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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

JURID - Crédito-prêmio. IPI. Incentivo fiscal de natureza setorial. [16/11/09] - Jurisprudência

Jurisprudência Tributária
Crédito-prêmio. IPI. Incentivo fiscal de natureza setorial.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 654.446 - AL (2004/0046056-1)

RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN

RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL

PROCURADORES: MARCOS ALEXANDRE TAVARES MARQUES MENDES E OUTRO(S)

CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO

RECORRIDO: USINA CAETÉ S/A - FILIAL VOLTA REDONDA

ADVOGADO: RAFAEL NARITA DE BARROS NUNES E OUTRO(S)

EMENTA

CRÉDITO-PRÊMIO. IPI. INCENTIVO FISCAL DE NATUREZA SETORIAL. ARTIGO 41, § 1º, DO ADCT. EXTINÇÃO EM 1990. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APLICAR DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. FONTES DO DIREITO. DISTINÇÃO ENTRE CAMPO DE APLICAÇÃO MATERIAL E CAMPO DE APLICAÇÃO TEMPORAL DA NORMA JURÍDICA. DISCUSSÃO DA MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DE MUDANÇA DE POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL PACÍFICA DO STJ. JURISPRUDÊNCIA ANTERIOR CONSOLIDADA PELA SUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. SOMBRA DE JURIDICIDADE. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO PELO STJ.

1. Não se conhece de Recurso Especial quanto à alegada violação às Leis 8.383/1991 e 9.430/1996 (relativas à compensação tributária), pois o Tribunal a quo deixou de emitir juízo a seu respeito (falta de prequestionamento).

2. Infringe o artigo 512 do CPC a manifestação do Tribunal a quo relativa à possibilidade de aproveitamento do crédito-prêmio para abatimento de débitos de terceiros, se o tema não foi objeto de pedido pela autora, em sua inicial e, por isso mesmo, não apreciado pela sentença ou suscitado em Apelação.

3. Ressalvada minha posição quanto a seu eventual término em 1983, é de reconhecer que o crédito-prêmio de IPI, como incentivo fiscal de natureza setorial, foi extinto em 1990, nos termos do artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT.

4. Legislação ordinária expressamente revogada por disposição constitucional. Conflito aparente de normas que se situa no plano da vigência (direito intertemporal), e não no terreno da inconstitucionalidade do regramento infraconstitucional, inserindo-se, assim, no âmbito da competência do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ao apreciar a questão, por mim levantada, do duplo impacto de súbita alteração de jurisprudência em matéria tributária assentada em legislação vacilante, a Primeira Seção, em 27.6.2007, tinha diante de si ações (EREsps. 767.527/PR, 738.689/PR, 765.134/SC e 771.184/PR) em que inexistia provimento judicial (seja em liminar, antecipação de tutela, sentença ou acórdão) que determinasse o aproveitamento do crédito-prêmio, o que levou o Colegiado, nos passos do brilhante voto-vista regimental do e. Min. Teori Zavascki, a concluir que a discussão, no essencial, estava prejudicada, já que, mesmo que superada a ausência de divergência, nenhuma das contribuintes in casu preenchia os requisitos estabelecidos em meu voto-desempate.

6. Vista sob tal enfoque, a hipótese dos autos é distinta daquelas julgadas na sessão que pacificou o entendimento da Segunda Seção acerca da extinção do benefício em 1990. Aqui, sem que se ponha o óbice regimental da ausência de divergência, já no início da demanda o juiz de origem deferiu a antecipação de tutela, permitindo o aproveitamento do benefício pelo titular do crédito (7.11.2000). Essa decisão foi ratificada por sentença (1º.2.2001) e mantida pelo Tribunal a quo (acórdão em 21.5.2002).

7. Na sessão de 27.6.2007, os Ministros Luiz Fux e Eliana Calmon entenderam que, em vez de Embargos de Divergência, o Recurso Especial seria a via adequada para a discussão da modulação temporal dos efeitos da mudança jurisprudencial.

8. Daí a pertinência, diante dessas peculiaridades do caso, de agora se enfrentarem, de forma direta, os dois impactos, independentes mas não excludentes entre si, dessa súbita alteração jurisprudencial, isto é: a) a projeção de certa "sombra de juridicidade" a cobrir algumas operações ocorridas após a extinção legal do benefício; e b) a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da nova decisão, aspectos esses que não puderam, como tal, ser enfrentados pela Primeira Seção naquele momento.

9. Acompanho o novel entendimento desta Corte, fixado na referida sessão de 27.6.2007, pela extinção do benefício fiscal em 1990, nos termos do artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT, ressalvada minha convicção quanto ao fim do crédito-prêmio já em 1983. Isso não implica dizer, contudo, que não se possa ou não se deva, haja vista estarem presentes os pressupostos fáticos para tanto, apreciar esse duplo impacto, que não nega, mas pressupõe, o término do instituto em 1990, tema que, repito, só em obiter dictum pude enfrentar por ocasião do julgamento dos casos paradigmáticos pela Primeira Seção.

10. Destaco que a matéria de fundo que inspira as duas construções teóricas aqui defendidas foi suscitada e apreciada nas instâncias de origem. O Tribunal a quo, ao tratar da jurisprudência pacífica do STJ (pela subsistência do crédito-prêmio), enfrentou, necessariamente, a aplicabilidade dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima à espécie.

11. A rigor, sempre que o contribuinte alegar violação de um princípio geral do Direito e o Tribunal de origem apreciar tais argumentos, tem-se por prequestionada a discussão atinente aos remédios jurídicos necessários à efetividade do(s) princípio(s) em questão.

12. A anterior posição deste Superior Tribunal, consolidada em inúmeros julgados, apontava para a subsistência do benefício fiscal até os dias atuais. Não obstante o posterior reconhecimento, pelo STJ, da revogação, em 1990, do texto legal que deu causa ao benefício, permaneceu no ordenamento, no período que vai de 1990 a 2004 (data da alteração do entendimento jurisprudencial até então pacífico), uma "sombra de juridicidade", espécie de eco e projeção da jurisprudência do passado, capaz de produzir efeitos jurídicos válidos no presente.

13. As fontes do Direito referidas pelo artigo 5º da LICC (lei, costume e princípios gerais do Direito) não são categorias estanques e imunes a combinações complexas, em resposta à igual complexidade dos fenômenos sociais e jurídicos modernos. O crédito-prêmio de IPI, benefício gerado inicialmente por expressa manifestação do legislador ordinário, prossegue no tempo e no espaço, como "sombra" incontrolável (mesmo após a revogação da lei que lhe deu o sopro de vida), por conta de patente defeito de clareza dos textos legais em questão e de consolidado posicionamento dos Tribunais Superiores no sentido da expectativa do contribuinte.

14. Essa tese não se afasta da premissa de que só à lei cabe instituir benefícios fiscais. A "sombra de juridicidade" não gera, ab ovo, benefícios, nem poderia fazê-lo: apenas estende sua vida útil, com a ajuda do comportamento errático do próprio Estado-legislador e do Estado-juiz.

15. Situação que, in casu, se observa pela conjugação de normas de conteúdo vacilante e expressão cambiante, bem como de jurisprudência reiterada em um dado sentido, que depois vem a ser radicalmente alterada. No instante em que cessa essa iteratividade, automaticamente desaparece a "sombra de juridicidade", pois o que se tinha por certo passa a ser domínio do incerto.

16. A segunda discussão relevante para o deslinde da questão, que tangencia a análise da "sombra de juridicidade" - mas com ela não se confunde, pois é estranha ao universo das fontes do Direito -, é a possibilidade, no âmbito do STJ, de "modulação temporal" dos efeitos da nova decisão, em face dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima, que regem não só o substractum dos direitos e obrigações (= Direito material), mas igualmente o processo civil empregado na solução de controvérsias no campo obrigacional.

17. Os valores que inspiraram o legislador federal a editar as Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999 (modulação dos efeitos nas ADI), vão além desses estatutos. Se são valores-matriz do universo do ordenamento, necessariamente influem, com ou sem lei que o diga, na aplicação do Direito pelos Tribunais Superiores. Também no STJ, no que concerne às decisões que alterem jurisprudência reiterada, abalando, forte e inesperadamente, expectativas dos jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, de modo a buscar a integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima.

18. Precedente do e. STF (RE 197917/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 6.6.2002, DJ 7.5.2004), em que se modularam temporalmente os efeitos da decisão em Recurso Extraordinário, não abarcada expressamente pelas Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999. Recente julgado em que a Suprema Corte fixou o termo inicial para o novel entendimento jurisprudencial em Mandado de Segurança relativo à fidelidade partidária (MS 26.603/DF, Rel. Min. Celso de Melo, j. 4.10.2007).

19. A "sombra de juridicidade" e a necessidade de prosseguimento da modulação temporal deixam de existir em 9.8.2004, data de publicação do acórdão no REsp 591.708/RS, pelo qual a Primeira Turma se afastou da jurisprudência até então consolidada.

20. A expectativa a ser protegida contra a mudança jurisprudencial refere-se exclusivamente às empresas que buscaram provimento judicial e efetivamente aproveitaram o "crédito-prêmio" de sua titularidade originária (excluídas cessões) até 9.8.2004.

21. A Primeira Seção, no entanto, na assentada de 24.10.2007, afastou a tese dos efeitos prospectivos, devolvendo o Recurso à apreciação pela Segunda Turma. Ressalvado meu entendimento quanto à matéria, passo a acompanhar o posicionamento majoritário.

22. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO, pela parte RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL

Dr(a). LUIZ ROBERTO BARROSO, pela parte RECORRIDA: USINA CAETÉ S/A - FILIAL VOLTA REDONDA

Brasília, 04 de dezembro de 2007 (data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial, interposto com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, proferido em 21.5.2002, assim ementado (fl. 1213):

Tributário. IPI - Crédito-prêmio de exportações (Decreto-Lei nº 461/69).

I - Incompetência absoluta do juízo. Cada filial é considerada como ente jurídico autônomo vinculado aos órgãos fazendários sediados no Estado onde ela está localizada. Exegese do preceito constitucional do artigo 109, parágrafo segundo. Precedente do STJ.

II - Prescrição. Recuperação de IPI pago a título de estorno do crédito. Por sujeitar-se à homologação fiscal, prescreve, em cinco anos contados da data da extinção do crédito. Precedente do STJ.

III - inocorrência de afronta a ampla defesa. Oportunidade para produção de provas descabida. Matéria unicamente de direito.

IV - Índice de correção monetária. O magistrado não está adsitirto a reconhecer o índice que a parte requer, mas, o que é de direito. Aplicação do IPC como indexador monetário. Precedentes do STJ.

V - Crédito-prêmio. Aplicação do decreto-lei 491/69 por menção expressa do decreto-lei nº 1.894/81, que restaurou o Crédito-Prêmio do IPI, sem definição de prazo. Precedentes do STF, STJ e do TRF 5ª região.

VI - Preliminares rejeitadas. Apelo e remessa oficial improvidas.

Relato que a contribuinte pretende ver reconhecido o direito a crédito-prêmio relativo a exportações ocorridas entre 1999 e 2000 (fl. 25).

A ação foi ajuizada em 2000. Deferiu-se antecipação da tutela pretendida (decisão proferida em 7.11.2000), autorizando-se a compensação e determinando-se a expedição do Documento Comprobatório (fl. 576).

A tutela foi confirmada pela sentença, exarada em 1º.2.2001, pela qual o juiz de origem determinou "que a ré se abstenha de exigir qualquer estorno nos créditos inscritos na contabilidade da impetrante, ressalvada a fiscalização acerca da correção dos valores apropriados, condenando-a a ressarcir, mediante devolução em espécie, devidamente atualizados, os valores dos créditos não objeto de compensação" (fl. 974).

O acórdão, cuja ementa transcrevi acima, manteve a sentença, tendo sido proferida em 21.5.2002 (fl. 1.213).

No presente Recurso Especial, a União alega:

a) violação ao artigo 535 do CPC, por omissão quanto "à tese de inexistência de direito ao crédito-prêmio de IPI em virtude dos dispositivos expressos no DL nº 1658/69 e no artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT" (fl. 1248);

b) violação ao artigo 512 do CPC, pois o Tribunal a quo autorizou a compensação com débitos tributários de terceiros. Sustenta que, "não tendo a sentença monocrática reconhecido tal possibilidade e diante da ausência de apelação por parte da impetrante no que concerne a este aspecto, não há que se discutir a possibilidade de transferência de créditos a terceiros quando do julgamento da apelação da Fazenda" (fl. 1253);

c) negativa de vigência ao DL 491/69, em face de sua extinção pelos DL 1658/79 e 1722/79 e do não-restabelecimento pelo artigo 1º da Lei 8402/92 (fl. 1256);

d) violação ao artigo 168 do CTN e ao Decreto 20.910/32, pois "foram alcançados pela prescrição eventuais créditos da empresa recorrida anteriores ao qüinqüênio que antecedeu o ajuizamento do presente feito, motivo pelo qual merece ser reformado o v. acórdão vergastado" (fl. 1269). Cita também dissídio jurisprudencial a respeito do assunto (fl. 1272);

e) violação às Leis 8383/91 e 9430/96, pois, "acolhendo a pretensão formulada pela autora, autorizou o v. acórdão a compensação de IPI com qualquer outro tributo administrado pela SRF, malferindo, por conseguinte, o artigo 66, parágrafo primeiro, da Lei nº 8.383/91, além evidentemente, a própria Lei nº 9.430/96, que ao permitir compensação entre tributos de diferentes espécies, condicionou, de forma expressa, que o fisco deve autorizar tal compensação, não podendo, portanto, ser efetivada pelo contribuinte" (fl. 1276). Sustenta existir dissídio jurisprudencial sobre a matéria (fl. 1278).

Houve também Recurso Extraordinário (fls. 1284-1312).

A contribuinte apresentou contra-razões (fls. 1316-1337).

O Recurso Especial foi admitido na origem (fl. 1355).

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento parcial do Recurso, para: a) excluir da condenação a compensação de créditos provenientes de terceiros; e b) reconhecer a prescrição no período de cinco anos contados do ajuizamento da ação (fl. 1371).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Para maior clareza, analiso separadamente os requisitos de admissibilidade do presente Recurso, antes de enfrentar o mérito da discussão.

I. Admissibilidade

De início, afasto o conhecimento do Recurso Especial no que se refere à alegada violação às Leis 8383/91 e 9430/96 (relativas à compensação tributária).

O Tribunal a quo não emitiu juízo a respeito de tais atos normativos, restringindo-se a garantir "a utilização dos créditos de IPI decorrentes do benefício criado pelo DL 491/69 com débitos próprios ou de terceiros" (fl. 1210).

Destaco ainda que a matéria não foi objeto dos Embargos de Declaração opostos pela Fazenda.

Está claro, no acórdão recorrido, que a "utilização dos créditos decorrentes do benefício criado pelo DL 491/69" não se refere à compensação de indébito tributário, mas sim de um crédito específico (crédito-prêmio do IPI), que há de ser aproveitado na forma da legislação que rege o benefício (artigo 1º, parágrafo primeiro, do Decreto-Lei 491/1969), ou seja, com relação a débitos tributários relativos ao IPI.

Quanto aos demais dispositivos legais apontados, verifico o preenchimento dos requisitos de admissibilidade, pelo que passo a apreciar o mérito recursal.

II. Mérito recursal

Como acima relatado, a recorrente alega: a) violação ao artigo 535 do CPC, por omissão; b) ao artigo 512 do CPC, por julgamento extra petita; c) ao DL 491/69, quanto à subsistência do benefício denominado crédito-prêmio; e d) ao artigo 168 do CTN e ao Decreto 20.910/32, relativamente ao prazo qüinqüenal de prescrição.

Passo a analisar cada um dos pontos, em separado.

1. Violação ao artigo 535, do CPC

A alegada ofensa ao artigo 535 do CPC não se configura, haja vista o Tribunal de origem ter julgado integralmente a lide, solucionando a questão dita controvertida tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater um a um todos os argumentos trazidos pelas partes, visando à defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a controvérsia observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução (REsp 568.139/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 19/12/2003; REsp 516.222/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 17/11/2003; REsp 230.802/PB, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 07/02/2000; REsp 107.992/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 27/10/1997).

Ademais, o Tribunal a quo posicionou-se pela subsistência do benefício fiscal denominado crédito-prêmio do IPI, baseado na jurisprudência anteriormente majoritária nesta Corte.

2. Violação ao artigo 512, do CPC

Conforme afirmado pela recorrente, e confirmado pelo parecer do Ministério Público Federal, o Tribunal a quo extrapolou os limites do pedido recursal, pois a sentença não tratou da possibilidade de aproveitamento do crédito-prêmio para abatimento de débitos de terceiros, questão estranha à apelação da contribuinte.

De fato, houve aparente engano por parte da Corte Regional, tendo em vista que a autora, ora recorrida, não demonstrou interesse na discussão quanto ao aproveitamento dos créditos por terceiros, matéria que não foi objeto de pedido inicial (fl. 22), não tendo sido apreciada na sentença ou suscitada em Apelação.

Não há como o Tribunal de origem ir além do pedido recursal, configurando-se, na hipótese, violação ao artigo 512 do CPC.

3. Extinção do benefício fiscal denominado "crédito-prêmio do IPI"

Em seu Recurso, a União alega negativa de vigência ao DL 491/69, em face de sua extinção pelos DL 1658/79 e 1722/79 e do não-restabelecimento pelo artigo 1º da Lei 8402/92 (fl. 1256).

A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp 738.689/PR (sessão de 27.6.2007), quando prevaleceu compreensão proposta por judicioso voto da e. Ministra Eliana Calmon, modificou o entendimento anterior do STJ, ao decidir que a extinção do beneficio fiscal denominado "crédito-prêmio do IPI" ocorreu em 4.10.1990, nos termos do artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT. Acompanho agora, como já o fiz, essa posição, com os temperamentos de Teoria Geral do Direito e de ordem pragmática que apresento a seguir.

O crédito-prêmio é incentivo fiscal que beneficia o setor exportador, razão pela qual haveria de ser confirmado por lei federal, nos termos do dispositivo constitucional citado, sob pena de extinção após dois anos da promulgação da CF/88.

Como relatado, a empresa pleiteia créditos relativos ao período de 1999 a 2000 (fl. 25), motivo pelo qual sua pretensão, à luz do entendimento que prevaleceu na Primeira Seção, haveria de ser totalmente afastada.

4. Discussão dos efeitos da mudança jurisprudencial. Peculiaridades do presente caso em relação aos processos julgados pela Primeira Seção

Destaco que o caso ora trazido a julgamento traz peculiaridade em relação aos recursos apreciados pela Primeira Seção na sessão de 27.06.2007, quando fui vencido em dois pontos: a) ocorrência de "sombra de juridicidade" a proteger alguns contribuintes; e b) necessidade, com ou sem reconhecimento da "sombra de juridicidade", de modulação dos efeitos da mudança jurisprudencial.

Naquela oportunidade, manifestei-me por resguardar dos efeitos da novel jurisprudência os contribuintes que, confiantes no posicionamento pacífico desta Corte, aproveitaram o crédito-prêmio de IPI. A situação apenas se configuraria quando presentes os seguintes requisitos:

a) o crédito-prêmio ter sido efetivamente aproveitado até a data de publicação do acórdão no REsp 591.708/RS (9.8.2004), decisão essa, da Primeira Turma, que fixa o momento em que se exaure a "sombra de juridicidade", garantidora da subsistência do benefício, não cabendo, a partir de então, falar em expectativa, boa-fé objetiva ou legítima confiança dos contribuintes;

b) apenas os contribuintes que demandaram judicialmente seriam beneficiados, pois o apelo ao Poder Judiciário serviria de indicativo do grau de confiança que imputavam à sua postulação; e

c) a proteção não se estenderia ao aproveitamento dos créditos por terceiros.

Na sessão do dia 27.6.2007, o e. Ministro Teori Zavascki, ao enfrentar minha argumentação, apontou, como razão de decidir:

a) "O processo está em fase de embargos de divergência, recurso duplamente extraordinário, que, mais acentuadamente do que o próprio recurso especial, supõe que as teses jurídicas em debate tenham sido minimamente prequestionadas, o que não ocorreu relativamente à 'modulação' proposta."

b) "Ademais, em juízo sobre caso concreto, não se comportam decisões de efeitos generalizantes, com eficácia expansiva para além dos limites objetivos e subjetivos da causa, como seriam os sugeridos na proposta apresentada."

c) "Mais ainda: é altamente questionável a verdade afirmada como principal premissa da proposta, sobre a 'pacificação' da matéria perante os Tribunais. Tive oportunidade de salientar, em meu voto, como essa afirmação não corresponde à realidade. Basta lembrar, por exemplo, que a tese segundo a qual o benefício fora revogado em 1990, por força do artigo 41, parágrafo primeiro do ADCT, sequer havia sido apreciada pelo STJ antes de 2004."

d) "Ademais, a modulação dos efeitos das decisões do STF, quando autorizadas, é apenas a que diz respeito a normas declaradas inconstitucionais e limita-se aos efeitos de natureza exclusivamente temporal. Aqui, ao contrário, pretende-se modular os efeitos de decisões judiciais, não sobre a inconstitucionalidade de norma, mas sobre a sua revogação, e não apenas em seus aspectos temporais (= eficácia prospectiva às normas revogadas), mas também em seus aspectos subjetivos (= para beneficiar alguns contribuintes, não a todos) e em seus aspectos materiais (= para abranger apenas alguns atos e negócios, e não a todos). Mais marcadamente ainda se manifesta aqui o caráter evidentemente normativo (= legislativo) da proposta de modulação."

e) "Ainda que se pudesse superar também esses relevantes empecilhos, parece intuitivo e inevitável que tão ousada proposta de modulação não poderia dispensar os requisitos estabelecidos pela lei à mais alta Corte do País. Para poder modular suas decisões, em limites até menos extensos, o legislador submete o STF à reserva de plenário e à votação favorável por quorum especialíssimo de 2/3 dos seus membros."

f) "Lembro outrossim que, conforme notícia advinda do STF, aquela Corte, na sessão do dia 25 passado, rejeitou, por dez votos a um, proposta para atribuir efeitos ex nunc a decisão que, alterando jurisprudência de quase uma década, considerou incabível o creditamento de IPI em certas operações (RE 353.657-5, relator Min. Marco Aurélio)."

g) "Todavia, no caso dos autos, há uma particularidade a ser considerada. Mesmo que fosse acolhida a proposta, nos termos como formulada, dela não se aproveitaria a demandante. Aqui, não houve o aproveitamento do crédito-prêmio. A demanda foi proposta justamente para ver reconhecido o direito de crédito para futura compensação com débitos tributários."

Os argumentos do e. Ministro Teori Zavascki serão enfrentados no decorrer deste meu voto. No entanto, para sistematização, adianto a seguir, de maneira sucinta, minhas respostas para cada um deles.

4.1 Prequestionamento (argumento "a")

Destaco que o tema foi suscitado e apreciado nas instâncias de origem, pois o Tribunal a quo, ao tratar da jurisprudência pacífica desta Corte (pela subsistência do crédito-prêmio), enfrentou, necessária e implicitamente, a aplicabilidade dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da legítima confiança à espécie.

Verifico que a Corte Regional expressamente consignou que "os Tribunais Superiores já pacificaram o entendimento de que, com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n. 1.724/79, restaram inaplicáveis os Decretos-Leis nº 1.722 e 1.658/79, pois a eles se reportava. Assim, impõe-se a aplicação do Decreto-Lei 491 por menção expressa do Decreto-Lei nº 1.894/81, que restaurou o crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo." (fl. 1210).

De fato, sempre que o contribuinte alega violação a um princípio geral do direito, como é o caso dos autos, e o Tribunal de origem aprecia tais argumentos, tem-se por prequestionada a discussão atinente aos remédios jurídicos necessários para a efetividade do direito.

4.2 Efeitos generalizantes em juízo concreto (argumento "b")

A preocupação do e. Ministro Teori Zavascki em ampliar os efeitos da decisão no caso concreto, atingindo situações outras (efeito generalizante), não tem razão de ser.

A proposta de modulação dos efeitos é eficaz apenas com relação ao caso ora julgado (inter partes).

Evidentemente, esse entendimento, caso seja adotado pelo Tribunal, deverá ser repetido, por questão de coerência, a cada julgamento que trate do crédito-prêmio do IPI, desde que os contribuintes atendam aos requisitos traçados. Mas isso não é nada além do efeito normal de uma nova jurisprudência, que tende a ser seguida nos casos futuros, pelo menos no âmbito do mesmo Tribunal.

Não se trata, portanto, do efeito generalizante a que se refere o e. Ministro Teori Zavascki, pois cada um dos Recursos que chegar a esta Corte haverá de ser decidido individualmente. E os efeitos de cada uma das decisões se aplicarão somente ao recurso apreciado. Não erga omnes, mas sim inter partes que, caso vencedora a tese ora defendida, deverá se repetir a cada Recurso Especial a ser julgado.

4.3 Quanto à pacificação jurisprudencial anterior (argumento "c")

O e. Ministro Teori Zavascki argumenta que não havia pacificação da jurisprudência anterior, porquanto "a tese segundo a qual o benefício fora revogado em 1990, por força do artigo 41, parágrafo primeiro do ADCT, sequer havia sido apreciada pelo STJ antes de 2004."

Há aqui, com a devida vênia, alguma confusão.

Não há divergência entre os demais componentes da Seção, salvo engano, em relação ao fato de que a jurisprudência anterior a 2004 era pacífica quanto à subsistência do crédito-prêmio do IPI até os dias de hoje.

A discussão referente à revogação em 1990 é irrelevante, nesse sentido.

Ora, havendo entendimento pacífico no que respeita à manutenção do benefício até a atualidade, é evidente que não poderia haver pacificação sobre sua extinção em qualquer momento, seja em 1990, 1983, ou qualquer outra data. Tratar-se-ia de uma contradição lógica, pelos próprios termos da afirmação.

Dito de outra forma, é impossível a jurisprudência ser pacífica pela subsistência de um benefício e, ao mesmo tempo, tranqüila quanto à sua extinção em 1990.

4.4 A Modulação aqui proposta seria mais ampla que a do STF (argumento "d")

O Min. Teori Zavascki aduz que a modulação ora proposta seria mais ampla que a praticada pelo e. STF, que se restringiria ao tempo.

Na verdade, a modulação que se propõe é temporal, diferentemente do que sustenta o e. colega.

Trata-se de resguardar dos efeitos da alteração jurisprudencial aqueles que aproveitaram o benefício antes da decisão paradigmática da Primeira Turma, em 9.8.2004.

Por imperativo da própria sistemática relativa à tributação pelo IPI, somente aqueles que demandaram judicialmente é que poderiam ter aproveitado, regularmente, o benefício antes daquela data, com base em decisões provisórias.

A exclusão do aproveitamento do crédito de terceiros simplesmente não é objeto da jurisprudência anteriormente pacificada e recentemente alterada. Também por imperativo lógico, não se pode pensar em modular os efeitos da alteração jurisprudencial referente a assuntos que não são objeto dessa jurisprudência modificada.

Assim, aquilo que o e. Ministro Teori Zavascki entende como maior amplitude da modulação temporal nada mais é que sua delimitação estrita, tendo como critério básico determinado ponto no tempo (9.8.2004).

Voltarei à discussão dessa matéria ao final de meu voto, ao tratar dos limites da modulação temporal.

4.5 A modulação no âmbito do STF restringe-se ao plenário e observa limite mínimo de 2/3 dos votos (argumento "e")

Como desenvolverei no decorrer do voto, não se trata de aplicar o disposto nas Leis 9.868/99 e 9.882/99 por analogia, simplesmente.

O que se propõe adotar são os valores constitucionais que orientaram o legislador federal na confecção dessas normas. É isso que o e. STF faz, ao modular os efeitos da mudança jurisprudencial em casos diversos dos abarcados pelas Leis 9.868/99 e 9.882/99.

Ademais, a exigência do quorum qualificado, nos termos dessas leis, justifica-se por se tratar de controle concentrado de constitucionalidade, em que eventual decisão contrária à validade da norma tem força normativa ampla, geral e abstrata. Nos casos previstos pelas Leis 9.868/99 e 9.882/99, o e. STF age com o poder, constitucionalmente deferido, de afastar do sistema jurídico norma produzida pelo Legislativo, com efeitos erga omnes.

O caso dos autos é absolutamente diverso. Como já dito, a decisão aqui terá efeitos inter partes, não se configurando como decisão normativa geral e abstrata. Não se justifica, portanto, a exigência do limite mínimo de 2/3 dos votos.

Voltarei ao assunto mais adiante, ressaltando que a recente decisão do e. STF, relativa aos mandatos parlamentares e à fidelidade partidária (MS 26.603/DF, j. 4.10.2007), por exemplo, não faz referência às normas procedimentais daquelas leis, mas apenas aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da isonomia, da confiança dos jurisdicionados na jurisprudência firmada, entre outros.

4.6 A rejeição de modulação temporal no julgamento do RE 353.657-5 (argumento "f")

O argumento de que o e. STF teria afastado a possibilidade de modulação no RE 353.657/PR (que tratou também de matéria relativa ao IPI, por coincidência) perdeu por completo a relevância, em vista da recente decisão no âmbito do MS 26.603/DF, em 4.10.2007.

Discorrerei sobre isso mais adiante, quando farei referência específica ao conteúdo desse julgamento.

Por ora, basta salientar que a decisão do e. STF no âmbito do RE 353.657/PR, citada pelo e. Ministro Teori Zavascki, apenas demonstra que a modulação temporal não é a regra para todos os casos, havendo de ser apreciada a conveniência de sua aplicação a cada uma das hipóteses de alteração jurisprudencial, em especial quanto à sua relevância e ao seu impacto social.

4.7 Os casos julgados pela Primeira Seção, em Embargos de Divergência, não se amoldavam aos critérios por mim defendidos (argumento "g")

De fato, como apontado pelo e. Ministro Teori Zavascki, os Recursos julgados pela Primeira Seção, em 27.6.2007 (EREsp 767.527/PR, 738.689/PR, 765.134/SC e 771.184/PR), referiam-se a ações em que não houve provimento judicial (seja em liminar, antecipação de tutela, sentença ou acórdão) admitindo-se o aproveitamento do crédito-prêmio.

A situação presente é distinta. Aqui, já no início da demanda, o juiz de origem deferiu a antecipação de tutela, permitindo o aproveitamento do benefício pelo titular do crédito. Isso foi em 7.11.2000 (fl. 576). A decisão, como relatado anteriormente, foi ratificada por sentença, em 1º.2.2001 (fl. 974) e mantida pelo Tribunal a quo (acórdão em 21.5.2002 - fl. 1.213).

Quanto ao aproveitamento do crédito-prêmio por terceiros, saliento que a questão somente surgiu, nos presentes autos, por aparente engano do Tribunal a quo, porquanto não foi objeto de pedido da autora (fl. 22), não tendo sido apreciada na sentença ou suscitada em Apelação. Assim, o reconhecimento da violação ao artigo 512 do CPC, no início de meu voto, não prejudica a discussão quanto à modulação dos efeitos.

Por tudo isso, na hipóteses dos autos, estão plenamente preenchidos os requisitos que, por ocasião do julgamento na Primeira Seção, apontei como necessários ao reconhecimento da modulação dos efeitos da mudança jurisprudencial.

O posicionamento definitivo desta Corte em tão relevante questão sugere o enfrentamento completo de todos os argumentos levantados.

Por essas razões, volto a propor a discussão do duplo impacto de súbita alteração jurisprudencial: a) impacto de fundo, no terreno das Fontes do Direito, por meio da projeção da "sombra de juridicidade", e b) impacto pragmático, no que tange à possibilidade de modulação temporal dos efeitos da nova orientação jurisprudencial.

5. Afetação do Recurso Especial à Primeira Seção

Cabem também considerações sobre a afetação deste processo à Primeira Seção.

A decisão da Segunda Turma, de trazer a discussão a esse foro mais amplo, não apenas é conveniente, dada a relevância do assunto, como também atende a manifestações exaradas pelos colegas da Primeira Seção, quando do julgamento dos Embargos de Divergência, em 27.6.2007.

Naquela oportunidade, a e. Ministra Eliana Calmon consignou o entendimento de que a discussão dos efeitos prospectivos melhor se amoldaria a um Recurso Especial:

"A lógica do Judiciário, repito, é a lógica da segurança jurídica pautada na lei - é a esta que me filio -, ainda mais dentro do estrito campo dos embargos de divergência. Há mais esse complicador" (grifos meus).

O e. Ministro Luiz Fux acompanhou esse entendimento:

"Por fim, esse argumento utilizado pela Sra. Ministra Eliana Calmon é perfeitamente adequado. Teríamos que ter um recurso especial que dissesse sim à modulação e outro que dissesse não, para que houvesse o confronto analítico sobre se haveria ou não a modulação. Os embargos de divergência dissipariam essa divergência. Se fosse um recurso especial com competência afetada, poderíamos falar em prequestionamento. Não se trata de prequestionamento, mas de confronto analítico específico entre um acórdão que adota a modulação e outro que não a adota. Como estamos em sede de embargos de divergência, esse argumento da Sra. Ministra Eliana Calmon é absolutamente irrefutável" (grifei).

Assim, o presente Recurso Especial é a via adequada para a discussão definitiva da "sombra de juridicidade" e dos efeitos prospectivos.

Ademais, destaco que a Fazenda Nacional, na sustentação oral realizada na Segunda Turma em 2.10.2007, manifestou-se pelo julgamento pela Seção, que corresponde ao plenário em matéria tributária. Até porque, em caso de sucesso de minha proposta no restrito âmbito da Turma, haveria dificuldades para a Fazenda recorrer à Seção, por conta dos entendimentos desfavoráveis à discussão no âmbito de Embargos de Divergência, já apontados anteriormente.

Com essas observações, passo aos fundamentos que me levam a concluir - seja pela via das Fontes do Direito, seja pela opção pragmática do manejo temporal da eficácia da nova orientação jurisprudencial - pela proteção da posição jurídica de certos contribuintes que, mesmo após a extinção legal do crédito-prêmio de IPI em 1990, aproveitaram-se do benefício, agindo de boa-fé e inspirados em legítima confiança na jurisprudência do STJ.

6. A questão da segurança jurídica

Ao tentar me familiarizar com os debates sobre a vigência do crédito-prêmio, dos quais não participei, pois ocorridos antes de meu ingresso nesta Corte, em Setembro de 2006, chamou-me a atenção a profunda mudança de orientação jurisprudencial sobre o tema, fato insistentemente repisado pelos contribuintes, no contexto da segurança jurídica.

A segurança jurídica é um dos objetivos maiores do Direito, que, abstratamente, a todos apela, e que a todos incomoda, no instante de sua aplicação concreta. De início, incomoda o legislador, pois a função legislativa contemporânea é fragmentária, apressada e, muitas vezes, atécnica, quando não caótica. Incomoda o administrador, pois a velocidade do tráfego dos negócios que devem ser regulados exige atuação imediata e, amiúde, com desvios radicais de rota e de ponto de destino. Incomoda o juiz, já que a complexidade e a diversidade dos conflitos, individuais e coletivos, conclamam-no permanentemente a explorar novos territórios na aplicação da lei, o que leva, inexoravelmente, à alteração das decisões e posições jurisprudenciais consolidadas. Finalmente, incomoda a doutrina e os próprios jurisdicionados, que ora festejam inovações judiciais em temas polêmicos, ora criticam o conservadorismo do magistrado, quando este se apega aos precedentes e à letra da lei.

Não obstante todas essas dificuldades, inevitáveis, há certas demandas em que o tema da segurança jurídica ganha maior oportunidade e visibilidade. Inclino-me a acreditar que esta é uma delas. O debate há de começar pela existência ou não de algo que se poderia denominar "expectativa do jurisdicionado" na manutenção de certo entendimento jurisprudencial, na sua perspectiva tido como firme. É o que veremos a seguir.

6.1 Segurança jurídica, o STJ e a confiança legítima do jurisdicionado na manutenção de jurisprudência consolidada

A segurança jurídica é, simultaneamente, um dos mais festejados e cambiantes pilares do Estado de Direito Democrático. Expressão camaleônica na doutrina, legislação e jurisprudência, vem amiúde associada a um sistema normativo estabelecido em termos iguais para todos, por meio de normas suscetíveis de conhecimento pelos seus destinatários, de aplicação restrita a fatos e atos posteriores à sua vigência, dotadas de clareza e de certa estabilidade, e editadas por quem está constitucionalmente investido para tal (cf. Atilio Aníbal Alterini, La Inseguridad Jurídica, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1993, p. 19). O instituto é, como regra, atrelado à função legislativa e à função administrativa. Mas não há razão, em tempos de valorização da implementação judicial de direitos e obrigações (fala-se em "governo de juízes", cf. Gérard Farjat, Pour un Droit Économique, Paris, Puf, 2004, p. 193), para afastá-lo, ou mitigá-lo, no exercício da função jurisdicional pelo Estado.

Não me impressiona a crítica implícita que certas vozes lançam ao STJ, como se fosse uma Corte que não se apega aos precedentes, nem sequer aos seus. É típico da jurisprudência, mais ainda em países com legislação em permanente evolução e com reformas constitucionais periódicas, a transformação, às vezes com modificações profundas e radicais, da linha de compreensão dos Tribunais. Nem mesmo quando a legislação aí está há anos e é tida por consolidada, o resultado deve ser, necessariamente, diferente. Realmente, mesmo em situação de estabilidade legislativa, seria ingênuo imaginar que, no âmbito da sociedade, a percepção dos valores - e não só os constitucionais - mantém-se estática. Noutro prisma, não se pode esperar que os Tribunais Superiores sejam supercriaturas, imunes ao equívoco, ou, pior, crer que, por temerem a censura da doutrina, não tenham o discernimento de reconhecer seus erros, sentimento de humildade esse que inexoravelmente leva à reforma de seus entendimentos.

A segurança jurídica, portanto, não deve se transformar em eufemismo para acorrentar a jurisprudência a modelos jurídicos arcaicos e ultrapassados, ou para tolher a força criativa das decisões judiciais. São inevitáveis - eu diria salutares - as mudanças de entendimento do STJ, tanto mais se para a jurisprudência, como acima aludido, deseja-se um papel revigorado, em permanente sintonia com o cambiante marco regulatório e as oscilações naturais na assimilação dos valores abrigados pelo ordenamento nacional.

De toda sorte, é desnecessário lembrar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores distingue-se daquela produzida pelos demais órgãos judicantes, notadamente porque, em decorrência da estrutura judiciária brasileira, forma-se irresistivelmente uma compreensível expectativa, por parte dos jurisdicionados, de que as decisões do STJ, p. ex., referentes à interpretação da legislação federal, não sofrerão mudanças sazonais, tão comuns nos sistemas de múltiplas instâncias de julgamento.

Contudo, em momentos de alteração de paradigma normativo, seja por conta de novo marco constitucional, seja pela instalação de novo regime legal, é perfeitamente aceitável que a jurisprudência, sob pena de negar os esforços de reforma do legislador, afaste-se dos precedentes consolidados sob a ótica do Ancien Régime. A se levar a segurança jurídica cegamente às últimas conseqüências, ainda viveríamos sob o império da escravidão e de odiosas formas de discriminação contra as mulheres e as minorias de toda ordem.

Isso quer dizer que o princípio da segurança jurídica não garante, nem deve ser pretexto para garantir, a manutenção de determinada jurisprudência, ainda que consolidada, mas que esteja em oposição aos princípios basilares da modernidade, como a dignidade da pessoa humana ou a atribuição à propriedade privada de funções (na forma de deveres) em favor da comunidade e das gerações futuras. A evolução do entendimento pretoriano é ínsito à evolução sócio-cultural em que se insere, sendo tão desejável como inevitável. Cito J. J. Canotilho:

É diferente falar em segurança jurídica quando se trata de caso julgado e em segurança jurídica quando está em causa a 'uniformidade ou estabilidade da jurisprudência'. Sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a protecção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou, pelo menos, pela estabilidade, na orientação dos tribunais. (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed, Coimbra, Almedina, 2003, p. 265).

O fato de se admitir a "função criadora do Direito dos tribunais", como até Kelsen o faz (Teoria Pura do Direito, 6ª ed., tradução de João Baptista Machado, Coimbra, Arménio Amado, 1984, p. 344), não altera a percepção de evolução contínua da jurisprudência. Se nem mesmo a lei confere tal grau de segurança jurídica aos cidadãos, muito menos há de se esperar que, diferentemente, venha a ocorrer com as decisões judiciais.

Não obstante todos esses argumentos, é inconteste que o jurisdicionado, ao se deparar com jurisprudência pacificada em determinado sentido, emanada de um Tribunal que tem a competência constitucional de dar a última palavra sobre o assunto, tende a confiar que aquela é a melhor interpretação da lei, orientando sua vida, seu trabalho e seus negócios a partir daí, segundo tal entendimento do sistema jurídico.

Essa confiança é gerada, afinal, pela expectativa, legítima ou não, mas sempre real, de que, em havendo discussão judicial com relação ao seu caso concreto, a decisão final a ser emitida pelo Judiciário ser-lhe-á favorável. Como bem lembra Alf Ross, é inafastável, na visão das pessoas, "a exigência de que os casos análogos recebam tratamento similar, ou de que cada decisão concreta seja baseada numa regra geral". (Direito e Justiça, tradução de Edson Bini, São Paulo, Edipro, 2000, p. 111).

No entanto, como se sabe - e nisso o Brasil acompanha outros países -, não apenas os juízes e Tribunais locais comumente afastam-se dos precedentes das Cortes Superiores, como estas modificam amiúde seus próprios entendimentos, mesmo na ausência de alteração legislativa que lhe sirva de impulso, como acima aludimos. Daí parecer discutível, nesse ambiente, afirmar que há expectativa legítima do jurisdicionado a uma decisão futura que lhe seja favorável, nos termos da jurisprudência então vigente. Mas negá-la quanto à máxima repercussão jurídica que dela se pode retirar (= a petrificação da jurisprudência) não significa desconhecer sua existência no plano da realidade e, muito menos, não procurar mitigar os efeitos da decisão judicial que a afronte.

Numa palavra, se é dever do Judiciário traduzir da melhor forma possível a aplicação da legislação, sem preocupação com o status dos precedentes afetados, também lhe compete evitar que o jurisdicionado, por conta de uma instabilidade causada pelo próprio Judiciário, venha a ser condenado à incerteza, tanto mais quando as idas-e-vindas jurisprudenciais afetem interesses não de uns poucos ou de dezenas, mas de centenas ou mesmo de milhares de pessoas.

Embora não reconheça, como acima ilustrei, relevância jurídica a possível expectativa legítima do jurisdicionado à manutenção de uma jurisprudência firme em que confiou, inclino-me a acreditar que é missão do STJ buscar mecanismos de mitigação dos prejuízos que a alteração abrupta de entendimento venha a causar. Na grande maioria dos casos, esse esforço será técnica ou pragmaticamente inviável. Cabe investigar se, na hipótese dos autos, não estaríamos diante de uma daquelas situações em que tal seria possível e até recomendável, como forma de viabilização, sem maiores traumas sociais, das transformações que a Corte pretenda implantar.

Apropriada ao momento a observação feita pelo e. Ministro João Otávio de Noronha, quando de seu voto-vista no REsp 541.239/SF (sessão de 9.11.2005). Na oportunidade, o e. Ministro defendeu que a tese dos efeitos ex nunc das novas decisões modificativas de orientação jurisprudencial consolidada "afigura-se merecedora de profunda análise e debate na comunidade jurídica brasileira" (REsp 541.239/DF). Na espécie, o ilustre colega deixou de desenvolver o tema, pois corretamente o entendeu desnecessário ou incompatível com a linha do seu voto, que defende "a manutenção, e não a modificação da orientação jurisprudencial então reinante desde há muito, neste Tribunal".

Como eu, ao oposto, inclinei-me à nova orientação desta Corte, sinto-me no dever de enfrentar tal matéria na sua dupla manifestação (= "sombra de juridicidade" e "modulação temporal dos efeitos da decisão"), não obstante a polêmica que, tradicionalmente, no terreno da teoria constitucional, a caracteriza, e que, no campo da infraconstitucionalidade, só ganhará em vulto. Na presente demanda, inútil qualquer esforço nosso de evitar a questão. Inutilidade, primeiro, porque mais cedo ou mais tarde o STJ terá de enfrentá-la. Inutilidade também porque é exatamente na esfera tributária que com menor dificuldade se delineiam os contornos que justificam sua aplicação: instabilidade legislativa, correlata variabilidade jurisprudencial, presença de rígido controle do poder tributário do Estado, natureza estritamente pecuniária das obrigações de fundo, massificação das relações jurídicas derivadas do mesmo fundamento legal, desdobramentos financeiros capazes de desestruturar a ordem econômica e inviabilizar a sobrevivência das empresas, e, finalmente, inexistência de riscos, diretos ou indiretos, à dignidade da pessoa humana, aos bons costumes, à ordem pública (em especial a sanitária, a ambiental e a concorrencial) e à paz social.

A questão, em síntese, que se põe é a seguinte: a se aceitar que o "crédito-prêmio do IPI", como benefício tributário, foi revogado em 1990, fulminado pelo artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT, teria o STJ concluído sua elevada missão de indicar o direito e resolver os conflitos existentes? Derivam daí duas subquestões, independentes mas não excludentes, uma de fundo material, outra de estirpe processual.

Primeiro, cabe indagar se a revogação da base legal especial para o benefício implicaria, ipso facto, o desaparecimento de toda e qualquer base jurídica para a sua manutenção. Ou, diversamente, se seria possível, à falta de lei expressa que mantivesse o favor tributário, entender que uma certa "sombra de juridicidade" persistiria por algum tempo, justificada, além de outros fundamentos, pelo passo errático do legislador e pela ausência de manifestação em sentido contrário das Cortes maiores, especialmente do Superior Tribunal de Justiça. Segundo, interessa saber se seria possível ao Superior Tribunal de Justiça manejar, em casos como este, os efeitos ex tunc e ex nunc das suas decisões.

6.2 Os efeitos jurídicos da "sombra de juridicidade"

Comecemos por esclarecer o sentido da expressão "sombra de juridicidade". Não significa, evidentemente, legalidade incompleta ou meia-legalidade, ou ilegalidade parcial ou meia-ilegalidade, uma espécie de lusco-fusco de juridicidade ou posição jurídica anfíbia, do que é e ao mesmo tempo pode não ser. "Sombra" aqui se refere à extensão horizontal e geográfica do manto da juridicidade, para além das fronteiras do espaço de vigência desenhado pela lei de origem. É, portanto, um critério espaço-temporal.

"Sombra de juridicidade" indica que uma situação de juridicidade anterior, originada na lei, projeta-se no ordenamento, como eco capaz de produzir efeitos jurídicos válidos, não obstante a revogação do texto legal que lhe deu causa. Com isso, os fatos jurídicos - neste caso, o benefício fiscal - passam a retirar seu sustento normativo já não mais diretamente de um ato do legislador da lei revogada, mas de outra(s) das fontes do Direito, admitidas pelo sistema.

As indagações que se levantam no campo da "sombra de juridicidade", então, não se referem, no caso dos autos, à possibilidade de o Tribunal Superior manejar os efeitos ex tunc e ex nunc de sua decisão, conectando-se, diversamente, com o universo das fontes do Direito, ou, melhor dizendo, da transição de fontes do Direito, como apoio para benefícios tributários. Lembra Ricardo Lorenzetti que "a norma jurídica não é somente a lei estatal, pois há pluralismo de fontes" (Teoria de la Decisión Judicial: Fundamentos de Derecho, Santa Fé, Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 103). Como se sabe, no Brasil a tipologia das fontes do Direito não está regulada na Constituição Federal (o artigo 59 apenas cuida do "processo legislativo" que orienta a criação de uma das fontes do Direito, a lei), mas sim, de forma transversa e precária, na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42). É a partir deste estatuto, portanto, mas não só nele, que devemos buscar auxílio na compreensão dos fundamentos da "sombra de juridicidade".

As fontes do Direito referidas pelo artigo 5º, da LICC (lei, costume e princípios gerais do Direito), não são categorias estanques e imunes a combinações complexas, em resposta à igual complexidade dos fenômenos sociais e jurídicos modernos. Como alerta Robert Alexy, "há uma grande variedade de atos de criação-normativa" (A Theory of Constitutional Rights, traduzido por Julian Rivers, Oxford, Oxford University Press, 2002, p. 29). Na hipótese dos autos, temos um benefício gerado inicialmente por expressa manifestação do legislador ordinário, mas que prossegue, entretanto, no tempo e no espaço, como "sombra" incontrolável, mesmo após a revogação da lei que lhe deu o primeiro sopro de vida.

Como se percebe, não se cuida, em termos técnicos rigorosos e puros, nem de costume, nem de princípio geral do direito. Estes, sozinhos, se bastam para conferir o manto da juridicidade a certas situações fáticas. A hipótese dos autos, como veremos, traz peculiaridades que, se não a afastam totalmente das fontes tradicionais do costume jurídico (p. ex., o posicionamento firme em um único sentido dos Tribunais Superiores) e dos princípios gerais do Direito (p. ex., a Segurança Jurídica, a Boa-Fé Objetiva e a Confiança Legítima), tampouco a encaixam com facilidade nos moldes dessas duas categorias.

Questionamento que legitimamente se poderia fazer, já no pórtico dessa argumentação, é se benefício fiscal poderia ter outra fonte que não a própria lei, regularmente editada pelo legislador. Não se pense que esqueci as lições de Rubens Gomes de Souza, ao analisar o artigo 111, do CTN, no sentido de que o legislador aí pretendera evitar "que a exceção não pudesse ser estendida por via interpretativa além do alcance que o legislador lhe quis dar, em sua natureza de exceção a uma regra geral" (Interpretação do direito tributário, Saraiva/EDUC, 1975, p. 379). Também não me afasto de Aliomar Baleeiro, quando prega que "As isenções são restritas, por isso se afastam dessa regra geral" (Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 694).

Primeiro, diga-se que aqui não se está diante de benefício criado por outrem que não o próprio legislador. A "sombra de juridicidade" não gera, ab ovo, benefícios, apenas lhes dá vida mais longa, com a ajuda do próprio Estado-legislador e do Estado-juiz. Logo, não invalida a premissa de que os benefícios fiscais devem ser previstos em lei; não retira um benefício do nada, só impede que um benefício criado pelo legislador ao nada volte, se o próprio legislador e o Judiciário emitem sinais entrecortados, em cacofonia legiferante, que semeiam incerteza e insegurança entre os destinatários da norma, em especial naqueles que agem de boa-fé. Segundo, cabe lembrar que a "sombra de juridicidade", neste caso e em outros a que se aplique, não decorre de comportamento repreensível que se possa atribuir ao sujeito que por ela venha a ser favorecido (o contribuinte, in casu), mas deflui de comportamentos do próprio sujeito a quem a extinção do benefício vem a interessar (o Estado).

A legitimar a "sombra de juridicidade" poder-se-iam ajuntar justificativas teóricas de várias ordens, desde a Boa-Fé Objetiva dos contribuintes à aparência de direito, desde o Princípio da Confiança Legítima à máxima error communis facit jus. Alguns preferirão enxergar aí um erro de direito coletivo, principalmente quando as partes praticarem atos baseados em decisões reiteradas, contexto agravado quando a lei nova não é clara sobre a extensão e sentido de suas modificações (Henri Mazeaud, La maxime "Error communis facit jus", in Revue Trimestrielle de Droit Civil, vol. 23, 1924, p. 960). Ao final, em termos práticos o resultado será igual, qualquer que seja o amparo dogmático que se escolha: a "sombra de juridicidade" produzirá os mesmos efeitos da "sombra de legalidadade stricto sensu".

Em nenhum caso, porém, deve-se pensar que por essa via se estará consagrando o triunfo do fato sobre o Direito; se triunfo há, será do Direito que existia e que, por circunstâncias e razões peculiares ao caso, estende sua vigência e eficácia além do termo final da lei de origem. De um lado, temos o legislador descuidado que, desajeitadamente, edita normas de difícil compreensão; do outro temos o Judiciário, cujas Instâncias Superiores enviam sinais coincidentes com a percepção que da vigência da lei tinham os contribuintes.

Pouco importa a referência técnica usada pela legislação de um determinado país. A verdade é que, no espaço social os precedentes judiciais, estejamos no common ou civil law, são uma forma de produção de normas jurídicas, ou, se assim não for, pelo menos de compreensões normativas que moldam os comportamentos jurídicos das pessoas. É nesse sentido que se afirma que a função judicial é um ius dicere: se o juiz disse mal durante tantos anos, seria injusto punir os que acreditaram na voz judicial que escutavam.

Aqui vem a calhar a distinção feita por Luis Díez-Picazo (Experiencias Jurídicas y Teoría del Derecho, 3ª edición, Barcelona, Editorial Ariel, 1993, p. 120) entre poder normativo criador e modo de expressão das normas. Na "sombra de juridicidade" não se contesta que o legislador é a fonte desse "poder normativo criador"; no entanto, aceita-se que as circunstâncias do caso levem a modos distintos de "expressão da norma aplicável".

Realmente, para usar a fórmula da doutrina mais moderna, há situações em que o legislador elimina a norma, mas não consegue, de pronto, extirpar o enunciado normativo, que prossegue, verdadeira ave desgarrada, a produzir seus efeitos, como se lei ainda existisse. Volto a realçar que será compreensível que alguns pretendam ver manifestação de costume originado no caldo social, porém derivado da aplicação de uma lei que em dado momento é revogada, mas se mantém na percepção dos destinatários como se ainda estivesse em vigor, seja por sinais incongruentes enviados pelo Estado, seja pela posição legitimadora dos Tribunais Superiores. Como já notei acima, não creio que precisemos identificar com precisão os fundamentos dogmáticos últimos da "sombra de juridicidade", como medida imprescindível à solução do caso concreto que temos diante de nós. Isso é tarefa que o Judiciário deve deixar para a doutrina. Todavia, a tese não deixa de ter seus atrativos (e armadilhas também!), pois falar em costume derivado da prática da lei apresenta certo encanto acadêmico, à medida que se verifiquem comportamentos-prole de uma situação de legalidade estrita pretérita.

De toda sorte, ao manejar concepções dessa natureza, que se afastam daquele modelo comum, conhecido e seguro de solução de conflitos, o Tribunal deve ter a máxima cautela possível. Essas soluções que esticam ao extremo as possibilidades do ordenamento jurídico na composição de demandas não podem ser banalizadas, pois também contam com seus pressupostos e requisitos dogmáticos, já que, sendo diferente, se transformam em aberrações e ofensas ao sistema.

A "sombra de juridicidade", a toda a evidência, tem seus limites, materiais, formais e técnicos. Inicialmente, é oportuno lembrar que certamente o desenrolar deste Voto seria bem diferente se estivéssemos diante de posições fáticas lançadas contra leis preceptivas (aquelas que comandam, p. ex., um certo fazer ou não- fazer) ou proibitivas. Na perspectiva dos contribuintes, a legislação que autorizava o "crédito-prêmio" nada lhes impunha, era uma verdadeira norma permissiva, que lhes outorgava a possibilidade de usar créditos como ressarcimento de tributos pagos internamente. Tanto assim era que ficava ao talante do beneficiário fazer ou não a dedução dos valores de IPI a serem recolhidos. Caso optasse por ignorar o benefício, nenhuma sanção a ele se imporia.

Numa palavra, o legislador de 1969 não criou um dever novo; pelo contrário, sobre um dever velho e vigente (= pagar o IPI) fez incidir, em caráter excepcional, um benefício (= deixar de pagar IPI em certas circunstâncias), e não um dever. Vale dizer, a "sombra de juridicidade" aqui é das mais simples, pois não se propõe a amparar comportamento que se insurge contra regime jurídico excepcional nascente, mas antagoniza regime jurídico geral velho (o de que todos devem pagar IPI). Não é o regime velho que avança sobre o regime novo; ao contrário, é o regime novo (a exceção do não-pagamento de IPI) que se recusa a desaparecer e, assim, os fatos que nele flutuam colidem com o regime velho, que retorna pela revogação da excepcionalidade (= a regra geral do pagamento de IPI).

Não é só. Penso que igualmente seria desarrazoado falar em "sombra de juridicidade" quando o legislador, percebendo a insuficiência do quadro normativo existente para adequadamente proteger valores essenciais da sociedade, modifica-o e impõe, de forma preceptiva ou proibitiva, novos standards de conduta aos destinatários. Evidentemente, não seria lícito a estes buscar aconchego sob a "sombra de juridicidade", sobretudo porque soa ofensivo à razão aceitar possa o Ancien Régime resistir à voz imperativa do legislador, que, acuado por problemas sociais e éticos de gravidade inegável, é forçado a intervir para de imediato controlar abusos inaceitáveis, p. ex., no exercício do direito de propriedade ou na autonomia da vontade. A "sombra de juridicidade" não se presta a amparar comportamentos antes lícitos, agora ilícitos, afeitos à tutela da dignidade da pessoa humana, de atributos fundamentais da ordem pública, de categorias de sujeitos vulneráveis, da saúde, do meio ambiente, dos bons costumes, e das gerações futuras. Não é de nada disso que nesta demanda se cuida.

De outra parte, sem uma "conduta social típica" (Larenz) não se pode falar em "sombra de juridicidade", o que leva à conclusão de que sua aplicabilidade exige a presença de comportamento massificado, tanto mais se inserido em caldo de atuação discricionária do Estado (que pode ou não conferir benefícios). Aqui, como alerta de novo Ricardo Lorenzetti, estamos diante de situação em que o aplicador deve "observar as condutas sociais e dar-lhes valor normativo, sempre que se ajustem aos princípios e regras fundamentais do ordernamento" (Las Normas Fundamentales de Derecho Privado, Santa Fé, Rubinzal-Culzoni Editores, 1995, p. 220).

Requer-se, ainda, a conjugação de normas de conteúdo incerto e expressão cambiante, bem como uma jurisprudência reiterada, em um dado sentido, que, depois, vem a ser radicalmente alterada. No instante em que cessa essa reiteração, automaticamente desaparece a "sombra de juridicidade". Finalmente, não se pode olvidar que estamos diante de realidade absolutamente excepcional, que deve ser manejada com cuidado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Concluindo-se pela existência de "sombra de juridicidade" a amparar os contribuintes no campo do crédito-prêmio IPI, cabe indagar se o STJ, em passo complementar, mas autônomo, pode manejar prospectivamente a eficácia de sua decisão.

7. artigo 27 da Lei nº 9.868/99 e artigo 11 da Lei nº 9.882/99

A fixação de termo a quo para o início dos efeitos da decisão judicial não é matéria estranha à jurisprudência brasileira, tendo o artigo 27 da Lei nº 9.868/99 e o artigo 11 da Lei nº 9.882/99 assim se orientado:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

De fato, cabe citar paradigmática decisão do e. STF que limitou o número de vereadores nos municípios, a ser fixado em proporção às respectivas populações (ADI 197.917/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 7.5.04). Seria impensável, ainda que inexistisse legislação federal expressa, uma decisão que declarasse nulas, com efeitos ex tunc, todas as posses de vereadores além do limite máximo desde a promulgação da Constituição e, por conseqüência, todos os atos normativos e administrativos produzidos por essas legislaturas, especialmente os aprovados por estreita maioria.

É claro que o exemplo dado é extremo. No entanto, a lógica subjacente vale igualmente para outras hipóteses. Não se trata exatamente de aplicar por analogia a citada legislação federal aos julgamentos proferidos pelo STJ, mas sim de tomar por empréstimo o fundamento que ensejou sua produção: o Princípio da Segurança Jurídica.

Inegável que os valores que levaram o legislador federal a produzir as Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999, vão além do produto legislativo, influindo necessariamente na aplicação do Direito por todos os Tribunais Superiores.

Tenho para mim que, também no âmbito do STJ, nas decisões que alterem jurisprudência reiterada, abalando forte e inesperadamente expectativas dos jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, buscando a integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica.

É que o reconhecimento da "sombra de juridicidade", decorrente da atividade jurisdicional do Estado, revela indiscutível a necessidade de resguardarem-se os atos praticados pelos contribuintes sob a expectativa de que aquela era a melhor interpretação do Direito, já que consubstanciada em jurisprudência reiterada, em sentido favorável às suas pretensões, pela Corte que tem a competência constitucional para dar a última palavra no assunto.

A necessidade de privilegiar a segurança jurídica e, por conseqüência, os atos praticados pelos contribuintes sob a "sombra de juridicidade" exige do STJ o manejo do termo a quo dos efeitos de seu novo entendimento jurisprudencial.

Repito que não se trata de, simplesmente, aplicar as normas veiculadas pelas Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999, por analogia, mas sim de adotar como válidos e inafastáveis os pressupostos valorativos e principiológicos que fundamentam essas normas e que, independentemente da produção legislativa ordinária, haveriam de ser observados tanto pelo e. STF quanto pelo STJ.

No caso dos Vereadores, parece evidente que eventual inexistência de lei federal prevendo expressamente a modulação temporal dos efeitos da decisão judicial não impediria o e. STF de sopesar os efeitos de seu acórdão, por conta do imperativo da segurança jurídica. Da mesma forma, a inexistência de norma ordinária expressa que regule o assunto não tem o condão de impedir os Tribunais Superiores de adequarem sua atividade, ou o produto da ação jurisdicional, aos ditames da segurança jurídica.

O e. STF adota esse entendimento, ao modular temporalmente os efeitos de suas decisões, mesmo em se tratando de controle difuso de constitucionalidade, não abarcado expressamente pelo regime das Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999.

Como exemplo, cito precedente em que o e. STF apreciou aquela mesma questão do limite constitucional ao número de vereadores, mas em controle difuso. O acórdão exarado no RE 197.917/SP ficou assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, parágrafo primeiro). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido. ("RE 197917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 06/06/2002, Tribunal Pleno, DJ 07-05-2004, grifei).

Na oportunidade, o e. Ministro Gilmar Mendes, em magnífico voto-vista (grifos nossos), deixou clara a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo em Recurso Extraordinário e independentemente de autorização legal expressa, visto que o fundamento dessa medida encontra-se diretamente na Constituição Federal:

Não parece haver dúvida de que, tal como já exposto, a limitação de efeito é um apanágio do controle judicial de constitucionalidade, podendo ser aplicado tanto no controle direto quanto no controle incidental.

(...)

Nesses termos, resta evidente que a norma contida no artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999, tem caráter fundamentalmente interpretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados - segurança jurídica e excepcional interesse social - se revestem de base constitucional. No que diz respeito à segurança jurídica, parece não haver dúvida de que encontra expressão no próprio princípio do Estado de Direito consoante amplamente aceito pela doutrina pátria e alienígena. Excepcional interesse social pode encontrar fundamento em diversas normas constitucionais. O que importa assinalar é que, consoante a interpretação aqui preconizada, o princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social (Cf., a propósito do direito português, Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p 716)

Acredito que as ponderações do ilustre jurista-magistrado, embora verbalizadas no contexto do controle de constitucionalidade, aplicam-se à interpretação da legislação federal realizada por esta Corte, haja vista que os dois pilares orientadores de seu entendimento, quais sejam a segurança jurídica e o excepcional interesse social, revestem-se, em suas palavras, de base constitucional a que se subordina, sem dúvida, o esforço jurisdicional do STJ.

A propósito, reforçando o entendimento do e. STF favorável à modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais, independentemente de norma legal expressa, cito o trecho de expressivo voto-vista proferido pelo e. Ministro Cezar Peluso no RE 197.917/SP:

Mas, no acompanhar S. Exa., faço-o nos termos do voto do Min. Gilmar Mendes, que, em eruditas, perspicazes e largas razões, mostrou a compatibilidade de uma limitação excepcional dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade, no controle difuso, com nosso sistema constitucional. De fato, se a CF legitima tal limitação no controle abstrato, não tem por que não legitimá-la no concreto, pois, no fundo, as técnicas de controle servem a ambas, com caráter alternativo e conseqüências próprias, adequados a cada situação histórica, ao mesmíssimo propósito constitucional.

Recentemente, o e. STF deu mais um exemplo de modulação sem expressa previsão legal, no âmbito de Mandado de Segurança.

Refiro-me à amplamente divulgada apreciação da fidelidade partidária e perda de mandato em caso de mudança de partido (MS 26.603/DF, j. 04.10.2007). Transcrevo trechos do voto do e. Relator, Ministro Celso de Melo:

Põe-se em exame, portanto, neste ponto, em decorrência de uma substancial revisão de padrões jurisprudenciais, com a conseqüente ruptura de paradigma dela resultante (caso o meu voto, que reconhece o caráter partidário do mandato eletivo proporcional, seja acolhido), a questão pertinente ao momento a partir do qual essa nova diretriz terá aplicabilidade, considerada a necessidade de respeito, pelo Estado, da exigência da segurança jurídica.

(...)

Esta Suprema Corte, considerando os precedentes por ela própria firmados, analisados sob a perspectiva das múltiplas funções que lhes são inerentes - tais como conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado -, tem reconhecido a possibilidade, mesmo em temas de índole constitucional (RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), de determinar, nas hipóteses de revisão substancial da jurisprudência, derivada da ruptura de paradigma, a não-incidência, sobre situações previamente consolidadas, dos novos critérios consagrados por este Supremo Tribunal.

(...)

Esse entendimento não é estranho à experiência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que já fez incidir o postulado da segurança jurídica em questões várias, inclusive naquelas envolvendo relações de direito público (MS 24.268/MG, Rel. p/o acórdão Min. GILMAR MENDES - MS 24.927/RO, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.) e de caráter político (RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), cabendo mencionar a decisão do Plenário que se acha consubstanciada, no ponto, em acórdão assim ementado:

(...)

O eminente Procurador-Geral da República propõe, se concedido o mandado de segurança, que se dê eficácia prospectiva à decisão deste Supremo Tribunal Federal, em ordem a que a nova orientação jurisprudencial se aplique apenas a partir da próxima legislatura.

Entendo, no entanto, que diverso há de ser o marco temporal a delimitar o início da eficácia do pronunciamento desta Corte Suprema na matéria ora em exame.

Para tanto, considero a data em que o TSE apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida.

É que, a partir desse momento (27/03/2007), tornou-se veemente a possibilidade de revisão jurisprudencial, notadamente porque intervieram, com votos concorrentes, naquele procedimento de consulta eleitoral, três (3) eminentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Por tudo isso, não tenho dúvidas quanto à possibilidade de o STJ fixar temporalmente os limites de suas decisões em casos excepcionais como o presente, em que o imperativo da Segurança Jurídica desaconselha os efeitos ex tunc normalmente atribuídos às decisões declaratórias.

8. Fixação dos limites

Parece-me evidente, portanto, a necessidade de preservar a Segurança Jurídica, refletida na expectativa dos jurisdicionados quanto à aplicação, aos seus próprios casos, do entendimento pacificado pelo STJ.

Esse entendimento exige sejam fixados: a) o limite temporal a partir do qual se afasta a "sombra de juridicidade"; e b) os tipos de atos e negócios jurídicos realizados pelos contribuintes que devem ser resguardados da mudança jurisprudencial.

O limite temporal é de fácil visualização. A "sombra de juridicidade" e, a partir daí, também a necessidade de modulação temporal da eficácia da decisão deixam de existir quando do julgamento, pela Primeira Turma, do REsp 591.708/RS, em 8.6.04, acórdão relatado pelo e. Ministro Teori Zavascki e publicado no DJ de 9.8.04 (conforme registrado pelo e. Min. João Otávio de Noronha em seu voto-vista no REsp 541.239/DF).

Até esse momento, o entendimento pacífico do STJ, dando a interpretação última à legislação federal, era pela subsistência do benefício, nos termos de detalhado registro efetuado pelo e. Min. José Delgado, por ocasião de seu voto-vencido no REsp 591.708/RS.

Fixo, portanto, a data de publicação desse acórdão (REsp 591.708/RS), em 9.8.04, como o momento em que se exaure a "sombra de juridicidade" que garantiria a subsistência do benefício, não cabendo, a partir de então, falar em expectativa, boa-fé ou confiança legítima dos contribuintes.

É essa data (9.8.04) que serve como marco inicial para a irradiação dos efeitos da novel jurisprudência desta Corte, no sentido da extinção do crédito-prêmio do IPI, seja em 1983, seja em 1990.

Quanto aos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, a serem resguardados da mudança jurisprudencial, há que ter em mente o objetivo da modulação temporal dos efeitos da decisão judicial, qual seja privilegiar a Segurança Jurídica, refletida na expectativa dos contribuintes na manutenção do entendimento que, até então, lhes era favorável.

Pois bem, em face da inconteste e incansável resistência do Fisco ao aproveitamento do "crédito-prêmio", restava aos interessados o caminho do Judiciário. Por isso, não se descuida que, dados os efeitos inter partes dos precedentes desta Corte, os contribuintes haveriam de buscar provimento jurisdicional a garantir-lhes o direito que, em sua visão, era certo. Conseqüentemente, somente cabe falar em expectativa ao provimento judicial favorável, por óbvio, aos que se socorreram da via pretoriana.

Na seara contábil, essa busca do provimento judicial é exigência do princípio do conservadorismo. Havendo resistência do Fisco ao aproveitamento de direito pela empresa, há que buscar provimento administrativo ou judicial para legitimar a escrituração.

A propósito, registro o Alerta ao Mercado, exarado pela Comissão de Valores Mobiliários em 30/3/05, que, de maneira mais severa, referindo-se a atos normativos e pareceres anteriores, veda expressamente a contabilização do direito ao "crédito-prêmio" pelas companhias abertas antes de possível trânsito em julgado da sentença favorável.

Entendo, portanto, que a expectativa a ser protegida contra a mudança jurisprudencial diz respeito exclusivamente às empresas que buscaram provimento judicial e efetivamente aproveitaram o "crédito-prêmio" até 9.8.04.

As pretensões de empresas não deduzidas em juízo não podem ser resguardadas. A estas não socorre o argumento da expectativa de provimento judicial favorável e, portanto, o imperativo da segurança jurídica que me leva a decidir pela modulação temporal dos efeitos da decisão.

Os contribuintes que demandaram judicialmente, e somente eles, tinham a expectativa de provimento judicial favorável. Utilizaram-se do "crédito-prêmio" num momento em que o STJ mantinha posicionamento sólido a seu favor. O aproveitamento do benefício implicou redução dos custos e preços praticados por essas empresas, em valor correspondente ao montante do IPI mitigado, levando-as a orientar seus planos e atividades com base nessa realidade.

São esses atos dos contribuintes, de apropriação e aproveitamento do "crédito-prêmio" antes da guinada jurisprudencial, que se aperfeiçoaram sob a "sombra de juridicidade" e agora merecem ser preservados.

Afasta-se também, portanto, a hipótese de empresas que, apesar de demandarem judicialmente, não realizaram, por qualquer razão, o efetivo aproveitamento do "crédito-prêmio" até 9.8.04. Elas não tiveram seus custos reduzidos, nem deixaram, por conseqüência, de repassar o ônus tributário integral (sem a dedução do crédito-prêmio) aos seus clientes. Com relação a esses contribuintes, não há ofensa relevante à segurança jurídica que justifique a modulação temporal dos efeitos da decisão.

Tampouco aproveita a mitigação dos efeitos da decisão declaratória a outros que não o titular original do "crédito-prêmio", já que a "sombra de juridicidade" refere-se ao entendimento até então pacificado por esta Corte, que não abrangia a possibilidade de aproveitamento, por terceiros, do benefício fiscal.

Sem dúvida, a controvérsia acerca da possibilidade desse aproveitamento por terceiros e a interpretação a ser dada à legislação federal referente ao tema nunca gozaram, neste Tribunal, da pacificação jurisprudencial advinda de profundo debate e reiterados precedentes. Não há, em favor desses cessionários do crédito-prêmio, "sombra de juridicidade" a socorrer-lhes.

Numa palavra, a modulação temporal dos efeitos da decisão favorece somente os créditos aproveitados pelos titulares originários do benefício.

9. Conclusão

Relato, finalmente, que a Primeira Seção, na assentada de 24.10.2007, afastou a tese dos efeitos prospectivos, por mim defendida, devolvendo o presente Recurso à apreciação pela Segunda Turma.

Assim, ressalvando meu entendimento antes exposto, submeto-me ao posicionamento majoritário.

Por essas razões, conheço parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, dou-lhe provimento, afastando a manifestação do Tribunal de origem quanto ao aproveitamento do crédito-prêmio por terceiros, por ofensa ao artigo 512 do CPC (matéria não tratada na sentença e que não foi objeto de Apelação), e reconhecendo a extinção do crédito-prêmio de IPI em 4.10.1990, nos termos do artigo 41, parágrafo primeiro, do ADCT.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2004/0046056-1

REsp 654446/AL

Número Origem: 2000800067800

PAUTA: 04/12/2007

JULGADO: 04/12/2007

Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS FONSECA DA SILVA

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR: MARCOS ALEXANDRE TAVARES MARQUES MENDES E OUTRO(S)

RECORRIDO: USINA CAETÉ S/A - FILIAL VOLTA REDONDA

ADVOGADO: RAFAEL NARITA DE BARROS NUNES E OUTRO(S)

ASSUNTO: Tributário - IPI - Imposto Sobre Produtos Industrializados

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO, pela parte RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL

Dr(a). LUIZ ROBERTO BARROSO, pela parte RECORRIDA: USINA CAETÉ S/A - FILIAL VOLTA REDONDA

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 04 de dezembro de 2007

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

DJ: 11/11/2009




JURID - Crédito-prêmio. IPI. Incentivo fiscal de natureza setorial. [16/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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