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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

JURID - Reconhecimento de paternidade via escritura pública. [30/11/09] - Jurisprudência


Registro civil. Reconhecimento de paternidade via escritura pública. Intenção livre e consciente.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 709.608 - MS (2004/0174616-7)

RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

RECORRENTE: L G A A

ADVOGADO: JOSÉ SEVERO PORTINHO

RECORRIDO: M C A S

ADVOGADO: EDSON MACARI

EMENTA

REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE VIA ESCRITURA PÚBLICA. INTENÇÃO LIVRE E CONSCIENTE. ASSENTO DE NASCIMENTO DE FILHO NÃO BIOLÓGICO. RETIFICAÇÃO PRETENDIDA POR FILHA DO DE CUJUS. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATO DE REGISTRO DA FILIAÇÃO. REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ARTS. 1.609 E 1.610 DO CÓDIGO CIVIL.

1.Estabelecendo o art. 1.604 do Código Civil que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro", a tipificação das exceções previstas no citado dispositivo verificar-se-ia somente se perfeitamente demonstrado qualquer dos vícios de consentimento, que, porventura, teria incorrido a pessoa na declaração do assento de nascimento, em especial quando induzido a engano ao proceder o registro da criança.

2.Não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza.

3. "O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil" (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007).

4.O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral - portanto, jurídica -, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil.

5.Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Dr(a). HENRIQUE LIMA/MS, pela parte RECORRENTE: L G A A

Brasília, 05 de novembro de 2009(data de julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

L. G. A. A. interpõe recurso especial com fundamento no art. 105, III, alínea 'a', da Constituição da República, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.

Em sede de ação negativa de paternidade c/c nulidade de registro de nascimento ajuizada pela parte recorrida, o Juízo de Direito da 2ª Vara de Família de Campo Grande - MS proferiu sentença que, julgando procedente a demanda, determinou a retificação do registro de nascimento do requerido, ora recorrente, para que se efetivasse a exclusão dos termos de filiação paterna e de avós paternos.

Formulado recurso de apelação, a Corte Estadual, confirmando a decisão de primeiro grau, prolatou julgado com a seguinte ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE CUMULADA COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO - ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA AD CAUSAM - AFASTADA - DESNECESSIDADE DE EXAME DE DNA - O RECORRENTE CONFESSOU NÃO SER FILHO DO DE CUJUS - FATO CONHECIDO DE TODAS AS TESTEMUNHAS A NÃO FILIAÇÃO - FALSO REGISTRO DE NASCIMENTO - RETIFICAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO.

A anulação de registro de nascimento ajuizada com fulcro no art. 348 do Código Civil, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por quem tenha legítimo interesse moral ou material na declaração da nulidade. Precedentes. Recurso conhecido e provido.

Havendo prova robusta de falsidade, feita por quem não é verdadeiramente o pai, o registro de nascimento deve ser retificado, a fim de se manter a segurança e eficácia dos atos jurídicos" (fl. 179).

No apelo sob exame, o recorrente argúi violação dos arts. 112, 1.064 (rectius: 1.604) e 1.610 do Código Civil vigente e deduz as razões abaixo:

"A bem da verdade o que vemos neste caso é a chamada adoção à brasileira, ou seja, aquela em que a pessoa ao invés de lavrar a escritura de adoção, faz escritura de reconhecimento de filiação, muito embora sabendo que o filho não é natural.

(...)

Ninguém pode duvidar que o 'de cujus', Sr. Luiz Vasco Alviço Alves tinha plena consciência do conteúdo e do objeto da escritura pública que estava outorgando quanto ao reconhecimento do recorrente. Portanto, segundo o seu desejo ou vontade exarada no documento que se discute era adotar o menino como filho, num ato de amor e solidariedade" (fl. 185).

Com amparo em jurisprudências de outros Tribunais que versam sobre anulação de registro de nascimento e adoção à brasileira, sustenta-se, ao final, o seguinte:

"A linguagem literal do artigo l.610 do Código Civil, é de uma claridade incômoda quando estabelece que o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito por testamento.

Quis o espírito da norma deixar evidente que o interesse do ato realizado de modo espontâneo e eficaz, não possa ser revogado, portanto, também não pode ser anulado, mas apenas ajustado dentro da realidade fática e jurídica.

Trata-se de uma matéria jurídica de alta relevância e interesse para o mundo jurídico, cujo o v. acórdão divorciou dos fins do direito de família para atender uma petição de negação de paternidade restritamente baseada em filiação biológica, quando o caso impõe aresta mais ampla e abrangente do que se mede pelas letras e contrárias ao interesse público do v. acórdão" (fls. 187/188).

Apresentadas as contra-razões às fls. 193/198, o recurso foi admitido na origem consoante decisão de fls. 211/212.

Com o parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo conhecimento e provimento do apelo especial (fls. 228/234), vieram-me conclusos os autos em 5.11.2007.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Segundo se extrai dos autos, L. V. A. A., por meio de escritura pública lavrada em 12.6.1989 (fl. 10), reconheceu a paternidade do recorrente aos oito anos de idade, como se filho fosse, tendo em vista a convivência com sua mãe em união estável e motivado pela estima que concedia ao menor, dando ensejo, na mesma data, ao registro de nascimento (fl. 9).

Com o falecimento do pai registral em 16.11.1995 (fl. 11) e diante da habilitação do recorrente, na qualidade de herdeiro, em processo de inventário, a parte ora recorrida, inventariante e filha do de cujus, ingressou com ação de negativa de paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação de falsidade ideológica.

Em face da procedência da demanda e formulado o correspondente recurso, o voto condutor do acordão recorrido, ao manter incólume a sentença, assentou:

"Todavia, em que pesem as argumentações altamente louváveis do recorrente sobre o estado socioafetivo que se estabeleceu entre o suposto pai e o recorrente, não se pode olvidar que podemos fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. E é justamente a lei que proíbe que se registre filho de outrem como seu, sendo nulo o assento de nascimento decorrente de falsa declaração.

(...)

Neste compasso cabe esclarecer que o amplo debate acerca do respeito que se deve ter ao estado sócio-efetivo decorrente da paternidade deve cingir-se à paternidade legítima. De fato, hoje a Constituição equiparou filhos legítimos e ilegítimos. Todavia, no caso em testilha, não se trata de filho, como confessado pelo recorrente e ratificado por todas as testemunhas, vez que o recorrente não é filho do de cujus" (fls. 176/177).

Vale observar, desde logo, que não paira nenhuma dúvida quanto ao fato de que o de cujus não é o verdadeiro pai biológico do recorrente, cingindo-se o pleito recursal tão-somente em ver-se afastada a retificação do registro de nascimento, efetuado em decorrência do reconhecimento de paternidade sob vínculo socioafetivo.

Dito isso, convém transcrever do pronunciamento da ilustre Subprocuradora-Geral da República Dra. Armanda Soares Figueirêdo os trechos a seguir:

"O de cujus convivia com a mãe do recorrente quando promoveu o seu reconhecimento, e durante essa relação, as provas dos autos demonstram que se criaram laços afetivos entre o recorrente e o seu pai registral, sendo o reconhecimento da paternidade demonstrativo de afeição.

(...)

Ao atribuir ao recorrente a condição de filho, embora não fosse seu pai biológico, o de cujus praticou a chamada 'adoção à brasileira', devendo o Estado ter a máxima cautela ao rever uma situação já consolidada, em que as ações negativas de paternidade que pretendem desconstituí-las têm interesse meramente patrimonial.

Efetivamente, a declaração de vontade tendente ao reconhecimento de paternidade de alguém é perpétua e irrevogável. No entanto, como ocorre aos demais atos jurídicos, a invalidação do reconhecimento pode verificar-se em razão de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, por quem tenha legítimo interesse econômico ou moral. Porém, não há prova nos autos que aconteceu esse fato."

Com efeito, estabelecendo o art. 1.604 do vigente Código Civil que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro", a tipificação das exceções previstas no citado dispositivo verificar-se-ia somente se perfeitamente comprovado qualquer dos vícios de consentimento em que, porventura, teria incorrido a pessoa na declaração do assento de nascimento, em especial quando induzido a engano ao proceder o registro da criança.

Portanto, não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza.

Ora, reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, admite como seu filho de sua companheira, é totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento, já transcorridos mais de seis anos de tal ato, quando não apresentados elementos suficientes para legitimar a desconstituição do assentamento público, e não se tratar de nenhum vício de vontade (erro, coação, dolo, fraude ou simulação) e, tampouco, de falsidade.

Realce-se também que o reconhecimento da paternidade, inclusive tipificado doutrinariamente e na jurisprudência como verdadeira "adoção à brasileira", reveste-se de manifestação volitiva espontânea que, não se vinculando ao nascimento, é animada pelo caráter socioafetivo da convivência, numa perspectiva de que os laços de família, notadamente os inerentes à filiação, revelam-se instrumentos aptos à concretude da dignidade da pessoa humana.

É importante aduzir que, como salutar alteração introduzida no novo Código Civil, o Capítulo II nominado, de forma simples e mais abrangente, como "Da Filiação", substituindo o anterior título prescrito no diploma revogado, ou seja, "Da Filiação Legítima", bem denota o propósito de inibir qualquer designação discriminatória à filiação, quando, refletindo o comando prescrito no art. 227, § 6º, da Constituição Federal, estabelece, no art. 1.596, o seguinte:

"Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."

Por oportuno, atenho-me às lições do mestre Caio Mário da Silva Pereira, expressando que, "diante da efetiva valorização da convivência familiar, das relações de efetividade que servem de base para o convívio entre os seus membros e da ênfase dada pela Constituição Federal à 'paternidade responsável' e à equiparação e não-discriminação de filhos, já se aponta na Doutrina e na Jurisprudência a prevalência destes elementos indicadores de uma preferência para o reconhecimento da paternidade socioafetiva" (Instituições de Direito Civil, 17ª edição, Revista e Atualizada por Tânia da Silva Pereira, Rio de Janeiro, Forense, 2009, volume V, pág. 365).

No âmbito deste Tribunal, merece destaque acórdão da Terceira Turma que, ancorado em lúcido e percuciente voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, sintetizou-se nos termos da ementa abaixo:

"RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO.

- Merece reforma o acórdão que, ao julgar embargos de declaração, impõe multa com amparo no art. 538, par. único, CPC se o recurso não apresenta caráter modificativo e se foi interposto com expressa finalidade de prequestionar. Inteligência da Súmula 98, STJ.

- O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil.

- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação socioafetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai socioafetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica.

Recurso conhecido e provido." (REsp n. 878.941-DF, DJ de 17.9.2007.)

Em casos como o presente, o termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral - portanto, jurídica -, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil de 2002.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para, reformando o acórdão de origem, julgar improcedente a ação negativa de paternidade c/c nulidade de registro de nascimento, ficando invertidos os ônus sucumbenciais.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2004/0174616-7 REsp 709608 / MS

Números Origem: 200200273140 20040005890 95273268

PAUTA: 05/11/2009 JULGADO: 05/11/2009

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: L G A A

ADVOGADO: JOSÉ SEVERO PORTINHO

RECORRIDO: M C A S

ADVOGADO: EDSON MACARI

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Investigação de Paternidade

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). HENRIQUE LIMA/MS, pela parte RECORRENTE: L G A A

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP) e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília, 05 de novembro de 2009

TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

Documento: 926765

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 23/11/2009




JURID - Reconhecimento de paternidade via escritura pública. [30/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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