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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

JURID - Ação penal. Crime de uso de documento falso (art. 304 do CP) [09/11/09] - Jurisprudência


Ação penal. Crime de uso de documento falso (artigo 304 do Código Penal). Denúncia. Aptidão.
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Supremo Tribunal Federal - STF.

DJe nº 195 Divulgação 15/10/2009 Publicação 16/10/2009 Ementário nº 2378 - 2

SEGUNDA TURMA

HABEAS CORPUS 90.191-3 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S): JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO

PACIENTE(S): MARISA APARECIDA ZANARDI ANUNCIAÇÃO

IMPETRANTE(S): MAURÍCIO WAKUKAWA JÚNIOR

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. AÇÃO PENAL. Crime de uso de documento falso (artigo 304 do Código Penal). Denúncia. Aptidão. Descrição suficiente dos fatos, atribuindo aos co-réus o uso consciente de procurações falsas em processo judicial. Absolvição posterior. Demonstração de inexistência de prejuízo à defesa. E apta a denúncia que, para efeito de tipificação do delito previsto no artigo 304 do CP, atribui aos dois denunciados o uso consciente de procurações falsas para dar início a processo judicial.

2. Falta de justa causa. Necessidade de produção de provas. Imprescindibilidade da instrução. Justa causa presente. HC denegado. Só se admite trancamento de ação penal, na via de habeas corpus, diante de patente atipicidade do comportamento, inocência do acusado, ou incidência de causa extintiva de punibilidade. A referência às provas produzidas durante a fase de instrução pela sentença absolutória indica a necessidade da própria instauração da ação penal, denotando a presença de justa causa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Senhora Ministra ELLEN GRACIE, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelos pacientes, o Dr. EDUARDO PIZARRO CARNELÓS. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro CELSO DE MELLO. Não participou do julgamento o Senhor Ministro EROS GRAU por não ter assistido à leitura do relatório.

Brasília, 08 de setembro de 2009.

Ministro CEZAR PELUSO - Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO e MARISA APARECIDA ZANARDI ANUNCIAÇÃO, contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu a ordem requerida no HC nº 47.941.

Segundo a impetração, o Juízo da 3ª Vara Federal de São José do Rio Preto oficiou à Polícia Federal, para apuração de eventual crime de falso praticado pelos pacientes, diante das aparentes divergências nas assinaturas constantes de três processos ordinários de cobrança de diferenças no FGTS.

A autoridade policial instaurou três procedimentos investigatórios distintos, relativo a cada um dos processos cíveis. Relatados, os inquéritos foram distribuídos a Varas Federais distintas. O primeiro foi arquivado (fl. 170, apenso 2), enquanto os demais deram ensejo a duas ações penais (fls. 173-178, apenso 2). A defesa solicitou a reunião dos processos, pela conexão entre os feitos. O pedido foi indeferido (fl. 232, apenso 2).

Impetrou-se, então, habeas corpus ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, requerendo a união dos feitos e o trancamento das ações por ausência de justa causa e inépcia da denúncia. O pedido foi integralmente indeferido (fls. 330-335, apenso 1).

Contra a decisão, novo habeas corpus foi impetrado, agora ao STJ. A ordem foi parcialmente concedida, nos termos da ementa:

"CRIMINAL. HC USO DE DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR INSTRUMENTOS DE PROCURAÇÃO. ASSINATURAS DOS OUTORGANTES, EM TESE, FALSIFICADAS. AÇÕES CÍVEIS AJUIZADAS CONTRA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. FALTA DE CONHECIMENTO SOBRE AS FALSIFICAÇÕES. IMPROPRIEDADE DO WRIT PARA APROFUNDADO EXAME. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. IRRELEVÂNCIA. INÉPCIA PARCIAL DA PRIMEIRA DENUNCIA OFERECIDA. NÃO DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO. REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NÃO-OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. DUPLICIDADE DE ACUSAÇÕES. IMPROCEDÊNCIA DO ARGUMENTO. REUNIÃO DE PROCESSOS. CONEXÕES INTERSUBJETIVA E PROBATÓRIA EVIDENCIADAS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

I. Hipótese em que se pleiteia o trancamento das ações penais ajuizadas contra os pacientes, ou, alternativamente, a declaração de inépcia das denúncias contra eles oferecidas em razão de uso, na condição de advogados, de procurações contendo assinaturas supostamente falsificadas, outorgadas por trabalhadores em ações cíveis contra a Caixa Econômica Federal visando ao recebimento de diferenças de FGTS, decorrentes dos sucessivos planos econômicos do governo.

II. Preenchidos, em princípio, os elementos do tipo penal de uso de documento falso e verificada a regularidade das peças acusatórias quanto ao referido delito, não se pode falar em trancamento das ações penais por ausência de justa causa ou inépcia das denúncias.

III. Verificada a clara exposição do fato criminoso, com suas circunstâncias, assim como a devida qualificação dos acusados, a classificação do crime, além do oferecimento do rol de testemunhas, não há qualquer imprecisão quanto aos fatos atribuídos aos pacientes.

IV. Evidenciado o ajuizamento de ação judicial, por ambos os pacientes, com a utilização de procurações com assinaturas, em tese, falsas, não há que se falar em deficiência da narrativa ministerial por falta de individualização de condutas.

V. O trancamento da ação, normalmente, é inviável em sede de writ, pois dependente do exame da matéria fática e probatória.

VI. A ausência de justa causa para o prosseguimento do feito só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade - hipóteses não foram verificadas in casa.

VII. Maiores considerações acerca da ausência de demonstração do efetivo conhecimento da falsificação das procurações por parte dos pacientes, com a análise dos depoimentos prestados ainda na fase policial pelos acusados, bem como pelos autores da ações cíveis ajuizadas contra a Caixa Econômica Federal, não podem ser objeto da via eleita, devendo ser apreciadas em momento oportuno, qual seja, o da instrução criminal.

VIII. A alegação de que não teria havido prejuízo para os autores das ações cíveis ajuizadas contra a Caixa Econômica Federal não tem o condão de afastar a tipicidade da conduta prevista no artigo 304 do Código Penal, a qual não exige a ocorrência de prejuízo para se configure o delito.

IX. Revela-se a inépcia parcial da primeira peça acusatória, eis que da sua narrativa não se verifica, em qualquer passagem, a descrição do delito de falsificação de documento particular, previsto no artigo 298 do Código Penal. Precedente da Turma.

X. Descabida a alegação de nulidade da decisão que, acolhendo fundamentadamente a manifestação ministerial em razão da existência de duas denúncias contra os pacientes, determinou o prosseguimento dos processos sem levar a efeito a proposta de suspensão condicional do processo.

XI. Não se implementando a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo, não há que se falar em nulidade decorrente da ausência de intimação de decisão monocrática que 'revogou' o benefício.

XII. Tendo sido expedidos ofícios a Delegacia de Policia Federal, cada qual narrando a suposta prática de um crime a ser apurado, não prospera o argumento de duplicidade de acusações, tampouco de que deveria haver aditamento á primeira denúncia, porquanto cada ação cível ajuizada pelos pacientes contra a CEF corresponderia, em tese, á prática de um crime de uso de documento falso.

XIII. Ocorrência de dupla conectividade a atrair a unidade de processo e julgamento: conexão intersubjetiva por concurso, e conexão instrumental ou probatória.

XIV. Ausentes nos autos as hipóteses de separação facultativa dos processos, previstas no artigo 80 do CPP.

XV. Deve ser determinada a reunião das ações penais instauradas contra os pacientes, com a conseqüente unidade de julgamento, nos termos do artigo 76, incisos I e III, c/c artigo 79, do Código de Processo Penal, bem como para reconhecer a inépcia da denúncia ofertada contra os pacientes nos autos do Processo nº 5470-9/02, apenas quanto ao crime do artigo 298 do Código Penal.

XVI. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator" (fls. 389-390, apenso 1).

Alega aqui, o impetrante, falta de justa causa para a ação penal, bem como a inépcia da denúncia, sob os seguintes argumentos: (i) o inquérito policial relativo aos mesmos fatos e distribuído à 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de São José do Rio Preto foi arquivado por ausência de indícios suficientes ao oferecimento de denúncia; (ii) os pacientes não se utilizaram das alegadas falsificações, donde inexistente o dolo; (iii) o paciente JOSÉ CARLOS não subscreveu as petições iniciais dos processos cíveis; (iv) não há, nas denúncias, exposição do fato criminoso e individualização das condutas; (v) das supostas falsificações não resultou nenhum dano; e, finalmente, (vi) os clientes representados pelos advogados tinham pleno conhecimento da proposição das ações cíveis.

O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial do pedido, e, na parte conhecida, pela denegação da ordem (fls. 39-46).

Às fls. 62-63, a defesa requereu a concessão de liminar, em virtude do estado em que se encontram as ações penais contra os pacientes.

Às fls. 78-82, veio aos autos o impetrante, informando que a ação penal foi julgada improcedente pelo juízo de primeiro grau, em razão de ausência de potencialidade lesiva das condutas imputadas, reiterando, outrossim, o pedido aduzido na inicial.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. Alegam-se, em síntese, inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal.

Lembro desde logo que jurisprudência aturada desta Corte está em que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal é medida excepcionalíssima, justificada apenas diante de patente atipicidade do comportamento, clara inocência do acusado, ou incidência de causa extintiva de punibilidade (cf. HC nº 82.872, Rel. Min. ELLEN GRACIE; HC nº 82.656, 81.736, 81.517, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA; HC nº 82.128, 82.377, 82.328, 85.636, Rel. Min. CARLOS VELLOSO; HC nº 82.332, Rel. Min. GILMAR MENDES; HC nº 81.612, 81.120, Rei. Min. NELSON JOBIM; HC nº 277.074, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; HC nº 91.516, Rel. Min. CEZAR PELUSO).

Analiso, então, cada uma das alegações.

2. Com relação aos alegados vícios das denúncias, a inépcia estaria configurada pela ausência de exposição do fato criminoso e de individualização das condutas de cada um dos co-réus. Transcrevo os trechos pertinentes de cada uma:

i) Processo n.25470-912002: "Consta dos presentes autos que, na ação ordinária nº 2000.61.006573-5, movida por José Carlos Fonseca, José Donizete Carminati Righet, Elza Furigo, João Roberto Stringhini e José Valdirio de Mattos em face da Caixa Econômica Federal, que tramitou perante a 3ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, os ora denunciados, na qualidade de advogados dos autores, utilizaram-se, conscientemente, de procurações contendo assinaturas falsas daqueles (fls. 119/123 c/c fls. 194/196), datadas de 03 de julho de 2.000, para dar início ao processo em questão (fls. 05/09).

Com efeito, constatou-se que as assinaturas constantes das procurações de fls. 119/123, que permitiram aos ora acusados o ajuizamento da ação que originou o processo 2000.61.06.006573-5, divergiam das assinaturas constantes das procurações outorgadas pelos mesmos autores aos advogados José Carlos da Anunciação, ora denunciado, e Marcelo Henrique, constantes dos autos do processo nº 1999.61.06.010207-7, datadas de julho de 1.996.

Cumpre ressaltar, aliás, que o processo 1999.61.06.010207-7, que tramitou pela 4ª Vara Federal desta Subseção, foi, em 14 de março de 2000, extinto sem julgamento do mérito (fls. 63/64) porque os advogados dos autores, intimados para apresentarem procurações atuais, deixam transcorrer in albis o prazo fixado pelo juízo.

Curiosamente, em julho de 2000, os ora acusados, munidos de procurações falsificados (fls. 119/123), ajuizaram ação idêntica àquela extinta pelo juízo da 4ª Vara Federal, que foi distribuída á 3ª Vara Federal tendo sido registrada sob o número 2000.61.06.006573-5.

O laudo pericial de fls. 194/196 reconheceu a falsidade das procurações em questão, haja vista que as assinaturas nelas constantes são inautênticas.

Ante o exposto, conclui-se que os denunciados praticaram o delito previsto no artigo 304 c/c o artigo 298, do CP". (fls. 172-175, apenso II)

ii) Processo nº 5$45-4/2002: "Consta dos autos que, na ação ordinária nº 2000.61.008071-2, movida por Joaquim Antônio da Cunha, Benedita Alves Batista, Benedito Domingos, Sebastião de Souza Araújo e Clóvis Gonçalves Guimarães em face da Caixa Econômica Federal, que tramitou perante a 3ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, os denunciados JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO E MARISA APARECIDA ZANARDI ANUNCIAÇÃO, na qualidade de advogados dos autores, utilizaram conscientemente, de procurações contendo assinaturas falsas daqueles (fls. 279/283), datadas de 24 de julho de 2.000, para dar início ao processo em questão.

O laudo pericial de fls. 262/264 reconheceu a falsidade das assinaturas lançadas nas procurações em questão (fls. 143/147 ou 279/283).

Com efeito, constatou-se que as assinaturas constantes das procurações de fls. 279/283, que permitiram aos acusados o ajuizamento da ação que originou o processo 2000.61.06.008071-2 (fls. 03/08), divergiam das assinaturas constantes das procurações outorgadas pelos mesmos autores aos advogados JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO, ora denunciado, e MARCELO HENRIQUE, constantes dos autos do processo nº 1999.61.06.010921-7, datadas de 19 de julho de 1.996 (fls. 132/136 ou 274/278).

Cumpre ressaltar, aliás, que o processo 1999.61.06.010921-7, que tramitou pela 42 Vara Federal desta Subseção, foi extinto sem julgamento do mérito, em 06 de abril de 2000 (fls. 37/44), porque os advogados dos autores, intimados para apresentarem procurações atuais, deixam transcorrer in albis o prazo fixado pelo juízo.

Assim, os denunciados ajuizaram ação idêntica àquela extinta pelo juízo da 4ª Vara Federal, que foi distribuída á 3ª Vara Federal, tendo sido registrada sob o número 2000.61.06.008071-2 e usaram nesse processo procurações falsificadas (fls. 279/283), haja vista que as assinaturas nelas constantes são inautênticas.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO e MARISA APARECIDA ZANARDI ANUNCIAÇÃO como incursos nas penas do artigo 304 do Código Penal." (fls. 176-178, apenso II)

E lembro o que dispõe o artigo 304 do CP:

"Art. 302. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302"

Ora, os fatos descritos não são patentemente atípicos. Antes, as iniciais aduzem, expressamente, que os acusados "utilizaram conscientemente, de procurações contendo assinaturas falsas daqueles (..), datadas de 24 de julho de 2.000, para dar início ao processo em questão de maneira satisfatória". Assim, não há falar em inexistência de exposição de fato criminoso, como quer o impetrante.

Quanto à individualização das condutas, tampouco tem razão.

Os pacientes foram acusados de, na qualidade de advogados, introduzirem, conscientemente, procuração falsa em processo judicial.

Colho, a propósito, do voto-condutor do acórdão ora impugnado:

"As narrativas descrevem que os pacientes, na condição de advogados, teriam utilizado, quando do ajuizamento de ações contra a Caixa Econômica Federal, procurações contendo assinaturas supostamente falsas, pois seriam divergentes de outras assinaturas constantes de procurações anteriormente outorgadas pelas mesmas pessoas aos ora pacientes.

Nesse contexto, as exordiais relatam ter sido a inautenticidade das referidas assinaturas reconhecida por meio de laudo pericial.

Vislumbra-se, portanto, o atendimento, pelas peças pórticas, dos requisitos do artigo 41 da Lei Processual Adjetiva, no tocante ao delito de uso de documento falso.

Realmente. Da leitura do teor acima destacado não se pode concluir, de plano, que os pacientes não tinham conhecimento da suposta falsidade das assinaturas.

Dessa forma, preenchidos, em princípio, os elementos do tipo penal de uso de documento falso e verificada a regularidade das peças acusatórias, não se pode falar em trancamento das ações penais por ausência de justa causa ou inépcia das denúncias.

Ao contrário do que sustenta a impetração, houve clara exposição do fato criminoso, com suas circunstâncias, assim como se deu a devida qualificação dos acusados, a classificação do crime, além do oferecimento do rol de testemunhas, não havendo qualquer imprecisão quanto aos fatos atribuídos aos pacientes no tocante ao eventual crime de uso de documento falso.

Outrossim, evidenciado o ajuizamento de ação judicial, por ambos os pacientes, com a utilização, em tese, de procurações com assinaturas falsas, não há que se falar em deficiência da narrativa ministerial por falta de individualização de condutas" (fls. 378-379, apenso 1)

Tenho, assim, que as denúncias não apresentam descrição genérica, nem de outro modo ofensiva ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Na verdade, a superveniente absolvição dos pacientes reforça o entendimento de que os termos das peças acusatórias, em momento algum, representaram óbice ao exercício do direito de defesa.

3. Ainda quanto aos supostos defeitos das denúncias, sustenta o impetrante que o acórdão do STJ, ao aduzir que "as ações penais expuseram claramente o fato criminoso com suas circunstâncias, não havendo qualquer imprecisão ou deficiência na narrativa ministerial por falta da individualização das condutas de cada um dos pacientes, fatalmente, ignora atos de suma importância que levariam, certamente, ao trancamento das ações penais por sua patente inépcia" (fl. 10). Alega, então, que a denúncia é inepta por "se equivocar completamente em relação aos fatos", uma vez que o paciente JOSÉ CARLOS não subscreveu as petições iniciais que continham as procurações falsas (fl. 11).

Como já afirmei, a só obediência ao artigo 41 do Código de Processo Penal não basta a dar ensejo a acusação válida. A denúncia deve ser, além de formal, também materialmente apta. A acusação que não tem apoio em elementos retóricos, precários que sejam, é inepta e de igual modo impede exercício do direito de defesa (HC nº 88.978, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 21/09/2007).

Não há, porém, o que reparar na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Relevo trecho do voto-vista proferido pela Ministra LAURITA VAZ:

"Não se pode precisar, todavia, pelas informações contidas no writ, se o paciente José Carlos da Anunciação, durante a tramitação dos processos cíveis, praticou algum ato processual representando os autores, utilizando-se, assim, dos poderes consignados nas procurações falsas. Para se aferir, desse modo, a responsabilidade penal do paciente José Carlos.da Anunciação fazer-se-ia necessário a dilação probatória dos fatos, mormente o exame acurado dos atos praticados pelo causídico nas ações ordinárias de expurgos inflacionários, o que somente será possível no curso da instrução probatória da ação penal, assegurando-lhe o direito à ampla defesa e ao contraditório" (fl. 386, apenso I, grifei)

Ora, sob pretexto de aparente inépcia material da denúncia não se pode perder, a meio caminho, a velha jurisprudência da Corte, a qual "...tem advertido que o exame aprofundado das provas não encontra sede juridicamente adequada na via sumaríssima do processo de 'habeas corpus'. Precedentes" (HC nº 269.958, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 10108/2006).

Do voto do Relator consta ainda:

"No ponto concernente à alegada insuficiência de provas, não vislumbro possibilidade de apreciar essa objeção na presente sede processual, posto que isso demandaria um exame aprofundado de fatos e uma ampla discussão em torno dos demais elementos de caráter instrutório, o que se mostra vedado, por incompatibilidade absoluta, na via estreita do "habeas corpus", consoante iterativa jurisprudência desta Corte (RTJ 129/1169 - RTJ 135/557)".

Mas a alegação da defesa, no que tange à inépcia da denúncia, está fundada em suposta desconsideração - ou equívoco - na apreciação de fatos. E, como se sabe, a tal propósito não se presta a via eleita.

4. Afastada a tese de inépcia da denúncia, resta analisar se é caso de trancamento da ação penal por falta de justa causa, o que, como visto, somente é possível nos casos em que se verifica, de plano, a inocência do acusado ou incidência de causa extintiva de punibilidade.

E, também nesse ponto, não assiste melhor sorte ao impetrante. É que as próprias alegações defensivas reforçam a imprescindibilidade da instrução criminal. Não se pode esquecer que os pacientes foram absolvidos, em primeiro grau, nos termos da antiga redação do artigo 386, VI, do CPP ("não existir prova suficiente para a condenação"). Na ocasião, declarou o juízo sentenciante:

"Os documentos foram utilizados, vez que as ações foram propostas, instruídas com as procurações falsificadas. Já quanto ao conhecimento da falsidade, toda a tese da defesa baseia-se na alegação de que os réus não sabiam que as assinaturas eram falsificadas, porque não acompanhavam as suas colheitas, vez que estas eram assinadas no Sindicato e enviadas aos réus.

A prova colhida demonstra a veracidade de tais assertivas, afastando o dolo direto.

(...)

A instrução toda demonstrou que mais que culpa os réus agiram sem se importar com o resultado que tamanha desídia poderia causar (...). Ao contrário, a tese da defesa deixa claro que no afã de ganhar dinheiro pouco se importavam os réus em entrevistar seus clientes ou mesmo se certificar se propunham ações segundo a vontade dos mesmos.

(...)

Já os autores estavam de acordo com a propositura das referidas ações (..) em caso de procedência, a Caixa Econômica Federal faria a correção dos saldos do FGTS diretamente na conta dos autores, como de fato acabou ocorrendo, segundo os titulares das ações quando foram ouvidos" (fls. 84-89).

Estes tópicos demonstram que o juízo de primeiro grau só pôde apreciar as teses da defesa - que o impetrante invoca como indicativas da ausência de justa causa para a ação penal (desconhecimento das falsificações; ausência de dolo; ausência de prejuízo) - depois da colheita de provas, no curso regular da instrução. É o que basta para afastar a hipótese de "clara inocência" dos acusados, que pudesse ser aferida antes da conclusão do procedimento judicial.

Anoto, a propósito, lição da eminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça, MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA:

"a justa causa não constitui condição da ação, mas a falta de qualquer uma das apontadas condições implica falta de justa causa: se o fato narrado na acusação não se enquadrar no tipo legal; se a acusação não tiver sido formulada por quem tenha legitimidade para fazê-lo e em face de quem deva o pedido ser feito; e, finalmente, se inexistir o interesse de agir, faltará justa causa para a ação penal" [Justa causa para a ação penal, Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: RT, 2001, p. 221.]

A necessidade da instrução criminal, somada à legitimidade da denúncia, revela inexistir, na espécie, constrangimento ilegal por sanar.

5. Ante ao exposto, denego a ordem.

Ministro CEZAR PELUSO - Relator

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 90.191-3

PROCED.: SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

PACTE.(S): JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO

PACTE.(S): MARISA APARECIDA ZANARDI ANUNCIAÇÃO

IMPTE.(S): MAURÍCIO WAKUKAWA JÚNIOR

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, à unanimidade, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelos pacientes, o Dr. Eduardo Pizarro Carnelós. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. Não participou do julgamento o Senhor Ministro Eros Grau por não ter assistido à leitura do relatório. 2ª Turma, 08.09.2009.

Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto Nóbrega.

Carlos Alberto Cantanhede - Coordenador




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