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sábado, 7 de novembro de 2009

JURID - Família será indenizada. [04/11/09] - Jurisprudência


DF é condenado a indenizar em 50 mil família de paciente morta por falta de atendimento.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2008.01.1.061615-8

Vara: 112 - SEGUNDA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Poder Judiciário

Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Segunda Vara da Fazenda Pública

Autor: Amailce Caldeira de Moura

Réu: Distrito Federal

Autos nº 61615-8-2008

S e n t e n ç a

Vistos etc...

Trata-se de ação sob o rito ordinário ajuizada por Amailce Caldeira de Moura, qualificado na petição inicial, em desfavor do Distrito Federal.

Aduz a demandante que é uma das filhas de Isidora Pôrto de Oliveira, falecida em 22/04/2008, em decorrência de conduta negligente por parte do réu. Alega que sua mãe ficou internada por 24 dias no HRAN, tendo recebido alta em 19/04/2008. Após o transcurso de dias, necessitou de atendimento urgente no hospital, tendo sido solicitado o serviço do SAMU. Isso não obstante, em virtude de residir na Candangolândia, a paciente foi levada ao Hospital do Guará, que não dispunha de estrutura para tratar da gravidade do caso. Duas horas depois de dar entrada, a profissional responsável constatou que a paciente necessitava de urgente internação em UTI. Comunicado o caso ao HRAN, o diretor do hospital não autorizou a transferência. Cerca de duas horas após tal ocorrência, Isidora veio a óbito, em decorrência da conduta omissiva do diretor do HRAN.

Postula a concessão dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, requer condenação do réu ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de indenização.

Acompanham a inicial os documentos às fls. 10/17.

Gratuidade de justiça deferida às fls. 41/45.

O réu, em resposta às fls. 50/69, impugna a documentação acosta pela autora, sob o argumento de que estão consubstanciadas em simples cópias sem autenticação. Aduz ainda que o diretor do Hospital não agiu com culpa, tendo seguido rigorosamente os postulados da ciência médica. Assim, entende que estão ausentes os requisitos para configuração da responsabilidade civil do Estado. Sob o enfoque do principio da eventualidade, alega que no caso de eventual condenação do réu ao pagamento de danos morais, deverão ser observados os parâmetros da moderação e da proporcionalidade, a fim de evitar enriquecimento sem causa.

Requer a improcedência do pedido inicial. Juntou os documentos de fls. 65/69.

Réplica às fls. 74/79.

Sem mais provas, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Decido.

Consoante o teor das alegações constantes nas peças processuais trazidas aos autos pelas partes, o aspecto controvertido da testilha gira em órbita tríplice: 1) o caso em análise demanda o exame de responsabilidade objetiva do Estado? 2) Em caso positivo, estão implementados os requisitos legais aptos a ensejar a condenação perseguida pela autora? 3) São cabíveis os pretendidos danos morais?

Passemos então ao exame dos tópicos em relevo.

A resposta à primeira indagação formulada requer, primeiramente, a definição da natureza do comportamento ostentado pelos médicos da ré, em correlação com o perseguido efeito reparador. Cumpre estabelecer, em um primeiro passo, se a apontada obrigação de reparar o dano decorre da existência de ato ilícito comissivo ou omissivo, ou em virtude de outros atos que ensejam indenização, em face das repercussões a serem geradas a partir de tal constatação.

Primeiramente, convém assinalar que este Juízo entende aplicável no Direito Pátrio a teoria da faute du service. A lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema é bastante elucidativa, senão vejamos

"Ao contrário do que se passa com a responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, na responsabilidade por comportamentos omissivos, a questão não se examina nem se decide pelo ângulo passivo da relação (a do lesado e sua esfera juridicamente protegida) mas pelo pólo ativo da relação. É dizer: são os caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade.

Não se pode, portanto, enfocar todo o problema da responsabilidade do Estado por comportamentos unilaterais (...)

É corretíssima, portanto, a posição sempre e de há muitos lustros, sustentada pelo Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello - que serviu de fundamento e de norte para os desenvolvimentos contidos neste trabalho - segundo quem a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento omissivo."

Tal entendimento doutrinário restou prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê no seguinte julgado, assim ementado, ad litteris:

STF - RE n. 179147 - JULGAMENTO: 12/12/1997

"E M E N T A

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: MORTE DE PRESIDIÁRIO POR OUTRO PRESIDIÁRIO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FAUTE DE SERVICE. C. F. ART. 37, § 6º.

I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa;

c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa.

II. - Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.

III. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses.

IV. - Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral.

Ocorrência da faute de service.

V. - R. E. não conhecido."

O mesmo posicionamento vem sendo também adotado na jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL 20000150056560-DF - Ac. nº 138849 - Julgamento em 12/03/2001, 3ª Turma Cível - Rel. Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE - DJU 13/06/2001, p. 46.

"Ementa

CIVIL. OMISSÃO DE AGENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. TEORIA DA FAUTE DU SERVICE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE NORMATIVO E DA CULPA DO AGENTE PÚBLICO. 1. EM SE TRATANDO DE OMISSÃO DE UM COMPORTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO, DO QUAL RESULTE DANO, POR NÃO TER SIDO REALIZADA DETERMINADA PRESTAÇÃO DENTRE AS QUE INCUMBEM AO ESTADO REALIZAR EM PROL DA COLETIVIDADE, FALA-SE NA INCIDÊNCIA DA TEORIA DA FAUTE DU SERVICE, E NÃO EM RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. 2. NESSAS HIPÓTESES, MISTER SE FAZ A COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE EM TERMOS NORMATIVOS E NÃO NATURALÍSTICOS, IMPONDO-SE A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O DANO RESULTOU DIRETAMENTE DA INAÇÃO DOS AGENTES ADMINISTRATIVOS E DO MAU FUNCIONAMENTO DE UM SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO. PORTANTO, SE O SERVIÇO CONSISTE EM CONDUTA DE AGENTES PÚBLICOS, ESTA DEVE SER COMPROVADAMENTE CULPOSA, VIOLADORA DE UM DEVER DE EVITAR O RESULTADO, FAZENDO-SE MISTER DEMONSTRAR QUE O AGENTE PODIA E DEVIA AGIR PARA EVITAR O RESULTADO E, AINDA ASSIM, NÃO O FEZ."

No caso em análise, portanto, por se tratar de conduta omissiva do Estado, deve ser investigada a existência de ilícito indenizatório, circunstância que deverá ainda aliar-se à ocorrência de eventual culpa dos agentes do réu. Demais disto, para a configuração dos elementos jurídicos que permitam chegar-se à pretendida condenação do réu, é indispensável a demonstração do dano e do nexo causal entre este e a atividade estatal. Com efeito, a questão em exame pede a análise de possível erro de avaliação, ou mesmo da possível desídia no momento de atribuição de leito de UTI para a Srª Isidora, o que teria impossibilitado seu correto atendimento, bem como a utilização da terapia e dos meios necessários para a salvaguarde de seu estado de saúde.

Assim, a ocorrência do alegado ato ilícito em tela pede a elaboração de juízo de valor sobre o dever legal da entidade responsável pelos serviços médicos prestados à postulante, e, a argumentação aqui desenvolvida deve, seguramente, girar em torno da existência, ou não, do nexo de causalidade aludido acima, cabendo à autora a prova do fato constitutivo de sua pretensão (art. 333, I, CPC).

No caso estritamente examinado, verifica-se que a prova documental coligida aos autos pela autora permite concluir a ocorrência nexo causal entre o comportamento do réu, que negou à genitora da postulante o tratamento indispensável que o seu crítico estado de saúde demandava, e o resultado ora em comento.

Muito embora não exista a possibilidade de afirmar peremptoriamente que os recursos hospitalares para o tratamento emergencial da Srª Isidora poderiam ter efetivamente salvo sua vida, estamos diante da constatação de que esse serviço não foi prestado à paciente que dele necessitava, pois "não havia respiradores disponíveis naquele momento" (fl 86), tendo ficado claro, outrossim, que o médico regulador do SAMU "decidiu por não abrir uma ocorrência e não efetuar o transporte da paciente citada" (fl. 87).

Em perspectiva oposta, se eventualmente tivessem sido prestados os serviços de saúde indispensáveis à demandante, esta poderia ter sua saúde preservada.

Este Magistrado reconhece o heróico esforço perpetrado pelos profissionais da medicina em nossa capital, os quais trabalham muitas vezes sem as necessárias condições para prestar um bom atendimento à população.

Isso não obstante, é lamentável que estejamos diante de tanta ineficiência do Estado no trato de questão social tão sensível como é a saúde pública.

Assim, muito embora não se possa exigir de um hospital o imponderável, espera-se pelo menos que seus profissionais adotem todas as providências possíveis no sentido de prestar um bom atendimento a quem lhe procure.

A existência do nexo causal pode ser valorada, portanto, aplicando-se aqui o critério da equivalência das condições.

A esse respeito, convém atentar às lições do Mestre Orlando Gomes, verbis:

"Nexo Causal. Para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ato (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal.

Se o dever de indenizar o prejuízo causado é a sanção imposta pela lei a quem comete ato ilícito, necessário se torna que o dano seja conseqüência da conduta de quem o produziu.

Não se exige, porém, que o ato do responsável seja a causa exclusiva do dano. Basta que entre as suas causas responda pela que determinou o prejuízo imediato. Não é preciso, da mesma forma que o agente tenha previsto suas conseqüências.

Indispensável é a conexão causal. (...omissis)

O nexo causal pode estabelecer-se entre uma abstenção e um dano, no pressuposto de que aquela que não evita um fato danoso deve ser equiparado, para os efeitos jurídicos, a quem o pratica. Mas não se deve levar essa regra às últimas conseqüências, só se justificando sua aplicação quando aquele que se abstém, além de impedir o dano, estiver obrigado a evitá-lo.

Não é fácil a determinação do nexo causal. Em muitos casos, torna-se penoso saber até aonde vai. Daí o esforço da doutrina para oferecer uma solução que facilite a tarefa do aplicador da lei quando se apresentam causas sucessivas. (...)

Pelo critério da equivalência das condições, qualquer dos fatos condicionantes pode ser tomado como causa eficiente do dano, que não se produziria sem a concatenação dos fatos de que a final veio a resultar o prejuízo. Não é preciso, por conseguinte, que o dano seja conseqüência necessária e imediata do fato que concorreu para sua produção. Basta verificar que não ocorreria se porventura o fato não tivesse acontecido. Pode não ser a causa imediata, mas se for condição sine qua non para a produção do dano, equivale a qualquer outra, mesmo mais próxima, para o efeito de ser considerada causa do dano." (ressalvo os grifos)

Mesmo os que não aceitam tais modelos de critérios para o estabelecimento do nexo causal devem ter em vista a doutrina de juristas de escol, no sentido de que, dentre os vários critérios existentes, deve o Juiz proceder cum arbitrio boni viri, aplicando a cada caso concreto o entendimento adequado à justa composição da lide .

Desta feita, considero presentes os requisitos legais autorizadores da condenação buscada pela autora, sendo inegáveis, pois, os elementos alusivos ao ilícito omissivo, na modalidade negligência, o dano moral observado, bem como o nexo causal entre ambos.

O valor dos danos morais, no entanto, deverão ser estabelecidos de forma moderada, como vem orientando a jurisprudência iterativo do Egrégio TJDFT.

Forte em tais razões, julgo procedente o pedido inicial e condeno o réu a pagar à autora o valor de R$ 50.000,00 a título de danos morais.

A autora arcará com o pagamento das custas processuais e honorários de advogado, ora fixados em 10% do valor da condenação.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília-DF, 19 de outubro de 2009.

Alvaro Luis de A. Ciarlini
Juiz de Direito



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