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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

JURID - Apelação criminal. Estupros e atentados violentos ao pudor. [27/11/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Estupros e atentados violentos ao pudor contra duas vítimas.
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPROS E ATENTADOS VIOLENTOS AO PUDOR CONTRA DUAS VÍTIMAS - EXISTÊNCIA E AUTORIA COMPROVADAS APENAS QUANTO A UMA DAS OFENDIDAS - CONTINUIDADE DELITIVA - DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. I. A Lei 12.015/2009, recentemente editada, alterou sobremaneira o Título do Código Penal referente aos crimes contra os costumes (agora denominados crimes contra a dignidade sexual), revogando, inclusive, o artigo 214 do Código Penal. II. Por outro lado, o tipo penal do atentado violento ao pudor foi incluído, com todos os seus contornos, sob a rubrica do estupro (artigo 213), não havendo que se falar, assim, em "abolitio criminis". III. Devidamente comprovadas autoria e existência dos estupros e dos atentados violentos ao pudor praticados pelo acusado contra uma das vítimas e ausentes quaisquer circunstâncias que afastem sua responsabilidade penal, imperiosa a manutenção do édito condenatório. IV. Por outro lado, havendo sérias dúvidas em relação aos crimes supostamente praticados contra a outra ofendida, a prudência recomenda a absolvição, ante o princípio "in dubio pro reo". V. É possível a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, por tutelarem bens jurídicos pessoais da mesma espécie, notadamente em face da edição da Lei 12.015/2009, responsável por colocar ambos no mesmo tipo penal. VI. Dado parcial provimento ao recurso.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0512.04.020347-7/002 - COMARCA DE PIRAPORA - APELANTE(S): JOSÉ NERI SIMÕES SOBRINHO - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. JANE SILVA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM PROVER O RECURSO EM PARTE.

Belo Horizonte, 06 de outubro de 2009.

DESª. JANE SILVA - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. JANE SILVA:

VOTO

JOSÉ NÉRI SIMÕES SOBRINHO, inconformado com a decisão que o condenou a trinta e dois anos e nove meses de reclusão, em regime fechado, por tê-lo considerado incurso nas penas dos artigos 213 (por diversas vezes, em continuidade delitiva) e 214 (por diversas vezes, em continuidade delitiva, e contra vítimas distintas) do Código Penal, na forma final de seu artigo 69, interpôs o presente recurso requerendo a absolvição, ao argumento de que as provas colhidas ao longo da instrução criminal não se mostram aptas a sustentar o édito condenatório. Alternativamente, pugnou pelo reconhecimento da tentativa, pela redução de sua pena e pela fixação do regime semiaberto para o início de sua execução.

Contrarrazões ministeriais à f. 302/319 pela manutenção do decisum, pois embasado em provas regularmente colhidas ao longo da instrução criminal.

Quanto aos fatos, narram os autos que ao longo de sete anos, entre 1997 e 2004, na residência situada na Rua "G", nº 92, Bairro Cidade Jardim, Comarca de Pirapora, José Néri Simões Sobrinho constrangeu suas filhas Dalila Katiane Souza Simões e Jéssica Cristiane Souza Simões, ambas menores de quatorze anos, mediante grave ameaça e violência ficta, a com ele manter, por reiteradas vezes, conjunção carnal e outros atos libidinosos diversos.

A denúncia foi recebida em 02 de julho de 2004 (f. 46) e a sentença foi publicada em 02 de março de 2009 (f. 279/verso), posteriormente aclarada em 31 de março de 2009 (f. 285/verso).

O feito transcorreu nos termos do relatório da sentença, que ora adoto, tendo sido o réu dela pessoalmente intimado (f. 287).

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para absolver o agente quanto aos delitos supostamente praticados contra uma das vítimas, pois ausente a cabal comprovação sobre a autoria, mantendo-se, no mais, íntegra a sentença (f. 322/329).

Vistos e relatados, passo ao voto.

Conheço do recurso, pois previsto em lei, cabível, adequado e presentes o interesse recursal e os demais requisitos de processamento.

Não foi arguida nenhuma nulidade e nem encontramos, quando do exame dos autos, qualquer delas que deva ser declarada de ofício.

QUANTO AO MÉRITO:

Verifiquei cuidadosamente as razões apresentadas pela defesa e, ao compará-las com a decisão ora combatida e com as provas dos autos, vejo que devo acolher parcialmente sua pretensão.

Inicialmente, importante salientar que a Lei 12.015/2009, recentemente editada, alterou sobremaneira o Título do Código Penal referente aos crimes contra os costumes (agora denominados crimes contra a dignidade sexual), revogando, inclusive, seu artigo 214, um dos quais o apelante foi condenado.

Todavia, não há que se falar em abolitio criminis, pois os núcleos daquele tipo foram inseridos no artigo 213 do mencionado diploma legal, incluindo-os na rubrica do estupro (que não mais se restringe à conjunção carnal).

A título de elucidação, transcrevo a nova redação do mencionado dispositivo legal:

Artigo 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§1º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º. Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Não bastasse isso, o legislador criou a figura do estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal), o qual abarca a hipótese em que a vítima possui menos de quatorze anos de idade, in verbis:

Artigo 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§2º. (VETADO).

§3º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§4º. Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Trata-se claramente de novatio legis in pejus, pois a prática de conjunção carnal ou de outro ato libidinoso com menor de quatorze anos está sujeita, agora, a pena maior, motivo pelo qual o exame do presente apelo se restringirá à redação dos artigos 213 e 214 do Código Penal vigente na data do crime.

Note-se, também, que, tratando-se de delitos praticados, em tese, contra descendente, a ação penal se torna pública e incondicionada, nos termos da redação original do artigo 225, II, do Código Penal.

A fim de melhor elucidar a compreensão da controvérsia, examinarei em separado a situação do apelante para cada vítima.

Quanto à vítima Dalila Katiane Souza Simões:

No que se refere à vítima em apreço, a sentença reconheceu a prática dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ou seja, de conjunção carnal e de outros atos libidinosos.

In casu, não há que se falar em comprovação da materialidade desses crimes, pois praticados ao longo de vários anos e descobertos apenas depois de passado algum tempo.

Porém, a existência de todos eles, assim como a autoria, foi devidamente comprovada pelos elementos de convicção colacionados aos autos.

O auto de corpo de delito de f. 41 demonstra que seu hímen possuía rupturas, porém, que não havia sinal de coito anal recente.

Quando inquirida, a menor confirmou todas as agressões sexuais praticadas por seu pai, dizendo que houve conjunção carnal entre eles entre seus 5 e 8 anos de idade. Depois disso, ela contou que o réu passou a praticar coito anal com ela, também passando seu pênis ao longo de seu corpo e apalpando seus seios. Apesar de dizer que o acusado não batia nela durante os atos sexuais, asseverou que ele era extremamente agressivo e violento, motivo pelo qual tinha medo dele. Por fim, narrou que sua avó (mãe do réu) sabia do que se passava entre eles, mas ela também tinha medo dele e, por isso, pedia para que ela ficasse calada (f. 23/25 e 240/241).

José Néri negou qualquer participação nos fatos narrados na denúncia, asseverando que tudo seria invenção da vítima por conta de influências de Patrícia Néri, sua irmã e tia dela, a qual queria tomar suas filhas para criá-las ao seu modo (f. 109/111).

Porém, Patrícia nada mais fez do que esclarecer, em juízo (f. 239) e fora dele (f. 11/13), que a vítima lhe contara sobre todo o ocorrido, motivo pelo qual, diante do silêncio dos demais familiares, que tinham medo do agente, tomou as providências iniciais para impedir o acontecimento de novos atos como aqueles narrados na denúncia.

Ademais, várias testemunhas, a maioria parente das partes, confirmaram que ele era pessoa violenta e agressiva e que, apesar de não espancar suas filhas, as criava de um modo bastante rigoroso (f. 31/32, 33/34, 35/36, 37/38, 238 e 239).

Hélio Néri Simões, outro irmão do réu, confirmou, inclusive, que o ora apelante, apesar de não espancar as menores, as "corrigia" com um correão (f. 172/173).

É certo que outras testemunhas (f. 165, 166, 167, 168, 169, 170 e 171), arroladas pela defesa, contaram que José Néri não era agressivo, porém, essa versão cai em descrédito diante dos vários testemunhos em sentido contrário, todos levando a crer que ele seria realmente violento, a maioria, inclusive, de seus próprios parentes, aliados às declarações da vítima Dalila.

Ademais, apesar de a outra vítima (Jéssica) ter negado em juízo as agressões por ela sofridas (situação que será analisada no momento oportuno), ela em momento algum afastou a possibilidade de sua irmã ter sofrido os abusos sexuais por parte de seu pai (f. 185/186).

Importante se notar, ainda, que a testemunha Jacira Silva Rodrigues, auxiliar de enfermagem que fez os exames preliminares nas ofendidas, contou que o aparelho ginecológico utilizado durante o exame de Dalila "somente entra na pessoa que já teve relação sexual" (f. 29/30 e 163/164).

No momento dos exames a ofendida em questão contava com apenas 13 anos de idade, oportunidade em que seu hímen já estava rompido e completamente cicatrizado, situação que coaduna inteiramente com a tese narrada pela acusação.

Por fim, as testemunhas José Antônio de Abreu Neto (f. 161/162) e Neusa Maria Rodrigues dos Santos (f. 170), esta última arrolada pela defesa, disseram que a condição financeira de Patrícia é fraca, motivo pelo qual ela não possui condições de criar as vítimas, donde se infere que a escusa apresentada pelo réu, segundo o qual a acusação seria fruto de intenção de Patrícia para prejudicá-lo a fim de tomar suas filhas, cai totalmente por terra.

Não bastasse tudo isso, percebo que a versão trazida pela própria ofendida possui grande amparo nas demais provas colhidas ao longo da instrução, sendo pacífico na jurisprudência que, nos crimes contra a dignidade sexual, em razão de, via de regra, serem cometidos na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, é de se emprestar grande relevo à palavra da vítima, que deve prevalecer, se firme, coerente e compatível com a realidade dos autos.

Há de ser crida a palavra da vítima, vez que não restou produzida por imaginação fértil ou doentia. Ademais, não denotamos, in casu, qualquer elemento que nos leve a crer tenha agido a ofendida por vingança, até porque suas declarações em tudo se coadunam com aquelas prestadas pelas demais testemunhas que lhe prestaram auxílio. Vejamos alguns julgados nesse sentido:

HABEAS CORPUS - ESTUPRO - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PRISÃO PREVENTIVA - DECISÃO CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO - ENCARCERAMENTO JUSTIFICADO POR TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL DEFINITIVO - ABSOLVIÇÃO - INVIABILIDADE - ESTREITA VIA DO WRIT - PALAVRAS DA VÍTIMA - LAUDO PERICIAL - AUSÊNCIA DE LESÕES - ORDEM DENEGADA.

(...).

Nos crimes contra os costumes, as palavras da vítima, se coesas e coerentes, merecem especial atenção, vez que tais delitos são costumeiramente cometidos na clandestinidade. Precedentes.

Em delitos dessa natureza, inexistindo lesões no corpo da vítima, o laudo pericial se torna dispensável. Precedentes.

Ordem denegada. (STJ - HC 84.010/SP - Quinta Turma - DJ de 26.11.2007, p. 222).

CRIMINAL. HC. ESTUPRO. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. CONVICÇÃO DO JUIZ CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ACÓRDÃO COMBATIDO PROLATADO NO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STF. CERCEAMENTO DE DEFESA. DEFICIÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. ASSISTÊNCIA INTEGRAL DE DEFENSOR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA.

(...).

II. O Juiz monocrático consolidou o seu convencimento não apenas no depoimento pessoal da vítima, tendo igualmente embasado a sentença nas demais provas produzidas nos autos que demonstram a materialidade e apontam a autoria do delito.

III. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, especialmente quando corroboradas por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios.

IV. Decisão combatida que foi proferida em consonância com a jurisprudência firmada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, inexistindo divergência jurisprudencial que permita o conhecimento de recurso especial ou extraordinário, nos termos da Súmula nº 83 desta Corte e 286 do STF.

(...).

VII. Ordem denegada. (STJ - HC 59.746/RJ - Relator: Ministro Gilson Dipp - Quinta Turma - DJ de 13.11.2006, p. 280).

Assim, deve ser mantida a condenação de José Néri pelos estupros e atentados violentos ao pudor (ambos previstos, atualmente, sob a rubrica do estupro) contra Dalila.

Não há que se falar, nem sequer em tese, em tentativa, pois clara a consumação dos delitos.

Como visto, o hímen da vítima estava rompido e cicatrizado há algum tempo, circunstância que elucida a consumação da conjunção carnal.

Quanto aos demais atos libidinosos (coito anal, apalpamento dos seios da ofendida e esfregação do pênis em seu corpo), não se exige prova técnica para demonstrar sua consumação, circunstância devidamente elucidada pela prova oral colhida nos autos.

Os pedidos referentes à pena privativa de liberdade que lhe foi imposta serão examinados ao final, depois de avaliada a situação da outra vítima.

Quanto à vítima Jéssica Cristiane Souza Simões:

Saliente-se, de início, que o Magistrado sentenciante reconheceu que o agente teria praticado contra Jéssica apenas o delito de atentado violento ao pudor, isto é, unicamente a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

Todavia, coloco-me de acordo com o pensamento do ilustre Procurador de Justiça, no sentido de que as provas dos autos não se mostram aptas a sustentar o édito condenatório no que pertine a esses fatos.

Da mesma forma que em relação à outra ofendida, José Néri negou qualquer ato atentatório contra a dignidade sexual de Jéssica, situação contraposta pela testemunha Patrícia.

Todavia, a prova de maior importância, nesse contexto, é a versão trazida pela própria vítima, a qual negou qualquer abuso de cunho sexual por parte de seu pai (f. 185/186).

Apesar de ela ter confirmado a existência dos abusos na fase inquisitiva (f. 26/28), ela se retratou judicialmente.

Maria José, irmã do réu e responsável pela criação de Jéssica depois de que ele perdeu seu poder familiar, disse que, para a ofendida em questão, estupro seria o fato de o acusado bater nela, sendo que, depois de explicado o que realmente seria, ela negou qualquer ocorrência dessa natureza.

Fabíula, sobrinha do réu, filha de Maria José e, por conseguinte, prima de Jéssica, contou que ela passou a morar em sua casa há cerca de pouco mais de um ano, demonstrando ser uma menina tranquila e sem traumas. Acrescentou que, nesse período, ela perdeu o contato com o pai (f. 187/188).

Portanto, urge ser reformada a sentença de 1º Grau a fim de absolver José Néri quanto aos supostos delitos praticados contra a menor Jéssica, pois, apesar de não ser absurda a hipótese de ele ter realmente abusado sexualmente dela, como fez contra Dalila, nada foi fielmente comprovado como exige uma condenação.

Assim, mesmo sendo plausível a hipótese de ele ter concorrido para a empreitada delitiva, não tenho a certeza necessária para manutenção de sua condenação, sendo que a prudência recomenda a absolvição, com aplicação do princípio in dubio pro reo, ante a real fragilidade das provas produzidas quando da instrução, visto que nenhuma condenação pode ser proferida com base em ilações ou meros indícios, necessitando, pois, que seja inequívoca e plenamente segura.

Neste sentido são os precedentes do colendo Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. CRIME CULPOSO. CONFIGURAÇÃO DUVIDOSA.

- ABSOLVIÇÃO. AINDA QUE O SEJA PELO FAVOR DA DÚVIDA, NO CONFRONTO DA PERÍCIA COM A CONTRAPROVA A VALORIZAR-SE, CABE ABSOLVER O RÉU A QUEM NÃO SE ATRIBUI PARTICIPAÇÃO DIRETA NO RESULTADO DANOSO. (STJ - REsp 80.865/RJ - Relator: Ministro José Dantas - Quinta Turma - DJ de 25.08.1997, p. 39.399).

FALSIDADE IDEOLÓGICA. CASO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. NÃO EXISTINDO NOS AUTOS PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO, IMPÕE-SE AO JUIZ PROFIRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. HIPÓTESE EM QUE O STJ APLICOU O DISPOSTO NO ART. 386-VI DO CÓD. DE PR. PENAL. DENÚNCIA JULGADA IMPROCEDENTE. (STJ - Apn 59/TO - Relator: Ministro Nilson Naves - Corte Especial - DJ de 10.10.1994, p. 27.054).

Logo, a sentença deve, nesse ponto, ser reformada, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

Quanto ao pedido de redução de pena e de alteração do regime inicial de seu cumprimento:

A defesa postulou pela redução da pena aplicada a José Néri e pela alteração do regime inicial de seu cumprimento.

Antes de adentrar nessa questão, percebo que, ante a absolvição dos delitos praticados contra a menor Jéssica, sua reprimenda cai, conforme fundamentação da sentença, para vinte e um anos e dez meses de reclusão.

Todavia, entendo que sua fixação merece outros reparos, como se verá a seguir.

O Magistrado a quo, apesar de se encontrar diante de vários crimes, fixou apenas uma pena-base para o estupro e outra para o atentado violento ao pudor, exasperando ambas, depois, pela continuidade delitiva e, ao final, somando-as pelo concurso material.

Como todas as conjunções carnais e todos os demais atos libidinosos diversos foram praticados mediante similar modus operandi, não vislumbro qualquer prejuízo à defesa.

Além do mais, mesmo diante de vários delitos, o Juiz singular foi prudente o bastante para proceder à exasperação das penas pela continuidade delitiva em apenas um sexto, pois não há nos autos prova segura para justificar aumento maior que o mínimo.

Compulsando os autos, percebo que a fixação da pena-base ligeiramente acima do patamar mínimo para cada crime (em apenas seis meses de reclusão) restou devidamente justificada.

A conduta do agente, tal como posta na sentença, merece intensa reprovação, pois, mesmo sendo pessoa experiente, se aproveitou da inocência e da pouca idade da vítima para dela abusar sexualmente.

As consequências extrapenais dos delitos também foram gravíssimas, tanto é que Dalila, conforme depoimentos (f. 31/32 e 159/160), é pessoa bastante fechada, tendo sofrido física e psicologicamente pela conduta do réu.

Sua conduta social também pesa em seu desfavor, pois, como posto na sentença, é violento e agressivo com todos, além de dado ao uso imoderado de álcool.

Assim, devidamente justificada a fixação da pena-base para cada crime pouco acima do piso legal (em seis anos e seis meses de reclusão).

Correta, também, a aplicação da majorante prevista no artigo 226, II, do Código Penal (aumenta-se a pena pela metade se o agente é ascendente da vítima).

Até aí, sem reparos a sentença.

Todavia, o Magistrado que a prolatou considerou a continuidade delitiva apenas entre os estupros e entre os atentados violentos ao pudor, aplicando, ao final, o concurso material.

Não desconheço a orientação contrária do egrégio Supremo Tribunal Federal, porém, filio-se à corrente segundo a qual tais crimes são da mesma espécie, praticados contra a liberdade sexual, ofendendo, de forma ampla, a inviolabilidade carnal, que é o objeto da tutela jurídica e, assim, podem ser cometidos em continuidade delitiva.

A posição que adota o concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não se ajusta à ordem estabelecida pelo Código Penal, que colocou seus artigos 213 e 214 no mesmo capítulo ("Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual"), com isto querendo dizer que são da mesma espécie, em um sentido absoluto, e ofendem o mesmo bem juridicamente tutelado pelo atual ordenamento jurídico, vigente desde 1940, ou seja, os costumes. A propósito, nos ensina Heleno Cláudio Fragoso:

Crimes da mesma espécie não são aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns. (Lições de Direito Penal - A Nova Parte Geral - Editora Forense).

Não se pode deixar de lembrar que o crime continuado é modalidade do concurso material e que foi criado, historicamente, com o objetivo de evitar as injustiças decorrentes de aplicação das penas.

Hoje, mais do que nunca, as elevadíssimas reprimendas estabelecidas para alguns crimes, dentre os quais se incluem o atentado violento ao pudor e o estupro, devem ser levadas em consideração para os efeitos de se dar ao crime continuado o conceito indicado pela Política Criminal que o instituiu, evitando-se as grandes distorções e injustiças que estão ocorrendo em relação à dosimetria da pena.

Aliás, o atual regime adotado em relação à continuação delitiva pelo nosso Estatuto Penal eliminou séria divergência doutrinária e jurisprudencial para autorizar o seu reconhecimento, mesmo em se tratando de crimes que atingem bens personalíssimos e vítimas diversas, bastando que estejam presentes os requisitos objetivos previstos no seu artigo 71.

Por fim, a recente reforma oriunda da Lei 12.015/2009 veio claramente abarcar essa tese, pois ambos os delitos foram colocados em conjunto no artigo 213 do Código Penal, tudo sob a rubrica do estupro.

Logo, não há mais qualquer sentido em discutir se os crimes em questão são ou não da mesma espécie, pois, ante a reforma, resta claro que o são.

Portanto, urge ser reformada a sentença.

Diante da ausência de provas, considerou o Juiz singular que foram praticados dois estupros e dois atentados violentos ao pudor, totalizando quatro crimes.

O quantum de aumento deve ser escolhido levando-se em conta o número de infrações cometidas, consoante lição de Alberto Silva Franco, in Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, vol. 01, tomo I, Parte Geral, 6.ed., p. 1.146, in verbis:

O número de infrações constitui, sem dúvida, o critério fundamental para efeito de determinação do aumento punitivo. Assim, em princípio, a existência de duas infrações, em continuidade delitiva, significa o menor aumento, ou seja, o de um sexto; a de três, o de um quinto; a de quatro, o de um quarto; a de cinco, o de um terço; a de seis, o de metade; a de sete ou mais, o de dois terços, que corresponde ao máximo cominável para a causa de aumento de pena em questão. (...).

O colendo Superior Tribunal de Justiça também adota essa mesma orientação. Vejamos:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. PECULATO E QUADRILHA OU BANDO. (1) FIXAÇÃO DA PENA-BASE. (a) MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS PENAIS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. (b) CONDUTA SOCIAL. DEMISSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO MOTIVADA PELA PRÁTICA DELITIVA. RESPECTIVOS PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. (c) CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. PREJUÍZO À SEGURIDADE SOCIAL. POSSIBILIDADE. (d) CULPABILIDADE EXACERBADA. APLICABILIDADE APENAS EM RELAÇÃO AO DELITO DE QUADRILHA. (2) CRIME CONTINUADO. QUANTUM DO AUMENTO. SETE INFRAÇÕES. MÁXIMO. ADEQUAÇÃO.

(...).

2. Na fixação do quantum de aumento de pena na continuidade delitiva, o critério fundamental é o número de infrações praticadas, sendo adequado estabelecer-se no máximo o incremento quando da prática de sete crimes.

3. Ordem concedida, em parte, para reduzir a pena para 5 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, mantido, no mais, o acórdão condenatório. (STJ - HC 76.148/RJ - Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura - Sexta Turma - DJ de 25.02.2008, p. 362).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ARTS. 180, § 1º E 311 DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

(...).

II - A exasperação da pena em razão do reconhecimento da continuidade delitiva não prescinde da indicação no número de infrações que justificam o quantum do aumento.

Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp 819.805/SC - Relator: Ministro Felix Fischer - Quinta Turma - DJ de 02.10.2006, p. 310).

HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. CONGRUÊNCIA DO JULGADO COM A PEÇA RECURSAL. DOSIMETRIA PENAL ADEQUADA AOS FATOS. ORDEM DENEGADA.

(...).

A fixação do quantum de aumento da pena pela continuidade delitiva, segundo pensamento dominante nesta Corte, leva-se em conta o número das ocorrências delitivas.

Ordem denegada. (STJ - HC 25.863/RS - Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca - Quinta Turma - DJ de 25.08.2003, p. 336).

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PECULATO E QUADRILHA. PENA. FUNDAMENTAÇÃO.

(...).

III - Como o aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, em razão do número de delitos praticados, resta plenamente fundamentada a exacerbação por dois terços da reprimenda, tendo em conta que reconhecida, no acórdão condenatório, a co-autoria em pelo menos 7 (sete) delitos, representados estes por processos fraudados, que foram expressamente referidos na denúncia.

Habeas corpus indeferido. (STJ - HC 14.838/RJ - Relator: Ministro Felix Fischer - Quinta Turma - DJ de 28.05.2001, p. 167).

Como quatro foi o número de infrações cometidas, o aumento deve ser, portanto, de um quarto sobre a maior pena aplicada (no caso, todas foram idênticas).

Assim, como a pena aplicada para cada crime foi de nove anos e nove meses de reclusão, o aumento de um quarto totaliza doze anos, dois meses e sete dias de reclusão.

Evidenciando-se que os crimes foram praticados antes da edição da Lei 11.464/2007, o regime inicial de cumprimento da pena deve ser aplicado com base no artigo 33 do Código Penal.

Porém, como a reprimenda ultrapassou o patamar de oito anos de prisão, mister a manutenção do regime fechado.

Ante tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso de JOSÉ NÉRI SIMÕES SOBRINHO, apenas para absolvê-lo dos crimes praticados contra a vítima Jéssica, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, e para reconhecer a continuidade delitiva entre os estupros e atentados violentos ao pudor cometidos contra Dalila, concretizando sua pena privativa de liberdade em doze anos, dois meses e sete dias de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL e PAULO CÉZAR DIAS.

SÚMULA: RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Data da Publicação: 24/11/2009




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