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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

JURID - Furto. Laudo de avaliação dos bens subtraídos. Nulidade. [11/11/09] - Jurisprudência


Recurso especial. Penal. Furto. Laudo de avaliação dos bens subtraídos. Nulidade. Peritos.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 820.960 - RS (2006/0034995-3)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO: SÍLVIA LÚCIA DE PAULA

ADVOGADO: CLEOMIR DE OLIVEIRA CARRAO - DEFENSORA PÚBLICA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. LAUDO DE AVALIAÇÃO DOS BENS SUBTRAÍDOS. NULIDADE. PERITOS. INDISPENSABILIDADE DE CURSO SUPERIOR. QUALIFICADORA REFERENTE AO CONCURSO DE AGENTES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MÍNIMO DESVALOR DA AÇÃO. BEM SUBTRAÍDO RESTITUÍDO À VITIMA. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESPERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. Nos termos do art. 159, § 1.º, do Código de Processo Penal, caso não haja peritos oficiais, o laudo pericial deverá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, o que não ocorreu no caso em tela.

2. No caso, decretada a nulidade do auto de avaliação, a sentença de primeiro grau e o acórdão recorrido consideraram outros elementos probatórios para determinar que os objetos têm valor insignificante.

3. Tendo sido considerado ínfimo o valor da res furtiva pelas instâncias ordinárias, correto o reconhecimento da natureza bagatelar da infração.

4. A pretensão do Recorrente, de rever a conclusão do acórdão hostilizado para considerar que a res furtiva tem valor significativo, esbarra no óbice da Súmula n.º 7 deste Superior Tribunal de Justiça, na medida em que seria necessário rever o conjunto fático-probatório para aferir o valor dos objetos em comento.

5. A qualificação do delito, por si só, não impede a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.

6. Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 29 de setembro de 2009 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, em face de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça local na apelação criminal n.º 70011210374.

Consta nos autos que a Recorrida foi denunciada com base no art. 155, § 4.º, inciso IV, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal, conforme narrativa dos fatos a seguir transcrita:

"No dia 15 de abril de 2004, por volta de 15h, no Cemitério Evangélico Hamburgo Velho, situado na Rua Leão XIII, n.º 180, Bairro Hamburgo Velho, nesta cidade, a denunciada SILVIA LÚCIA DE PAULA, tentou subtrair, para si, mediante comunhão de esforços e acordo de vontades com outra mulher ainda não identificada, 12 (doze) crucifixos, 03 (três) cabeças de cristo e 01 (um) anjo, todos de bronze, dos túmulos do referido Cemitério, conforme auto de apreensão de fls.

Na oportunidade, o zelador do Cemitério Evangélico surpreendeu a ré e outra mulher não identificada tentando subtrair peças de bronze dos túmulos, o que não se consumou por circunstâncias alheias a vontade da ré, pois foi flagrada pelo zelador do cemitério e conseguiram fugir deixando as referidas peças. Ato contínuo o zelador avisou a Brigada Militar pelo celular e conseguiram prender a denunciada.

A denunciada é reincidente, conforme certidão de antecedentes de fls." (fl. 03)

A denúncia foi julgada improcedente, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Contra essa sentença, o Ministério Público interpôs apelação criminal, que foi desprovida, nos termos da seguinte ementa:

"furto qualificado pelo concurso de agentes. tentativa. RES furtiva APREENDIDA E RESTITUÍDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. iNexistência de LESÃO ao PATRIMÔNIO DA VÍTIMA, bem jurídico tutelado. fato penalmente irrelevante. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO mantida. sentença confirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Apelação improvida." (fl. 119)

Irresignado, o Ministério Público interpôs o presente recurso especial, alegando contrariedade aos arts. 159, § 1.º, e 172 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o Tribunal a quo entendeu ser indispensável especificar a qualificação técnica dos peritos no auto de avaliação. Afirma que apurar o valor de comércio dos bens subtraídos não exige maiores conhecimentos técnicos, e essa exigência constitui nulidade relativa.

Sustenta negativa de vigência ao art. 155, § 4.º, inciso IV, do Código Penal, na medida em que o acórdão hostilizado considerou atípica a conduta da Recorrida, por se tratar de crime de bagatela. Argumenta que a conduta é penalmente relevante, principalmente em se considerando a qualificadora do crime, o valor do objeto subtraído, bem como os antecedentes da Ré.

Assim, requer a reforma do acórdão recorrido para considerar válido o auto de avaliação dos bens e condenar a Ré pelo crime de furto qualificado pelo concurso de agentes.

Nas contrarrazões, às fls. 148/154, a Recorrida pleiteia o não conhecimento do recurso ou o seu desprovimento.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial, conforme a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. LAUDO PERICIAL NÃO REALIZADO POR PESSOAS PORTADORAS DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. NULIDADE. ART. 159, § 1.º, DO CPP. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. ANTECEDENTES CRIMINAIS ESPECÍFICOS EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

Parecer pelo provimento do recurso especial." (fl. 163)

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

De início, verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua interposição com fundamento no dispositivo constitucional, a legitimidade postulatória, o interesse recursal, a exposição da suposta ofensa a dispositivo legal e o devido prequestionamento.

Passo à análise do mérito.

A primeira insurgência do Recorrente refere-se à decretação de nulidade do auto de avaliação de fl. 39.

O Tribunal a quo reconheceu o vício, nos seguintes termos:

"A MM Juíza de Direito Lúcia Helena Camerini, como de costume, deu correta solução ao caso, razão pela qual adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir, pedindo vênia para transcrevê-los:

'Trata-se de ação penal pública promovida contra Sílvia Lúcia de Paula pela prática do crime de furto qualificado na forma tentada.

Preliminarmente, compete proceder à análise da prejudicial suscitada. Alega a defesa haver mácula no laudo avaliativo realizado (fl. 39) ante a negativa de vigência ao disposto no artigo 159, § 1º, do Código de Processo Penal, tese que prospera. O exame foi realizado por dois peritos nomeados, não constante no caderno inquisitório qualquer referência às suas escolaridades, conforme determina o referido dispositivo legal.

Assim, não observadas as formalidades legais, eivada está a peça de atipicidade formal, circunstância que acarreta a nulidade do auto com fundamento no art. 564, inciso IV, do Código de Processo Penal. Contudo, a imprestabilidade da perícia não tem o condição de macular o feito, pois pode perfeitamente a materialidade delitiva vir calcada sobre provas outras." (fl. 120)

Os dispositivos tidos por violados tinham a seguinte redação, na época da elaboração do referido laudo de avaliação:

"Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais.

§ 1.º Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame." (sem grifos no original.)

"Art. 172. Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime.

Parágrafo único. Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências."

Em que pesem os relevantes argumentos aduzidos nas razões do apelo especial, tem-se que, nos termos das normas supratranscritas, não sendo possível a realização do exame por peritos oficiais, o laudo poderá ser realizado por duas pessoas idôneas, desde que atendido o requisito de possuírem diploma de curso superior, o que não ocorreu no presente caso.

Assim, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Turma, que entende ser indispensável o diploma de curso superior, sendo nulo o laudo pericial produzido por peritos que não preencham o requisito legal previsto no § 1.º do art. 159 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. EXAME DE CORPO DE DELITO. REALIZAÇÃO POR PERITOS NÃO-OFICIAIS. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA QUALIFICADORA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Impossibilidade de conhecimento do recurso pela alínea c, uma vez que o recorrente não apresentou dissídio jurisprudencial. In casu, não houve indicação do acórdão paradigma, nem demonstração da divergência.

2. Pela interpretação dos arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal, conclui-se que, relativamente às infrações que deixam vestígio, a realização de exame pericial se mostra indispensável, podendo a prova testemunhal supri-lo apenas na hipótese em que os vestígios do crime tiverem desaparecido. Precedentes do STJ.

3. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que, caso não haja peritos oficiais, o laudo pericial poderá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior.

4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja incluída a qualificadora do rompimento de obstáculo." (REsp 778.898/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 13/04/2009; sem grifos no original.)

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. INAPLICÁVEL A MAJORANTE PREVISTA NO CRIME DE ROUBO. VIOLAÇÃO AO ART 155, § 4.º, DO CP. ART. 159, § 1.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. LAUDO PERICIAL. PESSOAS IDÔNEAS. PORTADORAS DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR.

1. A legislação penal define o quantum do crime de furto qualificado pelo concurso de agentes, inexistindo, pois, lacuna, razão pela qual não se afigura possível a aplicação da majorante do roubo em igual condição.

2. Nos termos do art. 159, § 1.º, do Código Penal, caso não haja peritos oficiais, o laudo pericial deverá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, o que não ocorreu no caso em tela.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, mas declaro, de ofício, a extinção quanto ao crime imputado aos Recorridos, em face da ocorrência superveniente da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, inciso IV, c.c. os arts. 109, inciso V, e 110, § 1.º, todos do Código Penal." (REsp 769.993/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 22/04/2008; sem grifos no original.)

Em segundo lugar, insurge-se o Recorrente contra a aplicação do princípio da insignificância.

O acórdão recorrido está assim fundamentado, in verbis:

"A MM Juíza de Direito Lúcia Helena Camerini, como de costume, deu correta solução ao caso, razão pela qual adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir, pedindo vênia para transcrevê-los:

(...)

'Trata-se, em verdade, de crime de bagatela, que ínfima ou nenhuma lesão causou ao bem jurídico tutelado. A ré, que sequer retirou qualquer peça do interior do cemitério, foi pega a cerca de 500 metros do local apenas com uma sacola de latinhas, as quais não pertenciam à vítima.

Ademais, com a nulidade do auto de avaliação da res, não há informações seguras acerca do valor dos objetos, sendo provável que ínfimos.

Ainda, a acusada é pessoa pobre, de parca instrução, sequer conseguindo causar qualquer prejuízo ao Padre ou ao Cemitério, sendo merecedora da absolvição por critérios de Política Criminal.

Destarte, bem analisados os autos e sopesadas as provas carreadas, a melhor solução emergente ao caso concreto é a aplicação do princípio da insignificância e a conseqüente absolvição da ré por não interessar ao Estado a movimentação do todo o seu aparato punitivo para aplicar qualquer reprimenda.' (fls. 89-91)

O fato imputado à denunciado é desprovido de ofensividade, porque não atingiu o patrimônio da vítima, bem jurídico tutelado, com a afetação exigida para a tipicidade penal. Assim, a insignificância da ofensa, que só pode ser valorada considerando-se todo o ordenamento jurídico, afasta da conduta do agente a tipicidade, pois não merece o fato atenção do Direito Penal, necessário apenas à proteção do bem jurídico tutelado pela norma, quando efetivamente atingido." (fls. 120/121; sem grifos no original.)

Alega o Recorrente que não é possível a aplicação do princípio da insignificância ao caso concreto, tendo em vista o expressivo valor dos bens, a qualificadora do crime e os antecedentes da Acusada.

Conforme excerto do acórdão supratranscrito, as instâncias ordinárias consideraram que, a despeito da nulidade do laudo de avaliação, o valor subtraído pode ser considerado ínfimo, ao se conjugar o dano ao patrimônio da vítima (Cemitério Evangélico), com a periculosidade social da ação e o grau de reprovabilidade do comportamento do agente.

A pretensão do Recorrente, de rever a conclusão do acórdão hostilizado para considerar que a res furtiva tem valor significativo, esbarra no óbice da Súmula n.º 7 deste Superior Tribunal de Justiça, na medida em que seria necessário rever o conjunto fático-probatório para aferir o valor dos objetos em comento.

A propósito, confira-se o seguinte precedente:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INSUFICIÊNCIA DE DADOS ACERCA DO VALOR E QUANTIDADE DE PRODUTOS SUBTRAÍDOS. APLICAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ.

I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância, é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade).

II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.

III - Os autos retratam uma dúvida relevante sobre o valor da res furtiva, já que, conforme consignado pelo e. Tribunal de origem, o auto de avaliação não esclarece, satisfatoriamente, a quantidade e o valor dos produtos furtados. Ora, tendo em conta que a própria natureza dos objetos subtraídos (balas, chicletes e chocolates) pressupõe tratar-se de res de valor ínfimo, para afastar o princípio da insignificância, imprescindível a certeza quanto a tais dados (quantidade e valor).

IV - Assim, tendo em vista o que restou expressamente determinado pelo e. Tribunal a quo, quanto ao valor e quantidade dos produtos objeto do furto, a análise da incidência, in casu, do princípio da insignificância, importaria em indevido exame de matéria fático-probatória, procedimento vedado pela Súmula nº 07/STJ.

Recurso especial não conhecido." (REsp 1.111.415/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe de 17/08/2009; sem grifos no original.)

O segundo argumento aduzido pelo Recorrente, para rechaçar a tese do crime de bagatela, refere-se à impossibilidade de se reconhecer furto qualificado mediante o concurso de 2 (duas) pessoas como insignificante.

Ocorre que, diante do caráter fragmentário do Direito Penal moderno, segundo o qual se deve tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de real gravidade.

É certo que o pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Não se pode confundir o pequeno valor, com valor insignificante, que é aquele que causa lesão que, de per si, não tem qualquer relevo em sede de ilicitude penal.

Nos termos da melhor jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em caso de furto, para se considerar que a conduta do agente não resultou em perigo concreto e relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico tutelado pela norma, deve-se conjugar a inexistência de dano ao patrimônio da vítima com a periculosidade social da ação e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, elementos que estão presentes na espécie.

Assim, em que pese a tentativa de furto ter sido cometida mediante o concurso de pessoas, é possível reconhecer o crime de bagatela.

Nesse sentido:

"HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO POR DESTREZA - VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA - R$ 8,00 - RESTITUIÇÃO À VÍTIMA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - POSSIBILIDADE - MAUS ANTECEDENTES - CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO É CAPAZ DE AFASTAR A APLICAÇÃO DO MENCIONADO PRINCÍPIO - ORDEM CONCEDIDA.

I- A qualificação do delito de furto não impede a aplicação do princípio da insignificância, mas apenas as circunstâncias do caso concreto.

II- Sendo ínfimos o valor da res furtiva e a lesividade da conduta do agente, deve ser reconhecida a natureza bagatelar da infração.

III- Ordem concedida." (HC 83.143/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG, DJ de 01/10/2007.)

Da mesma forma, não prospera a alegação de que se trata de Ré com maus antecedentes. Primeiro, porque o Juiz de primeiro expressamente consignou que se trata de Acusada tecnicamente primária (fl. 89).

Em segundo lugar, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, evitando aplicar o inaceitável direito penal do autor, é no sentido de que as circunstâncias de caráter eminentemente pessoal não interferem no reconhecimento do delito de bagatela, uma vez que este está relacionado com o bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto, e não com a pessoa do Acusado.

A propósito:

"CRIMINAL. HC. FURTO. TENTATIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. RES FURTIVA DE VALOR ÍNFIMO. BEM DEVOLVIDO À VÍTIMA. CONDIÇÕES PESSOAIS DO RÉU QUE NÃO IMPEDEM A APLICAÇÃO DO INSTITUTO. POSSIBILIDADE DE HAVER MAIORES VALORES NO INTERIOR DO BEM SUBTRAÍDO. CIRCUNSTÂNCIA ABSTRATA. ORDEM CONCEDIDA.

1- A verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado.

2- Evidenciado que o bem subtraído possui importância reduzida, uma vez que o valor subtraído soma em média 3% do salário mínimo, além da res furtiva ter sido devolvida à vítima, inexiste repercussão social ou econômica, sendo inconveniente se movimentar o Poder Judiciário para solucionar tal lide. Precedentes.

3- As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal.

4- A possibilidade de haver outros valores patrimoniais significativos no interior da bolsinha furtada é circunstância abstrata, que não pode ser levada em consideração para afastar a aplicação do mencionado princípio, em especial em casos como o dos autos, onde o bem foi restituído à vítima.

5- Ordem concedida, para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, cassando-se o acórdão impugnado e restabelecendo-se a decisão monocrática que rejeitou a denúncia oferecida pelo órgão ministerial, sob o fundamento de ser aplicável à espécie o princípio da insignificância." (HC 82.833/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJ de 22/10/2007; sem grifos no original.)

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica, eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade).

II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.

III - No caso concreto, o valor da res furtiva equivale a uma esmola, configurando, portanto, um delito de bagatela.

IV - Circunstâncias de caráter eminentemente pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não interferem no reconhecimento do princípio da insignificância.

Recurso especial desprovido." (REsp 827.960/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 18/12/2006; sem grifos no original.)

Tal entendimento também encontra conformidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Confira-se:

"I. Recurso extraordinário: descabimento: falta de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no RE: incidência das Súmulas 282 e 356.

II. Recurso extraordinário, requisitos específicos e habeas corpus de ofício. Em recurso extraordinário criminal, perde relevo a inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e outros vícios formais, se, não obstante - evidenciando-se a lesão ou a ameaça à liberdade de locomoção - seja possível a concessão de habeas-corpus de ofício (v.g. RE 273.363, 1ª T., Sepúlveda Pertence, DJ 20.10.2000).

III. Descaminho considerado como 'crime de bagatela': aplicação do 'princípio da insignificância'. Para a incidência do princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2ª T., Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização da infração penal como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é. E sendo, torna-se atípico, impondo-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC 77.003, 2ª T., Marco Aurélio, RTJ 178/310).

IV. Concessão de habeas corpus de ofício, para restabelecer a rejeição da denúncia." (AI-QO 559.904/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 26/08/2005; sem grifos no original.)

Ressalte-se, portanto, que a aplicabilidade do princípio da insignificância no furto, para afastar a tipicidade penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2006/0034995-3 REsp 820960 / RS

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 1901967645 70011210374

PAUTA: 17/09/2009 JULGADO: 29/09/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RECORRIDO: SÍLVIA LÚCIA DE PAULA

ADVOGADO: CLEOMIR DE OLIVEIRA CARRAO - DEFENSORA PÚBLICA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento."

Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília, 29 de setembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 916303

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 09/11/2009




JURID - Furto. Laudo de avaliação dos bens subtraídos. Nulidade. [11/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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