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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

JURID - Agravo regimental. Indiciada sem prerrogativa de foro. [25/11/09] - Jurisprudência


Agravo regimental. Indiciada sem prerrogativa de foro. Desmembramento. Possibilidade.
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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 176 Divulgação 17/09/2009 Publicação 18/09/2009 Ementário n° 2374 -1

TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.578-0 PARÁ

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO(A/S): JOAQUIM DE LIRA MAIA

ADVOGADO(A/S): SÁBATO GIOVANI MEGALE ROSSETTI E OUTRO(A/S)

INDICIADO(A/S): JOVINA AZEVEDO MARQUES

INDICIADO(A/S): VALFREDO PEREIRA MARQUES JÚNIOR

INDICIADO(A/S): MARIA JOSÉ DE ALMEIDA MARQUES

INDICIADO (AIS): SALOMÉ SIQUEIRA DE OLIVEIRA

INDICIADO(A/S): ANA LÍDIA MAUÉS GUEIROS

INDICIADO(A/S): PAULO ÉRICO MORAES CUEIROS

INDICIADO(A/S): ANDRÉ MORAES CUEIROS

INDICIADO(A/S): PAULO EUGÊNIO ABBOUD MAUÉS

INDICIADO(A/S): AÉLCIO DE JESUS MONTEIRO DOS SANTOS

INDICIADO(A/S): MARIA INEZ KLAUTAU DE MENDONÇA CUEIROS

INDICIADO(A/S): TED MÁRCIO CORRÊA MORAES

INDICIADO(A/S): PAULO SÉRGIO BARROSO CORRÊA

INDICIADO(A/S): MARIA DE NAZARÉ CORRÊA MORAES

INDICIADO(A/S): EDINÉLIA GOMES DO AMARAL

INDICIADO(A/S): NILCE ASTROGILDA SILVA VINHOTE

INDICIADO(A/S): NELY BARROSO CORRÊA

INDICIADO(A/S): AILCE MARIA PEREIRA MOURÃO

INDICIADO(A/S): JOSÉ CARLOS ZAMPIETRO

INDICIADO(A/S): MARILUCE LINHARES DE SOUZA

INDICIADO(A/S): CÉSAR DUARTE RAMALHEIRO

ADVOGADO(A/S): JACQUELINE FERREIRA DA SILVA

INDICIADO(A/S): MARIA ILVA CORRÊA DEZINCOURT

INDICIADO(A/S): MARIA SOUSA DE MOURA

INDICIADO(A/S): NANCI SOUSA PINTO

INDICIADO(A/S): WILSON PAULO DA SILVA CAVALCANTE

INDICIADO(A/S): MARILZA SERIQUE DOS SANTOS

INDICIADO(A/S): MARIA HELENA KLAUTAU MENDONÇA DE MORAES

INDICIADO(A/S): MYRIAN BARCESSAT SERRUYA

INDICIADO(A/S): CARMELO PROCÓPIO JÚNIOR

INDICIADO(A/S): CLÁUDIO SAMPAIO SOBRAL

INDICIADO(A/S): PAULO SÉRGIO GÓES DE OLIVEIRA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INDICIADA SEM PRERROGATIVA DE FORO. DESMEMBRAMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. DENÚNCIA. CRIMES DA LEI 8666/93. PREFEITO MUNICIPAL. MENTOR INTELECTUAL. RECEBIMENTO.

I - O elevado número de agentes demanda complexa dilação probatória a justificar o desmembramento do feito. Precedentes. Agravo Regimental desprovido.

II - Para o regular recebimento da denúncia basta a presença de elementos que indiquem a materialidade delitiva e indícios da respectiva autoria.

III - O Prefeito Municipal, ainda que não seja ordenador de despesas, pode ser processado criminalmente pelos crimes previstos na Lei 8666/93 - Lei das Licitações, se a acusação o enquadrar como mentor intelectual dos crimes.

IV - Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente), na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por votação unânime, receber a denúncia. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Menezes Direito e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente).

Brasília, 6 de agosto de 2009.

RICARDO LEWANDOWSKI - RELATOR

RELATÓRIO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de inquérito policial, instaurado em 28 de novembro de 2000, com finalidade de apurar possíveis irregularidades nos processos licitatórios promovidos para aquisição de merenda escolar da rede pública do Município de Santarém, estado do Pará, eis que estariam participando das concorrências empresas "de fachada" que teriam fornecido seus produtos com preços acima do mercado, o que, em tese, configuraria a prática dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I, ambos da Lei 8.666/93.

Superada a fase de diligências policiais, o ministério Público Federal ofereceu denúncia contra 31(trinta e um) investigados em 06 de setembro de 2006, tendo sido os autos remetidos a este Supremo Tribunal Federal no dia 13 de julho de 2007, por ter o investigado Joaquim de Lira Maia assumido o cargo de Deputado Federal.

Determinei o desmembramento do feito de modo a que o procedimento tivesse curso, perante este Supremo Tribunal Federal, apenas em relação ao investigado Joaquim de Lira Maia, prosseguindo-se as investigações, quanto aos demais, em primeira instância.

Intimado a apresentar a resposta prevista no artigo 4° da Lei 8.038/90, o investigado alegou, em preliminar, a inépcia da peça inaugural, porque ela não teria descrito suficientemente a sua participação nos fatos, fazendo apenas ilações genéricas, as quais, inclusive, impossibilitariam o exercício do direito de defesa.

No mérito, o investigado nega a sua participação nos ilícitos noticiados nos autos, afirmando que o sistema de pagamentos do município de Santarém seria descentralizado, razão pela qual não poderia o Prefeito ser considerado ordenados de despesas na área da educação, onde teriam ocorrido os fatos.

Instada a manifestar-se, a Procuradoria Geral da República, em síntese, contesta as afirmações do investigado, e requer o recebimento da denúncia.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): O presente inquérito busca apurar possíveis irregularidades em 24 (vinte e quatro) processos licitatórios promovidos para aquisição de merenda escolar da rede pública do município de Santarém, no Pará. Segundo consta, teriam participado das concorrências públicas empresas "de fachada", que ofereceram produtos com preços superiores aos praticados no mercado, caracterizando a prática, em tese, dos crimes capitulados nos artigos 90 e 96, I, ambos da Lei 8.666/93.

Primeiramente, noto que o agravo regimental de fls. 886-891, interposto por Ana Lídia Maué Gueiros, insurgindo-se contra o desmembramento do feito, não foi ainda decidido. Entendo ser este o momento oportuno para o deslinde da questão.

Determinei o desmembramento do feito com fundamento e pedido da Procuradoria Geral da República, de fls. 872-874, que se reportava ao artigo 80 do Código de Processo Penal.

Ao acolher o pleito reconheci que a tramitação de um feito com 31 (trinta e um) investigados, sendo que apenas um deles detentor de foro especial perante o Supremo Tribunal Federal, levaria a uma considerável dilação da instrução criminal, acarretando indesejável atraso no desfecho do processo.

A jurisprudência desta Corte, nos casos que envolvem diversos investigados e com elevada complexidade probatória, inclina-se no sentido de autorizar o desmembramento. Nesse sentido trago à baila a seguinte decisão:

"EMENTA Agravo regimental. Inquérito. Desmembramento. Possibilidade. Artigo 80 do Código de Processo Penal. Elevado número de indiciados e complexidade da causa. 1. Na forma de inúmeros precedentes da Suprema Corte, o elevado número de agentes e de condutas demandam complexa dilação probatória a justificar o desmembramento do feito requerido pelo Ministério Público Federal, ressaltando-se que apenas um dos vinte e três indiciados detém prerrogativa de foro por ser Deputado Federal (artigo 80 do Código de Processo Penal). 2. Agravo regimental desprovido" (Plenário, Inq-AgR 2.706-BA, j. 14/8/2008, DJ 26/9/2008, p. 117, Rel. Min. Menezes Direito).

Ressalto, ainda, que as condutas de Joaquim de Lira Maia e dos demais 30 (trinta) investigados não estão a tal ponto entrelaçadas de maneira a justificar a manutenção de todos no mesmo processo, sobretudo na hipótese de comprovar-se a tese esgrimida pelo primeiro de que, quando ocupava o cargo de Prefeito, não agiu como ordenados de despesa e não teve qualquer participação nos ilícitos.

Diante disso, considero perfeitamente cabível, ou melhor, até recomendável, o desmembramento do feito com relação aos corréus, razão pela qual voto no sentido de conhecer do agravo regimental em tela e, no mérito, negar-lhe provimento.

Prosseguindo, entendo que a denúncia não se mostra inepta ante o fato desta peça não descrever pormenorizadamente a participação do investigado nos fatos havidos como delituosos. Isso porque nela se afirma que a conduta ilícita que lhe é atribuída teria sido indireta. Em outras palavras, diz-se do investigado que, no mínimo, tinha conhecimento e concordava com o esquema de fraudes que ocorria, de forma sistemática, na Prefeitura sob o seu comando. Assim, não há como exigir que a exordial detalhe uma conduta caracterizada pelo "não agir".

A peça acusatória, no meu entender, descreve os fatos, com todas as suas circunstâncias, que, em tese, revelam a prática delituosa, bem como qualifica todos os envolvidos, além de indicar indícios de materialidade e autoria, amoldando-se perfeitamente ao que dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal.

Nesta linha, trago à colação precedente de minha relatoria, HC 93736, julgado pela Primeira Turma, cuja ementa transcrevo abaixo:

"EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO PRATICADA, EM TESE, POR ADVOGADO. FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA PARA A PROPOSITURA E RECEBIMENTO DA AÇÃO PENAL. ARTIGOS 41 E 43 DO CPP. ORDEM DENEGADA. I - A análise da suficiência ou não de provas para a propositura da ação penal, por depender de exame minucioso do contexto fático, não pode, como regra, ser levada a efeito pela via do habeas corpus. II - Para o recebimento da ação penal não se faz necessária a existência de prova cabal e segura acerca da autoria do delito descrito na inicial, mas apenas prova indiciária, nos limites da razoabilidade. III - Ordem denegada, para que a ação penal siga seu curso, com as cautelas de estilo" (1ª Turma, HC 93736, j. 16/9/2008, DJ 24/10/2008, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, grifos meus).

Ademais, entendo que não estão presentes quaisquer dos requisitos do artigo 43 do CPP, que permitam a rejeição da denúncia, in limine, quais sejam: a atipicidade evidente do fato, a ocorrência de alguma causa de extinção da punibilidade, a manifesta ilegitimidade de parte ou a falta de condição exigida por lei para o exercício da ação penal.

Analisando os autos, tenho para mim que a materialidade dos delitos encontra-se suficientemente evidenciada, ao menos de maneira indiciária. Nesse sentido, reporto-me, especialmente, às conclusões do laudo pericial, juntado às fls. 386/395, e aos documentos de fls. 396 e seguintes.

O setor técnico-científico da Polícia Federal do Pará examinou notas fiscais, contratos de constituição de sociedades, notas de empenho, pagamentos e outras evidências, concluindo pela possível prática dos ilícitos noticiados pelo Parquet.

A metodologia empregada pelos peritos incluiu diligências junto ao Departamento de Administração da Fundação municipal de Assistência ao Estudante da Prefeitura Municipal de Belém, ocasião em que obtiveram documentos que estampavam os preços dos principais alimentos que compunham a merenda escolar nos anos de 1998, 1999 e 2000. Além disso, utilizaram como referência, dados oriundos do DIEESE e da Universidade Federal do Mato Grosso, relativamente preços praticados nos mesmos anos.

Após a comparação dos dados assim obtidos, os peritos constataram um superfaturamento na compra de alimentos para a merenda escolar da ordem de R$ 1.970.824,70 (um milhão novecentos e setenta mil e oitocentos e vinte e quatro reais e setenta centavos), em valores da época.

Constataram também que a discrepância de valores não poderia ser atribuída ao preço do frete referente ao transporte dos gêneros alimentícios até Santarém, pois, embora tal cidade esteja relativamente distante da Capital, Belém, o acréscimo no frete seria de pequena monta, ou seja, de, no máximo, 0,87% (oitenta e sete décimos por cento).

Essa discrepância de valores, apurada pelos experts, a meu ver constitui fortíssimo indício de que houve superfaturamento, devido à possível transgressão às normas licitatórias de que trata a Lei 8.666/93.

Quanto à autoria, não há negar que, ao menos neste momento processual, inexiste prova contundente que demonstre tenha o investigado influído, por ação ou omissão, nas práticas delituosas. Entretanto, a circunstância de estar exercendo o cargo de Prefeito municipal à época o coloca muito próximo aos eventos tidos como delituosos, o que permite que se considere a possibilidade de neles estar envolvido.

Como bem assentou o ministério Público em seu parecer de fls. 1.059-1.063:

"A atribuição de poderes de gestão a Secretarias Municipais, por si só, não afasta a autoria dos delitos imputados ao denunciado. Consoante já afirmado. Suia atuação nos crimes não era direta. É autor de um delito não é apenas aquele que atua de forma direta, praticando o núcleo do tipo, senão também aquele que arquiteta o delito, agindo como autor intelectual.

(...)

Deve ficar claro que a atribuição de uma certa competência a órgão/pessoa em específico pode afastrar a responsabilização cível de outrem, mas não a criminal que, para se fazer presente, contenta-se com a adesão intencional ao tipo criminoso.

Por fim a alegação do denunciado de que não cometeu os delitos de que é acusado envolve o próprio mérito da ação penal, que será objeto da prova a ser produzida no curso da instrução".

Não se está aqui, evidentemente, emitindo um pré-julgamento. Ao contrário, o que se faz é apenas conceder à acusação a oportunidade - a que tem direito por força de ditame constitucional - de comprovar aquilo que alega, seja por meio de prova documental, seja mediante a ouvida de testemunha, seja ainda por qualquer outro modo de prova admitida em Direito.

O recebimento da denúncia, à evidência, não significa qualquer juízo de antecipação quanto à culpa do investigado, permanecendo hígida a presunção a sua inocência. Todavia, não se pode coarctar a tentativa do ministério Público de demonstrar, em favor da sociedade, a tese que deseja ver provada em juízo.

Nesta linha, mesmo que, à época dos fatos, o gerenciamento do sistema educacional e o sistema de compras do Município fosse descentralizado e não contasse qualquer participação direta do Prefeito, em especial na qualidade de ordenados de despesas, não se pode desprezar a possibilidade de que tenha, como quer a acusação, atuado como mentor ou, então, emprestado a sua anuência aos esquemas fraudulentos.

Nesse aspecto, a denúncia consigna o seguinte:

"Indubitável que os integrantes da comissão de licitação, a secretaria municipal de educação e mais o ex-prefeito do município de Santarém estavam envolvidos direta e indiretamente nos processos licitatórios daquela Prefeitura. Em vista disso responderão como co-autores da prática delituosa do crime licitatório em questão.

(...)

Diga-se de passagem que os secretários nada mais são do que agentes que exercem funções de confiança, verdadeiros longa manus do Prefeito.

(...)

Todo esse procedimento culminara com a assinatura do Termo de Homologação, de responsabilidade da Secretária Municipal de Educação, MARIA JOSÉ DE ALMEIDA MARQUES, pessoa de confiança do ex-Prefeito JOAQUIM DE LIRA MAIA, a qual tomava conhecimento dos valores oferecidos pelas empresas concorrentes, analisava o inteiro trâmite procedimental adotado pela Comissão de Licitação, e, ao final, deferia-o.

Quanto ao ex-Prefeito, sem embargo da inexistência de documentos que comprovem sua direta participação, esse fato não o torna isento da responsabilidade de gerenciar as despesas do Município. Destarte, ele agia como co-autor dos crimes em testilha.

Partindo dessa premissa, o ex-Prefeito de Santarém, com o intuito de camuflar sua participação nos processos licitatórios, não assinava nenhuma nota de empenho ou recibo. Porém era ciente de todos os atos praticados naquele certame, ou seja, anuía tacitamente. (fls. 15-16, grifos do original).

Portanto, encontrando-se preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, e com fundamento nas razões acima; voto no sentido de receber a denúncia oferecida contra Joaquim de Lira Maia pela possível prática dos delitos constantes dos artigos 90 e 96, I, ambos da Lei 8.666/93.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, apenas para registrar, mais uma vez, que me sinto muito lisonjeado quando se busca pronunciamento do Supremo sobre certa matéria, mas que, no caso - e venho sustentando isso de forma linear, sem estabelecer distinções -, a competência do Tribunal é de direito estrito constitucional, é delimitada pela Carta da República. Portanto, normas processuais comuns, como são as que disciplinam a conexão e a continência, não podem elastecer essa competência.

Sustentei isso no célebre caso do "Mensalão", mas fui voz vencida, e estamos com a ação em curso envolvendo hoje, dentre os quarenta denunciados, apenas meia dúzia que detém a prerrogativa de foro.

Nós não somos sequer afeitos a instruir processo, a instruir ação penal. Por isso, delegamos os interrogatórios - e é uma constante essa delegação - para que a instrução se dê na primeira instância.

Voto no sentido de desprover o recurso, consignando que não estabeleço qualquer distinção. Aqueles que detêm a prerrogativa de foro, realmente, devem ser julgados pelo Supremo, mas os cidadãos comuns não. E ainda espero estar aqui no Supremo quando a prerrogativa vier a ser alijada do cenário jurídico brasileiro.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, apenas uma ponderação. Duas são as imputações, e ouvi vossa Excelência aludir a inquérito instaurado no ano de 2000.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Isso mesmo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Os fatos são anteriores, portanto, à instauração do inquérito.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - São.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Agora, quanto ao crime do artigo 90 - a fraude à licitação já teríamos a prescrição da pretensão punitiva, porque a pena máxima cominada é de quatro anos, e são passados mais de oito. Quanto ao do artigo 91, não, porque a pena máxima é de seis, e a prescrição ocorre em doze anos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Está se falando da pena máxima.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Conferi na Lei n° 8.666/93.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Vossa Excelência conferiu?

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A denúncia chegou a ser recebida em primeiro grau?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Não chegou a ser recebida; não houve interrupção, realmente não houve nenhum fato interruptivo da denúncia.

Vossa Excelência tem razão nesse aspecto.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O teto está revelado como sendo de quatro anos. A prescrição ocorre em oito.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - São os artigos 90 e 91 da Lei.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - O artigo 91 diz respeito à elevação arbitrária dos preços.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Ministro Lewandowski, cuida-se de servidor público; não pode haver uma causa de aumento de pena?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Essa é uma possibilidade, sem dúvida.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - E, aí, eleva o prazo prescricional.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Mas a prescrição é considerada em si.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - A intervenção de Vossa Excelência é instigante, e eu estava pensando em pedir vista.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Vossa Excelência quer pedir vista em mesa ou vista dos autos?

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Não, vista regimental.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Eu só gostaria de fazer uma observação - porque eu pedi vista e trouxe voto do qual pediu vista, aí, o Ministro Menezes Direito - no caso do Senador Valdir Raupp, que guarda alguma semelhança.

Fiquei muito impressionado com a descrição, com a denúncia, pois ela caminha, na verdade, para um tipo de responsabilidade objetiva.

Leio uma parte da denúncia, apenas para já registrar o processo mnemônico para nós todos:

"Quanto ao ex-Prefeito, sem embargo da inexistência de documentos" - isso, estou lendo a denúncia - "que comprovem sua direta participação, esse fato não o torna isento da responsabilidade de gerenciar as despesas do Município. Destarte, ele agia como" - agora, um per saltam notório - "co-autor intelectual dos crimes em testilha." (...)

Parcela lida por Vossa Excelência. E a partir daí diz:

"Partindo dessa premissa, o ex-Prefeito de Santarém, com o intuito de camuflar saia participação nos processos licitatórios, não assinava nenhuma nota de empenho ou recibo."(...)

O que é típico de uma prefeitura maior, certamente. Porque fico a imaginar, se esta premissa puder ser aceita, porque não trazer o Presidente da República, em qualquer crime corrido numa comissão de licitação em algum ministério, ou trazer sempre um Ministro de Estado? Vejam, portanto, a seriedade do tema que está a se cuidar. Quer dizer, para efeito de responsabilidade política, nenhuma dúvida; para efeito de responsabilidade administrativa, nenhuma dúvida; mas, para efeito de responsabilidade penal, há que se trazer algo de participação pessoal; e exatamente o ministério Público diz que não tem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Presidente, Vossa Excelência me permite fazer uma breve intervenção? Eu fiquei extremamente preocupado com isso, em relação à responsabilidade objetiva em matéria penal; é claro que tal não pode ser admitido de forma nenhuma.

Mas é que, do contexto dos autos, Senhor Presidente, trata-se de um pequeno Município do Pará onde foi cometida, em tese, uma fraude num pequeno setor, que só no ano de 2000, correspondeu a cerca de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais); e não foi uma fraude só, nem duas, nem três, foram vinte e quatro fraudes apenas no setor de merenda escolar, ou seja, fraudes cometidas de forma sistemática, nas barbas das autoridades municipais.

Então, nesse contexto, Senhor Presidente, verifico que a denúncia não se baseou meramente na responsabilidade objetiva.

Do contexto dos autos - os autos têm quatro volumes e mais uma série de anexos e um conjunto de documentos -, é claro que pode o magistrado sopesar a gravidade dos fatos e deve ter a sensibilidade para avaliá-los.

O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Eu estou lendo justamente a página referente ao prefeito e aí diz assim:

"Partindo dessa premissa, o ex-Prefeito de Santarém, com o intuito de camuflar sua participação nos processos licitatórios, não assinava nenhuma nota de empenho ou recibo."

E diz mais:

"Porém, era ciente de todos os atos praticados naquele certame, ou seja, anuía tacitamente. Isso fica comprovado com a reiterada prática do crime de superfaturamento executado durante sua administração, que, apesar das mudanças dos integrantes da comissão de licitação, tal prática criminosa persistiu, só que envolvendo outras empresas."

Não se diz nada sobre a participação.

Quer dizer, estou lendo; na verdade é uma página que diz respeito. Aí diz mais:

"É patente que a falta de controle administrativo permite que os atos tornem-se suscetíveis de fraudes, comprometendo a legalidade da Administração.

Assim, não há como não imputar responsabilidade ao prefeito" - nós estamos falando de responsabilidade penal - "Municipal e a Comissão de Licitação, na medida que concorreram na inobservância de formalidades legais da Lei de Licitação, e consequentemente, aplicação dos recursos públicos, sem a observância das formalidades aplicáveis à espécie, na qualidade de ordenados máximo da Prefeitura."

Se este juízo puder ser aceito, obviamente que nós vamos estar chancelando um juízo de objetividade penal, de responsabilidade objetiva, porque não se traz nenhum dado de participação. Quer dizer, o texto, inclusive, é como não se fazer uma denúncia, porque é cheio de petição de princípio. Dá-se por demonstrado aquilo que se pretendeu demonstrar.

Mas é só para fazer o registro.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - É claro, sem dúvida.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Ministro Lewandowski, Vossa Excelência me permite?

O parágrafo 2° do artigo 327 do Código Penal diz:

"Artigo 327

...........

Parágrafo 2° - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capitulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público."

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mais do que isso. Na verdade, o próprio Estatuto das Licitações (Lei nº 8.666/93), no artigo 84, parágrafo 2° - norma essa expressamente referida na denúncia -, estabelece causa especial de aumento de pena, impondo o acréscimo de um terço à sanção penal cominada.

Isso significa, considerada a existência de causa especial de aumento de pena, que ela tem direta repercussão sobre o cálculo prescricional, a viabilizar a aplicação, o caso, do artigo 109, inciso III, do Código Penal, que define em 12 (doze) anos o lapso temporal da prescrição "in abstracto" da pretensão punitiva do Estado.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Vossa Excelência tem toda a razão. Realmente verifica-se, havia lido apenas o tipo do artigo 90, a causa de aumento do parágrafo 2° do artigo 84.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - A causa de aumento repercute na prescrição.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Sim, as causas de aumento (tanto quanto as de diminuição) de pena repercutem no cálculo da prescrição penal, sendo computadas na contagem dos lapsos temporais respectivos, como tem reconhecido a jurisprudência desta Suprema Corte (HC 54.666/PR, Rel. Min. BILAC PINTO, v.g.).

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR) - Exatamente, são quase doze anos contados dos fatos.

De qualquer maneira, parece que nobre ministro Carlos Britto pediu vista antecipada.

EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 2.578-0

PROCED.: PARÁ

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDIC.(A/S): JOAQUIM DE LIRA MAIA

ADV.(A/S): SÁBATO GIOVANI MEGALE ROSSETTI E OUTRO (A/S)

INDIC.(A/S): JOVINA AZEVEDO MARQUES

INDIC.(A/S): VALFREDO PEREIRA MARQUES JÚNIOR

INDIC.(A/S): MARIA JOSÉ DE ALMEIDA MARQUES

INDIC.(A/S): SALOMÉ SIQUEIRA DE OLIVEIRA

INDIC.(A/S): ANA LÍDIA MAUÉS CUEIROS

INDIC.(A/S): PAULO ÉRICO MORAES CUEIROS

INDIC.(A/S): ANDRÉ MORAES CUEIROS

INDIC.(A/S): PAULO EUGÊNIO ABBOUD MAUÉS

INDIC.(A/S): AÉLCIO DE JESUS MONTEIRO DOS SANTOS

INDIC.(A/S): MARIA INEZ KLAUTAU DE MENDONÇA CUEIROS

INDIC.(A/S): TED MÁRCIO CORRÊA MORAES

INDIC.(A/S): PAULO SÉRGIO BARROSO CORRÊA

INDIC.(A/S): MARIA DE NAZARÉ CORRÊA MORAES

INDIC.(A/S): EDINÉLIA GOMES DO AMARAL

INDIC.(A/S): NILCE ASTROGILDA SILVA VINHOTE

INDIC.(A/S): NELY BARROSO CORRÊA

INDIC.(A/S): AILCE MARIA PEREIRA MOURÃO

INDIC.(A/S): JOSÉ CARLOS ZAMPIETRO

INDIC.(A/S): MARILUCE LINHARES DE SOUZA

INDIC.(A/S): CÉSAR DUARTE RAMALHEIRO

ADV.(A/S): JACQUELINE FERREIRA DA SILVA

INDIC.(A/S): MARIA ILVA CORRÊA DEZINCOURT

INDIC.(A/S): MARIA SOUSA DE MOURA

INDIC.(A/S): NANCI SOUSA PINTO

INDIC.(A/S): WILSON PAULO DA SILVA CAVALCANTE

INDIC.(A/S): MARILZA SERIQUE DOS SANTOS

INDIC.(A/S): MARIA HELENA KLAUTAU MENDONÇA DE MORAES

INDIC.(A/S): MYRIAN BARCESSAT SERRUYA

INDIC.(A/S): CARMELO PROCÓPIO JÚNIOR

INDIC.(A/S): CLÁUDIO SAMPAIO SOBRAL

INDIC.(A/S): PAULO SÉRGIO GÓES DE OLIVEIRA

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao agravo regimental. Prosseguindo no julgamento, após o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator), recebendo a denúncia, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Eros Grau. Falou pelo Ministério Público Federal o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Vice-Procurador-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 02.04.2009.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.

Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Luiz Tomimatsu - Secretário

VOTO - VISTA

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Trata-se de inquérito policial, instaurado para a apuração de delitos supostamente cometidos no âmbito de processos licitatórios para a aquisição de merenda escolar pelo município de Santarém (PA), nos exercícios de 1998 a 2000.

2. Pois bem, remetido a este Supremo Tribunal Federal em razão da prerrogativa de foro do Deputado Federal Joaquim Lira Maia, prefeito municipal à época dos fatos tidos por delituosos, o inquérito foi desmembrado pelo relator, Ministro Ricardo Lewandowski. Isto para que apenas o denunciado, detentor do foro especial por prerrogativa de função, figurasse no pólo passivo destes autos. Decisão contra a qual foi manejado agravo regimental pela defesa de Ana Lídia Maués Cueiros. Na sequência, o denunciado, Joaquim Lira Maia, ofereceu resposta escrita. Resposta de contestação da validade da denúncia e quanto ao mérito da impetração.

3. Deu-se que, na sessão plenária de 02 de abril de 2009, o Ministro relator validou a denúncia ajuizada e entendeu que o caso é mesmo de separação de processos (desmembramento), negando provimento ao agravo regimental. Após o unânime desprovimento do agravo regimental, pedi vista dos autos para melhor examinar a questão da permanência da pretensão punitiva do Estado e do atendimento, pela inicial acusatória, dos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.

4. Muito bem. Consigno que ao denunciado são increpados os delitos capitulados nos artigos 90 e 96, inciso I da Lei n. 8.666/93. Delitos, esses, punidos com penas máximas de detenção de 4 e 6 anos, respectivamente. Mas o que diz a denúncia? Fala que os crimes ocorreram nos exercícios de 1998, 1999 e 2000, no município de Santarém (PA), durante a gestão municipal do denunciado Joaquim Lira Maia. Sendo assim, não há que se falar em extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado. Até porque, no caso, como observou o Ministro Celso de Mello na assentada anterior, incide a causa especial de aumento de pena, inscrita no parágrafo 2° do artigo 84 da Lei n° 8.666/93, verbis:

"Artigo 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público,

Parágrafo 1° Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.

Parágrafo 2° A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo poder público.

5. E o fato é que, no julgamento do Inquérito 2191, de minha relatoria, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal entendeu que não faria sentido agravar a pena do funcionário que ocupa cargo em comissão, deixando livre do aumento o seu superior hierárquico.

6. Salto para o exame da inicial acusatória. Exame que, nesta fase preliminar, é balizado pelos artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. No artigo 41, a lei adjetiva penal indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve conter a exposição do fato, criminoso, em tese, com as suas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando necessário). Aporte factual, esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do contraditório. Já o artigo 395 do mesmo diploma processual, esse impõe à peça acusatória um conteúdo negativo. Se, no primeiro, há uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, pelo artigo 395 há uma obrigação de não fazer; ou seja, a peça de acusação não pode incorrer nas seguintes impropriedades:

"Artigo 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal".

7. Dito isto, consigno que a denúncia noticia suposto esquema de fraudes em processos licitatórios (nas modalidades Carta Convite e Concorrência), destinados à compra da merenda escolar para a rede pública municipal de Santarém (PA). Esquema, esse, operado mediante do superfaturamento nos preços praticados pelas empresas concorrentes. Empresas que, em grande número, sequer são do ramo de fornecimento de produtos alimentícios e cujo capital é objetivamente frágil para responder pelo objeto dos contratos firmados com o Município. Nesse particular, quanto à materialidade delitiva, portanto, diz a denúncia (fls. 02/20) que:

(...)

Nesse contexto, restou comprovado que os preços praticados pelas empresas licitações estavam muito acima dos valores de mercado. Do total do superfaturamento de 24 licitações, sendo que 20 sob a modalidade de Carta Convite e 4 na espécie concorrência, obtém-se valor de R$ 1.970.824,70 (um milhão, novecentos e setenta, oitocentos e vinte e quatro reais e setenta centavos), nos termos do laudo de exame contábil às fls. 367/381. Valores que foram usurpados indevidamente dos cofres públicos.

(...)

Quanto à descrição do fato típico, são incontestáveis as características veementes de fraude em licitação, restando comprovados os superfaturamentos dos valores dos gêneros alimentícios com verbas do FNDE.

Por sua vez, bastante adequado foi o ato de requisição para a realização do Exame Merceadológico, realizado nos documentos licitatórios da Prefeitura de Santarêm entre os anos de 1998 e 2000, no qual resultou na comprovação da materialidade dos crimes dos artigos 90 c/c 96, inciso I, da Lei 8.666/93. Com tal prova pericial, ficou evidenciado o superfaturamento nas licitações".

8. Com efeito, não há como negar que a denúncia descreve fatos, sinalizadores do cometimento dos delitos em causa. Delitos legislativamente formatados como opção política de proteção do patrimônio público e do mais importante conteúdo do princípio da moralidade administrativa: a probidade na administração (parágrafo 4° do artigo 37 da Constituição Federal).

9. Quanto à obrigatoriedade em si da licitação, como regra geral, diz a nossa lei fundamental:

"ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações". (inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal)

10. Ora, diante desse quadro de primeira envergadura normativa, não tenho como dissentir do Ministro relator, quando afirma que "a denúncia não se mostra inepta ante o fato desta peça não descrever pormenorizadamente a participação do investigado nos fatos havidos como delituosos. Isso porque nela se afirma que a conduta ilícita que lhe é atribuída teria sido indireta. Em outras palavras, diz-se do investigado que, no mínimo, tinha conhecimento e concordava com o esquema de fraudes que ocorria, de forma sistemática, na Prefeitura sob o seu comando. Assim, não há como exigir que a exordial detalhe uma conduta caracterizada pelo `não agir.'" (trecho do voto). Entendimento, esse, que se louva na pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que, em se tratando de crime cometido mediante o concurso de agentes, admite-se uma denúncia mais ou menos genérica. Isso porque, em casos tais, especialmente naqueles delitos que são cometidos em gabinetes (a portas fechadas, portanto), fica muito difícil individualizar, pormenorizadamente, as condutas protagonizadas por cada um dos respectivos agentes.

11. Ademais, a denúncia descreve, com base nos elementos delitivos até então conhecidos, um acordo de vontades entre Joaquim Lira Maia e os demais denunciados, supostamente executores das condutas delitivas. Do que se constata que a narrativa acusatória permite o exercício da ampla defesa e não é fruto de um descuidado ou de um arbitrário exercício do poder-dever de promover a ação penal pública. Noutro falar: a denúncia atende aos requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, sem incidir nas hipóteses de rejeição do artigo 395 do mesmo diploma adjetivo.

12. Acompanho o relator e assim me pronuncio pelo recebimento da denúncia.

13. É como voto.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Na verdade, como bem ressaltou o douto Ministro Carlos Britto, a acusação descreve que, entre 1998 e 2000, foram praticados, só na área da merenda, vinte e quatro ofensas à lei de licitação, gerando um total de aproximadamente dois milhões de prejuízos para o erário. Isso feito de forma sistemática, reiterada. E acusa-se o prefeito de uma cidade relativamente pequena, Santarém, de conivência com um verdadeiro esquema montado na prefeitura.

À época, entendi, realmente, que havia, pelo menos nessa análise inicial, comprovação da materialidade, isso com base em laudos periciais, e indícios de autoria suficientes para abertura da ação penal.

Foi suscitada uma questão relativa à prescrição, Senhor Presidente e eminentes Pares, porque alguns crimes teriam sido praticados em 98, e exatamente o ilícito relativo ao artigo 90 da Lei de Licitações, em tese, prescreveria em oito anos. Ocorre que há esse argumento levantado pelo eminente Ministro Celso de Mello, no que diz respeito ao aumento de pena por se tratar de funcionário público lato senso, agora também agasalhado pelo eminente Ministro Carlos Britto. Mas a verdade, verifico também, relendo a inicial, que ela, quando assinala estas datas - 98, 99 e 2000 -, reporta-se à expedição das cartas-convites e à realização da concorrência, mas nós sabemos que o processo licitatório é um continuum que não se exaure nesses momentos. Então, é preciso imaginar que o momento consumativo do crime se protraiu no tempo, ou seja, pode ser, dependendo da ótica, que o crime se consumou no momento da homologação da licitação, ou quem sabe até no momento do pagamento das parcelas sucessivas no tempo relativas à alegada fraude. Neste momento do recebimento da denúncia, a presunção de inocência se inverte, e agora a presunção é in dubio pro societate. Então, a questão da prescrição, se ela realmente existir e for um argumento consistente, poderá ser examinada ao longo do processo-crime que se instaurará, se acolhida a denúncia.

De qualquer maneira, aqueles atos praticados a partir de 2000 não estão prescritos, seja sob o ponto de vista do artigo 90 da Lei de Licitações, seja sob a ótica do artigo 96, inciso I, da Lei 8.666.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - A majorante já resolve essa questão.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - A majorante já resolveria em tese essa questão também. A meu ver, são detalhes que poderão ser examinados em relação a cada um dos crimes imputados ao denunciado.

Esse é o esclarecimento que queria prestar.

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente, também acompanho o Ministro-Relator.

As observações feitas pelo denunciado realmente não me parecem consistentes o bastante para deixar de recebê-la neste momento, não verifiquei nenhuma inépcia. E considero, como na primeira assentada, uma observação do Ministro Joaquim Barbosa, quando dizia da preocupação enorme que se tem quanto à Administração Pública, das dificuldades, inclusive, de se ter essa figura da frustração de procedimentos licitatórios, que, como o Ministro Lewandowski disse, são procedimentos, conjunto de atos que se sucedem. Portanto, não vi como verificar, neste momento, quais foram os atos praticados que poderiam ter ou frustrado ou, pelo superfaturamento, determinado, de alguma forma, a frustração dos interesses coletivos nos termos da lei.

Recebo a denúncia também, rigorosamente nos termos do eminente Ministro-Relator.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, acompanho o relator, e assim o faço de forma mais segura, considerado o aspecto alusivo à prescrição que, em um primeiro passo, impressionou-me, já que temos a regência especial da Lei n° 8.666/93 e não há como partir para o aditamento a essa Lei e cogitar-se de causa de aumento da pena. Sua Excelência projeta, ante a ausência de dados mais concretos, o exame dessa matéria - concernente à prescrição - para o julgamento definitivo.

Estamos numa fase embrionária e, atendendo a peça apresentada pelo Ministério Público ao figurino processual, deve-se caminhar - já que a história contada, realmente, consubstancia crime, e existem indícios de autoria - para o recebimento da denúncia.

É como voto.

EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 2.518-0

PROCED.: PAPÁ

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

AUTOR (A/S) (ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDIC. (A/S): JOAQUIM DE LIRA MATA

ADV.(A/S): SÁBATO GIOVANI MEGALE ROSSETTI E OUTRO(A/S)

INDIC.(A/S): JOVINA AZEVEDO MARQUES

INDIC.(A/S): VALFREDO PEREIRA MARQUES JÚNIOR

INDIC.(A/S): MARIA JOSÉ DE ALMEIDA MARQUES

INDIC. (A/S): SALOMÉ SIQUEIRA DE OLIVEIRA

INDIC.(A/S): ANA LÍDIA MAUÉS CUEIROS

INDIC. (A/S): PAULO ÉRICO MORAES CUEIROS

INDIC.(A/S): ANDRÉ MORAES CUEIROS

INDIC.(A/S): PAULO EUGÊNIO ABBOUD MAUÉS

INDIC.(A/S): AÉLCIO DE JESUS MONTEIRO DOS SANTOS

INDIC.(A/S): MARIA INEZ KLAUTAU DE MENDONÇA CUEIROS

INDIC.(A/S): TED MÁRCIO CORRÊA MORAES

INDIC. (A /S): PAULO SÉRGIO PARROSO CORRÊA

INDIC. (A/S): MARIA DE NAZARÉ CORRÊA MORAES

INDIC. (A/S): EDINÉLIA GOMES DO AMARAL

INDIC.(A/S): NILCE ASTROGILDA SILVA VINHOTE

INDIC.(A/S): NELY BARROSO CORRÊA

INDIC.(A/S): AILCE MARIA PEREIRA MOURÁO

INDIC.(A/S): JOSÉ CARLOS ZAMPIETRO

INDIC.(A/S): MARILUCE LINHARES DE SOUZA

INDIC.(A/S): CÉSAR DUARTE RAMALHEIRO

ADV.(A/S): JACQUELINE FERREIRA DA SILVA

INDIC.(A/S): MARIA ILVA CORRÊA DEZINCOURT

INDIC.(A/S): MARIA SOUSA DE MOURA

INDIC.(A/S): NANCI SOUSA PINTO

INDIC.(A/S): WILSON PAULO DA SILVA CAVALCANTE

INDIC.(A/S): MARILZA SERIQUE DOS SANTOS

INDIC.(A/S): MARIA HELENA KLAUTAU MENDONÇA DE MORAES

INDIC.(A/S): MYRIAN BARCESSAT SERRUYA

INDIC. (A/S) : CARMELO PROCÓPIO JÚNIOR

INDIC. (A/S) : CLÁUDIO SAMPAIO SOBRAL

INDIC. (A/S) : PAULO SERGIO CAES DE OLIVEIRA

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao agravo regimental. Prosseguindo no julgamento, após o voto do Senhor. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator), recebendo a denúncia, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Eros Grau. Falou pelo Ministério Publico Federal o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Vice-Procurador-Geral da República. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 02.04.2009.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal recebeu a denúncia, por votação unânime. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Menezes Direito e, neste Julgamento, o Senhor Ministro; Gilmar Mendes (Presidente) Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Plenário, 06.08.2009.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cármen Lúcia.

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Luiz Tomimatsu - Secretário




JURID - Agravo regimental. Indiciada sem prerrogativa de foro. [25/11/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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