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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

JURID - Irresignação do Ministério Público. Lei Maria da Penha. [05/11/09] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Irresignação do Ministério Público. Lei Maria da Penha. Delito de lesão corporal.
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Inteiro Teor:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEI MARIA DA PENHA - DELITO DE LESÃO CORPORAL - ARTIGO 129, § 9º, DO CP - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - REPRESENTAÇÃO - DESINTERESSE DA VÍTIMA EM REPRESENTAR CONTRA O RECORRIDO - RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO - VOTO VENCIDO. - O delito de lesão corporal praticado contra vítima em ambiente doméstico será apurado por meio de ação penal pública condicionada à representação da vítima, uma vez que o disposto no artigo 41 da Lei Maria da Penha visa tão-somente impedir a concessão de benefícios e institutos despenalizadores previstos na Lei de Juizados Especiais, como a composição civil e a transação penal, preservando-se, assim, a finalidade repressiva, reflexiva e pedagógica da pena. Portanto, uma vez manifestando-se a vítima de forma induvidosa acerca de seu desinteresse em representar contra o recorrido e dar prosseguimento à ação penal, resta instalado o óbice insuperável ao recebimento da denúncia.V.V:- A lesão corporal praticada contra a mulher (violência doméstica) é delito que se processa mediante ação penal pública incondicionada, segundo as diretrizes do CP, afastada a aplicação da Lei nº 9.099/95 (art. 41 da Lei 11.340/06), sendo, por dedução lógica, irrelevante a manifestação da vítima pelo desinteresse da representação (Des. Júlio Cezar Guttierrez).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 1.0024.07.573005-1/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RECORRIDO(A)(S): JOSÉ AUGUSTO SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. FERNANDO STARLING

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NÃO PROVER O RECURSO, VENCIDO O DESEMBARGADOR PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 23 de setembro de 2009.

DES. FERNANDO STARLING - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. FERNANDO STARLING:

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra a decisão prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte, que não recebeu a denúncia oferecida em desfavor de JOSÉ AUGUSTO SILVA, pela prática do delito previsto no artigo 129, §9º, do Código Penal, sob o fundamento de que a ofendida manifestou-se expressamente pela desnecessidade de representar contra o recorrido, bem como pelo decurso do prazo decadencial para representação da vítima.

Consta da peça acusatória que no dia 03/01/2007, no município de Belo Horizonte, o recorrido ofendeu a integridade física de sua genitora, ora vítima, Maria Lúcia da Conceição Silva, com um soco no seu peito ao ser impedido de quebrar a geladeira da residência em que se encontrava, f. 02.

À f. 09, a vítima prestou suas declarações perante a autoridade policial manifestando livre e espontaneamente o seu desinteresse em representar contra o ora recorrido, uma vez que ele somente agiu da forma como narrada na denúncia em função de não estar tomando os seus remédios, haja vista que à época não estava fazendo o necessário tratamento psiquiátrico, inclusive já tendo sido internado no Hospital Raul Soares em virtude de seus distúrbios psíquicos.

Não obstante a expressa recusa da vítima à instauração de ação penal em desfavor do recorrido, o ilustre membro do órgão ministerial ofereceu denúncia em 06/11/2008 (f. 02/03). Todavia, corretamente, o MM. Juiz de Direito não recebeu a denúncia ofertada sob o fundamento de que a despeito do teor do art. 41 da Lei 11.340/06, o caráter despenalizador da representação favorece a vítima, a qual é a única que pode aquilatar a real necessidade da instauração de eventual ação penal. Somado ao desinteresse da vítima, verificou o magistrado primevo que o prazo decadencial para propositura da representação se exauriu, motivo pelo qual extinguiu a punibilidade do recorrido pela decadência do direito de representação da vítima.

Argumenta o Ministério Público que o artigo 41 da Lei 11.340/06 afastou explicitamente a aplicabilidade da Lei 9.099/95, nos casos de lesão corporal praticada no âmbito familiar e doméstico (artigo 129, § 9º, do CP) e, via de conseqüência, tornou a ação em pública incondicionada, circunstância que impõe a desnecessidade de representação da vítima para recebimento da denúncia e prosseguimento do feito.

A violência doméstica de que trata o diploma supramencionado, além de trazer indiscutível desapreço à vítima, também pode provocar outras seqüelas de igual gravidade, principalmente em razão das relações familiares e/ou conjugais da ofendida com seu ofensor.

Em razão de tais circunstâncias, houve por bem o legislador oportunizar à ofendida que ponderasse acerca dos fatos motivadores da resposta do poder público, longe do calor dos acontecimentos, para que pudesse, caso fosse de seu desejo, deixar de representar contra o acusado.

Ressalto que a instauração de uma ação penal poderá trazer transtorno maior do que a própria conduta do agente anteriormente observada, devendo-se, no presente caso, ser considerada a vontade da vítima, que serenamente optou pela renúncia à representação, mesmo consciente de todas as garantias que o Estado colocaria à sua disposição, caso optasse pela instauração do processo penal.

Portanto, uma vez que restou por resolvido o embate entre ofensor e ofendida, não há mais a necessidade do Estado, através do Poder Judiciário, solucionar um conflito já superado.

Vale ressaltar que o direito de representação da vítima, tanto quanto o de retratação perante o Juízo (artigo 16 da Lei 11.340/06), também é um instrumento poderoso para o equilíbrio das relações domésticas, que em muito poderá beneficiar a vítima, o que é a finalidade principal da Lei, muito mais até que punir o próprio ofensor.

Portanto, não cabe, aqui, o argumento de que, no caso do delito de causar lesões corporais leves no âmbito familiar e doméstico, qualificado pela Lei 11.340/06, a ação seria pública incondicionada, ante a inaplicabilidade da Lei 9.099/95. Não foi essa a intenção do legislador, uma vez que o disposto no artigo 41 da Lei Maria da Penha visa tão-somente impedir a concessão de benefícios e institutos despenalizadores previstos na Lei de Juizados Especiais, como a composição civil e a transação penal, preservando-se, assim, a finalidade repressiva, reflexiva e pedagógica da pena.

O artigo 17 da Lei Maria da Penha proíbe a aplicação de penas de prestação pecuniária, fornecimento cestas básicas e pagamento isolado de multa. Entretanto, não restou evidenciado qualquer óbice a aplicação do artigo 88 da Lei 9.099/95, que prevê a necessidade de representação da vítima nos delitos de lesão corporal leve e culposa, circunstância que vem corroborada no próprio diploma específico, conforme se depreende da previsão de seu artigo 12, inciso I.

Nesse sentido:

"(...) Como bem pondera Damásio de Jesus é contraditório afirmar, em face do art. 41 da Lei Maria da Penha, que a ação penal é incondicionada, e, ao mesmo tempo, defender, perante o art. 16, que não se pode interpretar a expressão renúncia no sentido de desistência da representação. Adotada a tese de ação penal pública incondicionada, como falar em renúncia ou retração da representação? Continua o mesmo autor: Não pretendeu a lei transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão corporal cometido contra mulher no âmbito doméstico e familiar, o que contrariaria a tendência brasileira da admissão de um Direito Penal de Intervenção Mínima e dela retiraria meios de restaurar a paz no lar. Conclui afirmando que: considerar a ação penal por visas de fato e lesão corporal comum pública incondicionada, consistiria em retrocesso legislativo inaceitável. (...)" (A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/06 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher/ Maria Berenice Dias. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pg. 121).

Não vislumbro qualquer óbice ao desejo da vítima de não representar perante a autoridade policial ao entendimento de que a previsão inserta no artigo 41 do mesmo diploma não impôs à ação penal proposta em razão da prática do delito de lesão corporal leve cometido no seio familiar e doméstico, a qualidade de ser pública e não condicionada à vontade da vítima.

Tratando-se, assim, de ação penal condicionada à representação da vítima, tem-se que o prazo decadencial para manifestação do desejo de instauração da ação é de 06 (seis) meses contados a partir da data em que a vítima tomou ciência da autoria do suposto delito, no caso em tela, no dia 03/01/2007 (art. 38, CPP, c/c art. 75, Lei 9.099/95). Assim, uma vez manifestando-se pela não representação, f. 09, e ainda assim oferecida denúncia pelo ilustre membro do órgão ministerial no dia 06/11/2008, restou expirado o prazo legal e fora corretamente extinta a punibilidade do recorrido ante a decadência do direito de representação da vítima.

Diante do exposto e do mais que dos autos consta, NEGO PROVIMENTO ao recurso para manter a decisão ora combatida, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas, como de lei.

O SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ:

VOTO

Também conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

No mérito, todavia, tenho entendimento diverso do esposado pelo eminente Desembargador Relator, rogata maxima venia.

Respeito a interpretação sistemática levada a efeito pelo nobre Colega, no que diz respeito à natureza condicionada da ação penal nos crimes de lesão corporal de natureza leve regidos pela Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), porém, tenho uma visão diferente sobre o tema, data venia.

A Lei Maria da Penha, conforme se extrai do seu preâmbulo, foi instituída com o fim de "coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher" e no seu artigo 1º está expressa essa finalidade.

Os fundamentos jurídicos dessa lei também estão expressos tanto no preâmbulo quanto no seu artigo 1º, quais sejam: §8º do art. 226 da Constituição Federal, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Assim, essa Lei cria mecanismos para atingir finalidade específica (coibir, prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher). Exemplificando, a Lei 11.340/06 prevê a criação de juizados de violência doméstica e familiar, cria medidas integradas de proteção (art. 8º), defere assistência emergencial em situação de risco (art. 9º), atendimento prioritário pela autoridade policial (art. 10), além de medidas protetivas de urgência, no âmbito do Judiciário (art. 18).

Nessa esteira é visível, é plenamente justificável, que toda interpretação deve ser feita de forma a favorecer a mulher, qualificada pela Constituição (§8º do artigo 226) e pela Lei 11.340/06 como hipossuficiente.

A intenção do legislador em nada se diferencia da mesma que ensejou a elaboração de outros diplomas protetivos de minorias em situação de idêntica hipossuficiência, tais como idosos e crianças, de forma a, dessa maneira, efetivar o disposto pelo princípio constitucional da isonomia, cuja obediência pressupõe tratamento desigual aos desiguais.

"[...] Implementada no Brasil para a tutela do gênero feminino, justifica-se pela situação de vulnerabilidade e hipossuficiência em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar." (Ana Raquel Colares Linard. Disp. http://www.acmp-ce.org.br/revista/ano8/n18/ensaio.php. acesso em 22/01/09)

A Lei Maria da Penha, portanto, deve sempre ter uma interpretação que mais favoreça a mulher, em razão da presunção de hipossuficiência.

Assim, entendo, data vênia, que ao afastar a aplicação da Lei 9.099/95, a Lei Maria da Penha o está fazendo em todos os seus termos (Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995).

A Lei Maria da Penha afasta a Lei 9.099/95 nos seus institutos próprios (Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa).

Mas também afasta as regras gerais da Lei 9.099/05, inclusive relativamente ao artigo 88 da Lei 9.099/05 (Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas).

Dessa forma, entendo aplicar-se a regra do Código Penal que prevê, para as hipóteses de lesão corporal leve ou culposa a ação penal pública incondicionada, quando a vítima for mulher, amparada pela Lei Maria da Penha.

Não resta dúvida que esse tipo incondicional de ação penal é o que mais ampara a mulher, no caso em exame, pois a libera de eventuais pressões quanto ao prosseguimento da ação penal. A instrução criminal servirá para evidenciar se houve ou não a restauração do vínculo familiar e afetivo entre as partes.

A propósito, há decisão do STJ no sentido de se considerar pública e incondicionada a ação penal movida em face do delito de lesão corporal leve praticado em contexto de violência doméstica (REsp. 1000222/DF - Rel. Min. JANE SILVA [Desembargadora convocada do TJ/MG] - 6ª Turma - DJe 24/11/2008).

Também existem precedentes neste Egrégio Tribunal de Justiça (AC nº 1.0026.07.026832-6/001 - 2ª C.Crim. - Rel. Des. Herculano Rodrigues - DJMG 30.04.2008; AC nº 1.0024.07.450918-3/001 - Rel. Desª. Beatriz Pinheiro Caíres - DJMG 19.08.2008).

Confira-se, ainda, a doutrina:

Quanto à hipótese de violência doméstica, temos defendido ser caso de ação pública incondicionada, afinal, a referência do art. 88 da Lei mencionava apenas a lesão leve, que se encontra prevista no caput do art. 129 do Código Penal, bem como a lesão culposa, prevista no art. §6º. Não se incluem outras formas de lesões qualificadas (§§1º, 2º, 3º e, atualmente, 9º). (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3ª ed. 2008. p. 781).

Destarte, sendo incondicional a ação penal e prescindível a representação pela ofendida, é de todo irrelevante que a vítima tenha manifestado o desinteresse em representar na fase inquisitiva (fls. 09).

Por estas razões, dou provimento ao recurso, para cassar a decisão hostilizada e receber a denúncia, determinando o prosseguimento do feito.

Custas, na forma da lei.

O SR. DES. HERBERT CARNEIRO:

VOTO

De acordo com o Des. Relator.

SÚMULA: RECURSO NÃO PROVIDO VENCIDO O DESEMBARGADOR PRIMEIRO VOGAL.

Data da Publicação: 28/10/2009




JURID - Irresignação do Ministério Público. Lei Maria da Penha. [05/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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