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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

JURID - Discriminação. Punição pelo exercício do direito de ação. [18/11/09] - Jurisprudência


Discriminação. Punição pelo exercício do direito de ação, que é um direito fundamental de aplicação imediata. Eficácia horizontal.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT 3ª Região.

Processo: 01386-2008-086-03-00-2 RO

Data de Publicação: 05/10/2009

Órgão Julgador: Quarta Turma

Juiz Relator: Des. Luiz Otavio Linhares Renault

Juiz Revisor: Des. Julio Bernardo do Carmo

Recorrentes: ALFETUR ALFENAS TRANSPORTE E TURISMO LTDA. (1)

JOSÉ DOS REIS ALVES (2)

Recorridos: OS MESMOS

EMENTA: DISCRIMINAÇÃO - PUNIÇÃO PELO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO, QUE É UM DIREITO FUNDAMENTAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA - EFICÁCIA HORIZONTAL - PROVA INDICIÁRIA PARA A FORMAÇÃO DA CONVIÇÃO DO JUIZ - VASOS QUE SE COMUNICAM E VOZES QUE PREENCHEM OS VAZIOS - VIOLAÇÃO FRONTAL A DOIS DIREITOS FUNDAMENTAIS: ACESSO AO JUDICIÁRIO E NÃO DISCRIMINAÇÃO- A dispensa sem justa causa, dois dias após à desistência da ação trabalhista, gera a presunção da ocorrência do jus puniendi, sugerindo, ainda que sous la peau, a prática de ato discriminatório, violador do constitucional direito de acesso ao judiciário, máxime quando demonstrada a reincidência da conduta empresarial. A prova indiciária, que cada vez mais adquire relevância, compreende todo e qualquer rastro, vestígio ou circunstância relacionada com um fato devidamente comprovado, suscetível de levar, por inferência, ao conhecimento de outro fato até então obscuro. A inferência indiciária é um raciocínio lógico-formal, apoiado em operação mental, que, em elos lógicos, permite encontrar vínculo, semelhança, diferença, causalidade, sucessão ou coexistência entre os fatos que circundam a lide, formando a convicção do julgador. No plano internacional, o Brasil ratificou a Convenção n. 111 da OIT, que trata da discriminação em matéria de emprego e de ocupação, cujas principais preocupações são a afirmação dos valores constantes da Declaração de Filadélfia, dentre os quais se inscrevem a igualdade de oportunidades, a dignidade e o progresso material, assim como a conscientização de que a discriminação constitui uma espécie de violação aos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A distinção sem fundamento, sobretudo a negativa, acentua a exclusão, que tem por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de admissão e de permanência no emprego, já tão difíceis nos dias atuais. Ora bem, o verbo discriminar, do latim discriminare, tem o significado de "diferençar, distinguir, discernir, estabelecer diferenças (Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", 2a edição, 31a Impressão, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.) Márcio Túlio Viana, em estudo em torno da Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe discriminações para efeito de acesso à relação de emprego, ou para a sua manutenção, por motivos numerus clausus, relacionados com o sexo, a origem, a raça, a cor, o estado civil, a situação familiar ou a idade, ensina que o legislador ordinário não se lembrou de todos os casos, deixando "de fora outras hipóteses, previstas expressamente na Constituição, como as práticas discriminatórias decorrentes de deficiência (art. 7o, inciso XXXI)" (Viana, Márcio Túlio, "Proteção contra atos discriminatórios", In: "O que há de novo em Direito do Trabalho", Coordenadores. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault, São Paulo: LTr, 1997, pág. 97). Isso não significa, todavia, que a jurisprudência fique estagnada, sem uma solução equânime para todas as questões não previstas expressamente na lei. As decisões judiciais, importante fonte formal heterônoma de Direito, fornece subsídios preciosos para o intérprete, atualizando a norma jurídica, e fazendo fenecer parte das injustiças, que grassam em nossa sociedade. Com efeito, é intolerável que discriminação tão odiosa, consubstanciada na resilição contratual pelo exercício do direito de ação, constitucionalmente assegurado (art. 5o, XXXV), não encontre eco no Poder Judiciário. Assim, aflorando a prova indiciária, cabia à Ré, invertido o respectivo ônus (artigos 818 da CLT e 333, II, CPC), comprovar que a dispensa decorreu do exercício do direito potestativo, sem traços vibrantes de discriminação, encargo do qual não se desvencilhou, pelo que correto o entendimento que imprimiu efetividade à proteção contra a despedida arbitrária com discrimen, em aberta e clara violação ao art. 7o. incisos I e XXX, bem como ao art. 5o., inciso XLI, e parágrafo 1o., da Carta Magna. Os direitos fundamentais de acesso ao Poder Judiciário e de não discriminação integram o arco de garantias fundamentais da pessoa humana, cuja eficácia é imediata, vertical e horizontal, transversal e obliquamente, em superfície e em profundidade, cabendo ao intérprete, em linha meridional e setentrional, norte e sul, leste e oeste, extrair o máximo de efetividade, isto é, de concretude das normas constitucionais desta natureza, dando a sua contribuição em prol do Estado Democrático de Direito.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário oriundos da Vara do Trabalho de Alfenas, em que figuram como Recorrentes e Recorridos ALFETUR ALFENAS TRANSPORTE E TURISMO LTDA. e JOSÉ DOS REIS ALVES.

RELATÓRIO

O Juízo da Vara do Trabalho de Alfenas, através da sentença de fls. 76/81, prolatada pelo Exmo. Juiz FREDERICO LEOPOLDO PEREIRA, julgou PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos formulados por JOSÉ DOS REIS ALVES em face de ALFETUR ALFENAS TRANSPORTE E TURISMO LTDA., para condenar a Reclamada a pagar ao Reclamante indenização por danos morais, no valor de R$30.000,00, com juros e correção monetária, consoante o dispositivo de fl. 81.

A Reclamada recorreu às fls. 89/98, insurgindo-se contra o deferimento da indenização por danos morais, uma vez que não restou comprovado que a dispensa do Reclamante teria sido abusiva ou ilícita, decorrendo do direito potestativo da empregadora e requerendo, por cautela, a redução do montante arbitrado em primeiro grau, por excessivo. Juntou o documento de fl. 101.

O Reclamante interpôs recurso adesivo às fls. 105/08, propugnando pela elevação do valor da indenização por danos morais, por ser a Reclamada reincidente nos fatos narrados na inicial e a fim de se garantir o efeito pedagógico da pena.

Contrarrazões do Reclamante às fls. 109/13 e da Reclamada às fls. 115/19.

Dispensada a manifestação da d. Procuradoria Regional do Trabalho, conforme artigo 20 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Conheço dos recursos, porque presentes os pressupostos de admissibilidade. Não conheço, porém, do documento juntado pela Reclamada, à fl. 101, por ofensa à Súmula 8 do Colendo TST, inexistindo o justo impedimento para a sua apresentação apenas neste momento processual e não se referindo a fato posterior à sentença.

JUÍZO DE MÉRITO

RECURSOS DA RECLAMADA E ADESIVO DO RECLAMANTE

Contendo identidade de matérias, analiso em conjunto os recursos das partes.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Insurge-se a Reclamada contra o deferimento da indenização por danos morais, uma vez que não restou comprovado que a dispensa do Reclamante teria sido abusiva ou ilícita, decorrendo do direito potestativo da empregadora e requerendo, por cautela, a redução do montante arbitrado em primeiro grau, por excessivo.

Já o Reclamante propugna pela elevação do valor da indenização por danos morais, por ser a Reclamada reincidente nos fatos narrados na inicial e a fim de se garantir o efeito pedagógico da pena.

Nenhum reparo merece o r. decisum a quo.

Na petição inicial, o Reclamante sustenta que foi dispensado pela Reclamada em 18.09.08, dois dias após a desistência da reclamatória por ele ajuizada em face da mesma Ré, de n. 01124-2008-086-03-00-8, em evidente retaliação da empresa, motivo pelo qual entende fazer jus à indenização por danos morais.

A Reclamada, em defesa, contesta a pretensão, aduzindo que o Reclamante já sabia, por conversa anterior ao próprio ajuizamento da reclamatória n. 01124-2008-086-03-00-8, que seria dispensado pela empresa, por necessidade de contenção de despesas.

Pois bem.

Em depoimento pessoal de fl. 74, o preposto afirma que, após a dispensa do Reclamante, foi remanejado um motorista que trabalhava no reforço para ocupar o lugar daquele e que houve três contratações após a saída do Autor, com o objetivo específico de cobrir o afastamento previdenciário de igual número de empregados.

Conquanto tais assertivas não conduzam necessariamente à conclusão do d. Juízo a quo acerca da contratação de novos empregados, em contrariedade à tese de "enxugamento" do quadro de pessoal, por se tratar de reposição de empregados afastados e de remanejamento, ainda assim me convenço de que a dispensa foi abusiva.

Isto porque, data venia, a dispensa dois dias após a desistência da reclamatória anterior, fato incontroverso, traz mesmo a presunção de retaliação da Ré e conduta discriminatória.

Mais robustece este entendimento o precedente constante do Processo n. 00935-2007-086-03-00-0, conforme cópias de fls. 20/34, registrando que atuei como Relator no exame do recurso ordinário interposto pela Ré e que restou devidamente comprovada a dispensa arbitrária do Autor daqueles autos em face do exercício do direito de ação pelo ajuizamento de reclamatória contra a empresa.

Lembre-se de que a prova indiciária apontou para a prática de ato discriminatório, não podendo o julgador esperar que em casos desta natureza a prova seja exuberante.

A prova indiciária, que a cada dia ganha maior importância, compreende todo e qualquer rastro, vestígio ou circunstância relacionada com um fato devidamente comprovado, suscetível de levar, por inferência, ao conhecimento de outro fato até então obscuro.
A inferência indiciária é um raciocínio lógico-formal, apoiado em operação mental, que, em elos, nos permite encontrar vínculo, semelhança, diferença, causalidade, sucessão ou coexistência entre os fatos que circundam a lide.

No plano internacional, o Brasil ratificou a Convenção n. 111 da OIT, que trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação, e que tem como principais preocupações a afirmação dos valores constantes da Declaração de Filadélfia, dentre os quais se inscrevem a igualdade de oportunidades, a dignidade e o progresso material, assim como a conscientização de que a discriminação constitui violação aos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A distinção provoca a exclusão que tem por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de admissão no emprego, já tão difícil nos dias de hoje.

Ora bem, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira ensina que o verbo discriminar, do latim discriminare, tem o significado de "diferençar, distinguir, discernir, estabelecer diferenças (Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", 2a edição, 31a Impressão, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986

Observa Márcio Túlio Viana, em estudo em torno da Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe discriminações para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivos numerus clausus de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, que o legislador já deixara "de fora outras hipóteses, previstas expressamente na Constituição, como as práticas discriminatórias decorrentes de deficiência (art. 7o, inciso XXXI)" (Viana, Márcio Túlio, "Proteção contra atos discriminatórios", In: "O que há de novo em Direito do Trabalho", Coordenadores. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault, São Paulo: LTr, 1997, pág. 97).

Não significa isto que os juízes não estejam buscando uma solução equânime para as questões não previstas na lei, como a dos presentes autos. A jurisprudência, como fonte formal de direito, vem de algum tempo para cá, fornecendo subsídios preciosos para o intérprete.

E é este o caso, em que nos deparamos com a discriminação por força de fator não incluído no rol da lei supracitada, mas igualmente odiosa, evoluindo a jurisprudência no sentido de ceifar, na raiz, as dispensas fundadas no mero exercício, pelo empregado, do seu direito de ação, constitucionalmente assegurado (art. 5o, XXXV).

Assim, cabia à Ré, dentro da inversão do ônus de prova (artigos 818 da CLT e 333, II, CPC), comprovar que a dispensa do Autor foi mesmo decorrente do exercício do direito potestativo do empregador, encargo do qual não se desvencilhou.

Ao revés.

A testemunha JOICE FIGUEIREDO CRISPA, ouvida a rogo do Reclamante, às fls. 74/5, confirmou que quatro a cinco empregados foram contratados após o desligamento do Obreiro, um deles, ativando-se na linha do Autor e os outros em outras linhas.

Caiu por terra, portanto, a tese empresária de que apenas foram contratados novos funcionários para o fim de cobrir os afastamentos previdenciários.

Aliás, sequer houve prova da Reclamada acerca dos afastamentos em questão.

Neste viés, confirmo a boa decisão primeva, que, partindo da premissa de que ao Reclamante prevalece o direito ao emprego e, sem se desviar do conjunto probatório, invocou o abuso de direito por parte da empresa que ignorou o fato social, decorrente da privação do trabalho, escorando-se na proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, prevista no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal.

Deu, portanto, luz e efetividade à norma constitucional mais importante para o trabalhador brasileiro - garantia de emprego - enquanto por vinte anos aguardamos uma regulamentação que sabemos dificilmente ocorrerá.

Mas é ao plano da efetividade das normas constitucionais que quero me ater, sem nenhum ateísmo, um pouco mais, navegando, por assim dizer, na corrente e na corredeira da v. sentença.

Hoje, mais do que nunca, quer-se atribuir à Constituição Federal o valor que ela desde sempre mereceu: holofote, intensíssimo facho de luz, direcionado a todo ordenamento jurídico, mas, sobretudo à legislação infraconstitucional, de modo a iluminar e não a ser sombreada pelas leis a que dá vida, aquece e alimenta.

A efetividade da Constituição Federal, composta de fundamentos, objetivos, princípios e regras, é, indubitavelmente, o passo mais firme que podemos dar em direção ao Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, à Justiça. O resto são penhascos de ouro e de silêncio. Muita promessa, pouca realização, num país de tantos pobres, desempregados e excluídos...

Passados quase vinte anos de vigência da Constituição Federal, o cidadão reclama mais efetividade, menos debate acadêmico.

Aliás, quem realmente precisa da efetividade dos direitos sociais está, normalmente, excluído dos debates científicos e da apreensão técnica de seu sentido, não obstante sejam aqueles que menos necessitam dos seus resultados práticos as pessoas encarregadas da sua interpretação, assim como de sua aplicação.

Parece-me que foi Renato Russo quem cantou que "palavras são erros e os erros são nossos".

No entanto, pior erro é quando as palavras são utilizadas como instrumento de dominação.

Quem se vale das palavras para fazer valer a força e a injustiça ou para vencer o pobre, o inculto ou o analfabeto é geometricamente injusto.

Durante anos, as discussões giraram em torno das funções dos princípios, assim como da efetividade das normas constitucionais. Esgotado esse debate, talvez outros surjam e a concretude da Constituição talvez continue relegada para segundo plano.

Nestes momentos de incerteza é que entra em cena a atuação criativa do juiz, principalmente daquele juiz que domina a arte de julgar e que quer realizar a justiça.

O cidadão comum, o empregado e o desempregado brasileiro, o pobre, o excluído, mas também o rico, o empresário, o incluído, digital ou não, todos, sem exceção, todos querem uma Constituição mais prêt à porter; menos alta costura.

Enfim, menos plumas e paetês, menos brilhos e mais luzes, mais cortes e menos recortes, menos promessas e mais realizações.

Sabe-se que os princípios jurídicos são, simultaneamente, chave para a abertura do ordenamento jurídico, e chave para o fechamento dos casos difíceis. Portanto, em certa medida, são também fim. Aliás, todo o Direito é finalístico. Essa percepção aguda do ordenamento jurídico como um todo sistemático e finalístico para fazer justiça, existe e dói naqueles que julgam, preocupados em fazer realmente justiça. Há infinitos pela estrada da Constituição. Saber escolher, interpretá-la e aplicá-la é uma luta diária, constante, interminável e difícil de ser vencida.

E foi com fundamento em vários princípios constitucionais e da lei ordinária, verdadeiras e autênticas fontes de direito, que a r. sentença recorrida desviou-se do entendimento até então corriqueiramente prevalente: a dispensa sem justa causa do empregado, excetuadas as hipóteses expressamente previstas em lei, constitui um sagrado e intocável direito potestativo da empregadora.

Por todo o exposto, inequívoco que a atitude da Reclamada foi lesiva à honra e à intimidade do Reclamante, causando-lhe frustração pela perda injusta de seu emprego, sendo indubitável o dano moral ocasionado e a relação de causalidade entre o ato e o efeito, pelo que deve ser deferida a indenização por danos morais, ressaltando ainda o caráter pedagógico da pena, que visa a coibir a prática discriminatória, pela Reclamada, reincidente.

Quanto ao valor, entendo que R$30.000,00 leva em consideração o grau da culpa, o dano em si, as condições econômicas e sociais da vítima e do ofensor, a idade deste (47 anos, presumindo a dificuldade de reinserção no mercado) e o fato de a indenização se basear em prova indiciária, não merecendo censura. Frise-se ao Reclamante que, ao contrário do que alega, no Processo n. 00935-2007-086-03-00-0 não houve a elevação do quantum da indenização para R$55.000,00, entendendo esta Egr. Turma, em sua maioria, pela manutenção do valor de R$15.000,00, arbitrado em primeiro grau.

Nego provimento a ambos os apelos.

ARTIGO 475-O DO CPC

O processo, no desdobrar sequencial de todos os seus atos e fatos, não pode ser uma idolatria à formalidade, que só se justifica para que às partes seja garantido o direito de defesa, vale dizer, o direito delas de serem ouvidas em seus argumentos fáticos e jurídicos, com amplo, porém esgotável acesso à prova e aos recursos, isto é, a todos os meios de realização da justiça.

É preciso salvar o processo da sua ineficiência crônica, da sua falta de efetividade, que se torna mais evidente na fase de execução.

Não é suficiente uma estrutura estatal voltada para a tutela reparatória, sem que se aja também na esfera inibitória, que pode se aninhar em duas vertentes: a) mais importante, cumprimento espontâneo do Direito do Trabalho; b) menos importante, porém imprescindível, tutela inibitória, principalmente quanto aos direitos difusos e meta-individuais.

Por outro lado, a ação trabalhista individual singular tem que ser a exceção e não a regra, pois, quando repara, normalmente, o fez de maneira incompleta ou tardia, pela via da conciliação ou da execução, isso quando essa realmente se efetiva.

É preciso desossar a realidade com a própria realidade, para que o processo seja visto, entendido e discutido pela sociedade, a quem ele deve servir racionalmente, sem custos excessivos para um país que precisa investir na educação, na saúde e em tantas outras áreas, inclusive para aumentar o número de empregos e diminuir os litígios.

Quanto mais educado o povo, menor o desrespeito aos direitos humanos e sociais; maior a solidariedade; mais significativa a fraternidade.

De outra face, é importante que a jurisprudência trabalhista cristalize e absorva - antes que seja consumida pela poeira do tempo - tudo aquilo que seja moderno e eficaz, sem muitas amarras com o passado e sem grandes formalidades, que em nada contribuem para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, dentre os quais se destacam os direitos trabalhistas.

O Direito Processual do Trabalho deve se haurir na Teoria Geral do Processo, suprindo as suas lacunas com as regras que tornam a tutela jurisdicional um pouco efetiva.

Não é possível a convivência social com o processo ineficaz e de custo econômico elevado.

Não se deve conceber que matérias tão simples gerem tanta seiva discursiva, sem que o empregado receba o que lhe é devido.

Se recursos e mais recursos processuais retardam e até inibem a concretude da tutela jurisdicional, aplicável a todas as luzes e subsidiariamente a regra do art. 475-O do CPC, impondo-se o levantamento pelo empregado, a requerimento ou de ofício, da importância até o limite de sessenta salários mínimos, porque se trata de crédito de natureza alimentar e o estado de necessidade do empregado possui presunção absoluta, pois essa sua condição está na estrutura do Direito do Trabalho, de modo que negá-la é negar o próprio Direito do Trabalho.

Portanto, considerando a natureza alimentar do crédito trabalhista, faculto ao Reclamante levantar, do depósito que existe nos autos, quantia até 60 salários mínimos.

HIPOTECA JUDICIAL

A hipoteca judiciária está expressamente prevista no art. 466 do CPC, que assim dispõe:

"A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária:

I- embora a condenação seja genérica;

II- pendente arresto de bens do devedor;

III- ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença".

A respeito do tópico em apreço, adoto as razões de decidir constantes no processo n. 00142-2007-048-03-00-5-RO, proferido pelo Exmo. Desembargador Antônio Álvares da Silva, in verbis:

"havendo condenação em prestação de dinheiro ou coisa, automaticamente se constitui o título da hipoteca judiciária, que incidirá sobre os bens do devedor, correspondentes ao valor da condenação, gerando o direito real de seqüela, até seu pagamento. A hipoteca judiciária é de ordem pública, independe de requerimento da parte e visa garantir o cumprimento das decisões judiciais, impedindo o desbaratamento dos bens do réu, em prejuízo da futura execução. Ao juiz cabe envidar esforços para que as decisões sejam cumpridas, pois a realização concreta dos comandos judiciais é uma das principais tarefas do Estado Democrático de Direito, cabendo ao juiz de qualquer grau determiná-la, em nome do princípio da legalidade. Para o cumprimento da determinação legal o juiz oficiará os cartórios de registros de imóveis. Onde se encontrarem imóveis registrados em nome da reclamada, sobre eles incidirá, até o valor da execução, a hipoteca judiciária."

Declaro, pois, ex officio, a hipoteca judicial sobre os bens da Reclamada na quantia suficiente para garantia da execução, devendo o MM. Juízo da execução, tão logo retornem os autos, tomar as providências para a efetiva concretização desta medida.

Isto posto, conheço do Recurso da Reclamada, à exceção do documento de fl. 101, por ofensa à Súmula 8 do Colendo TST, e, no mérito, nego-lhe provimento.

Conheço do Recurso Adesivo do Reclamante e, no mérito, nego-lhe provimento.

Faculto ao Reclamante levantar, do depósito que existe nos autos, quantia até 60 salários mínimos.

Declaro, ex officio, a hipoteca judicial sobre os bens da Reclamada na quantia suficiente para garantia da execução, devendo o MM. Juízo da execução, tão logo retornem os autos, tomar as providências para a efetiva concretização desta medida.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, à unanimidade, conheceu do recurso da reclamada, à exceção do documento de fl. 101, por ofensa à Súmula 8 do Colendo TST; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento; unanimemente, conheceu do recurso adesivo do reclamante; no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento. Faculta-se ao Reclamante levantar, do depósito que existe nos autos, quantia até 60 salários mínimos. A eg. Turma declara, ex officio, a hipoteca judicial sobre os bens da Reclamada na quantia suficiente para garantia da execução, devendo o MM. Juízo da execução, tão logo retornem os autos, tomar as providências para a efetiva concretização desta medida.

Belo Horizonte, 16 de setembro de 2009.




JURID - Discriminação. Punição pelo exercício do direito de ação. [18/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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