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sábado, 14 de novembro de 2009

JURID - Paciente será indenizado. [13/11/09] - Jurisprudência


Paciente que ficou com problemas na bexiga após cirurgia vai receber indenização.
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Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2003.01.1.081065-5

Vara: 112 - SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Autores: Ivone Conceição de Fátima Chaveiro dos Santos

Réu: Marcelo Pereira de Sousa e Distrito Federal

Autos nº 81.065-5/03

Sentença

Vistos etc...

Cuida-se de ação submetida ao rito ordinário, ajuizada por Ivone Conceição de Fátima Chaveiro dos Santos em desfavor de Marcelo Pereira de Sousa e do Distrito Federal, devidamente qualificados na petição inicial.

Em breve relato, aduz que em decorrência de procedimento cirúrgico denominado "histerectomia" teve sua bexiga afetada, com posterior provocação de "fístula vesico-vaginal", o que ocasionou a realização de mais duas cirurgias para correção do referido erro médico.

Alega que após a primeira cirurgia teve dificuldades em ser atendida pelo médico responsável pela "histerectomia", bem como no sentido de realizar os exames necessários para diagnosticar a extensão da lesão sofrida.

Assevera que somente após a realização de exames em clínicas particulares, foi submetida às duas últimas cirurgias, efetuadas no Hospital Universitário de Brasília. Acrescenta que os referido atos cirúrgicos lhe ocasionaram cicatrizes, que devem ser reparadas por novo ato de cirurgia plástica.

Por fim, alegando a ocorrência de erro médico na primeira cirurgia (histerectomia), requer a condenação dos réus ao pagamento de R$233,74, a título de danos materiais, bem como a reparação por danos morais no valor de R$100.000,00 (cem mil reais).

No mais, pugna para que os réus sejam compelidos a realizar procedimento de cirurgia plástica na autora, no prazo de 30 dias. Na impossibilidade, que o referido ato cirúrgico seja realizado por médico que indica, às expensas dos réus.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 09/50.

Em contestação (fls. 58/90), o primeiro réu alega ilegitimidade passiva. No mais, relata que o procedimento cirúrgico de "histerectomia" atendeu aos padrões médicos para a espécie, sendo que a lesão sofrida pela autora é inerente aos riscos do ato cirúrgico.

O Distrito Federal apresenta contestação (fls. 115/119), na qual alega que a lesão sofrida no ato de "histerectomia" foi plenamente corrigida no mesmo ato cirúrgico. Acrescenta que o posterior surgimento de "fístula" decorreu do não comparecimento da autora em tempo hábil para a retirada de sonda vesical.

Réplica às fls. 154/162.

Laudo pericial às fls. 350/359.

É o relatório.

Decido.

Trata-se de ação em que a autora objetiva indenização por danos decorrentes de ato cirúrgico, bem como realização de cirurgia plástica para minimizar as sequelas advindas de suposto erro médico.

De início, anote-se que a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo primeiro réu deve ser acolhida. Com efeito, o Texto Constitucional é claro em preceituar, em seu art. 37, § 6º, que o Estado responderá pelos danos causados por seus agentes, ficando ainda claro que os agentes só respondem perante a Administração Pública, em ação de regresso, se o dano tiver sido causado com culpa ou dolo.

Assim, fica desde já o primeiro réu excluído da presente relação jurídica processual, como restará anotado no dispositivo da presente sentença.

Quanto ao mérito, consoante o teor das alegações constantes nas peças processuais trazidas aos autos pelas partes, o aspecto controvertido da testilha gira em órbita tríplice: 1) o caso em análise demanda o exame de responsabilidade objetiva do Estado? 2) Em caso positivo, estão implementados os requisitos legais aptos a ensejar a condenação perseguida pela autora? 3) São cabíveis os pretendidos danos materiais e morais?

Passemos então ao exame dos tópicos em relevo.

A resposta à primeira indagação formulada requer, primeiramente, a definição da natureza do comportamento virtualmente ilícito, ostentado pelo médico da rede pública hospitalar local, em correlação com o perseguido efeito reparador. Cumpre estabelecer, em um primeiro passo, se a apontada obrigação de reparar o dano decorre da existência de ato ilícito comissivo ou omissivo, em face das repercussões a serem geradas a partir de tal constatação.

Primeiramente, convém assinalar que este Juízo entende aplicável no Direito Pátrio a teoria da faute du service. A lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema é bastante elucidativa, senão vejamos:

"Ao contrário do que se passa com a responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissivos, a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo da relação (a do lesado e sua esfera juridicamente protegida) mas pelo pólo ativo da relação. É dizer: são os caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade.

Não se pode, portanto, enfocar todo o problema da responsabilidade do Estado por comportamentos unilaterais (...)

É corretíssima, portanto, a posição sempre e de há muitos lustros, sustentada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello - que serviu de fundamento e de norte para os desenvolvimentos contidos neste trabalho - segundo quem a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento omissivo."

Tal entendimento doutrinário restou prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê no seguinte julgado, assim ementado, ad litteris:

STF - RE n. 179147 - JULGAMENTO: 12/12/1997

"E M E N T A

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C. F. art. 37, § 6º.

I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa;

c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.

II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.

IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral.

Ocorrência da faute de service.

V. - R. E. não conhecido."

O mesmo posicionamento vem sendo também adotado na jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL 20000150056560-DF - Ac. nº 138849 - Julgamento em 12/03/2001, 3ª Turma Cível - Rel. Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE - DJU 13/06/2001, p. 46.

"Ementa

CIVIL. OMISSÃO DE AGENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. TEORIA DA FAUTE DU SERVICE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE NORMATIVO E DA CULPA DO AGENTE PÚBLICO. 1. EM SE TRATANDO DE OMISSÃO DE UM COMPORTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO, DO QUAL RESULTE DANO, POR NÃO TER SIDO REALIZADA DETERMINADA PRESTAÇÃO DENTRE AS QUE INCUMBEM AO ESTADO REALIZAR EM PROL DA COLETIVIDADE, FALA-SE NA INCIDÊNCIA DA TEORIA DA FAUTE DU SERVICE, E NÃO EM RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. 2. NESSAS HIPÓTESES, MISTER SE FAZ A COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE EM TERMOS NORMATIVOS E NÃO NATURALÍSTICOS, IMPONDO-SE A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O DANO RESULTOU DIRETAMENTE DA INAÇÃO DOS AGENTES ADMINISTRATIVOS E DO MAU FUNCIONAMENTO DE UM SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO. PORTANTO, SE O SERVIÇO CONSISTE EM CONDUTA DE AGENTES PÚBLICOS, ESTA DEVE SER COMPROVADAMENTE CULPOSA, VIOLADORA DE UM DEVER DE EVITAR O RESULTADO, FAZENDO-SE MISTER DEMONSTRAR QUE O AGENTE PODIA E DEVIA AGIR PARA EVITAR O RESULTADO E, AINDA ASSIM, NÃO O FEZ."

No caso em análise, no entanto, aplica-se a teoria do risco administrativo, enquadrando-se o ato comissivo em destaque, em tese, na hipótese normada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Mostra-se dispensável qualquer ilação sobre a eventual culpa dos agentes do réu. No entanto, para a configuração dos elementos jurídicos que permitam chegar-se à pretendida condenação do réu, é indispensável a demonstração do dano e do nexo causal entre este e a atividade estatal. Com efeito, a questão em exame pede a análise de possível erro médico por parte do Estado, na prestação de serviço de saúde, nos procedimentos cirúrgicos que foram dispensados à autora, o que teria causado a esta as lesões descritas nos autos.

Assim, a ocorrência do alegado ato ilícito em tela pede a elaboração de juízo de valor sobre o dever legal da entidade responsável pelos serviços médicos prestados à postulante, e, a argumentação aqui desenvolvida deve, seguramente, girar em torno da existência, ou não, do nexo de causalidade aludido acima, cabendo à autora a prova do fato constitutivo de sua pretensão (art. 333, I, CPC).

No caso estritamente examinado, verifica-se que a prova pericial produzida nos autos assim concluiu:

"Existe um nexo causal entre a cirurgia de histerectomia e a posterior formação de fístula vesico vaginal na pericianda examinada. Conclui-se que da cirurgia inicial resultou para pessoa examinada dano estético em grau mínimo..." (FL. 205)

Muito embora não se possa exigir de um hospital o imponderável, mas tão-somente que seus profissionais adotem todas as providências possíveis, no sentido de prestar um bom atendimento a quem lhe procure.

A existência do mencionado nexo causal pode ser valorada, em tese, aplicando-se o critério da equivalência das condições.

A esse respeito, convém atentar às lições do Mestre Orlando Gomes, verbis:

"Nexo Causal. Para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ato (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal.

Se o dever de indenizar o prejuízo causado é a sanção imposta pela lei a quem comete ato ilícito, necessário se torna que o dano seja conseqüência da conduta de quem o produziu.

Não se exige, porém, que o ato do responsável seja a causa exclusiva do dano. Basta que entre as suas causas responda pela que determinou o prejuízo imediato. Não é preciso, da mesma forma que o agente tenha previsto suas conseqüências.

Indispensável é a conexão causal. (...omissis)

O nexo causal pode estabelecer-se entre uma abstenção e um dano, no pressuposto de que aquela que não evita um fato danoso deve ser equiparado, para os efeitos jurídicos, a quem o pratica. Mas não se deve levar essa regra às últimas conseqüências, só se justificando sua aplicação quando aquele que se abstém, além de impedir o dano, estiver obrigado a evitá-lo.

Não é fácil a determinação do nexo causal. Em muitos casos, torna-se penoso saber até aonde vai. Daí o esforço da doutrina para oferecer uma solução que facilite a tarefa do aplicador da lei quando se apresentam causas sucessivas. (...)

Pelo critério da equivalência das condições, qualquer dos fatos condicionantes pode ser tomado como causa eficiente do dano, que não se produziria sem a concatenação dos fatos de que a final veio a resultar o prejuízo. Não é preciso, por conseguinte, que o dano seja conseqüência necessária e imediata do fato que concorreu para sua produção. Basta verificar que não ocorreria se porventura o fato não tivesse acontecido. Pode não ser a causa imediata, mas se for condição sine qua non para a produção do dano, equivale a qualquer outra, mesmo mais próxima, para o efeito de ser considerada causa do dano." (ressalvo os grifos)

Mesmo os que não aceitam tais modelos de critérios para o estabelecimento do nexo causal devem ter em vista a doutrina de juristas de escol, no sentido de que, dentre os vários critérios existentes, deve o Juiz proceder cum arbitrio boni viri, aplicando a cada caso concreto o entendimento adequado à justa composição da lide.

Assim, à vista da prova coligida aos autos, que concluiu pela existência de dano estético em grau mínimo, bem como do nexo causal afirmado pela autora em sua peça de ingresso, o pleito inicial deve proceder, com a fixação moderada do valor alusivo à compensação dos danos morais sofridos, sem prejuízo da procedência do pedido de condenação por danos materiais, na forma simples, e também da obrigação de fazer ora buscada pela demandante, providências tais perfeitamente compatíveis com o fato descrito na inicial, seu nexo causal com os danos experimentados pela autora e a extensão destes.

Forte em tais razões, julgo procedente o pedido inicial para condenar o réu a pagar à autora o valor de R$ 35.000,00 a título de danos morais, bem como o valor de R$ 116,87 a título de danos materiais. Por conseguinte, fica o réu ainda obrigado a promover, às suas expensas, a devida cirurgia plástica corretiva da cicatriz resultante do procedimento cirúrgico ora sub censura. Correrão juros de mora de 0,5% a.m., bem como correção monetária, tudo a partir da data da citação do réu.

Por oportuno, julgo extinto o processo, sem exame de seu mérito, em face do primeiro réu, à vista de sua ilegitimidade passiva ad causam.

A autora arcará com o pagamento dos honorários de advogado em relação ao primeiro réu, ora fixado em R$ 1000,00, desde que possa fazê-lo nos moldes e prazos preconizados na Lei nº 1060/50 - art. 20, § 4º, do CPC.

Quanto ao mais, o réu arcará com o pagamento das custas processuais e honorários de advogado, ora fixados em 10% do valor da condenação. Sem custas, em virtude de isenção legal.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília-DF, 27 de outubro de 2009.

Álvaro Luis de A. Ciarlini
Juiz de Direito



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