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terça-feira, 17 de novembro de 2009

JURID - Estelionato. Interrogatório. Carta precatória. [17/11/09] - Jurisprudência


Estelionato. Interrogatório. Carta precatória instruída com denúncia de outra ação penal.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 117.768 - SP (2008/0221559-4)

RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

IMPETRANTE: ARILTON ZANIN

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ARILTON ZANIN

EMENTA

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. INTERROGATÓRIO. CARTA PRECATÓRIA INSTRUÍDA COM DENÚNCIA DE OUTRA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADE. ATOS SUBSEQUENTES ESCORREITOS. MANUTENÇÃO QUE SE IMPÕE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A ampla defesa garantida pela Constituição Federal compreende tanto o direito do acusado ser assistido por profissional habilitado, como o direito de autodefesa, o qual se manifesta, dentre outras formas, no direito de audiência.

2. Evidenciado nos autos a impossibilidade do paciente exercer o seu direito à autodefesa, já que à carta precatória de citação e interrogatório foi juntada denúncia referente à outra ação penal na qual o paciente já havia sido condenado, inclusive, por sentença transitada em julgado, imperiosa a anulação do ato, em razão do flagrante cerceamento de defesa.

3. A nulidade do interrogatório não importa, necessariamente, na invalidade dos demais atos subsequentes praticados, sendo que, diferentemente daquele, para a invalidação destes, é imprescindível que reste demonstrado o efetivo prejuízo à defesa do paciente, o que não ocorre na hipótese, razão pela qual devem ser mantidos como escorreitos no feito.

3. Ordem parcialmente concedida para anular o interrogatório do paciente, devendo outro ser realizado dentro dos ditames legais, bem como o processo a partir das razões finais, inclusive.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de outubro de 2009. (Data do Julgamento).

MINISTRO JORGE MUSSI
Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de ARILTON ZANIN, contra acórdão proferido pela 9ª Câmara do 5º Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao apreciar a Apelação Criminal n. 897523.3/5-0000-000, manteve a condenação do paciente nos autos do Processo-Crime n. 1123/01, da 2ª Vara Criminal da comarca de Assis, à pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direito, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, por violação ao art. 171, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal.

Sustenta o impetrante que o feito em comento é nulo, ao argumento de que o paciente, por equívoco do juízo de primeiro grau, não foi efetivamente interrogado a respeito dos fatos denunciados, em afronta, portanto, aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

Requereu, assim, o deferimento da liminar, para que fosse suspensa a execução da sanção (nº 520.370-1, da Vara de Execuções Criminais da comarca de São Paulo) referente à ação penal em tela até o julgamento final deste writ, e a concessão da ordem, a fim de que se anule o processo desde o interrogatório do paciente, inclusive.

O pleito liminar foi deferido, conforme decisão de fls. 563/564.

As informações prestadas pela autoridade apontada como coatora foram acostadas às fls. 575/775.

Em parecer juntado às fls. 777/780, o Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Por meio deste habeas corpus o impetrante/paciente pretende, em síntese, a anulação da ação penal na qual foi condenado à pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direito, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, por violação ao art. 171, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal, sob o argumento de que o processo seria nulo em razão deste não ter sido devidamente interrogado, fato que denunciaria violação ao princípio da ampla defesa constitucionalmente garantido.

Embora tal garantia seja assegurada ao acusado em qualquer processo judicial, é certo que esta ganha relevância na persecução penal, já que por meio desta é que o Estado alcança a legitimidade para coarctar a liberdade do indivíduo responsável pela prática de conduta descrita como fato delituoso.

Aliás, a defesa não deve ser vista apenas como um direito do acusado, mas como uma garantia de desenvolvimento regular do processo, tratando-se de interesse público.

A ampla defesa constitucionalmente garantida, assim, deve abranger tanto o direito do acusado ser assistido por profissional habilitado, conhecida por defesa técnica, como o direito de autodefesa, cujo exercício é facultado em determinados atos processuais, manifestando-se, dentre outras formas, no direito de audiência. É nesta oportunidade que se garante ao acusado o direito de expor a sua defesa para o juiz que irá valorar a prova e formar a sua convicção, conforme leciona Antonio Scarance Fernandes:

"O direito de audiência consiste no direito que tem o acusado de, pessoalmente, apresentar ao juiz da causa a sua defesa. Isso se manifesta por meio do interrogatório, sendo este o momento adequado para o acusado, em contato direto com o juiz, trazer a sua versão a respeito do fato da imputação." (Processo penal constitucional. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 304)

Verifica-se, portanto, que o ato do interrogatório está diretamente relacionado com o exercício da ampla defesa garantido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, sendo certo que a sua ausência ou irregularidade na sua execução implica em nulidade.

Nesse ponto, é cediço que, no terreno das nulidades, vige no direito processual penal pátrio o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto. Esta é a maneira como devem ser trabalhadas as nulidades chamadas de relativas.

Todavia, na hipótese em apreço, depreende-se que o paciente sequer foi interrogado acerca dos fatos que lhe foram atribuídos na denúncia que deu azo à sua condenação, já que com a carta precatória de citação e interrogatório foi remetido ao juízo deprecado cópia de denúncia oferecida em outra ação penal, na qual, inclusive, já havia condenação transitada em julgado, conforme se infere do seguinte excerto colhido do respectivo termo:

"O interrogando afirma que já foi condenado em Presidente Prudente pelo crime narrado na denúncia que acompanha a carta precatória (processo nº 929/01 da 2ª Vara Criminal de Presidente Prudente) e não sabe porque recebeu nova citação, já que, segundo seu advogado, a sentença não foi anulada." (fl. 358.)

Ao ouvir as declarações do paciente, o juízo deprecado concluiu:

"parece, realmente, que há algum equívoco, pois a carta precatória menciona o processo nº 1.123/01 da 2ª Vara de Assis, enquanto que a denúncia é endereçada a 2ª Vara de Presidente Prudente (Proc. 929/01) e, conforme prontuário do sentenciado analisado nesta oportunidade nesta penitenciária, no processo cuja denúncia foi juntada a carta precatória o réu já foi condenado e, inclusive, já houve o trânsito em julgado da sentença." (fl. 358.)

Bem visível, portanto, que o paciente, por ocasião da audiência na qual poderia exercer o seu direito à autodefesa, sequer ficou sabendo do teor das acusações pelas quais acabou condenado pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Assis/SP, circunstância que evidencia que o ato maculado não atingiu o seu objetivo, caracterizando o indevido cerceamento de defesa.

Ademais, infere-se que a defesa manifestou nas alegações finais o seu inconformismo com relação à omissão verificada nos autos, o qual recebeu as seguintes considerações do magistrado singular:

"Na oportunidade do seu interrogatório em juízo (fls. 347), o réu apenas alegou já ter sido condenado pelo crime narrado na denúncia, na Comarca de Presidente Prudente, mas não negou a autoria dos fatos." (fl. 475)

Ora, o fato do paciente ter anunciado ao juízo deprecado que já havia sido condenado pelos fatos narrados na cópia da denúncia que foi acostada à carta precatória de citação e intimação, por si só, não autoriza a conclusão de que não teria negado a autoria dos fatos, até porque os desconhecia, devido ao erro ocorrido na confecção da aludida carta precatória.

O vício aventado pelo impetrante, portanto, é de ser acolhido, sendo mister consignar que apenas o ato hostilizado encontra-se eivado, porquanto não se vislumbra que tenha contaminado os demais subsequentes a ponto de levar à conclusão de que o processo-crime pelo qual o paciente responde deva ser integralmente anulado, pois, no caso vertente, não se logrou comprovar qualquer prejuízo com relação àqueles, não se podendo olvidar que, quando necessário, a qualquer tempo, pode ser reinterrogado, sem que isso venha a macular toda a instrução, como pretendido. Por outro lado, não há como considerar escorreito o feito a partir das razões finais.

EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, na 11ª edição da sua obra Curso de processo penal, ao assinalar que por diversas vezes não há como se escapar de posicionamentos casuísticos, esclarece definitivamente a questão, ao concluir, in verbis:

"No entanto, e como na maioria esmagadora das nulidades processuais, não se pode impor, aprioristicamente, a nulidade de todos os atos subseqüentes, sem que se examine o conteúdo das declarações prestadas pelo acusado, e, mais ainda, a qualidade da prova produzida nos autos [...]" (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 359).

Há que se salientar que, embora o paciente não tenha tomado conhecimento da acusação pela qual acabou condenado no ato do seu interrogatório, em razão do erro verificado na carta precatória expedida pelo juízo processante, tal ato não foi repetido, circunstância que demanda o reconhecimento da sua nulidade absoluta, haja vista o malferimento às garantias fundamentais, mais precisamente quanto à autodefesa.

Ex positis, concede-se parcialmente a ordem, para anular o interrogatório realizado nos autos da Ação Penal n. 1123/01, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Assis/SP, determinando-se que outro seja procedido dentro dos ditames legais, bem como o processo a partir das razões finais, inclusive.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0221559-4 HC 117768 / SP

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 11232001 11732001 5203701 8975233

EM MESA JULGADO: 06/10/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: ARILTON ZANIN

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: ARILTON ZANIN

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Estelionato

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 06 de outubro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 918912

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 16/11/2009




JURID - Estelionato. Interrogatório. Carta precatória. [17/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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