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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

JURID - Aluno será indenizado. [12/11/09] - Jurisprudência


DF é condenado a indenizar aluno da rede pública em mais de 100 mil.


Circunscrição:1 - BRASÍLIA

Processo: 2005.01.1.135093-8

Vara: 116 - SEXTA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

SENTENÇA

Vistos etc.,

Trata-se de ação de indenização por dano material e moral movida por VINÍCIUS CLAITON MORAIS DOS SANTOS contra o DISTRITO FEDERAL.

Narra a peça exordial que o autor era aluno do 3º período do jardim de infância do Instituto Educacional CAIC Bernardo Sayão e que, por volta de 11:00, durante o recreio, caiu e bateu a boca no escorregador, perdendo dois dentes, sendo que um deles era permanente.

Diz que Diretora da escola ligou para sua casa pedindo que alguém fosse buscá-lo e, como a mãe não pode comparecer, pediu a uma vizinha que fosse à escola, onde, ao chegar, encontrou o autor sentado na sala da Diretora com um chumaço de algodão na boca.

Alega que a Diretora não levou a criança a um pronto socorro e insistiu para que a vizinha do autor o fizesse, o que foi impossível ante à sua condição financeira precária.

Afirma que, com a ajuda da patroa de sua mãe, o autor foi atendido por dentista particular, o qual realizou procedimentos necessários para evitar a evolução da lesão e aliviar a dor e propôs um plano de tratamento no valor de R$ 4.000,00.

Sustenta que a Diretora deixou de prestar socorro ao autor.

Diz que apresenta sérias lesões, tendo que realizar gastos com tratamento odontológico e que sempre pergunta à sua mãe quando o seu dente irá nascer novamente, o que lhe causa angústia e medo.

Requer a condenação do réu ao pagamento de indenização de R$ 104.000,00 a título de danos materiais e morais.

A inicial veio acompanhada pelos documentos de fls. 08/25.

Citado, o Distrito Federal apresentou contestação e documentos de fls. 31/46.

Sustenta que, em se tratando de danos eventualmente causados por omissão a responsabilização do ente público é subjetiva.

Afirma que não houve negligência, mas ato próprio do autor, que desceu o escorregador, dando cambalhotas e que foram tomadas as providências necessárias ao imediato atendimento, não sendo levada ao Pronto Socorro por apresentar bom estado físico, encontrando-se calmo, sem choro e sem demonstrar estar com dores, inchaço sangramento ou hematoma.

Diz que é exagerado o valor pretendido a título de indenização.

Pugna pela total improcedência do pleito.

Réplica às fls. 48/49.

Em razão da presença de um incapaz, o Ministério Público foi intimado.

No dia 07 de dezembro de 2006 foi realizada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foi colhido o depoimento de três testemunhas.

Alegações finais e parecer ministerial às fls. 119/121 e 127/137.

É o relatório.

Decido.

Cuida a hipótese de ação de conhecimento subordinada ao rito comum ordinário, pelo qual pretende o autor a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos material e moral.

Para a configuração da responsabilidade civil por dano material exige-se como requisitos a demonstração de uma ação ou omissão; a ocorrência de um dano; a existência de um nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano; e culpa por parte daquele que ocasionou o dano.

No que se refere ao dano moral, por se tratar de ofensa a um dos atributos da personalidade, é dispensada a comprovação do dano, que, presentes os demais requisitos, presume-se.

Havendo a prestação de um serviço público, dispensada, ainda, é a comprovação da culpa, posto configurar-se a responsabilidade objetiva, a teor do que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Nesse particular, sustenta o réu que afastada estaria a responsabilização objetiva ante a ocorrência de um ato omissivo, o qual exige, mesmo em se tratando de prestação de serviço público, a comprovação de culpa.

Não merece guarida a pretensão. O Estado tem o dever de guardar a saúde dos menores sob sua responsabilidade em instituição de ensino. Esse dever não pode ser equiparado àquele dirigido indistintamente a todos os cidadãos, tais como segurança, recapeamento asfáltico, limpeza de bueiro, como pretende o autor ao colacionar conhecidos ensinamentos de insignes doutrinadores. Este tipo de omissão não atinge uma pessoa determinada, gera o risco de que uma pessoa qualquer sofra um acidente.

Totalmente diferente da situação apresentada nos autos. A responsabilidade é pela guarda de um menor e não pela manutenção do aparato público. Há uma pessoa identificada, entregue ao Estado, a quem caberia o dever de cuidar e devolver ao responsável legal em plena saúde física e psíquica. A comprovação de culpa para os casos de omissão é necessária a fim de se evitar que o Estado seja erigido à condição de "segurador universal", sendo responsabilizado por qualquer dano advindo do não funcionamento ou do funcionamento precário do serviço público. Entretanto, no caso dos autos, o Estado não foi erigido à condição de "segurador universal", mas tomou para si a responsabilidade de proteção individual do menor, o que consta de normas constitucional e infraconstitucionais.

Ao receber um menor, o Estado passa a ter a responsabilidade de protegê-lo contra os riscos provocados por terceiros, por fato natural e pelo próprio menor, eis que desprovido de discernimento para evitar riscos e proteger à sua pessoa. Essa, aliás, uma das razões de o menor estar na escola, ou seja, os pais matriculam e encaminham seus filhos para as escolas para que eles lá aprendam o que é certo ou errado, o que se pode ou não se pode fazer, como preservar a sua pessoa, evitando acidentes, etc.

Diante disso, é incompreensível que o Estado compareça, mesmo que em Juízo, e afirme que o fato se deu por ato de terceiro, consubstanciado no fato de o menor ter dado cambalhotas ao descer o escorregador. O menor não é terceiro, é a vítima. E estava na escola para aprender, dentre outra coisas, que não pode descer o escorregador dando cambalhotas, por que isso coloca sua integridade física em risco.

Em suma, o que os doutrinadores apregoam, no que são acompanhados pela jurisprudência, é que se o serviço não funcionou ou funcionou mal e acarretou dano, este deve ser reparado desde que comprovada a omissão culposa do Estado. Essa regra, entretanto, não se aplica àqueles casos em que há um vínculo entre o indivíduo e a Administração, imputando a esta um dever específico e previamente conhecido à prestação de um serviço a indivíduo determinado.

De modos que a responsabilidade não é subjetiva, mas objetiva. Não cabe ao autor comprovar que o Estado agiu com culpa. Cabe a este comprovar que tomou todas as precauções necessárias para a proteção e guarda do menor - o dever que assumiu no ato da matrícula, com o que afastaria o nexo de causalidade por uma das formas admitidas, quais sejam, força maior, ato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima. E sob esse enfoque serão apreciadas as provas produzidas nos autos.

É incontroverso nos autos que o menor estava na instituição de ensino quando sofreu o acidente narrado na inicial, perdendo dois dentes ao descer o escorregador dando cambalhotas. Também é incontroverso que não foi providenciado pela direção do jardim de infância o atendimento médico ao menor. A versão apresentada pelo autor não foi contestada pelo réu, que se limitou a defender a tese de inexistência de responsabilidade objetiva.

Essa versão é confirmada pela professora do menor que, em seu depoimento, esclareceu:

"... que todas as quintas-feiras levavam as crianças ao parquinho de estrutura de ferro existente na escola; que no dia foram três professoras levando três turmas para o parquinho; que cada turma tinha em média 30 ou 33 alunos; (...) quando retornou, Vinícius estava com a boquinha sangrando, um pouco nervoso, mas não estava chorando; que não pode afirmar com certeza que Vinícius não estava chorando, mas pode afirmar que Vinícius não estava chorando de fazer escândalo; (...) que deixou Vinícius na direção da escola por volta de 9h30min; que levou um lanche para Vinícius na Direção, mas ele não conseguiu comer; que Vinícius estava segurando um gelo na boca e a Direção havia ligado para a família sobre o ocorrido; que a família é contactada para acompanhar o aluno da escola para o hospital..."

Idêntica a versão trazida pela Diretora da escola:

"... que Vinícius sofreu um acidente brincando no parquinho; que, na hora em que Vinícius chegou à sua sala viu que ele estava sem os dois dentes; ... ligou para a Secretaria, que ligou para a mãe da criança; que orientou a Secretaria para não assustar a mãe, dizendo apenas que ele havia se machucado e que era para alguém ir buscar; (...) que não levou Vinícius ao Hospital porque ele não chorava, não reclamava de dor e nem sangrava, o local do machucado não estava inchado; ..."

Tatiana Dias Barbosa buscou o menor na escola e informou em Juízo que lhe foi perguntado na direção da escola se tinha condições de levar o menor a um dentista.

Não resta dúvida, portanto, que o autor sofreu um acidente no parquinho do jardim e perdeu dois dentes dianteiros.

Nada obstante a responsabilidade ser objetiva, como acima demonstrado, a negligência do réu salta aos olhos. É improvável que três professoras garantam a segurança de cerca de cem crianças em um parque de diversões repleto de brinquedos de ferro. No dia do acidente, especificamente, apenas duas professoras cuidavam de uma centena de crianças, como informou a professora do autor. O autor estava entregue à própria sorte. O Estado agiu de forma extremamente negligente no cuidado das crianças.

A afirmação da Diretora de que não providenciou atendimento médico ao menor porque ele não estava chorando, não reclamava de dor e porque o local não estava inchado é totalmente disparatada. É axiomático que a perda de dois dentes causa enorme dor e sangramento. E o caso se mostrou ainda mais grave, eis que, segundo relato médico, houve destruição da parte da tábua óssea na região do dente. É cediço, ainda, que o inchaço somente ocorre após a reação do organismo à agressão sofrida, ou seja, demanda algum tempo para que apareça, sendo que o menor acabara de sofrer o acidente e, por óbvio, o local não apresentaria esse tipo de reação. Sentia muita dor e chorava, como relatado por sua professora.

A perda dos dentes gerou danos de ordem material e moral.

O dano material veio comprovado pelo documento de fls. 20, sendo necessário um gasto de R$ 4.000,00 para a colocação de implante dentário.

O dano moral não precisa ser comprovado, como acima demonstrado, devendo seu valor ser fixado pelo Juiz.

O valor da condenação deve ser tal que, além de minorar o sofrimento, sirva de lição ao réu, desestimulando-o à prática de outros atos desse tipo.

É de extrema gravidade o dano moral experimentado pelo autor. Ainda criança, não compreende o mal que lhe foi causado pela desídia do réu. Por ainda estar em formação, esse acontecimento, que o acompanhará para o resto de sua vida, lhe trará dor psíquica com a qual terá que lidar nas fases mais importantes e marcantes de sua vida. A abstração de proteção imaginária que o acompanhará na infância passará por indagações e conflitos naturais da adolescência, época em que terá que lidar e superar esse sofrimento que lhe foi impingido, alcançando, então, se tiver a formação necessária para tanto, a compreensão e resiliência necessárias a uma vida saudável.

De qualquer modo, mesmo que venha a receber o implante dentário, a estética dentária não será igual à natural, apresentando peculiaridades que a tornarão identificáveis, o que certamente lhe causará desconforto. Não há como negar que a estética é extremamente valorizada em nossa sociedade, não apenas no convívio social, mas também na esfera profissional, o que representa aumento de ganhos àqueles que mais se aproximam dos padrões sociais.

Com tais balizas, entendo justo o valor pedido na inicial.

Os valores de indenização material e moral, quando recebidos pelo responsável legal, deverão ser revertidos em proveito do menor, o que deverá ser comprovado nestes autos.

Em face do exposto, hei por bem julgar procedente o pedido formulado na inicial para condenar o réu a pagar R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao autor a título de danos materiais. Esse valor deverá ser corrigido e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data do evento danoso, qual seja, 28/07/2005.

Condeno o réu a pagar o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente desde esta data e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a intimação da sentença.

Resolvo o mérito nos termos do art. 269, inciso I, do CPC.

Condeno o Distrito Federal ao pagamento de honorários advocatícios, que arbitro, em atendimento ao que dispõe o art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Sem custas.

Remessa necessária.

P.R.I.

Brasília - DF, quinta-feira, 05/11/2009 às 14h56.



JURID - Aluno será indenizado. [12/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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