISTA

INTERES.: OSMAR ARCÍDIO MAGGIONI

INTERES.: ADROALDO FAGUNDES VIEGAS

INTERES.: ROGÉRIO VIEGAS VIANA

INTERES.: VERA MARIA BASTOS DUARTE DE ALBUQUERQUE

INTERES.: MARIA ANGELINA LAURIA FRUGOLI

ASSUNTO: Civil - Sucessão - Testamento

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília, 15 de outubro de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 921276

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 26/10/2009




JURID - Recurso especial. Ação popular. Anulação de testamento. [03/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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